Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2374/20.8T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO MORTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS DOS FAMILIARES
EQUIDADE
Nº do Documento: RP202202242374/20.8T8PNF.P1
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A determinação da compensação pecuniária devida pelo dano morte e correspondente lesão do direito à vida deve fazer-se com recurso à equidade, ponderando critérios de uniformidade na jurisprudência para situações similares, sem descurar, todavia, a especificidade do caso concreto.
Em todo o caso, nenhuma razão séria justifica que este dano, perfilando-se como lesão do bem vida, valor de dimensão absoluta e inexcedível, possa ter um tratamento de menor dignidade ressarcitória do que aquele que é conferido às lesões da saúde em geral, todas necessariamente, e por definição, de menor gravidade.
II - O dano intercalar, porque medeia entre o momento em que ocorre o acto lesivo e a morte da vítima resultante desse evento, abrange o sofrimento, designadamente pela percepção da eminência da própria morte, e dores físicas sentidas pela vítima durante o período em causa.
Esse dano é atendível em termos compensatórios, devendo os respectivos valores indemnizatórios ser calculados em função do caso concreto, ponderando, designadamente, a gravidade das lesões sofridas, a intensidade das dores, o período de tempo durante a qual as dores se prolongam e eventual pressentimento da morte.
III - Na fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais, resultantes do sofrimento e perda pela morte do marido e pai, em consequência das lesões resultantes de acidente de viação, está o julgador subordinado a critérios de equidade, que ponderem a situação económica dos lesados e do obrigado à reparação, a intensidade do grau de culpa do lesante, e extensão e natureza das lesões sofridas pelo titular do direito à indemnização, considerando, como ponto de equilíbrio, as próprias finalidades prosseguidas pela indemnização por este tipo de danos.
IV - O n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil contém uma enumeração taxativa das pessoas com direito a ser ressarcidas por danos não patrimoniais próprios resultantes da morte da vítima, não podendo, por isso, a ressarcibilidade ser estendida a outras pessoas para além das indicadas na norma em causa - ainda que estas pudessem ter uma apertada ligação emocional ou afectiva à vítima.
V - Na quantificação das indemnizações dos familiares por perda do contributo remuneratório da vítima falecida, haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2374/20.8T8PNF.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este
Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 2


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
1. AA, viúva, por si e na qualidade de representante legal de seus dois filhos menores, consigo residentes, BB e CC, e DD, solteiro, estudante, residente com a mãe/1ª A. vieram propor contra X..., Cª de Seguros S.A., acção declarativa, com processo comum, para pagamento de indemnização emergente de acidente de viação, concluindo, a final, pedindo: se declararem os AA. como únicos e universais herdeiros da vítima mortal de acidente de viação e seja a Ré condenada a pagar-lhes quantia global não inferior a €1.108.938,10, valor acrescido de juros, calculados com base no dobro da taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Para fundamentar as respectivas pretensões invocaram, em síntese, a ocorrência de um sinistro rodoviário, pela produção do qual foi responsável culposo o condutor do veículo seguro na Ré, do qual veio a resultar o falecimento do sinistrado, marido, pai e padrasto dos AA.. Sustentam, consequentemente, a titularidade do direito à indemnização nos seguintes termos:
- pelos danos morais próprios da vítima antes de morrer, a 1ª, a 2ª e o 3º AA. Reclamam o pagamento da quantia de €50.000,00, louvando-se em lugares paralelos e sempre menos graves da jurisprudência nacional;
- pela perda do direito à vida a 1ª, a 2ª e o 3º AA. reclamam o pagamento da quantia de €150.000,00;
- a título de dano moral próprio, a 1ª A./viúva reclama a quantia de €60.000,00, cada um dos AA. filhos do EE reclamam a quantia de €50.000,00; já o 4º A./DD, a quantia de €30.000,00;
- a título de dano futuro emergente da perda da contribuição patrimonial do falecido, todos quantia global nunca inferior a €717.673,10.
A Autora mais reclamou o custo da realização do funeral e preparação da campa, no valor de €1.265,00.
Sempre a liquidação a dobrar dos juros vem fundamentada no disposto no artigo 38º, nº 2, do DL 291/2007, de 21/08.
A Ré contestou, aceitando a responsabilidade do seu segurado na produção do sinistro, sustentando, a um tempo, o exagero da liquidação dos danos feita pelos AA, a não titularidade do direito pelo enteado e sempre a insubsistência da pretensão de indemnização pela perda do salário do sinistrado.
Dispensada a audiência prévia, elaborou-se despacho saneador, no qual se aferiram positivamente a totalidade dos pressupostos processuais e se seleccionou a matéria assente e controvertida com interesse para a decisão da causa.
Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“...julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Ré a satisfazer:
- a título de indemnização pelos danos morais próprios da vítima antes de morrer, aos 1ª, 2ª e o 3º AA. a quantia de 25.000 EUR;
- a título de indemnização pela perda do direito à vida aos 1ª, 2ª e o 3º AA. A quantia de €130.000,00;
- a título de indemnização pelo dano moral próprio, 40.000 EUR à Autora viúva, 30.000 EUR, a cada um dos 2º e 3º AA., seus filhos e ao 4º Autor, enteado da vítima, a quantia de 18.000 EUR;
- a título de indemnização pelo dano emergente da perda da contribuição patrimonial do falecido, 390.000 EUR à 1ª Autora; 4.000 EUR ao 4º A., DD; 57.000 EUR ao 3º Autor, CC e à 2ª Autora, BB, o montante de 129.000 EUR, tudo no montante global de 580.000 EUR;
- a título de indemnização com a despesa com o funeral e campa, 1.265 EUR, à 1ª Autora.
São devidos juros sobre as quantias fixadas, ao dobro da taxa legal relativa aos juros das obrigações civis, a contar da data da presente decisão e até integral pagamento.
Naturalmente que a reduzir ou descontar às indemnizações arbitradas os valores que vêm sendo satisfeitos no quadro da decisão proferida nos autos de procedimento cautelar apensos.
Custas na proporção do decaimento.
2. Não se conformando a Ré com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
…………………..
…………………..
………………….
Os apelados apresentaram contra-alegações, requerendo a ampliação do objecto do recurso, pugnando, a final, pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se existe erro na apreciação da prova;
- valores indemnizatórios devidos para reparação dos danos sofridos em consequência do acidente;
- juros sobre os valores fixados.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
A) No dia 07/06/2020, cerca das 11 horas e 30 minutos, na Estrada Nacional nº .../Av. ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, ocorreu uma colisão/acidente de viação.
B) Do indicado evento resultou, em 20/06/2020, 13 dias após o sinistro e como consequência direta e necessária, a morte de EE – de seguida apenas EE – marido da A., pai dos dois AA. menores e padrasto do 4º A./DD.
C) Além de marido e pai dos 1ºs três AA., o EE vivia ainda com o 4º A., apenas filho da A. - a quem, conjuntamente com a 1ª A., alimentava, vestia, calçava, suportava despesas escolares e outras, acarinhava e era acarinhado como se de um efectivo filho se tratasse, com quem, aliás, vivia desde os dois anos de idade.
D) No sinistro foram intervenientes os seguintes condutores e veículos: matrículas ..-..-XH, motociclo, pertencente e conduzido pela vítima EE; e, ..-BD-.., ligeiro de passageiros, marca Fiat, modelo ..., conduzido pela Srª FF, de seguida apenas Dª FF - duas viaturas doravante abreviadamente indicadas por Fiat e por XH.
E) O evento aconteceu da seguinte forma: o EE circulava na indicada via (E.N. ...), com o sentido de marcha ... – ...;
F) A Dª FF – condutora do Fiat – provinha da rua ... e pretendia seguir a marcha em direção a ... – sentido de marcha inverso ao do EE.
G) No momento em que o EE já se encontrava a cerca de 20 metros do ponto médio de intercepção das duas vias, com o XH, por si tripulado, ao alcance visual da Dª FF;
H) Esta avançou inopinadamente para a via (E.N. ...), cortando-lhe a linha de marcha.
I) O EE, que circulava com capacete de proteção e a cerca de um metro do limite da sua hemi-faixa, ainda terá tentado travar, todavia foi-lhe impossível evitar a colisão do XH, por si tripulado, contra a lateral esquerda do Fiat.
J) Após o embate sucedeu o seguinte: o EE, por força do desvio que ainda efectuou, foi cair do lado esquerdo da via - atento o seu sentido de marcha; e o XH imobilizou-se a cerca de 10 metros do local de embate indicado pela Dª FF, próximo da berma do lado contrário – com a roda traseira alinhada com a berma da hemi-faixa contrária àquela em que circulava (... – ...), próximo do Fiat, embora ligeiramente atrás e ao lado deste.
L) O embate entre o XH e o Fiat ocorreu na hemi-faixa do EE, pelo facto de a Dª FF não ter aguardado a sua passagem e ter entrado, de forma inadvertida e inopinada e sem imobilizar o Fiat em face do sinal B2, Stop, existente para quem provém da via em que a Dª FF circulava e pretende passar a circular na E.N. ....
M) Devido ao acidente o EE ficou gravemente ferido e a sofrer no local. Foi assistido no local.
N) Algum tempo após o sinistro foi socorrido e transportado para o Centro Hospitalar ..., onde, após 13 dias de tratamentos, acabou por falecer, sendo que a morte lhe adveio em consequência directa e necessária das lesões consequentes do evento acima descrito.
O) À data do sinistro o EE - pai e padrasto dos AA. – tinha 33 anos.
P) A R., mediante carta enviada à A, datada de 03/07/2020, assumiu a responsabilidade pelos danos consequentes do acima descrito evento – cfr. doc. 14 junto com a petição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Q) À data do sinistro achava-se transferida para a Ré a responsabilidade por acidentes de viação causados pelo ..-BD-.., através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ......
R) Até à instauração da acção a Ré não apresentou aos AA uma proposta tendente à indemnização.
S) Na sequência da comunicação assente em P) os AA responderam à Ré via email, através de mandatário, em 14/07/2020, enviando em anexo aquilo de que dispunham no momento, certidão de óbito do sinistrado, recibos de vencimento e os cartões de cidadão dos alegados beneficiários da indemnização.
T) Em 15/07/2020 a Ré solicitou o envio de outros documentos que considerou estarem a faltar e, por isso, pediu, novamente, o envio de cópia da habilitação de herdeiros e relatório de autópsia, ao que os AA. responderam a solicitar a feitura de proposta, cujo pagamento ficaria condicionado à entrega dos documentos solicitados, mas de que os AA. ainda não dispunham.
U) A Ré voltou a solicitar os mesmos documentos, mormente o certificado de óbito, de onde constasse expressamente a causa da morte. E posteriormente solicitou também cópia do contrato de trabalho e da declaração de rendimentos do sinistrado.
V) EM 03/09/2020, os AA. enviaram o Contrato de Trabalho, Habilitação de Herdeiros e os registos clínicos que foram também juntos aos autos. Não enviaram declaração de rendimentos; tudo nos termos que se extraem das comunicações juntas aos autos pela Ré sob os documentos 3 a 10 com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos.
X) A A. e seus filhos – neste caso, demais três AA. – faziam face às despesas escolares, com alimentação, com vestuário e calçado, com assistência médica e medicamentosa, etc., também à custa do salário/rendimento que o EE auferia e lhes disponibilizava.
Z) Após o acidente o EE ficou prostrado na estrada. Ao menos na ocasião do embate sofreu dor física brutal.
AA) Fez pelo menos 03 cirurgias, inúmeros exames e tratamentos.
BB) À data do sinistro o EE era normalmente saudável, alegre, desportista, comunicativo e muito bem disposto.
CC) Era muito estimado por familiares, amigos e colegas de trabalho.
DD) E devotava à família grande estima, amizade e carinho.
EE) Era poupado.
FF) Ao menos parte (e significativa) do dinheiro que ganhava era para a família, para gastar em família e com a família.
GG) O EE realizava com frequência convívios, piqueniques, passeios e atividades desportivas com a família.
HH) A relação dele com a mulher e com os filhos era vista por toda a comunidade como um exemplo de família feliz.
II) A A., AA, sofreu ansiosamente durante os 13 dias que mediaram entre o sinistro e a morte.
JJ) A morte foi para ela uma dor acrescida, por via do que antecede.
LL) O EE era um marido carinhoso e um bom pai, pelo que a sua morte causou e causa um sentimento de vazio imenso e deixa toda a família em profunda depressão.
MM) A relação com os seus filhos e mulher era de grande proximidade e cumplicidade.
NN) O EE caracterizava-se pela sua boa disposição e alegria de viver contagiante, que transmitia à família.
OO) O momento em que a A. AA comunicou a notícia da morte do EE aos seus filhos foi de grande sofrimento e ficará marcado para sempre nas suas memórias.
PP) O sofrimento dos AA. está e estará presente, todos os dias, durante muitos e muitos anos.
QQ) O 4º A./DD, no seu quotidiano, relacionava-se com o EE como se de seu pai tratasse – assumiam-se, de facto, nas brincadeiras entre ambos, nas conversas, nas ajudas recíprocas, como pai e filho; A relação deles era de grande proximidade e amizade filial.
RR) À data do acidente o EE trabalhava como carpinteiro de 1ª na empresa S..., por conta da qual auferia o salário mensal de €1.539,45, catorze vezes por ano. Recebia horas extraordinárias, quando executava trabalho a exceder as 35 horas semanais, o que acontecia, com frequência não apurada.
SS) Para além da retribuição líquida, a sua entidade patronal suportava ainda todas as despesas consequentes da sua estada profissional em França, designadamente com alimentação, alojamento e deslocações/transporte nomeadamente para Portugal.
TT) O EE era havido pelos colegas e entidade patronal como um bom profissional.
UU) O rendimento que o EE recebia era indispensável e essencial para a gestão das despesas inerentes ao fluir do dia-a-dia do agregado familiar, nomeadamente em matéria de despesas com alimentação, telefones, vestuário, educação e lazer dos AA., ao menos à data do sinistro.
VV) Em consequência do falecimento do EE A. 1ª A. vai suportar o custo da realização do funeral e preparação da campa, no valor de €1.265,00.
XX) BB nasceu em .../.../2016, CC, em .../.../2007, DD em .../.../2002 e a Autora AA em .../.../1985, conforme certidões juntas aos autos com a petição inicial.
ZZ) DD iniciou, ao menos após a propositura da acção, vida laboral activa.
III.2. A mesma instância considerou não provados os restantes factos, designadamente que:
1. O EE teve consciência da eminência da morte aquando do embate ou durante os 13 dias de internamento, antecipando a possibilidade de morrer e sofrendo com a separação da família;
2. Apesar da elevada dose de medicação para minimizar as dores, durante os 13 dias de internamento agonizou de sofrimento, tentava libertar-se dos tubos, tentava comunicar e chorou, chorou muito;
3. Aqueles 13 dias foram de intenso sofrimento e de inqualificável angústia - face à perceptível consciência de que a morte lhe poderia advir e de que ia deixar os seus entes queridos, a sua querida família;
4. A A. esteve sempre presente, e, quando o EE sentia a sua presença e quando esta lhe sussurrava ao ouvido, este agarrava-lhe a mão com a força que conseguia e chorava;
5. A A. teve razões para acalentar a esperança de recuperação do marido, sendo subsistentes as indicações de possibilidade de recuperação;
6. O EE ambicionava ter mais filhos e progredir na carreira;
7. O EE não gastava um cêntimo que fosse no estrangeiro, pelo que todo o dinheiro que ganhava era para a família;
8. A A. BB – filha mais nova – desde a morte do pai passou a ter graves transtornos/dificuldade para dormir e foi aconselhada por um médico a consultar um psicólogo, dada a gravidade do trauma;
9. Os demais AA. também andam a ser acompanhados por psicólogo;
10. O EE já tinha recebido várias propostas de outras empresas;
11. Dado o seu profissionalismo, competência e ambição, o EE em poucos anos tornar-se-ia encarregado o que iria permitir que viesse a auferir salário próximo dos €2.500, líquidos.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Reapreciação da matéria de facto.
Não se conformando a recorrente com a decisão proferida em primeira instância quanto à matéria de facto submetida a julgamento, reclama desta instância o reexame da mesma.
Dispõe hoje o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo o seu nº 2:
A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Como refere A. Abrantes Geraldes[1], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa notar que a sindicância cometida à Relação quanto ao julgamento da matéria de facto efectuado na primeira instância não poderá pôr em causa regras basilares do ordenamento jurídico português, como o princípio da livre apreciação da prova[2] e o princípio da imediação, tendo sempre presente que o tribunal de 1ª instância encontra-se em situação privilegiada para apreciar e avaliar os depoimentos prestados em audiência. O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, “não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”[3].
Também é certo que, como em qualquer actividade humana, sempre a actuação jurisdicional comportará uma certa margem de incerteza e aleatoriedade no que concerne à decisão sobre a matéria de facto. Mas o que importa é que se minimize tanto quanto possível tal margem de erro, porquanto nesta apreciação livre o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas[4].
De todo o modo, a construção da realidade fáctica submetida à discussão não se poderá efectuar de forma parcelar e desconexa, atendendo apenas a determinado meio de prova, ou a parte dele, e ignorando todos os demais, ainda que expressem realidade distinta, a menos que razões de credibilidade desacreditem estes.
Ou seja: nessa tarefa não pode o julgador conformar-se com a análise parcelar e parcial transmitida pelos litigantes, mas antes submetê-la a uma ponderação dialéctica, avaliando a força probatória do conjunto dos meios de prova destinados à demonstração da realidade submetida a debate.
Assinale-se que a construção – ou, melhor dizendo, a reconstrução, pois que é dela que se deve falar quando, como no caso, se procede à ponderação dos factos que por outros foram apreendidos e transmitidos com o filtro da interpretação própria de quem processa essa apreensão – da realidade fáctica não pode efectuar-se de forma parcelar e desconexa, antes reclamando o contributo conjunto de todos os elementos que a integram.
Quer isto dizer que a realidade surge de um conjunto coeso de factos, entre si ligados por elos de interdependência lógica e de coerência.
A realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.2012[5] , “…a verdade judicial traduz-se na correspondência entre as afirmações de facto controvertidas, relevantes e pertinentes, aduzidas pelas partes no processo e a realidade empírica, extraprocessual, que tais afirmações contemplam, revelada pelos meios de prova produzidos, de forma a lograr uma decisão oportuna do litígio. Sobre as doutrinas da verdade judicial como mera coerência persuasiva ou como correspondência com a realidade empírica, vide Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 26-29. Quanto à configuração do objecto da prova e a sua relação com o thema probandum, vide Eduardo Gambi, A Prova Civil – Admissibilidade e relevância, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, Brasil, 2006, pag. 295 e seguintes; LLuís Muñoz Sabaté, Fundamentos de Prueba Judicial Civil L.E.C. 1/2000, J. M. Bosch Editor, Barcelona, 2001, pag. 101 e seguintes.
Por isso mesmo, a “reconstrução” cognitiva da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia ter, a finalidade exclusiva de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do acontecido, como sucede, de certo modo, nos domínios da verdade história ou da verdade científica, muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e íntima do julgador. Diversamente, tem como objectivo conseguir uma compreensão altamente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso (…)”.
1.1. A recorrente defende ter existido erro na apreciação da matéria de facto no que respeita aos pontos RR), UU) e ZZ) dos factos dados por provados.
Indica os concretos meios probatórios constantes do processo que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da proferida, indicando a decisão que, no seu entender, deve ser proferida em conformidade com os indicados meios de prova.
Dando, assim, cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, há que proceder à reapreciação da matéria de facto na parte em que foi impugnada.
Para tanto, procedeu-se à análise e valoração dos documentos convocados pela recorrente como fundamento para a pretendida alteração da decisão da matéria de facto e procedeu-se à audição da prova gravada para o efeito relevante.
- Ponto RR) - À data do acidente o EE trabalhava como carpinteiro de 1ª na empresa S..., por conta da qual auferia o salário mensal de €1.539,45, catorze vezes por ano. Recebia horas extraordinárias, quando executava trabalho a exceder as 35 horas semanais, o que acontecia, com frequência não apurada.
É certo que os Autores alegam no artigo 58.º da petição inicial que “À data do acidente o EE trabalhava como carpinteiro de 1ª na empresa S..., por conta da qual auferia o salário mensal de €1.539,42, catorze vezes por ano – montante correspondente ao salário mínimo francês – por 35h horas de trabalho semanal, no valor anual e global de €21.551,88”.
Nenhum dos documentos juntos aos autos atestam, porém, que o falecido EE, antes do fatal acidente de que foi vítima, auferia 14 vezes por ano aquele salário.
Por sua vez, as testemunhas GG e HH, colegas de trabalho do falecido EE, durante cerca de dois anos, esclareceram acerca do salário médio por cada um deles auferido, adiantando ser sensivelmente idêntico em relação a todos eles, variando em função das horas de trabalho prestadas, adiantando que trabalhavam habitualmente aos sábados, de quinze em quinze dias, sendo esse trabalho pago “por fora”.
Nenhum deles mencionou que o salário lhes era pago 14 vezes por ano.
Deve, por conseguinte, proceder nesta parte a impugnação deduzida pela recorrente seguradora à apreciação da matéria constante da alínea RR) dos factos dados como provados, eliminando do referido segmento decisório a expressão catorze vezes por ano.
Prevenindo a hipótese da alteração do ponto RR) dos factos provados no sentido pugnado pela apelante, reclamam os apelados que, a título subsidiário, seja ampliada a matéria de recurso, ficando a constar do referido segmento: À data do acidente, o EE trabalhava como carpinteiro de 1ª na S..., por conta da qual auferia o salário mensal de €1.539,45. Recebia horas extraordinárias, quando executava trabalho a exceder as 35 horas semanais e trabalhava pelo menos dois sábados por mês, auferindo mensalmente quantia entre os 250€ e os 500€, que acrescia ao salário base”.
Dispõe o n.º 2 do artigo 636.º do Código de Processo Civil, que “Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”.
A possibilidade de ampliação do objecto do recurso requerida pelos apelados quanto a este concreto ponto da matéria de facto é, desde logo, arredada pelo citado normativo que limita a impugnação da decisão sobre pontos determinados da matéria de facto não impugnados pelo recorrente, situação que, no caso, não se configura, tendo a recorrente impugnado a decisão quanto ao segmento da matéria de facto que os recorridos pretendem que seja alterada.
De todo o modo, os documentos juntos aos autos não confirmam probatoriamente que o EE auferisse entre €250,00 e €500,00 por trabalho prestado em dois sábados por mês, que acrescia ao seu salário base.
A testemunha GG referiu que de 15 em 15 dias trabalhavam ao sábado, recebendo por esse trabalho “€250,00, mais ou menos”.
Por sua vez, a testemunha HH, referindo que vinham a Portugal de 15 em 15 dias[6], trabalhando aos sábados, sem esclarecer quanto auferiam por esse trabalho extra, apenas mencionou que o falecido EE algumas vezes tinha de ficar, sem lograr precisar a regularidade dessa permanência em França, e as vindas mensais a Portugal.
Assim, altera-se o ponto RR) dos factos provados, passando a ser a seguinte a sua redacção: À data do acidente, o EE trabalhava como carpinteiro de 1ª na S..., por conta da qual auferia o salário mensal de € 1.539,45. Recebia horas extraordinárias, quando executava trabalho a exceder as 35 horas semanais, o que acontecia, com frequência não apurada.
- Ponto UU): O rendimento que o EE recebia era indispensável e essencial para a gestão das despesas inerentes ao fluir do dia-a-dia do agregado familiar, nomeadamente em matéria de despesas com alimentação, telefones, vestuário, educação e lazer dos AA., ao menos à data do sinistro.
Argumenta a recorrente que a referência à indispensabilidade/essencialidade do rendimento auferido pelo EE para as despesas do agregado familiar é contrariada quer pela matéria fixada no ponto X) dos factos provados, quer pela informação prestada pela Segurança Social segundo a qual, desde 31 de Março de 2020, a Autora AA auferia prestação de desemprego no valor mensal de € 438,81, 14 vezes por ano.
Com base nesse circunstancialismo e ainda no facto de que parte do rendimento auferido pelo EE seria por este afecto a despesas com ele próprio, designadamente, com vestuário e alimentação, propõe a recorrente alteração da redacção do ponto UU), conformando-a com a referida realidade factual.
Consta efectivamente dos autos informação prestada pelo ISS – Porto segundo a qual “A beneficiária AA encontra-se a receber prestação de desemprego desde 2020-03-31 no valor mensal atual de 438,81€, com termo provável em 2021-06-05”.
Ainda que da letra do ponto UU) não se possa extrair que a gestão das despesas do agregado familiar era feita exclusivamente à custa do rendimento auferido pelo EE, sendo de admitir, em termos de senso comum e de razoabilidade, que a prestação social recebida pela Autora AA também era afecta, pelo menos em parte, às despesas do agregado familiar, e que as despesas pessoais do EE, designadamente com alimentação, vestuário e actividades de lazer eram custeadas com parte do rendimento que recebia como contrapartida do seu trabalho, entende-se que as expressões indispensável e essencial, pela sua natureza vaga e conclusiva devem ser eliminadas do ponto UU), adoptando-se uma redacção mais objectiva e precisa.
Assim, altera-se a redacção do ponto UU) dos factos provados, passando este a ter o seguinte teor: Parte do rendimento que o EE recebia era destinado à gestão das despesas inerentes ao fluir do dia-a-dia do agregado familiar, nomeadamente em matéria de despesas com alimentação, telefones, vestuário, educação e lazer dos AA., ao menos à data do sinistro.
- Ponto ZZ): DD iniciou, ao menos após a propositura da acção, vida laboral activa.
Defende a recorrente a alteração deste segmento decisório de forma a fazer constar do mesmo que “DD iniciou, senão antes, a sua vida laboral activa em Setembro/Outubro de 2020, em França, na mesma empresa onde EE prestava o seu trabalho até Junho de 2020”.
Para tanto, apoia-se no depoimento da testemunha II, cunhado do falecido EE.
A referida testemunha confirmou, com efeito, que o DD foi para França, passando a trabalhar na mesma empresa em que o seu padrasto desenvolveu a sua actividade laboral.
Já quanto à data específica em que iniciou a sua vida laboral activa o seu depoimento foi vago e impreciso, afirmando “Se a memória não me atraiçoa, não sei se é Setembro ou Outubro que começou a trabalhar”, para logo acrescentar: “Não tenho datas específicas, mas sei que ele começou a trabalhar”.
Não existe, por conseguinte, suporte probatório bastante para que se conclua que o DD iniciou a sua actividade laboral activa em Setembro ou Outubro de 2020, e, muito menos, antes dessa data.
Os recorridos pugnam pela alteração do ponto ZZ) dos factos provados. Não indicam, porém, em que sentido deve tal segmento ser alterado, limitando-se a confirmar que o Autor DD foi, após o falecimento do padrasto, trabalhar para França, para a mesma empresa em que este trabalhava, já “que não tinha grande escolha que não fosse ajudar a mãe e irmãos face à trágica situação em que se viram envolvidos”.
Em todo o caso, tratando-se de matéria de facto impugnada pela recorrente, não podem os recorridos usar da faculdade conferida pelo n.º 2 do artigo 636.º do Código de Processo Civil.
Deve, por conseguinte, manter-se inalterado o ponto ZZ dos factos provados.
2. Da ampliação do objecto do recurso requerida pelos apelados.
Pretendem os apelados com a ampliação requerida que, com base no depoimento da testemunha HH, se altere a decisão que considerou não provada a matéria constante do n.º 11 – “Dado o seu profissionalismo, competência e ambição, o EE em poucos anos tornar-se-ia encarregado o que iria permitir que viesse a auferir salário próximo dos €2.500, líquidos”. -, dando-se por provado que “Dado o seu profissionalismo, competência, ambição e domínio da língua francesa, o EE em poucos anos iria, com grande probabilidade, auferir salário superior ao que auferia à data do acidente”.
A testemunha em causa, relatando as qualidades profissionais do EE na exercício da profissão que exercia na empresa em que ambos trabalhavam, limitou-se e emitir uma opinião quanto à possibilidade de vir este a obter uma progressão na actividade laboral que aí desenvolvia.
Porém, as meras expectativas, tanto mais quando fundadas em meros juízos opinativos, não são factos concretos que se possam tomar como certos ou sequer prováveis.
Não merece, pois, reparo a decisão que julgou não provada a matéria constante do ponto 11), que, por isso, permanece inalterada, improcedendo a requerida ampliação do objecto do recurso.
3. Do mérito do julgado.
3.1. Da responsabilidade por facto ilícito.
Dispõe o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Da simples leitura do preceito, resulta que, no caso de responsabilidade por facto ilícito, vários pressupostos condicionam a obrigação de indemnizar que recai sobre o lesante, desempenhando cada um desses pressupostos um papel próprio e específico na complexa cadeia das situações geradoras do dever de reparação.
Reconduzindo esses pressupostos à terminologia técnica assumida pela doutrina, podem destacar-se os seguintes requisitos da mencionada cadeia de factos geradores de responsabilidade por factos ilícitos: a) o facto; b) a ilicitude; c) imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Assim, antes de mais, para que o facto ilícito gere responsabilidade é necessário que o agente tenha actuado com culpa, pois a responsabilidade objectiva ou pelo risco tem carácter excepcional, como se depreende da disposição contida no nº 2 do citado preceito legal.
Com efeito, a responsabilidade civil, em regra, pressupõe a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do agente para com o facto. Aqui operam as fundamentais modalidades de culpa: a mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência) e o dolo, traduzindo-se aquela no simples desleixo, imprudência ou inaptidão, e esta na intenção malévola de produzir um determinado resultado danoso (dolo directo), ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito (dolo necessário), ou ainda correndo-se o risco de que se produza (dolo eventual).
Em termos de responsabilidade civil consagra-se a apreciação da culpa em abstracto, ou seja, desde que a lei não estabeleça outro critério, a culpa será apreciada pela diligência de um bom pai de família (in abstracto), e não segundo a diligência habitual do autor do facto ilícito (in concreto)[7]. Como sustenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.01.2008[8], “a lei ficciona um padrão ideal de comportamento que seria o que um homem medianamente sensato e prudente adoptaria se estivesse colocado diante das circunstâncias do caso concreto – critério do “bonus pater familias”; irreleva a diligência normalmente usada pelo agente”.
A culpa define-se, para este efeito, na circunstância de uma determinada conduta poder merecer reprovação ou censura do direito, ou seja, importará sempre avaliar se o lesante, face à sua capacidade e às circunstâncias concretas do caso em que actuou, podia e devia ter agido de outro modo[9].
Causa de um acidente é a acção ou omissão normalmente idónea a produzi-lo. Tem tais características, a acção ou omissão que, no consenso da generalidade das pessoas medianamente prudentes, colocadas nas circunstâncias do caso, e segundo um juízo de prognose póstumo e de acordo com as regras da experiência comum ou conhecida do agente, é apta a produzir o evento danoso[10].
Via de regra, e segundo o disposto no artigo 487.º do Código Civil, incumbe ao lesado a prova da culpa do autor da lesão[11], mas casos há em que a lei estabelece presunções de culpa do responsável.
Nas acções de indemnização por facto ilícito, embora caiba ao lesado a prova da culpa do lesante, essa sua tarefa está aliviada com o recurso à chamada prova de primeira aparência (presunção simples). Em princípio procede com culpa o condutor que, em contravenção aos preceitos estradais, cause danos a terceiros, ideia que pacificamente encontra eco na jurisprudência dos tribunais portugueses.
Ou seja: “sob pena de tornar-se excessivamente gravoso ou incomportável, o ónus probatório instituído no art. 487.º C.Civ. deverá ser mitigado pela intervenção da denominada prova prima facie ou de primeira aparência, baseada em presunções simples, naturais, judiciais, de facto ou de experiência - praesumptio facti ou hominis, que os arts. 349º e 351º C.Civ. consentem, precisamente enquanto deduções ou ilações autorizadas pelas regras de experiência - id quod plerumque accidit (o que acontece as mais das vezes) (…) Como assim, e dum modo geral, a ocorrência de situação que em termos objectivos constitua contravenção de norma(s) do Código da Estrada importa presunção simples ou natural de negligência, que cabe ao infractor contrariar, recaindo sobre ele o ónus da contraprova, isto é, de opor facto justificativo ou factos susceptíveis de gerar dúvida insanável no espírito de quem julga…”[12].
No caso em apreço, sempre a ré seguradora aceitou que a responsabilidade pela produção do acidente que causou a morte do sinistrado EE se deveu, em exclusivo, à conduta da sua segurada, tendo o referido evento resultado do seu comportamento infractor.
E assim também o entendeu a decisão recorrida, nessa parte não contrariada pela recorrente, que, à excepção do autor DD, aceita o dever de indemnizar, apenas discordando dos valores indemnizatórios fixados, que reputa de excessivos.
3.2. Dos valores indemnizatórios a satisfazer pela demandada seguradora.
O artigo 562.º do Código Civil, que consagra o princípio da reconstituição natural, preceitua que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Por dano deve entender-se “a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar”[13].
Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro[14].
Podendo os danos ser patrimoniais ou não patrimoniais, os primeiros compreendem, por sua vez, o dano emergente e o lucro cessante, abrangendo este último “os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que ainda não tinha direito à data da lesão”[15].
Nos termos do artigo 564º, n.º 2 do Código Civil, deve atender-se aos danos futuros, desde que previsíveis, contemplando esta previsão a reparação dos danos emergentes plausíveis. Se não puder ser quantificado, em termos de exactidão, o montante desses danos, julgará o tribunal equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto no artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil.
A fixação do valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda de contribuição de rendimentos é tarefa delicada, sobretudo por se fundar em parâmetros de incerteza: quanto ao tempo de vida da vítima, quanto ao tempo de vida com capacidade de ganho. Mas outros factores de incerteza contribuem para o dificultar da referida tarefa: o facto da capacidade de trabalho poder vir a ser afectada por doença ou acidente, a evolução salarial, a manutenção do emprego, cada vez mais incerta, a flutuação da moeda e dos índices de inflação.
Os prejuízos resultantes da perda de rendimentos de natureza laboral devem ser avaliados por referência à capacidade laboral, ao período de vida activa, que não se confunde com a esperança média de vida que, segundo dados do INE para 2020 – ano em que ocorreu o facto danoso aqui em discussão, para os homens se situava nos 78,07 anos.
Relativamente aos danos não patrimoniais, entende-se que a respetiva indemnização tem uma função compensadora (gravidade dos danos), e uma função sancionadora (grau de culpabilidade do agente). O critério de indemnização não deve ser confundido com os critérios de indemnização dos danos patrimoniais, que têm na sua base a teoria da diferença. Não obstante a equidade esteja consagrada para ambas as indemnizações, a sua função é distinta conforme os danos sejam imateriais ou materiais. No dano não patrimonial tem uma função primacial, sendo simultaneamente compensatória e sancionatória (artigos 494.º e 496.º, n.ºs 1 e 3 Código Civil), enquanto a equidade nos danos patrimoniais tem uma função auxiliar e corretora (artigo 566.º, n.º 3, Código Civil).
Dissertados, em termos de considerandos gerais, os critérios a ponderar para a quantificação dos danos patrimoniais e não patrimoniais aqui em apreciação, detenhamo-nos em cada um deles.
3.2.1. O dano morte e a lesão do correspondente direito à vida.
A lesão corporal que, pela sua irreversibilidade, melhor expressa a fragilidade da vida humana e potencialmente desencadeia danos patrimoniais de maior expressão e gravidade é a morte[16].
A compensação pelo dano morte é reconhecidamente pacífica no nosso ordenamento jurídico.
Como no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.4.2019[17] se reconhece, a vida não tem preço; tem um valor de natureza igual para toda a gente, mas também um valor social, uma vez que o homem é um ser em situação. Por isso, “temos que enfrentar o valor da vida em termos muito relativos, utilizando a equidade e o bom senso, na respectiva determinação, encarando a vida que se perde na função normal que desempenha na família e na sociedade em geral, no papel singular que realiza na sociedade, assinalado por um valor de afeição mais ou menos forte”.
Esta obrigação de compensar deve se avaliada “pelo valor da vida para a vítima enquanto ser”, traduzindo o dano morte “um prejuízo igual para todos os homens” e a “lesão de um bem superior a todos os outros”[18].
A determinação da compensação pecuniária devida pelo dano morte e correspondente lesão do direito à vida deve fazer-se com recurso à equidade, ponderando critérios de uniformidade na jurisprudência para situações similares, sem descurar, todavia, a especificidade do caso concreto.
Em todo o caso, nenhuma razão séria justifica que este dano, perfilando-se como lesão do bem vida, valor de dimensão absoluta e inexcedível, possa ter um tratamento de menor dignidade ressarcitória do que aquele que é conferido às lesões da saúde em geral, todas necessariamente, e por definição, de menor gravidade[19].
Refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 2016[20]: “A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em www.dgsi.pt, onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre €40.000,00/8.000.000$00 e €50.000,00/10.000.000$00. Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50.000,00 e €80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.0TBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).
O recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.2.2021[21], ponderando fundamentalmente a idade da vítima – 53 anos -, e a circunstância de não ter a mesma contribuído para o acidente de que resultou o seu decesso, fixou em €80.000,00 a compensação pela perda do direito à vida. Aí se escreveu: “...a verdade é que, em sede de avaliação do dano morte, a mais recente jurisprudência do STJ tem vindo a progredir, consoante os casos, para níveis mais próximos dos €80.000,00, a rondar mesmo, nos casos mais graves, os €100.000,00[22].
Assim, foi nesta linha de entendimento que no Acórdão do STJ, de 21.03.2019 (processo n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1)[23], se fixou, relativamente a uma situação equiparável à do caso concreto «sub juditio» [ existência de concorrência de culpas entre o condutor do veículo seguro na ré e a vítima, na proporção de 30% para o condutor e de 70% para a vítima mortal, que, à data, tinha 55 anos de idade], a indemnização devida pela perda do direito à vida em €80.000,00.
E, no recente Acórdão do STJ, de 04.06.2020 (processo nº 2732/17.5T8VCT,G1.S1)[24], teve-se por razoável arbitrar a indemnização de €80.000,00 num caso em que o lesado tinha 53 anos, quando foi vitimado por um acidente de viação da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo objeto do seguro firmado na ré.
Daí que, ponderando as circunstâncias em que decorreu o acidente, a idade da vítima mortal (53 anos), o facto de não ter dado causa ao acidente e atendendo, numa perspetiva de satisfação das exigências do princípio da igualdade plasmado no art. 13º, nº 1 da CRP, aos parâmetros seguidos pela jurisprudência mais atualista deste Supremo Tribunal, seja de considerar, por um lado, excessivo o montante de €100.000,00 reclamado pelos recorrentes a título de indemnização pela perda do direito à vida de CC e, por outro lado, insuficiente o montante arbitrado pelo Tribunal da Relação, tendo-se, antes, por mais razoável e equitativa a compensação de €80.000,00 arbitrada pela 1.ª instância.
Segundo o n.º 2 do artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil, “por norte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem”, devendo a respectiva indemnização ser fixada de acordo com os indicados critérios, e tendo por base os parâmetros estabelecidos naquele artigo em correlação com o anterior art.º 494º.
No caso em apreço, o acidente de viação, de que resultou a morte de EE 13 dias após aquele fatídico evento, ocorreu a 7.06.2020.
Tinha então a vítima 33 anos de idade.
Era casado, tinha dois filhos menores.
Com ele, a esposa e os dois filhos de ambos, vivia ainda o enteado, filho apenas daquela, desde os dois anos daquele, que acarinhava e por quem era acarinhado como se fosse seu filho.
À data do sinistro o EE era normalmente saudável, alegre, desportista, comunicativo e muito bem disposto.
Era muito estimado por familiares, amigos e colegas de trabalho.
E devotava à família grande estima, amizade e carinho.
Considerando este circunstancialismo fáctico, em especial a juventude da vítima e a sua considerável expectativa de vida, sendo pessoa saudável, dinâmica e trabalhadora, estando inserido em núcleo familiar unido por laços de afecto, avaliado este quadro factual e ponderando os valores fixados pela mais recente jurisprudência[25] para situações similares, entendemos ser excessiva a indemnização fixada na sentença sob recurso para compensação da perda do direito à vida da vítima [€130.000,00], sendo mais equilibrada uma indemnização no valor de €85.000,00, pelo que se fixa nesse montante a correspondente indemnização.
3.2.2. Dano não patrimonial sofrido pela vítima entre o momento do acidente e o momento da morte (dano intercalar).
Para compensação deste dano fixou o tribunal recorrido uma indemnização que quantificou em €25.000,00, a atribuir aos três primeiros demandantes, valor que a recorrente, considerando o quadro factual apurado nos autos para a determinação do respectivo montante compensatório, reputa de desproporcionado, pugnando pela sua redução para o monte de €10.000,00.
O dano intercalar, porque medeia entre o momento em que ocorre o acto lesivo e a morte da vítima resultante desse evento, abrange o sofrimento, designadamente pela percepção da eminência da própria morte, e dores físicas sentidas pela vítima durante o período em causa.
Esse dano é atendível em termos compensatórios, de acordo com o disposto no artigo 496.º, n.º 4 do Código Civil, sendo entendimento uniforme da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que os valores indemnizatórios devem ser calculados em função do caso concreto, ponderando, designadamente, a gravidade das lesões sofridas, a intensidade das dores, o período de tempo durante a qual as dores se prolongam e eventual pressentimento da morte[26].
No caso em apreço, para além dos factos descritos nos n.ºs 2, 3 e 4 dos factos não provados, não se logrou comprovar que o EE teve consciência da eminência da morte aquando do embate ou durante os 13 dias de internamento, antecipando a possibilidade de morrer e sofrendo com a separação da família.
Apurou-se, todavia, que:
- Devido ao acidente, o EE ficou gravemente ferido e a sofrer no local. Foi assistido no local: ponto M.
- Algum tempo após o sinistro foi socorrido e transportado para o Centro Hospitalar ..., onde, após, 13 dias de tratamentos, acabou por falecer, sendo que a morte lhe adveio em consequência direta e necessária do evento acima descrito: ponto N.
- Após o acidente o EE ficou prostrado na estrada. Ao menos na ocasião do embate sofreu dor física brutal: ponto Z.
- Fez pelo menos 03 cirurgias, inúmeros exames e tratamentos: ponto AA.
Ponderando o tempo que mediou entre o acidente e a morte da vítima – 13 dias, durante os quais esteve internada em estabelecimento hospitalar, onde foi submetida a três intervenções cirúrgicas e inúmeros exames e tratamentos -, e a dor física profunda sofrida, pelo menos, por ocasião do embate, entender-se ser ajustada uma indemnização no valor €20.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima no período que decorreu entre o acidente e a sua morte, em consequência desse mesmo acidente.
3.2.3. Danos não patrimoniais próprios de cada um dos demandantes.
Aos danos não patrimoniais refere-se o artigo 496.º do Código Civil, quando determina:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores”.
Com explica o Acórdão da Relação do Porto de 06.11.90[27] “... nos termos dos artigos 496º, nº 3 e 494º, como critério da sua determinação equitativa, há que atender à natureza e intensidade do dano causado, grau de culpa do lesado, e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta”.
Por outro lado, “sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral sofridas pela pessoa directamente lesada ou a dor pessoal sofrida pelos terceiros referidos no nº 2 do artigo 496º, segue-se normalmente o critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa respectiva dor. A isso se chama impropriamente o “preço da dor”[28].
Assim, na fixação da indemnização por estes danos sofridos pelos lesados está o julgador subordinado a critérios de equidade, que ponderem, todavia, a situação económica dos lesados e do obrigado à reparação, a intensidade do grau de culpa do lesante, e extensão e natureza das lesões sofridas pelo titular do direito à indemnização, considerando, como ponto de equilíbrio, as próprias finalidades prosseguidas pela indemnização por este tipo de danos: “a indemnização por dano moral não é o equivalente medível da alegria vital perdida, mas uma compensação da dor sofrida e que tem por finalidade criar no lesado a liberdade económica de que careça para vencer o dano imaterial”[29].
Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial “são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro … em virtude da aptidão [deste] para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses”[30].
Como esclarece Antunes Varela[31], “a indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
Escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.7.2017[32]: Consabidamente, os danos não patrimoniais, incluindo evidentemente a dor sentida pela perda de um ente querido, são fonte da obrigação de indemnizar, mas esta tem propósitos meramente compensatórios, assumindo-se como uma tentativa de minorar o sofrimento causado ao lesado, e por outro lado, como uma satisfação dada pelo agente em virtude do seu comportamento censurável. Não tem a veleidade de apagar o dano moral, com bens materiais, pela evidente natureza heterogénea das realidades em confronto”.
A título de reparação pelos danos não patrimoniais próprios de cada um dos demandantes, por virtude da morte de EE, a sentença recorrida fixou os seguintes montantes: “...40.000 EUR à Autora viúva, 30.000 EUR, a cada um dos 2º e 3º AA., seus filhos e ao 4º Autor, enteado da vítima, a quantia de 18.000 EUR”, valores de que a recorrente discorda, por os considerar excessivos, indo além dos normalmente fixados pela jurisprudência, sustentando ainda não ser devida qualquer compensação a esse título ao 4.º autor, enteado da vítima mortal, defendendo ser taxativa, quanto aos titulares do direito de compensação, a enumeração constante do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil.
Sendo pacífico, face ao teor literal no normativo em causa, que a viúva e os filhos da vítima têm direito a serem ressarcidos pelos danos não patrimoniais próprios sofridos com a morte do marido e do pai, importa, antes de mais, indagar se são excessivos, como alega a recorrente, os valores indemnizatórios fixados a esse título.
A determinação de tais valores será, uma vez mais, feita com recurso à equidade, ponderando a especificidade do caso concreto, nomeadamente os vínculos afectivos que ligavam os beneficiários da indemnização à vítima, tomando ainda por referência os valores adoptados pela jurisprudência para casos semelhantes.
No caso concreto, importa, assim, ponderar o seguinte circunstancialismo fáctico apurado:
- À data do sinistro o EE, marido da primeira autora e pai do segundo e terceiro autores, tinha 33 anos de idade;
- A essa data a autora AA tinha 35 anos de idade, e os filhos de ambos, BB e CC tinham, respectivamente, 4 e 13 anos de idade.
- À data do acidente o EE era pessoa alegre, comunicativo e bem disposto, devotando à família grande estima e carinho, sendo também estimado pelos familiares.
- Realizava com frequência convívios, piqueniques, passeios e actividades desportivas com a família;
- A relação dele com a mulher e com os filhos era vista por toda a comunidade como um exemplo de família feliz;
- O EE era um marido carinhoso e um bom pai, pelo que a sua morte causou e causa um sentimento de vazio imenso e deixa toda a família em profunda depressão.
- A relação com os seus filhos e mulher era de grande proximidade e cumplicidade.
- A autora AA sofreu ansiosamente durante os 13 dias que mediaram entre o sinistro e a morte.
- O momento em que comunicou a notícia da morte do EE aos seus filhos foi de grande sofrimento.
Ponderando os apontados critérios ter-se-ão de considerar exagerados os valores fixados na sentença recorrida, mostrando-se mais ajustadas à concreta situação aqui discutida e atendendo aos valores convocados pela jurisprudência para ressarcir danos similares as indemnizações de €30.000,00 para a viúva e de €25.000,00 para cada um dos filhos do falecido EE[33] .
Reclamando o autor DD indemnização por danos não patrimoniais próprios como compensação pelo sofrimento resultante da perda do EE, seu padrasto, com quem vivia e com a sua mãe, a 1.ª autora, desde os dois anos de idade, o tribunal recorrido reconheceu-lhe o direito a tal indemnização, que fixou em €18.000.00, socorrendo-se, para tanto, da aplicação analógica do artigo 496.º do Código Civil, arredando a sua natureza taxativa.
Escreveu-se, a propósito, na sentença aqui sindicada: “No que interessa à titularidade do direito à compensação, cujo regime está previsto no artigo 496º nº 2, existe desde logo uma divergência doutrinária, que tem, precisamente, por objeto a interpretação da referida norma. Discute-se se o elenco é ou não taxativo: se só os familiares indicados poderão peticionar uma indemnização ou se também terão legitimidade outras pessoas não referidas no preceito.
Assim, alguma doutrina afirma que a titularidade do direito de compensação pertence apenas às pessoas elencadas no art. 496º nº 2. De entre os autores que defendem que a enumeração é taxativa e, portanto, insuscetível de aplicação analógica, destacam-se PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA (CC Anotado), que afirmam que “Pode naturalmente suceder que a morte da vítima cause ainda danos não patrimoniais a outras pessoas, não contempladas na graduação que faz o nº 2, tal como pode acontecer que esses danos afectem as pessoas abrangidas na disposição legal por uma forma diferente da ordem de precedências que o legislador estabeleceu. Mas este é um dos aspectos em que as excelências da equidade tiveram de ser sacrificadas às incontestáveis vantagens do direito estrito.”.
Defendendo esta taxatividade e, por isso, a insusceptibilidade de aplicação analógica, SINDE MONTEIRO (Dano Corporal (Um roteiro do direito português), in Revista de Direito e Economia, Ano XV, Universidade de Coimbra, 1989, p. 371), MENEZES LEITÃO (Direito das Obrigações, Volume I: Introdução. Da Constituição das obrigações, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, p. 354) e ABRANTES GERALDES (Temas da Responsabilidade Civil - Indemnização dos Danos Reflexos, II volume, 2a edição revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2007, p. 91), que acrescenta que esta solução é justificada, uma vez que são os familiares referidos no art. 496º nº 2 que suportam os encargos pessoais e os danos não patrimoniais mais relevantes. Também neste sentido, DARIO MARTINS DE ALMEIDA (Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 1987, p. 172); e AMÉRICO MARCELINO (Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 10ª edição revista e ampliada, Livraria Petrony, Lisboa, 2009, p. 391). A nível jurisprudencial destacam-se os acórdãos do STJ de 17/12/2015 e do TRP de 23/03/2006, acessíveis na base de dados da dgsi.
De entre os autores que defendem a não taxatividade do art. 496º nº 2 destaca-se MENEZES CORDEIRO (Tratado de Direito Civil Português, II – Direito das Obrigações – Tomo III – Gestão de Negócios, Enriquecimento sem causa, Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2010, p. 519), que, referindo-se ao mencionado preceito, afirma: “Não faz já muito sentido, para mais numa época em que a família perde terreno, quer na sociedade, quer na própria lei.”. Esta tese é também perfilhada por MAFALDA MIRANDA BARBOSA ((Im)pertinência da autonomização dos danos puramente morais? Considerações a propósito dos danos morais reflexos, in Cadernos de Direito Privado, nº 45, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, 2014, p. 16) que considera que “(...) sempre que esteja em causa um sujeito que esteja unido pelos laços do amor com o falecido, não obstante não seja seu familiar ou não o seja no grau mais próximo, então dever-se-á operar uma extensão teleológica da norma.”.
LUÍSA ALVOEIRO, na obra referida na resposta dos AA. (Dano Reflexo nos Acidentes de Viação, Relatório de atividade profissional elaborada no âmbito do Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa, sob a orientação do Professor Doutor Fernando de Gravato Morais, Escola de Direito da Universidade do Minho, 2015), salienta que o modelo de família tradicional existente à data de entrada em vigor do CC não é hoje o dominante. Na sociedade moderna, além da tradicional família biológica, existem vários tipos de famílias, como as famílias adotivas, as famílias recompostas, que surgem do desmembramento de outras famílias; existem os padrastos e as madrastas e os meios-irmãos. Por isso, o elenco de familiares referidos no art. 496º nº 2 encontra-se ultrapassado. O seguinte excerto da Autora é esclarecedor: “Não será́ de interpretar extensivamente o nº 2 do art. 496º quanto aos beneficiários dessa indemnização por ser a que melhor se coaduna com o conceito de família atual? (...) consideramos ser de admitir a possibilidade de indemnização de tais danos (...) nos casos em que (...) os companheiros da mãe, ou do pai, ou os tios, estão ligados ao menor sinistrado de maneira a constituírem os “pais” dele, verificando-se proximidade e comunhão afetiva em tudo semelhantes à da filiação (...)” .
Defendem ainda esta posição JOAQUIM CRISÓSTOMO (A indemnização de perdas e danos nos acidentes de automóvel, Pessoas que a ela têm direito e a fixação do seu quantitativo, Décimo Primeiro Volume, Terceira Parte, Imprensa Lucas & C.ª, Lisboa, 1936, p.32), para quem os laços familiares não devem servir de critério para aferir a titularidade da indemnização.
Também ÁLVARO DIAS (Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, Coimbra, 2004 (reimp.), p.352, nota nº 786, que questiona “(...) por que razão não há-de o menor que tenha sido alimentado pelo padrasto ou madrasta, após o falecimento do respectivo cônjuge, poder invocar em juízo o prejuízo moral que a morte do padrasto ou madrasta lhe causou.”.
O critério para determinar a titularidade da compensação dos danos não patrimoniais de outros lesados para além do teor literal da norma considerada pode operar por via da concretização do conceito de ilícito por referência ao direito geral de personalidade, como sugerido por MAFALDA MIRANDA BARBOSA (op. cit.) e RUTE TEIXEIRA PEDRO (Da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no direito português: a emergência de uma nova expressão compensatória da pessoa?: reflexão por ocasião do quinquagésimo aniversário do Código Civil, in Estudos Comemorativos dos 20 anos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2017), que afirma que “(...) o reconhecimento autónomo desta vertente relacional e dinâmica da personalidade se manifesta logo no plano da ilicitude (...)”.
Para aferir, assim, se um sujeito concreto é titular do direito de indemnização, deve verificar-se se foi violada a sua personalidade, independentemente da existência de vínculos familiares entre o sujeito e a vítima. De forma a cumprir o espírito da norma acima referida, acresce a necessidade da existência de laços de afeição e a constatação da dor e sofrimento de particular gravidade do lesado. Assim, podem peticionar uma indemnização os cônjuges, os unidos de facto, os parentes, os afins ou outras pessoas que reúnam os requisitos necessários para a atribuição da compensação, anteriormente explicitados. O parentesco é um vínculo de raiz biológica. Conforme sublinhou o TC (Ac. nº 690/98 e ac. nº 282/04), a referência constitucional à família abrange, além do núcleo constituído por pais e filhos, os laços familiares de parentesco, pelo que não é só a designada família nuclear que é tutelada constitucionalmente, mas também a família alargada. É no seio dessa família alargada que cada um dos seus elementos desenvolve a sua personalidade, pelo que a lesão corporal de qualquer familiar pode originar a lesão daquela. Esta realidade é confirmada pelo próprio tribunal: “Se a família nuclear é o primeiro círculo social do indivíduo, é nas relações familiares, na descoberta da pertença a um grupo marcado ou definido pelos laços sanguíneos e de afinidade que o indivíduo prossegue o seu desenvolvimento humano e social, que estabelece as primeiras relações sociais, enfim, descobre a sua identidade e as suas raízes.”. Da mesma forma, também os padrastos ou madrastas, elementos de uma família, devem poder peticionar uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em caso de morte ou lesão corporal do descendente do seu companheiro, o mesmo ocorrendo no caso de ser o padrasto ou madrasta o sinistrado.
É o que se nos afigura suceder na situação decidenda, em que se provou que desde criança que o 4º A. viveu com a mãe e o padrasto, que reconhecia como pai, tal como este o reconhecia como filho. Existindo verdadeiros laços afetivos entre ambos, provando-se o desgosto sofrido pelo enteado, verifica-se a violação do direito geral de personalidade daquele. Também e directamente o nexo de causalidade”.
Se, como dá conta a sentença, na parte aqui transcrita, existe profunda cisão na doutrina quanto à interpretação do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, no que concerne à natureza taxativa ou não do normativo em causa, e, consequentemente, da possibilidade de ele poder ou não consentir uma interpretação analógica/extensiva, que permita reconhecer a outras pessoas, para além das aí enumeradas, o direito à indemnização nele prevista, a jurisprudência tem-se mantido uniforme quanto ao entendimento de que o preceito em causa, tendo natureza taxativa, não permite estender o direito indemnizatório a pessoas para além das nele elencadas.
Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015[34], “O Código Civil apenas prevê expressamente, no nº 2 do artigo 496º, que, em caso de morte da vítima, certos familiares tenham direito a ser indemnizados por danos que essa morte lhes tenha causado. Como desenvolvidamente se pode ver no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 16 de Janeiro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 6430/07.0TBBRG.S1, Diário da República, I Série, de 22 de Maio de 2014, tem vindo a ser sustentado por parte da doutrina e da jurisprudência que o mesmo direito deve ser reconhecido em casos particularmente graves mas nos quais não ocorreu a morte da vítima; assim se decidiu, aliás, no referido Acórdão de Uniformização, que fixou jurisprudência no sentido de que “Os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave”.”
O mais recente acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 17.10.2019[35]é, quanto à discussão em causa, particularmente preciso e assertivo: “Abundante doutrina (que aqui não cabe reproduzir) tem debatido a questão da ressarcibilidade dos danos de terceiros, e um número significativo de opiniões têm propendido para a sua admissibilidade, escudadas em construções dogmáticas de maior ou menor elaboração técnica, mas nas quais se identifica uma ideia comum de que essa ampliação servirá um ideal de justiça para com os terceiros afetados.
À jurisprudência não cabe apoiar ou rebater construções doutrinais. Cabe-lhe fazer justiça, mas também ser prudente.
A ampliação do âmbito subjetivo dos terceiros beneficiários de compensação por danos morais decorrentes das consequências de um facto ilícito (ou de responsabilidade objetiva), sofridos por um familiar ou até por outra pessoa de grande proximidade afetiva, é uma tarefa que, pelas dificuldades próprias da delimitação das suas fronteiras, deve caber, em primeiro lugar, ao legislador.
Trata-se de uma matéria que não pode ser perspetivada apenas do ponto de vista da tutela dos lesados (diretos ou indiretos), mas também do ponto de vista de saber até onde se pretende levar a punição (em sentido amplo) dos lesantes.
Esta equação do equilíbrio dos fatores de tutela e de punição das relações em sociedade cabe, em primeiro lugar, ao legislador. Tal como deve caber ao legislador a definição dos mecanismos de compensação dos terceiros afetados: se a indemnização fica a cargo do património do lesante; se, e quando, é coberta por seguros; ou se deve existir um fundo nacional para prover a indemnização a esses terceiros”.
De acordo com o citado acórdão, "Caberá, em primeiro lugar, ao legislador a opção por ampliar o âmbito subjetivo de ressarcibilidade dos dados causados por atos ilícitos (e, nomeadamente, por acidentes de viação); tarefa que o legislador pós Código Civil ainda não reequacionou em termos amplos, embora tenha tido algumas intervenções pontuais, como, por exemplo, a recente intervenção no quadro da responsabilidade civil, acrescentando o art.493º-A ao Código Civil[...]”.
Comungando de tal entendimento, tendo por certo que o n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil contém uma enumeração taxativa das pessoas com direito a ser ressarcidas por danos não patrimoniais próprios resultantes da morte da vítima, não podendo, por isso, a ressarcibilidade ser estendida a outras pessoas para além das indicadas na norma em causa - ainda que estas pudessem ter uma apertada ligação emocional ou afectiva à vítima, como se admite no caso do autor DD em relação ao EE, seu padrasto, com quem viveu desde os seus dois anos de idade e que tinham entre si uma relação similar à da filiação biológica -, não se pode reconhecer ao autor DD qualquer direito a ser indemnizado por danos não patrimoniais decorrentes da perda, por morte, do seu padrasto e do sofrimento que a mesma lhe tenha causado.
Nessa parte procederá, consequentemente, o recurso da apelante.
3.2.4. O dano (presente e futuro) emergente da perda de rendimento do cônjuge, dos filhos e do enteado da vítima.
De acordo com o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
Incumbe aos pais prover ao sustento dos seus filhos menores, mas se no momento de atingir a maioridade o filho ainda não houver completado a sua formação profissional essa obrigação manter-se-á na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete[36].
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo também, no caso do alimentado ser menor, a instrução e a educação[37].
O prejuízo a reparar ao abrigo do citado artigo 595.º, n.º 3 é somente o que decorre da perda de alimentos que, por morte da vítima, esta deixou de poder prestar a quem dela os recebia. A entidade obrigada à reparação desses danos não pode ser condenada em prestação superior (quer no valor, quer na duração) àquela que o lesado suportaria se fosse vivo[38], sendo ainda de notar que a obrigação alimentar entre os cônjuges é recíproca (dever de assistência), pelo que, se o lesado fosse vivo, também poderia beneficiar dos contributos a que a 1.ª autora estaria obrigada e pudesse prestar[39].
Na quantificação do dano, importa atender aos danos futuros, nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil, desde que os mesmos sejam previsíveis, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, julgar-se-á mediante o recurso à equidade, dentro dos limites que tiver por provados, nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do referido diploma. A medida da indemnização deve ser determinada (tendencialmente) pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que os interessados poderiam receber do lesado se não tivesse ocorrido o facto danoso da sua morte.
É tarefa deveras melindrosa calcular o valor indemnizatório desses danos, já que, à excepção da idade da vítima à data do seu decesso e dos rendimentos que então auferia, tudo o mais é aleatório. Com efeito, é dado desconhecido e, por isso, inapreensível, a evolução do mercado laboral, o nível remuneratório do emprego, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem no nível remuneratório, como por exemplo, os impostos.
Daí que, nos termos do n.º 3 do artigo 566.° do Código Civil, haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos a reparar.
Perante a constatação das dificuldades associadas à fixação do montante indemnizatório para reparação dos danos futuros, traduzidos em lucros cessantes, e perante a diversidade de resultados obtidos com o recurso a critérios diferentes, a Espanha sentiu necessidade de introduzir, através da Ley nº 30/1995, de 8/11, medidas de “baremación”, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo carácter vinculativo, mas sendo um sistema fundado em “barèmes”, o regime que se encontra implantado em França, assente numa Convenção destinada a regularizar sinistros de circulação automóvel, adoptada depois da publicação da Loi n.º 85-677, de 5 de Julho de 1985, destinando-se à generalidade dos danos emergentes de acidente de viação, revela circunstâncias diversificadas, de forma a integrar a generalidade dos sinistros, com valores antecipada e objectivamente fixados, sem prejuízo da possibilidade de ponderação de situações específicas.
Sem idêntica consagração legislativa, os tribunais portugueses têm recorrido a diferentes fórmulas para determinar o quantum indemnizatório para a reparação desses danos.
Essas fórmulas oscilaram entre o recurso às tabelas de cálculo das pensões por incapacidade laboral e sua remição, que depressa foi abandonado, e o recurso a fórmulas matemáticas, além do recurso a critérios para cálculo do usufruto para fins fiscais.
O recurso às tabelas matemáticas ou tabelas legalmente fixadas para a regularização dos sinistros laborais tem vindo a ser posto em crise por não garantirem a justa reparação do dano em causa, já que “na avaliação dos prejuízos verificados o juiz tem que atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorreram no caso e que o tornarão sempre único e diferente”[40].
Um dos outros critérios possíveis para ponderar o montante indemnizatório em discussão foi preconizado pelo Acórdão do STJ, de 18.01.79[41], segundo o qual “em relação ao futuro, a indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 9%”.
A partir de então este critério passou a ser adoptado em várias decisões dos tribunais superiores, servindo-se, para o efeito, das taxas de juro estabelecidas para as operações bancárias activas de crédito, passando depois para as de depósito a prazo, adaptando a taxa de juro às flutuações respectivas no mercado financeiro.
Estes critérios foram sendo sucessivamente perfilhados por decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que, todavia, não deixam de lhes reconhecer a natureza de índices meramente informadores da fixação do cálculo, meros instrumentos auxiliares de orientação, não dispensando o recurso à equidade, que pressupõe uma solução em sintonia com a lógica e o bom senso, com apelo às regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem submissão a critérios subjectivos de ponderação, e que pese a gravidade do dano.
Note-se que o critério fundado nas tabelas financeiras não é isento de críticas: as taxas de capitalização devem corresponder à previsível remuneração do dinheiro no período a considerar, o que sendo impossível de quantificar de forma exacta, exige um juízo de previsibilidade, que, atendendo às modificações sociais e económicas, cada vez mais sentidas, se revela muitas vezes temerário.
Comprovando essa realidade, constata-se na jurisprudência uma larga oscilação nos valores das taxas de capitalização[42].
Talvez por isso, já alguma jurisprudência tende a defender que o recurso às tabelas deve ser posto de parte, devendo-se antes confiar no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade[43].
Como reconhece o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.10.2019[44], “Na fixação dos valores de lucros cessantes, os montantes obtidos através da aplicação de processos objetivos assentes em fórmulas e tabelas matemáticas constituem auxiliar e indicador relevante para uma tradução do quantum indemnizatório, sem que tal obste nem de todo impeça o papel corrector e de adequação da ponderação judicial assente na equidade, perante a gravidade objetiva e subjetiva dos prejuízos sofridos, as circunstâncias específicas do facto e do agente e as variantes dinâmicas que escapam aos referidos cálculos objectivos”.
A discussão acerca da metodologia a seguir continua, assim, em aberto, como já o reconhecia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.06.2002[45], dada a incerteza que envolve o cálculo deste dano futuro, aceitando mesmo, como critério possível, permitindo uma certa flexibilização no cálculo, a aplicação de uma regra de três simples, na qual se procura determinar qual o capital produtor do rendimento anual que se deixou de obter, tendo em conta a taxa de juro de 3%; ou seja qual o capital que à taxa de juro em alusão reproduz aquele rendimento, a que é de deduzir um factor de correcção.
De todo o modo, tem-se vindo a consolidar na jurisprudência, como solução para definir os parâmetros da reparação deste tipo de dano, determinar o capital necessário, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida do lesado, lhe proporcione o mesmo rendimento que auferiria se não tivesse ocorrido a lesão[46].
Entende-se, de todo o modo, que a determinação do montante indemnizatório deve ser obtida com recurso a processos objectivos (fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), servindo para determinar um limite mínino indemnizatório, o qual, deverá posteriormente ser corrigido com recurso a outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.
Seja qual for o critério norteador (já que todos os critérios até hoje seguidos não são vinculativos, são meramente indiciários), haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, de forma que se tenha em “conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…”[47].
Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.04.2019[48], “Não podendo ser quantificado, em termos de exactidão, o prejuízo decorrente da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, para as despesas do seu agregado familiar, impondo-se ao Tribunal que julga equitativamente, este não poderá esquecer, critérios objectivadores, aferidores e orientadores, ou seja, não poderá deixar de considerar que a arbitrada indemnização pela frustração dos alimentos deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não receberá do falecido e que se extingue, no caso do cônjuge, no termo do período que, provavelmente viveria, não fora o acidente que o vitimou, e quanto ao descendente, no momento em que este, previsivelmente, irá concluir a sua formação académica; sabendo que as tabelas matemáticas, por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter meramente indicativo, não substituindo, de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; que no cômputo de indemnização, deve ser proporcionalmente deduzida, a importância que o próprio falecido gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos); sem deixar de considerar a natural evolução dos salários; ponderando, outrossim, o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, importando introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco; tudo isto sem deixar de atender à esperança média de vida do falecido”.
Ainda segundo o mesmo acórdão, “haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
O cálculo do quantum indemnizatório, fixado pela perda do contributo remuneratório, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos, tem, necessariamente, por base, critérios de equidade que assenta numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, que, de todo, colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade”.
E do acórdão de 25.05.2017[49] do mesmo Supremo Tribunal de Justiça pode retirar-se: “Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos): adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita no Ac. de 4/12/07 (p.07A3836), assente numa taxa de juro que à época se balizava em 3%.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros)”.
A jurisprudência tem vindo a apontar[50] alguns critérios, com alguma objectividade, que podem ser ponderados na determinação do quantum indemnizatório devido pela perda de alimentos por morte de quem os prestava ou a tal estava obrigado.
Assim:
1º- A indemnização pela frustração dos alimentos deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não receberá do falecido e que se extingue no termo do período provável da vida do falecido, altura em que este deixaria necessariamente de prestar alimentos ao cônjuge, e quanto aos filhos, no momento em que estes previsivelmente irão concluir a sua formação académica e, por conseguinte, iniciarão o seu percurso profissional, provendo ao seu próprio sustento, com o limite máximo dos 25 anos de idade;
2º- No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coias, é razoável;
3º - As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero caráter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4º- Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo de indemnização a importância que o próprio falecido gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos);
5º- Deve ter-se em consideração a natural evolução do salário do falecido, pelo que deverá ser introduzido um fator que considere essa evolução salarial previsível;
6º - Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, impõe-se considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia; e
7º- Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa do falecido, a esperança medida de vida deste, uma vez que, como é óbvio, aquele irá ter de contribuir para as despesas do lar, caso fosse vivo, até ao termo da sua vida em relação ao seu cônjuge[51].
Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.09.2019, “ “No cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros os rendimentos a que deve atender-se são os rendimentos líquidos, sejam tais rendimentos comprovados fiscalmente ou por outra forma”.
No caso concreto, a sentença recorrida condenou a ré a pagar aos autores: “a título de indemnização pelo dano emergente da perda da contribuição patrimonial do falecido, 390.000 EUR à 1ª Autora; 4.000 EUR ao 4º A., DD; 57.000 EUR ao 3º Autor, CC e à 2ª Autora, BB, o montante de 129.000 EUR, tudo no montante global de 580.000 EUR”.
Para tanto, e socorrendo-se dos critérios supra indicados, chegou a tais valores com base no seguinte raciocínio: “Revertendo ao caso sub iudice, tendo em consideração os factos adquiridos, e que aqui nos dispensamos de reproduzir, e destacando que o montante indemnizatório a arbitrar, pela perda do contributo remuneratório, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos, irá ser entregue de uma só vez, dano que, em grande medida, é futuro, o que permitirá aos seus beneficiários rentabilizá-la, em termos financeiros, impõe-se considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa da responsável civil. Em Portugal, condizente a uma taxa de juro de 1%, julgada equitativa e ajustada, na linha do rendimento do capital, aplicado em produto sem risco, a reduzir ao montante do capital a atribuir aos Autores.
A esperança de vida à nascença em Portugal foi, pelo INE, em 2021, estimada em quase 81 anos (80,93), sendo 77,95 anos para os homens.
Reduzido em/de um terço o rendimento mensal da vítima a atender é o de aproximadamente 1.100 EUR. Ponderando-se ademais que após a emancipação dos filhos seria superior a contribuição alimentar com relação à mulher, considerada a redução já quantificada, pela atribuição de uma vez da quantia, quanto à Autora viúva alcançamos um dano patrimonial de 390.000 EUR [275 EUR (1100:4) x 18 meses (entre 20.06.2020 e a data da audiência: 14.05.2021) + 367 EUR (1100:3) x 140 meses (14mesesx10 anos, entre 15.05.2021 e 20.04.2031, ocasião em que o A. CC atingiria os 22 anos e presumivelmente a sua inserção na vida profissional activa)+ 550 EUR (1100:2) x 80 meses (14x5anos +9 meses) entre 20.04.2031 e 05.01.2038, data da emancipação laboral da menor BB) + 750 EUR1 (1500:2) x 398 meses (28 anos x14 meses + 6 meses, entre 05.01.2038 até 20.06.2066 data do termo da esperança média de vida do sinistrado)], consignando-se que após o cálculo aritmético assim explicitado se fez incidir a ponderação emergente da antecipação, mas ainda a consideração de eventuais aumentos salariais, mas ainda a do previsível aumento das despesas próprias do sinistrado consigo mesmo à medida do envelhecimento, como anotado.
Ao 4º Autor, DD, cabe o valor de 4.000 EUR [275 EUR (1100:4) x 18 meses (entre 20.06.2020 e a data da audiência: 14.05.2021)], interveniente aqui a ponderação da entrega imediata.
Ao 3º Autor, CC, o valor de 57.000 EUR (367 EUR x 158 meses), aqui nos remetendo para as considerações anteriores.
À 2ª Autora, BB, o montante de 129.000 (550 EURx238 meses)”.
A recorrente discorda dos valores fixados, que, mais uma vez, considera excessivos, propondo, “a este título, uma indemnização global, nunca superior a €250.000,00, a repartir pelos herdeiros do falecido, mulher e filhos, tendo por referência a data em que estes atinjam os 22 anos, idade que se ficciona, por ausência de qualquer outro elemento, como sendo a da sua emancipação laboral”.
E sustenta nenhuma indemnização ser devida ao autor DD, enteado da vítima, por não ter esta, em relação àquele, qualquer obrigação de lhe prestar alimentos. Quanto a esta questão concreta, desde já se adianta que não assiste razão à recorrente, como adiante melhor se verá.
Como resulta dos autos, à data do sinistro de que resultou a sua morte, o EE tinha 33 anos de idade, tendo, por isso, uma longa expectativa de vida, quer biológica, quer activa.
Na altura trabalhava em França, como carpinteiro de 1.ª, contribuindo com os rendimentos do seu trabalho para as despesas da autora e dos três filhos desta – incluindo, assim, o seu filho DD, enteado da vítima, designadamente despesas escolares, com alimentação, com vestuário e calçado, com assistência médica e medicamentosa, etc.. Auferia, na altura, o salário base mensal de €1.539,45, pelo menos doze vezes por ano[52]. Recebia horas extraordinárias, quando executava trabalho a exceder as 35 horas semanais, o que acontecia, com frequência não apurada.
Sendo variável parte do seu vencimento, em função das horas extraordinárias que prestava, em Abril de 2020, mês que antecedeu a sua morte – e, por ser o dado mais recente, deve a ele se atender - , recebeu como contrapartida do seu trabalho a quantia líquida de €1.476,15.
Deduzindo 1/3 a essa importância, valor considerável razoável para fazer face às despesas próprias, parte, pelo menos[53], dos restantes cerca de €984,00 seriam afectos ao seu cônjuge e aos filhos e enteado com eles conviventes.
O cálculo matemático com base no qual o tribunal recorrido fixou as indemnizações devidas aos autores pela perda de rendimentos terá, assim, de ser corrigido quer quanto ao valor de €1.100,00 (rendimentos da vítima reduzidos de 1/3) e ao número de meses/ano do recebimento desses rendimentos.
Para além disso, haverá sempre que atentar que o resultado obtido através do recurso às fórmulas matemáticas não é de aplicação automática, destinando-se a mesmas apenas a fornecer dados indiciadores que evitem o risco de a quantificação destes danos poder sucumbir a critérios meramente subjectivos ou mesmo arbitrários.
Com efeito, jamais se poderá ignorar que o cálculo do quantum indemnizatório, a determinar pela perda do contributo remuneratório, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos, tem, necessariamente, por base, critérios de equidade que assentam numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, que, de todo, colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.
Assim, haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
Nessa perspectiva, deve, nomeadamente, ponderar-se a circunstância de o cônjuge da vítima, com direito a indemnização por perda do aludido contributo remuneratório, estar ele próprio obrigado a contribuir para as despesas do agregado familiar e a prestar alimentos aos filhos menores ou que, tendo atingido a maioridade, tenham ainda direito a eles por não terem ainda concluído a sua formação académica.
Como igualmente se deve atender ao recebimento de pensão de sobrevivência por morte do cônjuge ou ascendente que, em vida, contribuía com parte dos rendimentos do seu trabalho para as despesas da esposa e dos descendentes, com direito a alimentos[54].
Assim, o valor estático obtido através do recurso a tabelas matemáticas deve ser temperado com recurso à equidade, que desempenhará uma função correctora que, atendendo a variáveis dinâmicas que necessariamente escapam ao mero cálculo matemático[55], designadamente os índices de inflação que se preveem para o futuro.
Com base no apontado critério, a título de indemnização pela perda dos rendimentos que recebiam da vítima fixam-se os seguintes valores para os três primeiros Autores:
- para a autora AA (viúva): a quantia de €267.000,00;
- para o autor CC (filho mais velho): a quantia de €43.000,00;
- para a autora BB (filha mais nova): a quantia de €78.000,00.
Quanto ao autor DD, enteado da vítima: ao contrário do que defende a recorrente, tem o mesmo direito a ser indemnizado pelos rendimentos que, com a morte do padrasto, deixou de receber como contributo para as suas despesas.
Como resulta do n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, “têm [igualmente] direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
Embora o EE não estivesse legalmente vinculado a prestar ao enteado DD qualquer prestação a título de alimentos, por não se configurar, em concreto, a previsão do artigo 2009.º, n.º 1, f) do Código Civil, não deixava o mesmo de contribuir, em idênticas circunstâncias como o fazia em relação à esposa e aos dois filhos menores de ambos, para o sustento daquele.
Com efeito, resulta do acervo fáctico apurado que “Além de marido e pai dos 1ºs três AA., o EE vivia ainda com o 4º A., apenas filho da A. - a quem, conjuntamente com a 1ª A., alimentava, vestia, calçava, suportava despesas escolares e outras, acarinhava e era acarinhado como se de um efectivo filho se tratasse, com quem, aliás, vivia desde os dois anos de idade” – ponto C) dos factos provados -, “A A. e seus filhos – neste caso, demais três AA. – faziam face às despesas escolares, com alimentação, com vestuário e calçado, com assistência médica e medicamentosa, etc., também à custa do salário/rendimento que o EE auferia e lhes disponibilizava” – ponto X dos factos provados -, matéria que a ré jamais questionou.
Pode, pois, ter-se por assente que, embora o EE a tal não estivesse legalmente vinculado, contribuía, voluntária e altruisticamente, para o sustento do enteado, com quem se relacionava, desde tenra idade deste, como se seu filho fosse, suportando despesas deste com alimentação, vestuário, calçado, além das despesas escolares, situação que preenche a última parte da previsão normativa do citado artigo 395.º do Código Civil.
Tem, por conseguinte, o autor DD direito a ser indemnizado por perda de rendimentos que recebia do seu padrasto, desde a data do sinistro de que viria a resultar a sua morte (20.06.2020) até à data em que alcançou a sua autonomia profissional, ao menos após a propositura da acção – ponto ZZ) dos factos provados -, a qual ocorreu em 17.09.2020.
Tem, assim, direito a indemnização que, pelos apontados critérios, se fixa em € 1.000,00.
4. Dos juros devidos.
Escreveu-se na sentença aqui escrutinada: “Necessário afrontar agora a questão da aplicação de juros em dobro ao abrigo do disposto no artigo 38.º n.º 3 do Decreto-Lei 291/2007 de 21 de Agosto.
O n.º 3 do art. 38.º do citado diploma legal dispõe que “Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no nº 1 atá à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial”.
Consagra-se, pois, na lei o princípio de que a seguradora, "no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte", tem que apresentar ao sinistrado uma "proposta razoável de indemnização".
Com tal solução o legislador pretendeu salvaguardar os legítimos direitos das vítimas de acidentes de viação, indemnizando-as tão breve quanto possível, de preferência extrajudicialmente, para o que impôs às seguradoras uma postura activa e verdadeiramente colaborante, sujeitando-as a sanções cíveis (artigo 38.º a 40.º do Decreto-Lei 291/2007) quando não actuarem em conformidade com o que lhes é exigível.
Na situação decidenda, o que ressalta é que a seguradora não chegou, pese embora a admissão da responsabilidade do seu segurado, a apresentar aos AA até à data da propositura da acção, uma qualquer proposta, louvando-se na falta de junção de documentos que, necessários ao pagamento, não se vislumbra já que o fossem à apresentação de proposta, ao menos condicional.
Foi, de resto, o que cabalmente resultou do depoimento da testemunha JJ, funcionário da Ré.
Caberá, nestes casos, à seguradora carrear para o processo factos que confiram uma outra perspectiva à questão.
No caso em apreço, nada se encontra nos factos provados que justifique a absoluta falta de apresentação de qualquer proposta, até à data da propositura da acção, pelo que assiste aos autores o direito ao pagamento de juros conforme o que dispõe o n.º 3 do artigo 38.º do Decreto-Lei 291/2007, ou seja "juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso”
No Ac. do STJ 4/2002 de 9-5-02 de Uniformização de Jurisprudência decidiu-se que "sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação."
Ora, o montante de cada uma das indemnizações acima estabelecidas foi encontrado por recurso à equidade, sendo o juízo de equidade de que elas resultam um juízo actualista, pois o valor a que se chegou é aquele que se considera como correcto no preciso momento em que a questão se aprecia e decide. Para se formular esse juízo, não se recuou no tempo, procurando determinar qual o montante que na data do acidente, no dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no nº 1 do artigo 38.º do Decreto-Lei 291/2007, no momento da propositura da acção ou no da citação da ré seria o adequado. Ora, como se anotou no Acórdão de Fixação de Jurisprudência já referido, "Se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado."
Assim, os juros devidos sobre as quantias fixadas, ao dobro da taxa legal relativa aos juros das obrigações civis de particulares serão contados desde a data da presente decisão”.
Aderimos a esta parte da sentença, em cuja decisão quanto a juros e respectivos fundamentos nos revemos totalmente.
Não tendo a demandada contestado a sua responsabilidade pela produção do acidente que provocou a morte do sinistrado EE e o dever de indemnizar daí decorrente, devia ter apresentado uma proposta razoável de indemnização nos termos a que a sentença faz expressa referência.
O certo é que até à propositura da acção omitiu a apresentação de qualquer proposta de indemnização, sendo que os documentos [que sucessivamente foi solicitando à autora viúva, e parte substancial dos quais lhe foram sendo entregues], que ainda, no seu entender, pudessem estar em falta, não a impediam de formular a proposta, ainda que condicional, sujeita a eventuais ajustamentos em face dos documentos que, entretanto, lhe fossem entregues.
Deve, por conseguinte, manter-se a decisão quanto aos juros devidos sobre cada um dos valores indemnizatórios fixados, correspondentes ao dobro da taxa legal relativa aos juros das obrigações civis de particulares a contar da decisão que fixa os montantes indemnizatórios sobre os quais recaem.
O recurso procede, assim, parcialmente, alterando-se os valores indemnizatórios fixados na sentença recorrida nos termos que se deixaram anteriormente expressos, mantendo-se a sentença quanto aos juros fixados (em duplicação).
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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, de facto e de Direito, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, considerando a culpa total da condutora do veículo segurado, altera-se a sentença, condenando-se a R. seguradora nos seguintes termos:
a) - a título de indemnização pela perda do direito à vida do falecido EE: aos 1ª, 2ª e o 3º autores a quantia de €85.000,00 (oitenta e cinco mil euros);
b) - a título de indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da vítima desde o momento do acidente até à sua morte: aos 1ª, 2ª e o 3º autores a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros);
c) - a título de indemnização pelo dano moral próprio: €30.000 (trinta mil euros) à Autora viúva, €25.000 (vinte e cinco mil euros) a cada um dos 2º e 3º autores, filhos da vítima, revogando a sentença na parte em que, a esse título, condenou a ré a pagar ao 4º autor, enteado da vítima, a quantia de €18.000,00, absolvendo aquela de tal pedido;
d) - a título de indemnização pelo dano emergente da perda da contribuição patrimonial do falecido: €267.000,00 (duzentos e sessenta e sete mil euros) à 1ª Autora, AA; €78.000,00 (setenta e oito mil euros) à 2.ª autora, BB; €43.000,00 (quarenta e três mil euros) ao 3.º autor, CC; €1.000,00 (mil euros) ao 4º autor, DD.
Em tudo o mais, mantém-se a sentença, nomeadamente quanto aos juros, os quais passam a ser devidos a partir da data do presente acórdão.

Custas da apelação: por apelante e apelados, na proporção do respectivo decaimento (art.º 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Porto, 24 de Fevereiro de 2022
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
_________________________
[1] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[2] Artigos 396º do C.C. e 607º, nº5 do Novo Código de Processo Civil.
[3] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 1997, pág. 258. Cfr. ainda, o Ac. desta Relação de Coimbra de 11/03/2003, C.J., Ano XXVIII, T.V., pág. 63 e o Ac. do STJ de 20/09/2005, proferido no processo 05A2007, www.dgsi.pt, podendo extrair-se deste último: “De salientar a este propósito, como se faz no acórdão recorrido, que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal, RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, A Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997)”.
[4] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil”, Vol. 3º, pág. 173 e L. Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 1ª Ed., pág. 15 7.ve
[5] Processo nº 5797/04.2TVLSB.L1-7, l1-7, www.dgsi.pt.
[6] Embora refira no seu depoimento, mais à frente, que ele (depoente) vinha todas as semanas,
[7] Acórdão do STJ, 18.05.2006, procº nº 06B1644, www.dgsi.pt.
[8] www.dgsi.pt.
[9] cf. Antunes Varela, “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 102º, pág. 8 e ss.
[10] Neste sentido, Acórdão Relação do Porto, 14/3/89, BMJ 385º, 603.
[11] O que, de resto, se coaduna com as regras gerais da repartição do ónus da prova, plasmadas no artigo 342º do Código Civil, já que a culpa, sendo um dos pressupostos que integra e fundamenta o dever de indemnizar, é um facto constitutivo do direito a que o lesado se arroga; cf. ainda, neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ, 12.07.2005, 21.11.2006, 13.11.2008, Acórdão desta Relação, de 21.09.2004, todos em www.dgsi.pt.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2009, Processo n.º 04B2638, www.dgsi.pt.
[13] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 7ª ed., pág. 591.
[14] Artigo 566º, nº1 do Código Civil.
[15] Ibid, pág. 593.
[16] João António Álvaro Dias, “Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, Colecção Teses, Almedina, pág. 350.
[17] Proc. 465/11.5TBAMR,G1.S1, www.dgsi.pt.
[18] Leite Campos, A Vida, a morte e a sua indemnização, BMJ, nº 365, pág. 15.
[19] João António Álvaro Dias, ob. cit., pág. 355.
[20] Proc. 6/15.5T8VFR.P1.S1, também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.9.2016, proc. 492/10.0TBBAO.P1.S1, ambos em www.dgsi.pt.
[21] Proc. 4086/18.3T8FAR.E1.S1, www.dgsi.pt.
[22] Cfr. O recente Acórdão do STJ, de 11.02.2021 (processo nº 621/18.8T8AGH.L1.S1), ainda não publicado.
[23] Relatado pela Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo, subscrito pela ora relatora como 1.ª Adjunta, e acessível em www.dgsi/stj.pt.
[24] Relatado pelo Juiz Conselheiro Tomé Gomes, subscrito pela ora relatora como 2.ª Adjunta, e acessível em www.dgsi/stj.pt.
[25] A título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.05.2020 – proc.º 952/06.7TBMTA.L1.S1, www.dgsi.pt. - fixou, a esse título, uma indemnização de € 85.000,00, tendo a vítima, falecida em consequência de acidente de viação, 29 anos de idade, havendo contraído casamento cerca de dois anos antes do óbito, tendo sido pai cerca de um ano antes também dessa data.
[26] Neste sentido, e entre muitos outros, cfr. os acórdãos do STJ, de 08.09.2011 (proc. nº 2336/04.2TVLSB.L1.S1); de 27.09.2011 (proc. nº 425/04.2TBCTB.C1.S1); de 24.10.2013 (proc. nº 225/09.3TBVZL.S1); de 29.10.2013 (proc. nº 62/10.2TBVZL.C1.S1); de 28.11.2013 (proc. nº 177/11.0TBCP.S1) de 15.09.2016 (proc. nº 492/10.0TBBAO.P1.S1) e de 02.03.2017 (proc. nº 36/12.9TBVVD.G1.S1 www.dgsi.pt.
[27] Colectânea de Jurisprudência XV, 5, pág. 186.
[28] Dario M. de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, págs. 188-189.
[29] Acórdão da Relação de Lisboa, 5/5/81, BMJ 312º-291.
[30] Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 86.
[31] “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 488.
[32] Proc. 313/13.1PGPDL.L1.S1, www.dgsi.pt.
[33] Relativamente à indemnização de um filho pela morte do pai ou mãe, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem fixado valores que têm variado, em razão da especificidade do caso, entre €7.500,00 e €30.000,00: Cfr. Acórdãos de 07.01.2010 (proc. nº 1975/04.6TBSXL.S1); de 07.07.2010 (proc. nº 1207/08.8TBFAF.G1.S1); de 12.10.2010 (proc. nº 2079/06.2TBBRR.L1.S1); de 22.02.2011 (proc. nº 25/06.2TBFLG.G1.S1); de 13.09.2011 (proc. nº 218/07.5TBAVZ.C1.S1); de 27.09.2011 (proc. nº 425/04.2TBCTB.C1.S1); de 27.10.2011 (proc. nº 3301/07.3TBBCL.G1.S1); de 01.03.2012 (proc. nº 2167/04.0TBAMT.P1.S1); de 12.06.2012 (proc. nº 1483/07.3TBBNV.L1.S1); de 30.10.2012 (proc. nº 830/08.5TBVCT.G1.S1); de 20.11.2012 (proc. nº 2/07.6TBMC.G1.S1); de 28.11.2013 (proc. nº 177/11.0TBPCR.S1); de 29.01.2014 (proc. nº 49/05.7TBPRL.E1.S1); de 03.04.2014 (proc. nº 436/07.6TBVRL.P1.S1); de 29.04.2014 (proc. nº 106/12.3TBVZL.S1); de 09.09.2014 (proc. nº 121/10.1TBPTL.G1.S1); de 21.04.2015 (proc. nº 184/2000.C3.S1); de 07.05.2015 (proc. nº 982/11.7TBSTR.E1.S1); de 09.07.2015 (proc. nº 1647/13.0TBBRG.G1.S1); de 09.07.2015 (proc. nº 2985/05.1TBVRL.P1.S1); de 15.09.2016 (proc. nº 492/10.0TBBAO.P1.S1); de 02.03.2017 (proc. nº 36/12.9TBVVD.G1.S1); de 08.03.2018 (proc. nº 209/13.7TBTMR.E1.S1) e de 05.06.2018 (proc. nº 370/12.8TBOFR.C1.S2), acessíveis in www.dgsi/stj.pt ou in sumários da jurisprudência cível, www.dgsi/stj.pt.
[34] Proc.º 3558/04.1TBSTB.E1.S1, www.dgsi.pt.
[35] Proc.º 1082/17.1T8VCT.S1, www.dgsi.pt.
[36] Cfr. artigos 1878.º, n.º 1 e 1880.º do Cód. Civil.
[37] Cfr. artigo 2003.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil.
[38] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.2012, proc.º 875/05.7TBILH.C1.S1; A. Varela, “Código Civil anotado”, vol. V, pág. 576 e Vaz Serra, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.4.1974, RLJ, Ano 108º, págs. 180 e seguintes.
[39]
[40] Acórdão do STJ, 4/2/93, Colectânea de Jurisprudência/ Acórdãos do STJ, ano 1, tomo 1, pág. 129.
[41] BMJ 283º-275.
[42] A título de exemplo: Acórdão do STJ de 4/2/93, CJSTJ, tomo I, pág. 128: 9%; Acórdão do STJ de 5/5/94, CJSTJ, tomo II, pág. 86: 7%; Acórdão do STJ de 15/12/98, CJSTJ, tomo III, pág. 155: 5%; Acórdão do STJ de 16/3/99, CJSTJ, tomo I, pág. 167: 4%.
[43] Entre outros, Acórdão do STJ de 28/9/95, CJSTJ, 1995, tomo 3º, pág. 36.
[44] Revista n.º 683/11.6TBPDL.L1.S2 - 6.ª Secção.
[45] CJ/Supremo Tribunal de Justiça, ano X, t. II, págs. 132, 133.
[46] Acórdão do STJ de 04.12.2007, processo n.º 07A3836, www.dgsi.pt.
[47] Acórdão do STJ, 10/2/98, CJSTJ, tomo I, pág. 65.
[48] Proc.º 465/11.5TBAMR,G1.S1, www.dgsi.pt.
[49] Proc.º 868/10.2TBALR.E1.S1, www.dgsi.pt.
[50] Citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.04.2019.
[51] Ali se citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.03.2012, proc. 26/09.PTEVR.E1.S1 e o acórdão da Relação do Porto de 23.03.2015, proc. 1783/11.8TBPNF.P1, in www.dgsi.pt.
[52] Face à alteração introduzida nesta instância quanto ao ponto RR) dos factos provados.
[53] Não sendo de ignorar o dever que sobre a 1.ª autora também recaía quanto ao dever de prestar alimentos aos filhos menores e de contribuir para as despesas do seu agregado familiar (dever de assistência).
[54] Segundo o Regime Geral da Segurança Social portuguesa, a pensão de sobrevivência é atribuída desde que, à data da sua morte, o beneficiário falecido tivesse preenchido o prazo de garantia de 36 meses de contribuições, sendo atribuída ao cônjuge sobrevivo, aos descendentes até aos 18 anos ou 25 anos, neste caso desde que desde que matriculados em curso de nível secundário, pós-secundário não superior ou superior, sendo, para este efeito, considerados descendentes os enteados em relação aos quais o beneficiário falecido estivesse obrigado a prestar alimentos.
[55] Designadamente, evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros, mas igualmente o provável acréscimo das despesas próprias do lesado, com o decurso da idade e a necessidade de cuidados médicos e medicamentosos, antes desnecessários.