Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3013/16.7T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
CRÉDITO NÃO SATISFEITO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP201901153013/16.7T8AVR.P1
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 866, FLS 123-136)
Área Temática: .
Sumário: I - A prescrição extintiva é o instituto de ordem pública por via do qual os direitos subjectivos se tornam inexigíveis, transformando-se em meras obrigações naturais, quando não são exercidos durante o lapso de tempo fixado na lei (cf. art.º 298.º, n.º 1, e 304.º do C Civil). Em termos processuais, a prescrição traduz-se numa excepção peremptória de direito material, de tipo modificativo, por eliminação de um dos elementos do vínculo obrigacional: a exigibilidade da prestação.
II - A regra geral do art.º 306.º, n.º 1, do C Civil tem implícito um regime objectivo, mas em várias outras disposições legais especiais optou-se pela consagração de um regime subjectivo, designadamente na disposição legal invocada nestes autos do art.º 59.º do CIRE.
III - Neste caso específico, o prazo de prescrição só se pode ter por iniciado a partir do momento em que o lesado passou a ter conhecimento dos factos constitutivos do seu direito e, cumulativamente, de que este não poderia ser exercido no âmbito do processo de insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3013/16.7T8AVR.P1
Comarca: [Juízo Local Cível de Aveiro (J2), Comarca de Aveiro]

Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
Adjunto: Vieira e Cunha
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

B..., residente na Rua ..., n.º .., ..., Vila Nova de Gaia, e C..., residente na Rua ..., n.º .., Vila Nova de Gaia, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra D..., Administrador da Insolvência, com domicílio profissional na ..., n.º ..., 2.º, Viseu, pedido que o Réu seja condenado a pagar à 1.ª Autora a quantia de € 18.974,67 e à 2.ª Autora a quantia de € 4.480,88, acrescidas de juros à taxa legal desde a mora ocorrida em Junho de 2015 até integral pagamento.
Alegam, em síntese, terem sido trabalhadoras da sociedade “E..., Lda.”, a qual foi declarada insolvente no Processo n.º 1687/05.3TBAGD, tendo sido nomeado Administrador da Insolvência o aqui Réu.
Dizem que a insolvente não pagou à 1.ª Autora a indemnização de antiguidade nem as retribuições referentes às férias, subsídio de férias e de Natal de 2003, num total de € 18.974,67, valor reconhecido por sentença proferida no Processo n.º 1324/03.0TTVNG.
Bem como a insolvente não pagou à 2.ª Autora a indemnização de antiguidade, salário de Março de 2003 nem as retribuições referentes às férias, subsídio de férias e de Natal de 2003, num total de € 4.480,88, valor reconhecido por sentença proferida no Processo n.º 2424/03.2TTPRT.
Expõem terem intentado contra a respectiva Massa Insolvente, a própria Insolvente e credores acções de verificação ulterior de créditos, nas quais obtiveram sentenças a reconhecer-lhes os créditos referidos.
Mais alegam que o Réu nunca atentou nestes créditos reclamados e reconhecidos, tendo procedido ao pagamento dos créditos apenas aos restantes trabalhadores.
Acrescentam terem reclamado várias vezes para o Juiz do processo, a última das quais em Junho de 2015.
Entendem que a conduta culposa do Réu foi causalmente adequada a causar-lhes danos não inferiores aos valores de, respectivamente, € 18.974,67 e € 4.480,88, que iriam receber caso este tivesse cumprido correctamente as suas obrigações e deveres.
O Réu veio contestar, impugnando a generalidade da matéria de facto da Petição e contrapondo que não foi notificado das respectivas sentenças nem recebeu, até ao rateio final, qualquer notificação judicial para efectuar nova graduação de créditos.
Excepciona a prescrição do direito invocado, alegando que as Autoras tiveram conhecimento do direito à indemnização desde a data em que lhe foram reconhecidos os créditos, em 04/07/2007. Também que estas sabiam que a massa insolvente não tinha valores para pagar os seus créditos pelo menos desde 02/05/11, quanto se verificou que os credores se recusaram a repor os valores recebidos.
Conclui pedindo que seja declarada procedente a invocada excepção de prescrição do direito das Autoras, devendo ainda a acção ser considerada improcedente, por não provada, com a sua absolvição do pedido.
Notificadas as Autoras para se pronunciaram sobre a excepção invocada, estas vieram alegar que somente com a notificação de um despacho judicial de 13/07/15 souberam definitivamente que teriam de intentar uma acção de responsabilidade civil.
Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual se proferiu despacho saneador, se definiu o objecto do processo e se fixaram os temas da prova.
Realizou-se julgamento de acordo com o legal formalismo e proferiu-se sentença, com a seguinte parte decisória: “Em face do exposto, julgo procedente a excepção peremptória de prescrição do direito invocado pelo réu D..., termos em que decido absolve-lo do pedido formulado pelas autoras B... e C....”
Inconformadas com esta decisão, as Autoras interpuseram recurso, pedindo a modificação da decisão proferida, condenando-se o Réu a pagar-lhes os valores indicados, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
I. Os factos nº 1 a 38 dados como provados que se dão aqui por integrados e reproduzidos por uma questão de economia processual levaram a M.Juiz a quo a concluir que : (…).
II. O que vale por dizer que teriam direito a receber no processo de insolvência as quantias de 17.352,78 € a Autora B... e de 4.045,25 € a Autora C... (vide facto 26 dado como provado).
III. Não ocorreu o prazo de prescrição na data sustentada pela M.Juiz a quo na sentença ora posta em crise, porquanto
IV. O meio próprio e único das AA. receberem os seus créditos sobre a insolvente é no processo de insolvência , não o podendo fazer por outra forma.
V. E foi neste processo que as AA. tudo fizeram para tentar receber o seu crédito , através das acções de verificação ulterior de créditos e depois destes reconhecidos e de tomarem conhecimento que não foram contempladas nos pagamentos através de vários requerimento ao M.Juiz do processo para que este providenciasse os seus pagamentos e resolvesse a situação. VI. M.Juiz do processo entendeu que as AA. tinham razão e várias vezes instou o R. para que este procedesse ao pagamento ou dissesse como pretendia resolver a situação.
VII. Em 13/07/2015 o M.Juiz do processo, por despacho junto na PI, diz (vide facto 36 dado como provado): “… Sendo certo que o pagamento voluntário às credoras requerentes, por parte daquele (leia-se o AI aqui R.) ou a notificação determinada judicialmente para o efeito, ainda cabe no objecto do processo como diligência destinada à “repartição do produto (da liquidação) pelos credores “(art. 1º/1 do Cire),assumindo igualmente utilidade para prevenção de eventual litigio que venha a opor esses intervenientes numa futura acção para exercício de responsabilidade civil.
VIII. E nesse mesmo despacho disse ainda: “… determino a notificação do SR. Administrador de Insolvência para em dez dias informar nos autos se se propõe fazer o pagamento voluntário às credores requerentes (B... e C...), em que data e por que montantes, em caso afirmativo…”.
IX. O Sr. AI, aqui R., não se dignou sequer dar resposta ao despacho do M.Juiz, razão pela qual as AA. consideraram estar esgotadas as possibilidades de recuperarem os seus créditos no processo próprio – o de insolvência.
X. Ou seja, em 13/07/2015 o Sr. Juiz do processo de insolvência ainda entendia que o pagamento às aqui AA. e recorrentes ainda podia ser feito no processo de insolvência e que a notificação feita por ele para o efeito poderia até prevenir eventual litígio que venha a opor esses intervenientes numa futura acção para exercício de responsabilidade civil.
XI. Só a partir daí é que as AA. souberam definitivamente , face ao despacho do M.Juiz do processo e à atitude do AI de nem sequer responder, que teriam de tomar a medida que o M.Juiz fala nesse seu despacho de 13/07/2015 : a acção de responsabilidade civil.
XII. O M. Juiz do processo de insolvência ainda voltou a mandar notificar o R. em 17.11.2016 para vir dizer se pagava ou não às AA., renovando o seu despacho anterior e cominando o réu com multa processual, entendendo que, em caso de silêncio, o mesmo se recusaria a proceder ao pagamento das credoras em causa no âmbito daqueles autos.
XIII. Portanto, foi o próprio Juiz do processo que entendeu até ao seu último despacho de 17/11/2016 que as AA., aqui recorrentes, ainda poderiam receber os seus créditos no processo de insolvência; se assim não fosse, qual a razão de ter mantido o processo vivo e pendente até 2017, quando tudo o resto estava resolvido?
XIV. As AA. intentaram a presente acção em Setembro de 2016, muito antes do decurso do prazo de 2 anos da prescrição , que só se poderá contar depois de goradas todas as tentativas para o recebimento dos seus créditos no processo de insolvência.
XV. Depois de terminado o prazo de 10 dias para o Sr. AI responder ao referido despacho de 13/07/2015 e até à propositura da presente acção não decorreu o mencionado prazo de 2 anos, pelo não ocorreu in casu a invocada prescrição.
XVI. Estes entendimentos das AA. vai o encontro do que reflecte Jurisprudência superior, designadamente do STJ quando se sustenta “É sabido que o fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado. Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito “ (vide Ac. do STJ de 4/03/2010 proferido no proc. nº 1472/04.0TVPRT-C.S1 em que foi relator o D.Juiz Conselheiro Serra Batista in www.dgsi.pt).
XVII. Aliás, em certas circunstâncias a prescrição pode ser interrompida (arts 323.º a 327.º do CC),
XVIII. Sendo certo que, em consequência da interrupção o tempo decorrido fica inutilizado, começando, em princípio, o prazo integral a correr de novo a partir do acto interruptivo (art.326.).
XIX. A interrupção é determinada por actos que tanto podem resultar de uma iniciativa do titular do direito (credor), a qual terá lugar sempre que se dê conhecimento ao devedor, através de citação, notificação judicial ou outro meio judicial da intenção de se exercitar o direito (art. 323.º), como por actos do beneficiário da prescrição, ou seja do devedor (art. 325.º) (vide Ac. do STJ supra referido).
XX. In casu, as AA. e o M.Juiz sempre entenderam até muito depois de 9/11/2013 que podiam receber o seu crédito no processo de insolvência – As AA. até pelo menos ao despacho de 13/7/2015 e o M.Juiz do processo até ao despacho de 17/11/2016 ; e o AI, aqui R. também nunca entendeu que estava liberado da sua qualidade de devedor da indemnização.
XXI. Deste modo, a sentença ora posta em crise violou o disposto no artigo do 59º, 1 e 5 do CIRE e nos artigos 323º a 327 do CC, pelo que deve ser revogada, substituindo-se por outra que condene o R. a pagar às AA. as quantias de 17.352,78 € a Autora B... e de 4.045,25 € a Autora C....
O Réu veio apresentar contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O presente recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre decidir.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
A questão a dirimir, delimitada pelas conclusões do recurso, prende-se com a apreciação da prescrição do direito indemnizatório invocado pelas Autoras.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados (Factos elencados na decisão em recurso):
1) A autora B...:
a) Foi admitida ao serviço da sociedade E..., Lda., em 02.01.1967, para, sob as suas ordens e instruções exercer as funções de bobinadeira, mediante o salário mensal de € 400,00.
b) Trabalhou para a sociedade E..., Lda., até meados de 2003, data em que foi despedida.
c) Intentou, no tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, contra a sociedade E..., Lda., acção comum, que correu termos sob o processo n.º 1324/03.0TTVNG, na qual foi proferida decisão, em 05.12.2003, que condenou a insolvente a pagar-lhe as quantias de € 14.579,85, de € 3.218,08, de € 788,10, de € 194,32 e de € 194,32, a título, respectivamente, de indemnização por despedimento, prestações vencidas e vincendas, férias e subsídio de férias, proporcional de férias e subsídio de férias e proporcional de subsídio de Natal [cfr. certidões de fls. 229/232, de fls. 249, relativas ao processo n.º 1687/05.3TBAVR-H e à decisão no processo n.º 1324/03.0TTVNG, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
2) A autora C...:
a) Foi admitida ao serviço da sociedade E..., Lda., em 04.02.2002, para, sob as suas ordens e instruções exercer as funções de empregada de escritório, mediante o salário mensal de € 349,16.
b) Trabalhou para a sociedade E..., Lda., até 31.03.2003, data em que foi despedida.
c) Intentou, no tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, contra a sociedade E..., Lda., acção comum, que correu termos sob o processo n.º 2424/03.2TTPRT, na qual foi proferida decisão, em 06.02.2004, que condenou a insolvente a pagar-lhe a quantia de € 1.047,48, a título de indemnização de antiguidade, a quantia de € 1.643,96 a título de prestações vencidas, a quantia de € 349,16, a título de remuneração relativa ao mês de Março de 2003, a quantia de € 698,32, a título de remuneração e subsídio de férias vencidas em 01.01.2003, e a quantia de € 261,87, a título de remuneração e subsídio de férias e subsídio de natal, proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano de cessação do contrato [cfr. certidões de fls. 233/237 e de fls. 264/265, relativas ao processo n.º 1687/05.3TBAVR-O e à decisão no processo n.º 2424/03.2TTPRT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
3) Em 09.08.2005, por decisão proferida no âmbito do processo n.º 1687/05.3TBAGD, a correr termos no Tribunal de Águeda, foi a sociedade E..., Lda., declarada insolvente, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos e nomeado Administrador de Insolvência o aqui réu, D... [cfr. anúncio de fls. 63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
4) As autoras não reclamaram os seus créditos no prazo referido no ponto 3).
5) Em 03.10.2005, realizou-se a Assembleia de Credores para apreciação do relatório [cfr. ata de fls. 64/66, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
6) Em 21.11.2005, no âmbito do processo n.º 1687/05.3TBAVD, relativo à reclamação de créditos, foi proferida decisão de homologação da lista de credores reconhecidos [cfr. sentença de fls. 289/293, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], elaborada pelo réu, na qual foram graduados:
- Em primeiro lugar, os créditos privilegiados e garantidos, emergentes de contrato individual de trabalho e relativos a salários em atraso de F..., G... e H...;
- Em segundo lugar, o crédito com privilégio mobiliário geral do requerente da insolvência, I..., relativamente a um quarto do seu montante;
- Em terceiro lugar, os créditos comuns, restantes créditos constantes da lista apresentada.
7) Na decisão referida no ponto 6), qualificaram-se os créditos das trabalhadoras F..., G... e H..., relativos a salários em atraso, férias, subsídios de férias, proporcionais, compensação por cessação do contrato e respectivos juros, como gozando de privilégios creditórios imobiliários gerais e mobiliários gerais, por emergirem de contrato individual de trabalho.
8) Em 05.12.2005, as trabalhadoras F..., G... e H... requereram a aclaração da sentença referida no ponto 6), o que foi indeferido, por despacho proferido em 14.12.2005 [cfr. requerimento de fls. 294/295 e despacho de fls. 298/299, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
9) Por requerimento datado de 03.07.2006 [junto a fls. 300, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], o réu informou os autos de insolvência da existência de bens imóveis apreendidos, nos quais as trabalhadoras exerciam a sua actividade, requerendo a correcção da relação já enviada, no sentido de classificar os créditos das trabalhadoras também como garantidos sobre os imóveis apreendidos [cfr. auto de apreensão junto a fls. 309/310, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
10) Na sequência do requerimento referido no ponto 9), foi proferida, em 26.07.2006, decisão de complemento da sentença referida no ponto 6) [junta a fls. 275-276, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], na qual se graduou:
- Em primeiro lugar, os créditos privilegiados emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, que são os créditos com privilégio imobiliário de F..., G... e H...;
- Em segundo lugar, os créditos comuns, os restantes créditos constantes da lista apresentada.
11) No processo n.º 1687/05.03TBAGD, foram lavrados termos de protesto pelas autoras [juntos a fls. 168 e 169, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], em razão de terem proposto acção de verificação ulterior de créditos, sendo o da autora B... datado de 08.06.2006 e o da autora C... de 08.08.2006.
12) A massa insolvente foi citada para o processo apenso n.º 1687/05.3TBAGD, relativo à verificação ulterior de créditos, em que era autora B..., por carta remetida em 30.05.2006 [junta a fls. 135/136, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
13) O réu foi notificado do despacho saneador, proferido no processo n.º 1687/05.3TBAGD-H, por carta remetida em 17.10.2006, e da data de audiência de julgamento, no âmbito do mesmo processo, por carta remetida em 11.12.2006, a qual se realizou em 23.05.2007, não tendo o réu comparecido [cfr. ofícios de fls. 137 e 138 e atas da audiência de julgamento junta a fls. 139/141, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
14) Foi proferida sentença de verificação ulterior de créditos relativa ao processo apenso n.º 1687/05.3TBAGD-H [junta a fls. 142/145, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], em 04.07.2007, transitada em julgado em 24.07.2007, na qual foi reconhecido o crédito da autora B..., sobre a massa insolvente de E..., Lda., no valor de 18.974,67€, correspondente à condenação referida no ponto 1/c). [cfr certidão de fls. 131, que aqui se dá por integralmente reproduzida].
15) O réu foi notificado da sentença referida no ponto 14, por carta remetida em 09.07.2007 [cfr. ofício de fls. 146, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
16) A massa insolvente foi citada para o processo apenso n.º 1687/05.3TBAGD-O, relativo à verificação ulterior de créditos, em que era autora C..., por carta remetida em 26.07.2006 [junta a fls. 151/152, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
17) O réu foi notificado do despacho saneador, proferido no processo n.º 1687/05.3TBAGD-O, por carta remetida em 07.11.2006, e da data de audiência de julgamento, no âmbito do mesmo processo, por carta remetida em 11.12.2006, a qual se realizou em 23.05.2007, não tendo o réu comparecido [cfr. ofícios de fls. 153 e 154 e atas da audiência de julgamento de fls. 155/157, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
18) Foi proferida sentença de verificação ulterior de créditos relativa ao processo apenso n.º 1687/05.3TBAGD-O [junta a fls. 158/162, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], em 04.07.2007, transitada em julgado em 24.07.2007, na qual foi reconhecido o crédito da autora C..., sobre a massa insolvente de E..., Lda., correspondente aos valores referidos no ponto 2/c) [cfr. certidão de fls. 147, que aqui se dá por integralmente reproduzida].
19) O réu foi notificado da sentença referida no ponto 18, por carta remetida em 09.07.2007 [cfr. ofício de fls. 163, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
20) Em 14.12.2006, o réu apresentara requerimento [junto a fls. 170, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido] ao processo n.º 1687/05.3TBAGD. solicitando, para além do mais, que fosse mandado informar da entrada das reclamações de créditos dos apensos I, H, O, N e Q, a fim de serem evitados mais custos para a massa insolvente com deslocações.
21) Por carta remetida em 28.02.2007 [junta a fls. 171, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], foi o réu notificado das datas das audiências de julgamento relativas aos apensos I, H, O, N e Q, do processo n.º 1687/05.3TBAGD.
22) Em 14.04.2009, o processo de insolvência, n.º 1687/05.3TBAGD, foi autuado no Tribunal de Comércio de Aveiro.
23) Por requerimento apresentado em 25.05.2009 [junto a fls. 70/72, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], o réu informou o processo n.º 1687/05.3TBAGD que já haviam sido pagos os credores privilegiados, correspondentes aos trabalhadores, e que, após o pagamento de todas as despesas, restaria na conta da massa insolvente um saldo para rateio final e demais custas no valor de € 15.721,88, tendo junto em anexo prestação de contas actualizada, datada de 03.03.2009, na qual constavam como credores privilegiados, integralmente pagos: F..., no montante de € 5.372,77; G..., no montante de € 30.437,43; H..., no montante de € 27.137,27, e J..., no montante de € 1.866,19.
24) Por despacho proferido em 02.11.2009 [junto a fls. 107, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], no processo n.º 1687/05.3TBAGD, foi autorizado o pagamento segundo o mapa de rateio de fls. 109 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], tendo sido pago ao credor I..., o montante de € 11.416,14, por cheque da K... n.º .........., montante correspondente ao saldo disponível após o pagamento às trabalhadoras referidas no ponto 23) e outras despesas.
25) Por requerimento apresentado em 29.07.2010, no processo n.º 1687/05.3TBAGD [junto a fls. 75, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], o réu informou que: “Foi efectuada a graduação de créditos apenso B reclamação de créditos em 21/11/2005 na qual em 1.º lugar são colocados como credores privilegiados as três funcionárias. Em 9 de Maio de 2006 Apenso E houve verificação ulterior de créditos de J... € 5.372,77. Em 9 de Julho de 2007 apensos H e O são notificados os credores e a massa para a verificação ulteriores créditos, pelas trabalhadoras B... € 18.974,67 apenso H e C... Apenso O € 4.480,88. Conforme consta dos autos foi enviado em 18/11/2008 o mapa de rateio onde constavam as três trabalhadoras graduadas mais a do apenso E para pagamento integral do respectivo crédito, tendo os tendo os mesmos sido pagos. Posteriormente 18/09/2009 foi passado cheque de € 11.416,14 ao credor I..., tendo a massa ficado com um saldo de € 4.424, 51 para despesas. Face ao exposto os créditos destas duas trabalhadoras [B... e C...) não foram consideradas no rateio nem graduados, de valor global para o seu pagamento é de € 23.455,55. Assim aceite a graduação destas duas trabalhadoras em 1.º lugar deverá ser requerido aos credores I... a reposição da totalidade do valor recebido e perto de 9% às trabalhadoras, conforme mapa em anexo, ficando a conta da massa insolvente saldada.”
26) Nesse seguimento, o réu elaborou o mapa de rateio de fls. 174/175 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]no qual integrou as autoras, ao lado das restantes trabalhadoras, fazendo constar:
- Um crédito privilegiado em relação à autora C..., no montante de € 4.424,51, do qual deveria ser pago o montante de € 4.045,25.
- Um crédito privilegiado em relação à autora B..., no montante de € 18.979,67, do qual deveria ser pago o montante de € 17.352,78.
- Deveriam os credores já pagos restituir as seguintes quantias: F... € 2.609,02 G... € 2.326,14 J... € 460,54 H... € 161,68 I... € 11.416,14
27) Por cartas datadas de 15.10.2010 [juntas a fls. 77/79, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], foram os credores F..., G..., H..., J... e I..., notificados para se pronunciarem ou procederem à reposição referida no ponto 26).
28) Por requerimento apresentado em 28.10.2010 [junto a fls. 80/82, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], G..., F... e H... declararam recusar a reposição das referidas quantias.
29) Por despacho proferido em 12.01.2011, no processo n.º 1687/05.3TBAGD, determinou-se a notificação do réu para, de entre o mais, informar se havia dado cumprimento ao disposto no art. 180.º do CIRE e se os restantes credores já haviam efectuado a reposição requerida, tendo tal despacho sido renovado, em 29.03.2011, com a cominação de multa, em razão da ausência de resposta pelo réu [cfr. despachos de fls. 176/177, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
30) Em 07.04.2011, o réu apresentou requerimento ao processo n.º 1687/05.3TBAGD [junto a fls. 83, cujo teor se dá por integralmente reproduzido], informando, para além do mais, que, até ao momento, não havia sido efectuada qualquer reposição pelos restantes credores.
31) Por despacho proferido em 02.05.2011, no processo n.º 1687/05.3TBAGD [junto a fls. 85, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido] determinou-se, de entre o mais, o seguinte: “(…) Verifica-se que as trabalhadoras B... e C... intentaram acções de verificação ulteriores de créditos, julgadas procedentes [apensos H e O), nada tendo recebido, apesar do privilégio de que beneficiam, não havendo, segundo se afirma nos autos, valores suficientes na conta da massa insolvente para o respectivo pagamento […) A situação denota, desde logo, falta de cumprimento, pelo administrador da insolvência, das cautelas de prevenção […) perante a qual, as credoras prejudicadas, caso se mantenha o prejuízo, poderão reagir em sede própria. Quanto aos restantes credores, ao não procederem à reposição requerida, pensamos que faltam ao cumprimento do disposto no art. 175.º do CIRE, situação perante a qual as credoras prejudicadas, caso mantenham o prejuízo, poderão também reagir em sede própria. […) Pelo exposto, determino se notifiquem os credores que já receberam [no âmbito dos pagamentos previstos no mapa de rateio parcial) para, em dez dias, procederem à reposição dos valores indicados pelo Sr. administrador da insolvência, sob cominação de multa processual. […)”
32) Os credores pagos não procederam à reposição dos valores, tendo sido condenados em multa, por despacho proferido em 09.11.2011 [junto a fls. 86, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
33) Por requerimentos datados de 11.02.2013 [juntos a fls. 87/89, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], o réu informou o processo n.º 1687/05.3TBAGD do seu entendimento de que as custas das autoras deveriam ser pagas pela massa insolvente, uma vez que o seu pagamento não havia sido efectuado por as mesmas não terem sido graduadas, tendo juntado em anexo as respectivas contas, o que foi determinado por despacho proferido em 13.02.2013 [junto a fls. 90, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido],no qual, de entre o mais, se determinou que: “No que concerne, por último, à responsabilidade do Sr. administrador da insolvência, pensamos que apenas poderá ser reconhecida, se for o caso, em acção especialmente intentada para o efeito. Pelo exposto, decide-se que o valor devido à A., em sede de rateio final seja levantado na medida do necessário para pagamento das custas, isentando a A. do pagamento do restante, caso exista, indeferindo no mais o requerido. Notifique.”
34) Em 05.05.2013, o réu enviou ao processo n.º 1687/05.3TBAGD a informação que havia remetido à Comissão de Apreciação e Controlo da Actividade dos Administradores da Insolvência, na qual expôs a situação relativa à participação de B... e C..., naquele processo [cfr. requerimento de fls. 191/195, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
35) Em 18.06.2014, as autoras apresentaram no processo n.º 1687/05.3TBAGD o requerimento de fls. 19/22 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], no qual constava: “(…) os credores, notificados para devolver os montantes que indevidamente lhe foram pagos pelo Sr. AI ainda não o fizeram, nem o Sr. AI veio dizer como pretender colmatar o seu erro relativamente às aqui credoras, designadamente se tem Seguro de Responsabilidade Civil, qual a Seguradora, N.º de apólice e se pretende participar o sinistro. O esclarecimento a tais questões é vital para as aqui credoras definirem as atitudes a tomar quanto ao ressarcimento dos seus créditos, pelo que requer se digne mandar notificar o AI e as credoras em causa para os devidos efeitos.”
36) Por despacho proferido em 13.07.2015, no processo n.º 1687/05.3TBAGD [junto aos autos, em fls. 24, frente e verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido] determinou-se, de entre o mais, o seguinte: “(…) a falta de pagamento às credoras é susceptível de determinar a responsabilidade, não apenas aos credores que receberam os valores indevidos, mas também ao Sr. Administrador da insolvência, por falta de cumprimento das cautelas de prevenção […) Sendo certo que o pagamento voluntário às credoras requerentes, por parte daquele, ou a notificação determinada judicialmente para o efeito, ainda cabe no objecto do processo, como diligência destinada à “repartição do produto (da liquidação) pelos credores” (art. 1.º/1 do CIRE), assumindo igualmente utilidade para prevenção de eventual litígio que venha a opor esses intervenientes numa futura acção para exercício da responsabilidade civil. Pelo exposto, determino a notificação do Sr. administrador da insolvência para, em dez dias, informar aos autos se se propõe fazer o pagamento voluntário às credoras requerentes (…), em que data e por que montantes (…).”
37) Em 17.11.2016, foi proferido despacho no processo n.º 1687/05.3TBAGD [junto a fls. 100, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], que renovou o despacho anterior e cominou o réu com multa processual, entendendo que, em caso de silêncio, o mesmo se recusaria a proceder ao pagamento das credoras em causa no âmbito daqueles autos.
38) Por despacho proferido em 13.10.2017 [junto a fls. 280, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], foi determinado o arquivamento dos autos do processo n.º 1687/05.3TBAGD.

Factos não Provados:

a) O réu nunca foi informado da existência de outras trabalhadoras, designadamente das aqui autoras.
b) Só em 2010 foi o réu notificado dos requerimentos apresentados pelas autoras.
c) Nunca foi possível contactar a credora I... para devolver o valor que recebera.
d) As autoras não acompanharam a evolução e publicação dos despachos e decisões proferidas no âmbito do processo de insolvência.
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IV – PRESCRIÇÃO DO DIREITO INDEMNIZATÓRIO DAS AUTORAS

Na decisão recorrida, ficou assente – por falta de impugnação em sede de recurso – que as Autoras tinham direito a ser graduadas na lista de credores, com vista a serem pagas ao lado das restantes trabalhadoras, cujos créditos também foram reconhecidos.
Também que, ao não o fazer e ao não assegurar as cautelas de prevenção resultantes do disposto no art.º 180.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[2], o administrador da insolvência, aqui Réu, violou os seus deveres, causando a impossibilidade, para as Autoras, de verem os seus créditos pagos, ao menos em parte.
Deve, por inerência – e tal como aí ficou decidido – concluir-se que se encontram verificados os pressupostos de que depende a responsabilidade civil do Réu, pela inobservância culposa dos deveres que lhe cabiam, da qual resultaram danos para as Autoras, credoras da insolvência: em concreto, para a Autora C... no valor de € 4.045,25 e para a Autora B... no valor de € 17 352,78.
No entanto, na decisão recorrida decidiu-se sequencialmente que o direito agora invocado pelas Autoras se encontra prescrito, desde 09/11/2013, com a consequente absolvição do Réu do pedido.
É contra este segmento da decisão que as Autoras se insurgem.
Sustentam que o meio próprio e único de receberem os seus créditos sobre a insolvente é no processo de insolvência, não o podendo fazer por outra forma.
Declaram que foi neste processo que tudo fizeram para tentar receber o seu crédito, através das acções de verificação ulterior de créditos e, depois destes reconhecidos e de tomarem conhecimento que não foram contempladas nos pagamentos, através de vários requerimento ao Mmo. Juiz do processo para que este providenciasse os seus pagamentos e resolvesse a situação.
Dizem que, em 13/07/2015, o Mmo. Juiz do processo, por despacho, determinou a notificação do Sr. Administrador da Insolvência para informar se se propunha efectuar o pagamento voluntário às credoras.
Afirmam que o Sr. Administrador da Insolvência não se dignou sequer dar resposta ao despacho do Mmo. Juiz, razão pela qual elas consideraram estar esgotadas as possibilidades de recuperarem os seus créditos no processo próprio – o de insolvência.
Entendem que, só a partir daí é que souberam definitivamente, face ao despacho do Mmo. Juiz do processo e à atitude do AI de nem sequer responder, que teriam de tomar a medida que o Mmo. Juiz fala nesse seu despacho de 13/07/2015: a acção de responsabilidade civil.
Acrescentam que foi o próprio Juiz do processo que entendeu até ao seu último despacho de 17/11/2016 que estas, aqui recorrentes, ainda poderiam receber os seus créditos no processo de insolvência.
Defendem que intentaram a presente acção em Setembro de 2016, muito antes do decurso do prazo de 2 anos da prescrição, que só se poderá contar depois de goradas todas as tentativas para o recebimento dos seus créditos no processo de insolvência.
A prescrição extintiva é o instituto de ordem pública por via do qual os direitos subjetivos se tornam inexigíveis, transformando-se em meras obrigações naturais, quando não são exercidos durante o lapso de tempo fixado na lei (cf. art.º 298.º, n.º 1, e 304.º do C Civil).
Em termos processuais, a prescrição traduz-se numa excepção peremptória de direito material, de tipo modificativo, por eliminação de um dos elementos do vínculo obrigacional: a exigibilidade da prestação[3].
Como já expunha Manuel de Andrade[4], o fundamento específico da prescrição “reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo”, negligência que “faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de proteção jurídica”.
A questão em apreciação no presente recurso prende-se com o início do prazo de prescrição.
Doutrinalmente contrapõem-se dois regimes de definição do início de contagem deste prazo: um objectivo (que define que o prazo se inicia a partir do momento que o direito possa ser exercido, independentemente do conhecimento do credor) e um subjectivo (que prescreve que o mesmo prazo se inicia com o conhecimento pelo credor do direito que lhe assiste)[5].
A regra geral do art.º 306.º, n.º 1, do C Civil tem implícito um regime objectivo, mas em várias outras disposições legais especiais optou-se pela consagração de um regime subjectivo, designadamente no enriquecimento sem causa (cf. art.º 482.º do C Civil), na responsabilidade civil (cf. art.º 498.º do C Civil) e na disposição legal invocada nestes autos do art.º 59.º do CIRE[6], do seguinte teor: “1. O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado. (…) 5. A responsabilidade do administrador da insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mas nunca depois de decorrido igual período sobre a data da cessação de funções."
A dúvida central a dilucidar é precisamente a interpretação desta cláusula de conhecimento subjectivo, redundando, no fundo, na definição do critério para início da contagem do prazo consagrado no n.º 5 do art.º 59.º do CIRE.
A este respeito, a doutrina e a jurisprudência têm assumido, nos últimos anos, posição no essencial, coincidente.
Com efeito, Vaz Serra defendeu, no passado, uma concepção normativista, entendendo que seria exigível o conhecimento por parte do lesado de que se encontra habilitado juridicamente a exigir de terceiro o ressarcimento dos danos sofridos. Refere este[7] “Para que comece a correr o prazo curto da prescrição, é, pois, de exigir o conhecimento, pelo lesado, de que é juridicamente fundado o direito à indemnização, dado que quem não tem esse conhecimento não sabe se pode exigir a indemnização, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser desta prescrição de curto prazo.”
Ao longo dos anos, tem-se vindo a abandonar esta tese, por se entender demasiado rígida e até desfasada da realidade, exigindo do comum do cidadão conhecimentos jurídicos que este não tem nem virá nunca a adquirir.
Assim, esta tese inicial foi transmutada pela doutrina numa tese dita realista, que exige “apenas” o conhecimento dos elementos de facto relevantes para a exigência da indemnização para ressarcimento dos danos sofridos[8].
Também na jurisprudência se tem vindo a defender esta mesma tese.
Cita-se, de forma exemplificativa, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/04/2002, tendo como Relator Araújo de Barros[9], onde se refere “Quando se determina que tal prazo se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se, apenas, que se conta a partir da data em que conhecendo, a verificação dos pressupostos, que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não, da consciência, da possibilidade legal, do ressarcimento.”
Deve, portanto, entender-se que o prazo de prescrição se inicia quando o lesado tem conhecimento dos factos constitutivos do direito indemnizatório, independentemente do conhecimento do efectivo enquadramento jurídico da questão.
O caso dos autos tem uma especificidade relevante: as aqui Autoras tentaram – e bem – resolver a questão no âmbito do processo de insolvência.
Assim sendo, o prazo de prescrição só se pode ter por iniciado a partir do momento em que as Autoras passaram a ter conhecimento dos factos constitutivos do seu direito e, cumulativamente, de que este não poderia ser exercido no âmbito do processo de insolvência.
A este propósito, concordamos com a fundamentação de direito da decisão recorrida ao referir que “Assim, não pode, desde logo, iniciar-se a contagem do prazo da prescrição nas datas em que foram proferidas as sentenças de verificação dos créditos das autoras (factos provados nos pontos 14 e 18), uma vez que nessas datas as autoras apenas tomaram conhecimento da verificação dos seus créditos perante a massa insolvente, sendo que os mesmos deveriam ser pagos, em princípio, no âmbito do processo de insolvência. Nessas datas, nenhum direito era, ainda, passível de ser efectivamente exercido perante o administrador da insolvência, nos termos do disposto no art.º 59.º do CIRE.
Por outro lado, também não se considera ter o prazo de prescrição começado a correr em 02.05.2011 (facto provado no ponto 31), em razão do despacho nessa data proferido, no âmbito do processo de insolvência, Com efeito, nesse despacho consta, de entre o mais, a alusão ao alegado incumprimento de deveres por parte do administrador de insolvência e, a subsequente, falta de colaboração dos credores, por falta de devolução das quantias cuja restituição lhes foi pedida, sendo certo que, ainda nesse momento, tal era concebido como um possível enquadramento jurídico futuro da situação das autoras, para o caso de se manter o prejuízo, o qual se visou, nessa mesma data, obstar, uma vez mais, através da notificação aos credores para reporem as quantias necessárias ao pagamento das autoras.
(…). Assim, as autoras sabiam que não iriam ser pagas no âmbito daquele processo, pelo menos desde 09.11.2011 – data em que os credores foram condenados em multa pela ausência de colaboração no processo e definitivamente se percebeu que eles não iriam, ao menos por aquela via, repor as quantias recebidas a mais (facto provado no ponto 32).
(…) Com a decisão datada de 09.11.2011, ficou patente a impossibilidade de as autoras verem os seus créditos pagos no âmbito daquele processo de insolvência, por total ausência de colaboração dos restantes credores e, perante esse facto, as autoras nada fizeram para responsabilizar o réu, em sede própria, dentro dos dois anos posteriores.”
Efectivamente, tendo-se os credores recusado a devolver as quantias devidas às Autoras, apesar de condenados em multa, ficou definido, de forma definitiva, que as Autoras não iriam receber as quantias a que tinham direito no âmbito do processo de insolvência.
Concordamos, portanto, com a tese defendida na decisão recorrida, no sentido de que o prazo de prescrição do direito das Autoras se iniciou em 09/11/2011, tendo, por inerência, decorrido integralmente em 09/11/2013.
Aliás, se as Autoras tivessem dúvidas quanto ao início deste prazo de prescrição, as mesmas teriam ficado necessariamente dissipadas em face do requerimento do Réu, de 11/02/2013, e do despacho subsequente, de 13/02/13, do seguinte teor: “No que concerne, por último, à responsabilidade do Sr. administrador da insolvência, pensamos que apenas poderá ser reconhecida, se for o caso, em acção especialmente intentada para o efeito. Pelo exposto, decide-se que o valor devido à A., em sede de rateio final seja levantado na medida do necessário para pagamento das custas, isentando a A. do pagamento do restante, caso exista, indeferindo no mais o requerido. Notifique.”
No entanto, as Autoras optaram por deixar decorrer integralmente o prazo de prescrição, actuando de forma negligente.
Apenas vieram apresentar novo requerimento nos autos de insolvência em 18/06/2014, quando o seu direito já se encontrava manifestamente prescrito, pedindo esclarecimento sobre a existência de seguro de responsabilidade civil do Réu.
Nesta data, os direitos subjectivos de que eram titulares já se haviam tornado inexigíveis, por transformados em meras obrigações naturais.
Aliás, da leitura do despacho proferido em 13/07/2015, invocado pelas Recorrentes, é patente que o tribunal apenas pretendeu suscitar a colaboração do Administrador da Insolvência em vista de uma solução extra-judicial da questão, limitando-se a notifica-lo para “informar nos autos se se propõe fazer o pagamento voluntário às credoras requerentes”.
Em face de tudo o exposto, conclui-se pela improcedência do presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso das Recorrentes/Autoras, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo das Recorrentes/Autoras - art.º 527.º do CP Civil.
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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Porto, 15 de Janeiro de 2019
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
___________
[1] Doravante designado por CP Civil.
[2] Doravante apenas designado por CIRE, por questões de operacionalidade e celeridade.
[3] Veja-se, neste sentido, Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, 2015, 2.ª Edição, pág. 207 e ss., Almeida Costa in Direito das Obrigações, 12.ª Edição, 2016, pág. 1121 e ss., Luís Carvalho Fernandes in Teoria Geral do Direito Civil-II, 2010, 5.ª Edição, Universidade Católica Editora, pág. 693, Pedro Pais de Vasconcelos in Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7.ª Edição, Almedina, pág. 327, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão in Direito das Obrigações, Volume II, 2018, 12.ª Edição, Almedina, pág. 117, e Ana Filipa Morais Antunes in Prescrição e Caducidade, 2008, Coimbra Editora, pág. 16 e ss. Em sentido diverso, veja-se designadamente Rita Canas da Silva in Código Civil Anotado com coordenação de Ana Prata, 2017, pág. 378, onde se defende que “Nesta medida, a prescrição não constitui forma de extinção, nem de modificação de direitos – os direitos prescritos subsistem, sem alteração de natureza; com o decurso do prazo apenas se concede ao devedor um meio de defesa; ou, noutra perspectiva, o titular assiste ao enfraquecimento do seu direito, admitindo-se a recusa do cumprimento.”
[4] In Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1974, Almedina, pág. 445/446.
[5] Para mais desenvolvimentos, veja-se Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 202 e ss.
[6] Assim sendo, e tal como explicam Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Volume I, 1987, Coimbra Editora, pág. 503, por referência à prescrição do direito de indemnização: “Logo que o lesado tenha conhecimento do direito à indemnização, começa a contar-se o prazo de três anos. Desde o dano começa, porém, também a correr o prazo ordinário, ou seja, o de vinte anos.”
[7] In Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 107º, 1974-1975, Coimbra Editora, Anotação do Acórdão de 27 de Novembro de 1973, pág. 296 e ss.
[8] Veja-se, neste sentido, e a título meramente exemplificativo, Pires de Lima e Antunes Varela in ob. cit. pág. 503 e Almeida Costa, ob. cit., pág. 515 e 610.
[9] Proferido no Processo n.º 02B950 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.