Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3247/21.2T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MIRANDA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS DA OBRA
RESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP202402203247/21.2T8MAI.P1
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A compensação do lesado pelos danos não patrimoniais sofridos é fixada pelo tribunal com recurso à equidade considerando, para esse efeito, as circunstâncias específicas do caso concreto, não devendo ser meramente simbólica.
II - Os transtornos e incómodos causados durante cerca de dois anos a uma pessoa vulnerável (em razão da idade e do estado de saúde) não só pelo incumprimento do prazo acordado para a execução da empreitada de remodelação da sua moradia, mas também em consequência do abandono da obra sem condições de habitabilidade e com defeitos merecem, pela sua gravidade, a tutela do direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3247/21.2T8MAI.P1


Relatora: Anabela Andrade Miranda
Adjunto: Rui Moreira
Adjunta: Maria Eiró
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., Maia, intentou a presente acção declarativa de condenação contra “A..., Lda,” pessoa colectiva nº ...10, com sede na Rua ..., ..., Barcelos, pedindo a sua condenação pelo incumprimento definitivo do contrato de empreitada com a consequente resolução do mesmo; na restituição do valor de 24.000,00€, no pagamento de uma indemnização pelos danos ocorridos durante a execução defeituosa da obra, sendo 2.517,00 (dois mil quinhentos e dezassete euros) para impermeabilização do solo, 5.872,38€ (cinco mil oitocentos e setenta e dois euros e trinta e oito euros) para reposição de tacos no solo, 615,00 (seiscentos e quinze euros), relativo ao relatório técnico; no pagamento da quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros), para eliminar os defeitos da obra já executada; bem como no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais em valor nunca inferior a 11.000,00 €, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou, para tanto, que celebrou com a Ré um contrato de empreitada para requalificação da sua casa de habitação, pelo preço de 30.000,00 €, dos quais pagou a quantia de 24.000,00 € e a concluir até 19.11.2019. Que a Ré iniciou a execução dos trabalhos contratados, que prolongou por mais de um ano, tendo abandonado a obra sem os concluir e sem eliminar os defeitos da obra executada.Em consequência, em Julho de 2021, procedeu á resolução do contrato.

A Ré invocou a sua ilegitimidade passiva por entender que devia ter sido demandada a companhia de seguros para a qual transferiu a sua responsabilidade civil com a consequente absolvição da instância. Alegou que foi a Autora, com o seu comportamento, que impediu a execução da obra pelo que a resolução do contrato carece de fundamento e constitui abuso de direito. Acrescentou que não abandonou a obra antes suspendeu a execução dos trabalhos por falta de pagamento das prestações acordadas no contrato pelo que não estando a obra concluída não se pode falar em defeitos, os quais não foram denunciados nem à Ré foi conferido prazo para a sua eliminação.

Concluiu, assim, pela sua absolvição da instância ou pela sua absolvição do pedido por resolução ilícita do contrato, abuso de direito por parte da Autora; excepção de não cumprimento, inobservância dos direitos conferidos pelos artigos 1221º e 1222º, do Código Civil e por os danos alegados não lhe serem imputáveis.

À matéria de excepção respondeu a Autora pugnando pela sua improcedência.


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Proferiu-se sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, e em consequência, condenou a Ré, pelo incumprimento definitivo do contrato de empreitada com a consequente resolução do mesmo, na restituição do valor de 14.000,00 € e no pagamento de uma indemnização pelos danos consequentes da execução defeituosa da obra, no valor de 9.004,38 €, acrescido de juros de mora á taxa legal de 4% desde 13.08.2021 até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 5.000,00 €, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% desde a prolação da presente decisão até efectivo e integral pagamento.

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Inconformada com a sentença, a Ré recorreu finalizando com as seguintes

Conclusões

I – Por erro de julgamento, da matéria de facto e de direito, com reapreciação da prova gravada, cfr. art.ºs 496º e 570º do CC e art.ºs 410º, 411º, 413º, 466º, 607º, n.ºs 4 e 5, 608º, 639º, 640º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Encontram-se incorrectamente dados como provados os factos n.ºs 2 (parcialmente) 3 (parcialmente), 4 (parcialmente), 20 (parcialmente), 21, 29 e 37 (parcialmente).

I.I) Dos factos provados referidos em 2, 3, 4 e 20:

Os factos provados referidos em 2., 3, 4. e 20 tiveram como sustentação principal os elementos clínicos juntos aos autos em 10/3/2022, pelo que, aquando da celebração do contrato em causa nos presentes autos a ré não sabia de tal condição clínica – Vide a motivação da sentença recorrida e transcrita supra.

Nessa medida deveria ter sido explicitado que a ré, à data, desconhecia a condição clínica da autora.

A corroborar a asserção supra exposta deverá atentar-se no excerto das declarações de parte da autora AA, prestadas na audiência final, em 14/4/2023, com a Ref. Citius n.º 447455445, densificadas em B.1, e que aqui se dão como reproduzidas por economia processual.

I.2.) Dos factos provados referidos em 21 e 29:

Inexiste qualquer elemento probatório que permita concluir, sem margem para dúvidas, do aí vertido, nem tal se alcança da motivação expendida na sentença recorrida.

I.3) Do facto provado referido em 37:

- Encontram-se transcritos supra excertos do depoimento da testemunha BB, Eng. Civil, prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 26/4/2023, com a Ref. Citius n.º 447832649 e das declarações de parte do legal representante da ré CC, prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 26/4/2023, com a Ref. Citius n.º 447832649, transcritas em B3 e que aqui se dão por integralmente reproduzidas por economia processual.

Não obstante, dir-se-á o seguinte:

- Não se nega que a ausência de caleiras pode ser causa adequada à entrada de água pela varanda, conforme se extrai da fundamentação da sentença.

- No entanto cumpre salientar que o Tribunal, a dado momento, credibilizou o declarado pela testemunha BB, pelo que na medida em se trata de apelar àquilo que directamente se percepcionou, deveria merecer igualmente sustentação o que declarou, por ser verosímil face aos sucessivos desentendimentos ocorridos entre a autora e os trabalhadores da ré, no decurso da execução da empreitada.

- Identidade de razões para as declarações de parte do legal representante da ré que se afiguram credíveis quando o desfavorecem – abandono da obra – mas já não o são quando imputa à autora um nexo causal acerca de parte dos defeitos que a obra padecia.

- Nessa medida o facto provado referido em 37 deveria ter a seguinte redacção: As chuvas que atingiam a varanda não eram contidas pela supressão das caleiras e provocaram entrada de água na varanda, danificando irremediavelmente o piso flutuante antes colocado no piso superior, tendo contribuído a autora para tal facto ao deixar aberta uma janela aquando daquelas.

O Tribunal a quo, ao responder nesses segmentos fácticos da forma como o fez, ou seja, os factos n.ºs 2 (parcialmente) 3 (parcialmente), 4 (parcialmente), 20 (parcialmente), 21, 29 e 37 (parcialmente), violou os art.ºs 410º, 411.º, 413.º, 466.º e 607º, n.ºs 4 e 5 do CPC ou por inexistência de suporte probatório que os sustente e/ou pela demonstração de outros que os contrariam ou complementam nos termos elencados em B3.1 a B3.3.

I.4) Dos danos patrimoniais, seu ressarcimento parcial:

- Obtendo vencimento a redacção pela qual se pugnou no Ponto 37, em I.3, importa concluir que os vícios de que padece o pavimento em madeira não pode apenas ser assacado à ré, por cumprimento defeituoso, mas concomitantemente também à autora que deu causa sequencial ao prejuízo que pretende ser ressarcida.

- Estamos perante uma situação de concausalidade fundada em culpas concorrentes, nos termos do art.º 570º, n.º 1 do Código Civil. (Nestes termos, chamou-se à colação o trecho do sumário do Ac. do STJ de 9/4/2019, no Proc. n.º 673/12.2 T2AVR.P1.S1, in www.dgsi.pt: “Resultando o prejuízo do dono da obra de um concurso de causas, umas da sua responsabilidade outras da responsabilidade do empreiteiro, este, não alegando e provando qualquer facto extintivo da obrigação, está normalmente obrigado a reparar o prejuízo na proporção em que, como concausador, foi estabelecida pelo tribunal.”

- Nessa medida, ousa-se sugerir a redução da quantia necessária para a reposição do pavimento em madeira ao valor de 5.872,38€ em 25% a cargo da ré, ou seja, €4.404,285.

I.5) Dos danos não patrimoniais:

- Veio a autora peticionar uma indemnização por danos não patrimoniais em montante não inferior a €11.000,00.

- No seu dispositivo o Tribunal condenou a ré no pagamento, a esse título, na quantia de € 5.000,00, acrescido de juros à taxa legal de 4% desde a prolação da decisão até efectivo e integral pagamento.

- Acompanhou-se o exórdio teórico do Acórdão da Rel. de Coimbra de 21/3/2013, no Proc. n.º 93/07.4 TBAND.C1, in www.dgsi.pt.

- A recorrente é do entendimento que inexiste qualquer suporte factual para condenar a ré no pagamento à autora de qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais, nos termos do art.º 496º, n.º 1 do CC.

- Com efeito, o facto de se ter dado como provado que a autora, em virtude do comportamento da ré, viu-se na necessidade de abandonar a casa e dormir várias vezes noutros locais poderia ser indemnizável em sede de dano patrimonial.

- Mais a mais, mesmo no decurso de uma empreitada com os contornos dos presentes autos, e decorrendo sem qualquer incidente, juízos de normalidade e de experiência comum, conduziriam a que, em determinados períodos, a autora não pernoitasse no seu imóvel.

- Sem prejuízo do até agora exposto, não se encontra plasmada no acervo factual dado como demonstrado que a autora tenha sofrido transtornos consideráveis, tratando-se de uma conclusão do Tribunal, violando os art.ºs 496º do CC e art.ºs 607º, n.ºs 3, 4 e 5 e 608º do CPC.


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A Autora respondeu e recorreu subordinadamente com as seguintes

Conclusões

A. Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, a aqui Autora/Recorrente nada tem a referenciar de relevante quanto ao julgamento da matéria de facto, no entanto, relativamente aos valores fixados para seu ressarcimento impunha-se decisão diferente, como se referiu relativamente aos valores fixados para indemnização e ao seu ressarcimento exponenciando a condenação em montantes superiores aos que se fixaram em sentença.

B. Tal convicção decorre da análise crítica e global dos depoimentos gravados em sede de audiência de julgamento supra transcritos, aqui dados como integralmente reproduzidos sendo fundamental e imperativa a sua ulterior valoração, bem como de toda a documentação junta ao processo que, no entendimento da aqui Recorrente, impunham uma decisão que agrave os montantes atribuídos em que foi condenada a Ré face aos transtornos e sofrimentos sofridos que poderiam ter tido um desfecho bem funesto face à idade e patologias graves de que sofre a Autora.

C. Contudo, e relativamente às alegações da Ré/Recorrente, importa desde já relevar:

D. Estão essas desprovidas de qualquer razoabilidade e muito menos afirmar erro de julgamento da matéria de facto e de direito, quando sem qualquer margem para erro ou dúvidas os factos provados são esmagadores, logo desejar-se-ia que, o Douto tribunal a quo, fosse mais longe na apreciação dos danos infligidos e por arrastamento exponenciação da débil condição da Autora, indo mais longe na condenação ora proferida em termos pecuniários e indemnizatórios.

E. Se não vejamos: é óbvio que a Ré/Recorrente sabia ab initio a condição de saúde da Autora, pessoa frágil de aspecto doente visível e perceptível a qualquer individuo médio,

F. Quase diríamos que seria um facto notório aos olhos comuns, contudo a Autora desde o início das negociações manifestou e esclareceu que era uma pessoa com patologias neoplásicas graves, suportadas por tratamentos regulares e agressivos na secundarização de efeitos, necessitando a tal condição da premente reabilitação da sua moradia objecto da presente lide, condicionada por timings de viagens a França onde realiza regulares e exigentes exames médicos decorrentes das suas patologias cancerígenas.

G. Portanto vinca-se aqui que, é de todo falso que a Ré/Recorrente desconhecesse o estado de saúde da Autora e mesmo assim, durante o decurso de toda a obra confrontava-se com essa evidência quer por parte da Autora, que a todo o momento lamentava fosse com quem fosse a sua condição desfavorável, quer por parte da sua mandatária que aquela data a cada passo alegava essa condição como argumento ao cumprimento de todo o estipulado e acordado com o gerente da Ré.

H. Há sobeja prova documental junto aos autos sobre a troca de correspondência onde este aspecto é devidamente focado.

I. Afirmar que uma fragilíssima pessoa idosa, de provecta idade sem forças para se locomover, doente oncológica com 3 neoplasias, com limitações respiratórias decorrentes, com capacidades para obstruir aquilo que era a exigência prima da sua vontade, justificando o incumprimento do contrato por parte da Ré, é indecoroso e só demonstra no mínimo a má-fé que sempre houve desde o início e durante toda a negociação e putativa execução das obras.

J. Apresentar a Autora como a responsável pela infiltração ocorrida no piso superior da moradia para justificar a subtracção de caleiras não repostas e má execução dos trabalhos de construção civil, em que violaram as mais elementares regras da legis artis da atividade é no mínimo rocambolesco e de uso clara má-fé.

K. Está registado e demonstrado em todos os relatórios técnicos apresentados nestes autos, nomeadamente no elaborado pelo perito do Tribunal, bem como nos restantes, atestando terem notadamente destruído a moradia para a qual paradoxalmente foram contratados e chamados a reabilitar,

L. A condição atual da moradia eivada de infiltrações de água decorrentes de incúria, e negligência dos trabalhos de empreitada realizados pela Ré configuram na opinião da aqui recorrente da prática de crime de burla que, além de indecoroso, sendo agressiva a qualquer respeito a uma lógica de bom senso autocrítico de sentido ético .

M. A Ré/Recorrente chega à exuberante conclusão de concorrência de culpas para a destruição em que a Ré/Recorrente deixou a moradia alvo de reabilitação sem se perceber como tal poderia ser possível.

N. A Ré/Recorrente afirma que ao tirarem as caleiras estas não susteriam as águas das chuvas provocando infiltrações, mas, no entanto, a culpa continua ainda assim a ser da Autora ao resultado danoso da má prática da Ré/recorrente, não se percebendo qual o motivo ou razão porque afetam a aqui Autora com ónus culposo aos danos por infiltração.

O. É, no entanto, actualmente uma evidência que, a moradia está afectada por severos danos infligidos pelas más práticas de abordagem em sede de requalificação, sendo caótico o seu estado global ao nível das infiltrações de águas e humidades.

P. Por todos estes motivos é óbvio e até ridículo sugerir e peticionar a redução dos montantes atribuídos pelo Douto Tribunal a quo.

Q. É manifesto ainda para a aqui Autora que a condenação atribuída pelos danos não patrimoniais é insuficiente e minguada,

R. Foram globalmente por demais gravosos os prejuízos não patrimoniais infligidos à Autora e por esse motivo, sendo que o montante fixado em € 5.000,00 é insuficiente não ressarcindo a Autora devidamente pelo que deveria ser severamente agravado.

S. Todos estes prejuízos não patrimoniais estão suportados documentalmente quer nos autos, quer nos depoimentos proferidos em sede de audiência de julgamento.

T. Como é ainda manifesto para a Autora que, a condenação proferida pelos danos patrimoniais é insuficiente e o Tribunal à quo deveria ter condenado a Ré/ recorrente de forma mais equilibrada e equitativa.


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II - Delimitação do Objecto do Recurso

As questões principais decidendas, delimitadas pelas conclusões dos recursos, principal e subordinado, consistem na reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto indicada, na eventual concausalidade da lesada na produção de parte do evento danoso e saber se lhe assiste o direito de ser compensada por danos não patrimoniais.


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Da Modificabilidade da Decisão sobre a matéria de facto

Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

A possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova revisitados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo.

Se a decisão do julgador está devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção.[1]

A Ré considera incorrectamente julgados, embora parcialmente, os factos contidos nos pontos n.ºs 2, 3, 4 e 20 porque, na sua opinião, devia ter sido explicado que, aquando da celebração do contrato em causa nos presentes autos. não sabia de tal condição clínica.

Neste particular, cumpre notar que tal factualidade não foi alegada pela Ré, pelo que que não foi objecto de prova, nesta versão negativa.

Mas sempre se dirá que a versão positiva é que devia ter sido julgada demonstrada desde logo pelas declarações da Autora que, de forma segura, declarou que o prazo da obra, para si, era essencial pois tinha agendados exames em França, onde reside, em virtude do seu estado de saúde (três doenças oncológicas), situação que comunicou, na altura, ao representante legal da Ré.

No que concerne aos factos provados dos pontos 21 (Durante o normal curso das obras iniciadas, os trabalhadores da Ré deixaram de comparecer na obra por vários dias) e 29 (O tratamento do pavimento em madeira não foi subcontratado a um taqueiro) a Recorrente entende que “inexiste qualquer elemento probatório que permita concluir, sem margem para dúvidas, do aí vertido, nem tal se alcança da motivação expendida na sentença recorrida.”

A Autora declarou que, no decurso da obra, verificou a irregularidade com que os trabalhadores da Ré trabalhavam na sua casa, o que foi confirmado pela testemunha DD, taxista, que acompanhou aquela nas deslocações que tinha de fazer de casa para o hotel e vice-versa, e, para além de relatar as situações em que os trabalhadores não apareceram acrescentou que a casa “não tinha condições”.

Assim, não se impõe a alteração da resposta dada pelo tribunal a quo.

No que respeita à contratação de um taqueiro resulta do relatório elaborado pelo Eng.º EE, ao serviço da “B...”, que os tacos não chegaram a ser removidos. Este facto está devidamente comprovado pelas fotografias juntas aos autos. De qualquer modo, o que interessaria saber era se o trabalho, realizado directamente pela Ré ou indirectamente, foi executado sem defeitos.

Por último, sustenta que o ponto 37 devia ter uma redacção diferente de forma a dele constar que a Autora contribuiu, ao deixar aberta uma janela, no evento danoso consubstanciado na entrada de água da chuva na varanda, que provocou danos no pavimento interior.

Todavia, reconheceu que a ausência de caleiras “pode ser causa adequada à entrada de água pela varanda, conforme se extrai da fundamentação da sentença”.

Para tanto, baseou-se no depoimento da testemunha BB e nas declarações do legal representante da Ré, FF.

Ambos referiram que foi deixada uma janela aberta mas a verdade é que não asseguraram ter sido a Autora quem procedeu de forma a permitir que a água da chuva entrasse na casa por aquela via. Importa não esquecer que a Autora não era a única pessoa que circulava no interior do imóvel.

A este respeito a Mma. Juíza consignou: “Quanto ao pavimento do piso superior a ausência de caleiras é causa adequada da entrada de água pela varanda que se encontra desprotegida. A tese adiantada pelo legal representante da Ré e pelas testemunhas GG e BB de que a Autora deixou uma janela aberta não é plausível. Note-se que, à data, a Autora ausentou-se para França sendo improvável que deixasse a sua casa à mercê da intempérie e de quem ali quisesse entrar quando tinha todos os seus bens ali guardados e só queria a obra concluída.”

No relatório de avaliação, da “B...” consta o seguinte: “…confirmamos o entupimento do escoamento de águas pluviais da varanda frente da moradia, com produção de danos no pavimento flutuante interior quarto contiguo piso 1 e tecto e paredes da Sala piso 0…”

Portanto, e sem necessidade de outras considerações, não merece reparo a resposta a estes factos.

A Autora alegou que o incumprimento da Ré causou-lhe enormes transtornos, fortes e verdadeiros incómodos no dia a dia, tendo a idade de 75 anos e um estado de saúde fragilizado pelos problemas oncológicos que padeceu e que exigem controlo regular.

Teve de dormir várias vezes em hotéis e outros locais que não a sua casa, com os consequentes incómodos agravados pelo seu débil estado de saúde.

Baseados nas declarações da Autora, cujo estado de nervosismo era evidente ao falar sobre este problema, e em presunções judiciais, é manifesto que sofreu todos esses graves incómodos que não constam do elenco factual (por mero lapso já que os transtornos foram referidos na fundamentação de direito), impondo-se o aditamento destes danos psicológicos (sanando-se, assim, o lapso por omissão da sentença) os quais assumem relevância para uma boa decisão da causa.

Pelas razões aduzidas, decide-se aditar a mencionada factualidade, mantendo as respostas objecto de impugnação.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)

1. A Autora é uma cidadã portuguesa, com 75 anos, emigrada em França, ex-técnica oficial de contas de profissão e proprietária de uma moradia sita na Rua ..., ..., Maia.

2. A Autora é doente oncológica, com 3 episódios de recidivas em neoplasias graves, nomeadamente ao nível dos pulmões.

3. Nestas circunstâncias tem especial sensibilidade a factores como frio, amplitudes térmicas, humidades, bolores e outros agentes potencialmente patogénicos que possam prejudicar a sua condição de saúde.

4. Necessitando de ter condições de habitabilidade adequadas às suas patologias neoplásicas, decidiu no mês de Julho de 2019 reabilitar o espaço físico interior e exterior da sua habitação.

5. Para tanto recorreu à C..., na Maia, em 31.07.2019, que indicou a sociedade Ré como organização empresarial idónea e tecnicamente habilitada para adjudicação e orçamentação da empreitada a realizar.

6. A Ré é uma sociedade que tem por objecto a compra e venda de imóveis, construção civil, actividade imobiliária, comércio a retalho de materiais de bricolage, equipamento sanitário, ladrilhos, e materiais similares.

7. A Ré usa a denominação comercial de “D...”, uma vez que é franchisada da empresa “E... OBRAS PORTUGAL”.

8. Em 31.07.2019 o legal representante da Ré propôs uma visita à habitação da Autora para o dia seguinte, na intenção de recolher elementos de avaliação da habitação conducentes à elaboração de um caderno de encargos e mapa de quantidades para o orçamento de obras a concretizar e apresentar.

9. Nessa visita à casa da Autora o legal representante da Ré e a Autora discutiram acabamentos vários, materiais, tipo de telhas a aplicar no telhado da habitação, abordaram alterações a concretizar como a reconstrução total do telhado com substituição de telhas e caleiras, pinturas globais e pavimentos.

10. Com excepção da cozinha e das casas de banho, a Autora, pretendia:

a. Renovação total da estrutura do telhado com reposição de novas telhas, estrutura interior de barrotes e travessas, cumes, reparação da claraboia das escadas interiores da casa e substituição dos respectivos vidros;

b. caleiras novas a todo o perímetro da casa, conforme às anteriormente existentes;

c. respectivos tubos de descarga, rectificação das caixas de águas pluviais, suas tampas, bem como da caixa de serviços públicos;

d. pintura global da casa, exterior e interior, com 3 demãos, frisando pretender pintura lisa eliminando a típica textura usada noutros tempos e lá ainda presente;

e. tectos e paredes interiores dos quartos e salas, rectificados e pintados, com prévia remoção do papel de parede existente, acautelando a preservação do lamparquet existente em todas divisões como sala e quartos com afagamento, envernizamento e retificação,

f. Além da total raspagem e/ou afagamento do lamparquet das divisões, que de igual modo seriam retificados.

g. Raspagem e envernizamento de todos os rodapés e parapeitos de janelas, com 2 mãos de verniz, antecedidos de aplicação de tapa poros;

h. rectificação do reboco exterior de toda a casa, sua pintura com 3 mãos de tinta em todas as paredes e murações da casa, colocação de portão eléctrico de garagem com comando, ressalvando mecanismo sem fecho automático, mas sim com botão de abertura também pelo interior, revestimento do respectivo chão de garagem com tijoleira, acautelando tecnicamente, a subida do pavimento interior de garagem prevenindo deste modo inundações, pintura de paredes, substituindo ainda as caleiras envolventes à mesma garagem por outras em inox, a todo o perímetro da garagem e arrumos traseiros de lavandaria,

i. Remodelação total dos arrumos, revisão de toda a instalação elétrica com substituição dos aparelhos de comando por outros novos e de qualidade superior aos existentes,

j. pintura dos gradeamentos dos muros frontais da casa com a sua prévia decapagem, aplicação de primário anticorrosivo e duas mãos de pintura,

k. substituição dos gradeamentos no pequeno terraço por cima da garagem, pintura e rectificação do reboco da garagem, e rectificação de toda a caixa de serviços, junto ao portão de entrada da casa.

11. Demonstradas as exigências por parte da Autora o legal representante da Ré propôs, verbalmente, o valor de 30.000,00€ para realização da obra.

12. No dia 2.08.2019 a Ré apresentou o contrato de empreitada, a descrição dos trabalhos e um caderno de encargos e mapa de quantidades.

13. Estes mapas não referiam a qualidade dos materiais empregues, sua categoria, características, classe, ou sua identificação segundo as normas CE, marcas adoptadas, o nível qualitativo de tintas, número de mãos empregues nas acções de pintura.

14. O valor do orçamento ascendia a 31.500,00 €.

15. Após reclamação da Autora, face ao valor anteriormente acordado, a Ré rectificou o orçamento para 30.000,00 €.

16. A Autora ficou na posse de um contrato, datado de 31.07.2019, onde consta, na parte relativa á assinatura, como primeira outorgante “HH”.

17. No dia 13.08.2019 a Autora procedeu ao pagamento da quantia de 15.000,00 €, por transferência bancária.

18. Os trabalhos de requalificação da habitação da Autora, iniciaram-se a 19.08.2019 com a montagem de andaimes e deposição de alguns materiais acessórios de construção com a presença do legal representante da Ré e alguns seus colaboradores.

19. A execução da obra deveria prolongar-se até a 11.11.2019, assim excluídos feriados e fins de semana.

20. A Autora pretendia que a obra de requalificação da moradia fosse concluída antes do dia 11.11.2019, data após a qual teria de retornar a França, para os obrigatórios e regulares acompanhamentos médicos.

21. Durante o normal curso das obras iniciadas, os trabalhadores da Ré deixaram de comparecer na obra por vários dias.

22. A 14.10.2019 a Ré, solicitou à Autora o pagamento da tranche intermédia de 30% prevista no nº 2, da cláusula 7ª do contrato de empreitada.

23. A mandatária da Ré, enviou em 8 de Novembro de 2019, uma carta e-mail, à mandatária da Autora, onde alude ao facto de a Autora ter reclamado a medição dos trabalhos, até aí realizados, como condicionante ao pagamento da segunda tranche prevista no nº 2 da clausula 7ª, correspondente a 30% do preço total acordado para a empreitada.

24. Nesse e-mail, a mandatária da Ré, formulou uma ameaça de submissão de acção judicial contra a aqui Autora, anexando um auto de medição dos trabalhos realizados até aquele momento em 50%.

25. Ante a ameaça da Ré de interromper a obra caso não efectuasse o pagamento da segunda tranche prevista, a aqui Autora acedeu a pagar a parcela do acordado no n.º 2 da Cláusula 7, do contrato de empreitada, ou seja mais 30%, correspondente a 9.000,00 € (nove mil euros), o que fez em 14.11.2019.

26. Em 12.11.2019 a Autora interpelou a Ré, através da sua mandatária, invectivando-a para o facto de o contrato não estar a ser pontualmente cumprido, manifestando ainda um total desagrado com o decurso dos trabalhos.

27. A mandatária da Autora, à data, referiu detalhadamente todos os pontos e etapas da obra que necessitavam de rectificação, ou efectivação por nunca iniciadas.

28. Em 7.11.2019 a Ré tinha executado integralmente a remoção das telhas, incluindo transporte e depósito a vazadouro e fornecido e executado o ripado do telhado.

29. O tratamento do pavimento em madeira não foi subcontratado a um taqueiro.

30. A Ré procedeu à pintura exterior da casa, sem que se dessem por acabadas as caleiras, rectificação de muros de alvenaria, ou ainda a recolocação do gradeamento por cima da garagem da casa.

31. Este gradeamento não foi reposto pela Ré.

32. A pintura de exteriores deveria ser executada com prévia limpeza, rectificação de muros e paredes exteriores, o que não sucedeu.

33. A Ré não protegeu os chãos exteriores da casa aquando da operação de pintura, deixando-os eivados de manchas e pingos de tinta.

34. A remoção do papel de parede da sala foi executada com água, sem protecção do chão de madeira.

35. O chão de lamparquet de madeira encontra-se empolado e as pequenas ripas que compõem este mesmo tipo de pavimento empenadas e levantadas na sua maioria sendo impossível a sua colagem, afagamento e envernizamento.

36. A Ré não acautelou as margens de dilatação confluentes com os rodapés.

37. As chuvas que atingiam a varanda não eram contidas pela supressão das caleiras e provocaram entrada de água na varanda, danificando irremediavelmente o piso flutuante antes colocado no piso superior.

38. A Ré tentou responsabilizar a Autora pelo estado do pavimento.

39. O pavimento da sala do piso inferior ficou inutilizado e sem solução de continuidade na sua recuperação e finalização.

40. O portão da garagem foi colocado sem acautelamento de destrancagem pelo interior.

41. O pavimento interior da garagem ao nível da entrada, encontra-se desnivelado provocando entrada de água na garagem aquando de fortes chuvas.

42. A Ré não procedeu à colocação de caleiras no alçado frontal.

43. A Ré não procedeu à recuperação da claraboia de escadas de acesso ao piso superior.

44. A parte da obra concluída ascende a cerca 10 mil euros.

45. Em 20.11.2019, a Autora interpelou a Ré para de imediato concluir as obras corrigindo os defeitos apontados em e-mail datado de 12 de Novembro de 2019 através da sua mandatária.

46. Nesse e-mail a mandatária afirmou que a Autora procedia ao pagamento do montante previsto no número 2 da cláusula 7ª de 9.000,00 €, não porque a obra estivesse cumprida a 50%, mas sim pela premência da sua rápida conclusão, para que pudesse rapidamente regressar a França e retomar os seus tratamentos oncológicos.

47. E invectivou a mandatária da Ré a concitar a sua constituinte a retomar os trabalhos interrompidos e realizá-los tanto quanto possível até final do mês de Novembro de 2019.

48. Em 13.12.2019, a mandatária da Autora interpelou novamente a Ré, indicando e referindo os defeitos e vícios da obra que teriam de ser corrigidos.

49. Foi agendada uma reunião entre as partes para agilizar o término da obra que acabou por não se concretizar devido à superveniência do fenómeno pandémico e, à prevenção de contágios por proximidade, tanto mais sendo a Autora uma doente de elevado risco, quer pela idade, quer pelas patologias associadas de que padece.

50. Em 13.03.2020 a Ré enviou um e-mail à mandatária da Autora a comunicar-lhe a suspensão dos trabalhos face às condições e regras conjunturais advindas com o fenómeno pandémico.

51. Após alguns contactos da mandatária da Autora foi estabelecido um compromisso entre as partes no qual a Ré assumiu que iria reiniciar as obras no dia 07 de Setembro de 2020, comprometendo-se a corrigir todos os defeitos decorrentes das obras já efectuadas, e a terminar a obra na sua globalidade, entregando-a à Autora, até ao dia 18 de Setembro de 2020.

52. Apesar deste compromisso e algumas investidas efectuadas nomeadamente nas escadas de madeira da habitação de acesso ao 1º andar, seu envernizamento, e outras pequenas intervenções, a Ré abandonou as obras em curso deixando o pavimento das escadas envernizado sem prévio afagamento do pavimento, e 3 fases de envernizamento.

53. A Ré não mais compareceu na obra deixando a casa inabitável.

54. A Ré levou todo o material e ferramentas utilizadas na obra.

55. A Ré não mais contactou a Autora.

56. A Autora através do seu actual mandatário comunicou à Ré a resolução do contrato em 27.07.2021.

57. A Autora viu-se na necessidade de abandonar a sua casa fruto das condições em que a casa se encontrava.

58. O incumprimento da Ré causou-lhe enormes transtornos, fortes e verdadeiros incómodos no dia a dia, e teve de dormir várias vezes em Hotéis e outros locais que não a sua casa, com os consequentes incómodos agravados pelo seu débil estado de saúde.

59. A auditoria por perito em engenharia civil à obra, ascendeu ao valor de 615,00 € (seiscentos e quinze euros).

60. A impermeabilização do piso ascende a 2.517,00 € (dois mil quinhentos e dezassete euros) e a reposição do pavimento em madeira ao valor de 5.872,38 € (cinco mil oitocentos e setenta e dois euros e trinta e oito euros).

61. A Autora encontrava-se no imóvel a maior parte do dia.

62. Inúmeras vezes apodou os colaboradores da Ré de “filhos da puta”.

63. Arrogando-se entendida em todas as artes, de como deveria realizar-se todo e qualquer passo da obra levado a cabo, não havia passo que os colaboradores da Ré não dessem que a Autora não criticasse.


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Factos não provados:

1. A Ré comprometeu-se a devolver uma cópia do contrato assinado o que não fez.

2. Os trabalhadores da Ré queixavam-se dos limitados recursos que a mesma disponibilizava para a correcta execução dos trabalhos, vendo-se muitas vezes obrigados a abandonar a obra queixando-se de a Ré não os municiar com materiais e meios adequados às tarefas a realizar e redirecioná-los para outra obra sem explicações.

3. O trabalhador que veio para a raspagem do pavimento, quando interpelado pela Autora para a colagem e raspagem do pavimento, disse que a Ré, lhe facultou uma lixadeira giratória de mão para lixar os pavimentos e que não conseguiria afagar o pavimento com aquele equipamento, tarefa para uma máquina industrial e que isso seria trabalho de subcontratação para um envernizador de pavimentos.

4. Os candeeiros da sala foram afectados pela humidade vinda do andar superior.

5. A Ré executou integralmente os seguintes trabalhos:

a) Fornecimento e assentamento de telhas;

b) Fornecimento e execução de pintura exterior;

c) Fornecimento de portão da garagem;

d) Fornecimento e execução de caleiras (execução a 50%);

e) Fornecimento e execução de pintura exterior do anexo;

f) Fornecimento e exceção de pintura interior do anexo;

g) Remoção do papel de parede incluindo transporte e depósito a vazadouro;

h) Rectificação (emassamento) das paredes em consequência da remoção do papel de parede;

i) Fornecimento e execução de pintura interior (concluída a 80%);

j) Remoção do taco em mau estado de conservação, incluindo transporte e depósito a vazadouro;

k) Fornecimento e assentamento de pavimento flutuante em quartos e polimento de taco em sala (concluído a cerca de 80%);

l) Fornecimento e execução de roupeiro (executado em cerca de 80%);

m) Execução de limpeza da obra (executado em cerca de 50%);

n) Estaleiro, fornecimento, montagem e desmontagem de andaimes.

6. O valor dos trabalhos executados pela Ré ascende a 24.096,25€.

7. Em 03.01.2020 a Autora através da sua mandatária interpelou a Ré, concedendo-lhe um prazo de 15 dias para no mês imediatamente a seguir, ou seja, fevereiro, terminar a obra.

8. A mandatária da Autora, contactou o legal representante da Ré para agendar uma reunião para o dia 17.07.2020, pelas 09h30 da manhã à qual o gerente da Ré, não compareceu sem qualquer pré-aviso.

9. Interpelado pela mandatária da Autora o legal representante da Ré aludindo ao acompanhamento de uma obra em Braga referiu que só poderia estar presente pelas 17 horas, voltando a não comparecer.

10. Reagendada para o dia seguinte e justificando-se com um funeral o legal representante da Ré voltou a não comparecer.

11. A Autora cancelou as viagens agendadas para Portugal em 29.07.2019 e para França em 22.10.2019.

12. A eliminação dos demais defeitos da obra ascende a 5.000,00€ (cinco mil euros).

13. Inúmeras vezes a Autora apodou os colaboradores da Ré “bestas de carga”, “incompetentes”.

14. Chegou a arremessar contra os mesmos tijolos, peças de pavimento e água com recurso a pequenos baldes que se encontravam na casa.

15. Chegou a tentar atirar um dos trabalhadores pela escadaria do primeiro andar do imóvel.

16. Apesar de interpelada a Autora não procedeu ao pagamento de 9.000,00€.


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IV - DIREITO

Perante o quadro factual apurado, cumpre resolver a questão dos danos não patrimoniais, peticionados no valor de €11.000,00 e que o tribunal a quo fixou em €5.000,00.

Ambas as partes manifestaram a sua discordância no que respeita a este segmento da decisão: a Ré considera que inexiste suporte factual que sustente uma condenação por danos não patrimoniais e ao invés, a Autora defende que o montante monetário atribuído a este título deve ser agravado.

Cabe ao lesante indemnizar o lesado dos danos decorrentes do evento, por forma a reconstituir a situação que existiria se o evento não se tivesse verificado-- v. artigos 483.º e 562.º do C.Civil.

O art. 496.º, n.º 1 do C.Civil estabelece que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Nesta matéria, A. Varela[2] ensinava que “…há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a  perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.”

O montante da compensação dos danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º--v. n.º 4 do citado preceito legal.

O ressarcimento destes danos sempre foi enquadrado pela doutrina e jurisprudência numa vertente compensativa[3], compreendendo todos os danos que não estejam abrangidos no grupo dos danos patrimoniais, não devendo ser meramente simbólica, miserabilista, nem a sua atribuição arbitrária.[4]

Como quer que seja, a sua fixação depende de um juízo de equidade, sendo que esta, segundo o Dr. Dario de Almeida[5] não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio.., que encontra a sua finalidade especifica na (...) razoabilidade, isto é, dentro daqueles comandos ditados pelo bom senso, como expressão natural da razão.

No caso concreto, a Autora ficou convencida que a sua moradia seria remodelada pela Ré no prazo de cerca de três meses pois foi esse período temporal que ficou acordado como sendo o adequado e necessário para a execução dos trabalhos previstos.

Importa salientar que a Autora considerou esse prazo essencial, por pretender que a obra de requalificação da moradia fosse concluída antes do dia 11.11.2019, data após a qual teria de retornar a França, para os obrigatórios e regulares acompanhamentos médicos.

Acontece, porém, que a Ré não respeitou o compromisso assumido com a Autora não só em relação ao prazo da empreitada (11/11/2019) pois acabou por abandonar a obra, sem a concluir em Setembro de 2020, mas também no que concerne à falta manifesta de qualidade do resultado dos trabalhos realizados.

Efectivamente, em 12.11.2019, a Autora interpelou a Ré, através da sua mandatária, alertando para o facto de o contrato não estar a ser pontualmente cumprido, manifestando ainda um total desagrado com o decurso dos trabalhos.

Posteriormente tentou que a Ré corrigisse os defeitos e prosseguisse os trabalhos, sem êxito, até que em 2021, dois anos após o início da obra, resolveu o contrato por incumprimento definitivo.

A Autora teve necessidade de abandonar a sua casa por não se encontrar em condições de habitabilidade.

E apesar de se reconhecer que, pelo menos na primeira fase de intervenção no telhado, não fosse aconselhável pernoitar no imóvel, não ficou provado (porque a Ré não alegou) que era inviável aí residir muito menos nas fases subsequentes, já que se tratava de uma moradia.

Ora, o incumprimento da Ré causou à Autora enormes transtornos, fortes e verdadeiros incómodos no dia a dia; teve de dormir várias vezes em hotéis e outros locais que não a sua casa, com os consequentes incómodos agravados pela idade e pelo seu estado de saúde.

Em suma, os transtornos e incómodos causados durante cerca de dois anos a uma idosa doente não só pelo incumprimento do prazo acordado para a execução da empreitada de remodelação da sua moradia, mas também em consequência do abandono da obra sem condições de habitabilidade e com defeitos merecem, pela sua gravidade, a tutela do direito.

Perante este complexo factual, a compensação que o tribunal fixou, recorrendo à equidade, mostra-se adequada às circunstâncias, não merecendo reparo.


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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes o recurso da Ré e o recurso subordinado da Autora, e em consequência, confirmam a sentença.

Custas pelos Recorrentes, na proporção das respectivas sucumbências.

Notifique.




Porto, 20/2/2024.
Anabela Miranda
Rui Moreira
Maria Eiró
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[1] cfr. neste sentido Ac. Rel. Porto, de 24/03/2014 in www.dgsi.pt.
[2] Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 561.
[3]v. Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pag. 375 e ainda Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 562 e segs., Telles, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, 6.ª edição, pág. 375; Cordeiro, António Menezes, Direito das Obrigações, 2.º volume, 1990, pág. 285.
[4] É esta a orientação seguida pelo STJ, indicando como exemplo, entre muitos, o Acórdão de 24.04.2013 disponível no site www.dgsi.pt.
[5] v. Manual de Acidentes de Viação; sobre o conceito de equidade, v., entre outros, o Acórdão do STJ de 20.03.2014 disponível em www.dgsi.pt.