Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE PROVA RECOLHA DE IMAGENS EM SISTEMA CCTV CONTROLO PRETERINTENCIONAL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP202410142276/23.6T8MAI.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/14/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE/ANULADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A recolha de imagens em sistema CCTV nalgumas empresas/estabelecimentos (como supermercados, abertos ao público) pode ser objetivamente indispensável por motivos de segurança de pessoas e bens, não se confundindo com o exercício de supervisão à distância. II - O facto de a recolha de imagens por sistema de videovigilância comportar, por vezes, um determinado controlo dos trabalhadores que prestam serviço nessas empresas é um dado impossível de eliminar e que deve ser tolerado na medida em que na análise dos diferentes direitos em causa, os interesses do empregador e, por vezes, dos próprios trabalhadores, sobrelevem; é o que se vem denominando por controlo preterintencional. (elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no art.º 663º, nº 7 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho) | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Recurso de apelação n.º 2276/23.6T8.MAI.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia – J1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Notificada, a Autora apresentou contestação, com dedução de reconvenção, alegando, em resumo, ser o despedimento ilícito, pedindo que seja reconhecida a ilicitude do seu despedimento, condenando-se a Ré a pagar-lhe todas as prestações pecuniárias que deixar de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos, e readmiti-la no seu posto e local de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade, ou se por ela vier a optar, a pagar-lhe indenização por antiguidade no valor de € 42.120,00, e juros de mora desde a data do despedimento. Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Ré interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]: A Autora apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem: A. Da alegada nulidade da sentença proferida nos autos 1.ª A sentença proferida nos autos não enferma de qualquer nulidade. Porquanto, 2.ª Não houve qualquer decisão surpresa; 3.ª A Ré não foi impossibilitada de manifestar a sua posição sobre a ilicitude ou licitude do meio de prova que apresentou; 4.ª Se não manifestou a sua posição foi porque assim o entendeu; 5.ª O princípio do contraditório não é oponível pelas partes à decisão do Tribunal em admitir como válidas ou inválidas das imagens de vigilância, como meio de prova; 6.ª A essa decisão podem as partes reagir por meio de recurso B. Da apelação 7.ª A apelante não deu cumprimento ao disposto na al. a), do n.º 2, do art.º 639.º, do CPC, já que não indicou as normas jurídicas violadas pela decisão de direito da sentença recorrida. 8.ª A reapreciação a prova pela 2.ª Instância não constitui um novo julgamento, nem visa obter uma nova convicção, mas tão somente verificar se a convicção expressa, e a motivação que a suporta, do Tribunal a quo, não tem erros manifestos e se têm suporte razoável nos meios de prova. 9.ª Ademais essa reapreciação, salvo se detetar erros clamorosos ou motivação insustentável, não pode derrogar os princípios de livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. 10.ª O Tribunal a quo fez, na decisão da matéria de facto, uma análise extensa, pormenorizada, ponderada e fundamentada de toda a prova produzida nos autos e na audiência de discussão e julgamento. 11.ª O Tribunal a quo motivou, de forma muito detalhada, a sua decisão sobre a matéria de facto. 12.ª Assim sendo, inexistem quaisquer fundamentos para censurar a decisão sobre a matéria de facto e sua motivação, devendo por isso serem mantidas na íntegra. 13.ª A apelada acompanha e subscreve na íntegra a decisão do Tribunal a quo no que diz respeito à decisão de matéria de direito. 14.ª Por isso, muito bem foi o Tribunal a quo ao concluir pela ilicitude do despedimento de que a apelada foi vítima, e ao extrair as consequências legais da declaração dessa ilicitude. 15.ª A decisão recorrida e toda a sua motivação e fundamentação, não merecem qualquer censura, 16.ª Razão pela qual, deverá ser mantida e confirmada na íntegra. Termina dizendo dever a apelação ser julgada improcedente, confirmando-se a sentença proferida nos autos. Depois de julgada validamente prestada caução pela Ré, foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo, sendo consignado que [n]os termos e para os efeitos do artigo 617.º, n.º 1 e n.º 5 do Código de Processo Civil, o Tribunal de 1.ª instância decide pela improcedência da nulidade invocada pela Ré, conforme devidamente fundamentado na própria sentença.
Neste Tribunal, o Digno Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido ser negado provimento ao recurso e confirmar-se a sentença recorrida, referindo, em essência, o seguinte: 3.1. Quanto a esta invocada nulidade processual entende-se que não assiste razão à Recorrente. Com efeito as partes nos articulados tomaram posição sobre este meio de prova, indicando-o a Recorrente e referindo a ilicitude a Autora, na contestação. Colocando-se a hipótese de não ser admitido, não tinha o Tribunal de informar as partes dessa possibilidade para que pudessem tomar posição. Além disso, do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova, sempre caberia recurso de apelação – art.º 644º, 2, d) do CPC. 3.2. Quanto à utilização de meios de vigilância à distância, nos termos dos artos 20º e 21º do CT, a douta sentença recorrida segue o sentido da jurisprudência, que se julga dominante ou pacífico, e que proíbe a instalação e utilização destes equipamentos e meios de vigilância que se destinem a controlar o desempenho profissional do trabalhador (art.º 20º n.º 1 do CT). Serão, porém, admitidos, sendo lícita a instalação, (i)sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens, ou (ii)quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem – n.º 2 do art.º 20 do CT. Mesmo quando possam ser utilizados, a vigilância não poderá consubstanciar uma vigilância individualmente dirigida a um trabalhador e enquanto presta o seu trabalho, deve traduzir-se numa forma de vigilância genérica, destinada a detetar factos, situações ou acontecimentos incidentais e não numa vigilância diretamente dirigida aos postos de trabalho ou ao campo de ação dos trabalhadores (Ac. do STJ de 08/02/2006, proc. 05S3139). Neste caso, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: “este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão” ou “este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som”, seguido de símbolo identificativo. Salvaguardando sempre os direitos pessoais do trabalhador, nomeadamente, o direito à imagem (v. art.º 70º do CC) e o direito de reserva da intimidade da vida privada (v. artos 16º do CT e 80º do CC), bem como do desempenho das suas funções livre de quaisquer formas de pressão ou controlo. Sendo licita a utilização, pode, então, haver necessidade de harmonizar o direito do trabalhador com os demais interesses em confronto uma vez que as razões de licitude de utilização destes equipamentos, como a proteção da segurança de pessoas e bens, o controlo da organização produtiva, são suscetíveis, ainda que incidentalmente, de permitir a verificação da conduta e desempenho do próprio trabalhador (Ac. do TRP de 04/02/2013, proc. n.º 229/11.6TTLMG.P1). Com a publicação da Lei 58/2019, de 08 de agosto, que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, parecia ter esta Lei adotado uma visão mais redutora, limitando a utilização das imagens obtidas através de meios de vigilância à distância em procedimentos disciplinares, quando a sua utilização fosse efetuada no âmbito do processo penal (Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho, anotado, 5ª edição, Almedina, p. 152). Porém, a jurisprudência mais recente tem vindo a admitir a videovigilância como meio de prova em procedimento disciplinar e judicial, independentemente de existir processo criminal, bastando que os factos tenham ou possam ter dignidade penal. Como se lê no Ac. do TRP de 28/11/2022, proc. 6337/21.8T8VNG.P1 “No fundo, a ideia é esta: os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, antes visando a proteção e segurança de pessoas e bens, pelo que poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar, se não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador e os factos possam ter relevância criminal, mas independentemente de existir processo no foro criminal”. Na verdade, decidiram já em sentido semelhante os acórdãos do TRP, de 05/03/2018, Processo n.º 1119/13.3TTPRT.P2, de 09/09/2019, processo n.º 1437/18.4T8VFR, de 23/04/2018, Processo n.º 4877/16.0T8OAZ.P1 e de 26/06/2017, proc. 6909/16.2T8PRT.P1. Assim, se devida e legalmente instalados estes equipamentos, não se pretendendo controlar o desempenho profissional do trabalhador, poderão as suas imagens captadas ser utilizadas no âmbito de procedimento disciplinar e/ou judicial, em relação a factos que tenham relevância jurídico-penal, independentemente de existir processo criminal. 3.3. Neste caso, como referido na douta sentença recorrida, e depois de exibidas, concluiu-se que as câmaras estavam sobretudo direcionadas para a Autora e para a sua área de trabalho, sendo por isso ilícitas e proibidas, não podendo ser as imagens captadas ser utilizadas como meio de prova, nem no procedimento disciplinar nem no processo judicial. Não podendo ser utilizadas como meio de prova as imagens também não o podem ser os depoimentos de testemunhas cujo conhecimento dos factos tem por base a visualização das imagens. A prova a considerar será, apenas, a restante prova indicada. 3.4. Mas mesmo assim, com a utilização das gravações e imagens captadas pelas câmaras, entende-se que não há prova bastante de que a prática dos factos que se provam constitua crime. Com efeito, a carne que compunha a encomenda que a Autora executou (a pedido de um cliente de nome “BB”, após contacto telefónico, o que era habitual fazer-se), era “picanha da Europa”, como o refere a Autora nas suas declarações e as demais testemunhas ouvidas, que referem que no mesmo armário frigorifico se encontravam esta «carne de “picanha da Europa”, da “América do Sul” e outas». E, no caso dela (Autora), no “auto serviço” que fez, a compra era composta de “aparas de bovino para guisar” (carne já próxima do fim do prazo de validade) e parte de porco que, mesmo sendo bom, é mais barato que as aparas de bovino em fim de validade, não causando qualquer prejuízo à Recorrente (pelo contrário, esta ficava beneficiada). E, como é referido, e aparentemente aceite, o “auto serviço” era uma prática habitual, também, praticada por todos os colaboradores, incluindo as Chefias. Em ambos os casos, não existe, pois, prova bastante de que os factos apurados constituam crime. 3.5. E, ainda, entende-se, também, que sempre seria desproporcional, por excessiva, a sanção do despedimento, neste caso. Com efeito, a Autora tem 27 anos de serviço, nunca sofreu qualquer sanção disciplinar e o auto serviço, como se disse, era uma prática institucionalizada na empresa-loja de Santo Tirso, até pelas chefias e não causou qualquer prejuízo. 3.6. Do exposto não há justa causa para o despedimento da Autora/Recorrida, sendo, por isso, ilícito. Sendo ilícito tem direito aos valores apurados na douta sentença recorrida, que não merece, assim, qualquer censura.
A Recorrente apresentou resposta ao parecer, concluindo como no recurso, e juntando um documento [notificação ao mandatário da Ré de “despacho de acusação”].
A Recorrida pronunciou-se no sentido de ser intempestiva a junção do documento [informando que requereu a abertura de instrução no processo a que se refere o documento junto pela Recorrente, juntando cópia desse requerimento].
Foi solicitado à primeira instância o envio das imagens gravadas constates de “pen drive” que a Ré juntara ao processo.
A Recorrida procedeu à junção de um documento [notificação ao mandatário da Autora de “decisão instrutória” (não pronúncia)].
Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência. Cumpre apreciar e decidir.
* Questão prévia (da junção de documentos) Como decorre da Relatório supra, as partes juntaram documentos [cópia de “despacho de acusação” e de “decisão instrutória”] já depois da apresentação do recurso e resposta ao mesmo. Como é sabido, a junção de documentos em sede de recurso é excecional, só podendo ter lugar quando a sua apresentação não tenha sido possível até então (superveniência, que pode ser objetiva ou subjetiva), ou quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido em 1ª instância – cfr. artos 651º, nº 1 e 425º do Código de Processo Civil. No caso em apreço estão em causa despacho/decisão proferidos depois de apresentados o recurso e a resposta ao mesmo, podendo, nessa medida, falar-se em superveniência. Porém, o momento da junção, posterior à apresentação do recurso e resposta ao mesmo, não é momento em que se possa admitir a sua junção, mesmo que superveniente. De todo o modo, como se verá melhor infra, não é determinante o decidido em processo do foro criminal, pois se existisse questão que devesse ter sido decidida antes, ter-se-ia imposta a suspensão desta instância. Assim, não se admite a junção dos documentos.
* FUNDAMENTAÇÃO Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[4], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso. Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[5] é saber se: ● a sentença proferida é nula? ● as imagens recolhidas por sistema CCTV são admissíveis como meio de prova? ● verifica-se erro de julgamento da matéria de facto? ● o despedimento da Autora é lícito?
* Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso. Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem: a) A Autora foi notificada da nota de culpa elaborada pela Ré, com a imputação dos seguintes factos: 1. Do primeiro conjunto de factos: 2. A trabalhadora arguida desempenha as funções de Cortador, correspondentes à categoria profissional de Oficial de Carnes, na A..., S.A. (entidade empregadora), designadamente na Secção do Talho da loja A... de Santo Tirso, desde 11/03/1996. 3. A A... tem como atividade, entre outras, o comércio a retalho em supermercados e hipermercados. 4. No âmbito das suas funções, e entre outras, compete à trabalhadora arguida desempenhar de forma polivalente todas as tarefas inerentes ao bom funcionamento da loja, nomeadamente, entre outros, aqueles ligados com a conferência dos stocks existentes, garantindo a comunicação das encomendas a realizar, realizar a desmancha e corte respeitando o corte definido nas estivas; participar no embalamento, reposição e realização de inventários; garantir o atendimento de balcão, garantindo a satisfação das necessidades do cliente; cumprir as normas de segurança e higiene e procedimentos de qualidade e segurança alimentar; garantir a qualidade dos produtos e controlo de frescura, qualidade do corte, rotulagem e validades. 5. A trabalhadora arguida recebeu da empresa formação para o exercício das funções que desempenha, conhecendo a importância e responsabilidade inerentes às mesmas. 6. Todos os trabalhadores da empresa e, naturalmente, a trabalhadora arguida, estão abrangidos pelo Código de Ética e Conduta da A... Portugal, que formaliza a atuação da Empresa na sua boa governança e na orientação diária no ambiente de trabalho. 7. A trabalhadora arguida tomou conhecimento do teor do mesmo, que assinou, em 22/12/2005. 8. No dia 30/12/2023, pelas 13:30, DD, funcionário do Talho, viu a trabalhadora arguida dirigir-se ao topo onde estavam expostas picanhas, logo que entrou ao serviço. 9. A trabalhadora arguida pegou numa peça de picanha da América do Sul, com o PVP de € 23,99/kg. 10. A trabalhadora arguida fatiou a peça, embalou-a, e etiquetou-a como “picanha de bovino inteira da EU”, com o PVP em promoção de € 9,99/kg. 11. De seguida, colocou o nome de um cliente para quem se destinava a mesma, que é parente (cunhado) da trabalhadora arguida. 12. De imediato foi pedido à equipa de Segurança, por HH (em concreto ao Vigilante II) que estivesse de alerta, pois estava no púlpito e teria de acompanhar a situação através do sistema CCTV. 13. Por volta das 16:00, o cliente dirigiu-se ao balcão do Talho para levantar a encomenda. 14. E foi DD quem a entregou. 15. Depois de fazer mais algumas compras, o cliente dirigiu-se às caixas para fazer o pagamento das compras. 16. No talão de compra, onde pode ler-se “Nov. Picanha Inteira”, 1,354 kg x 9,99 13,53. 17. A trabalhadora arguida prejudicou a empresa diretamente em € 18,95. 18. Em vez de o cliente ter pago € 32,48 (1,354 kg x 23,99/kg), pagou apenas € 13,53 (1,354 kg x € 9,99/kg). 19. Resultando num prejuízo direto para a empresa de € 18,95. 20. Do segundo conjunto de factos: 21. No dia 11/01/2023 ao efetuar uma ronda de rotina aos balcões de PF, CC, Vigilante, constatou a existência de uma cuvete de carne picada em cima da prateleira interior do balcão do Talho. 22. Tal situação não é comum, fugindo aos procedimentos internos de salubridade, por estar fora da cadeia de frio, o que chameou a atenção do Vigilante. 23. A designação que constava na etiqueta da respetiva cuvete (“Bovino Guisar”) também não era uma designação usual. 24. Desse modo, e socorrendo-se do apoio do sistema CCTV para verificação de quem teria efetuado tal operação, constatou ter sido a trabalhadora arguida. 25. Contudo, e detendo a trabalhadora arguida vasta experiência na área, o Vigilante achou a situação estranha, tendo concluído com o apoio das imagens de CCTV que a trabalhadora arguida efetuou a seguinte operação em serviço: 26. Às 17:42 deu início à preparação da cuvete; 27. Às 17:44 retira a peça de carne de vitela do balcão, e cortou em porções desta; 28. Deslocou-se a outro ponto do balcão, pegou em porções de carne de porco, colocou na picadora o conjunto das porções cortadas, e deslocou-se de arguida à sala de preparação; 29. Às 17:47, vinda da sala de preparação com uma porção de carne não identificada, colocou-a juntamente com as existentes na picadora; 30. Às 17:49 retirou nova porção (na zona de Vitela) do balcão, e juntou igualmente àquelas anteriormente depositadas na picadora; 31. Às 17:52 deu início ao processo de picagem de toda a carne, e deslocou-se no final à sala de preparação para efetuar o embalamento e etiquetar com a designação “bovino guisar”, e colocou a cuvete no local acima indicado (prateleira interior do balcão do Talho). 32. Ao deparar-se com tal contexto, o Vigilante CC aguardou para identificar o destino que teria aquela embalagem. 33. Quando verificou que a trabalhadora arguida, já fora de funções e na qualidade de cliente, pelas 18:43, efetuou o respetivo levantamento da embalagem, deslocando-se para a linha de caixas onde efetuou o pagamento. 34. O código de produto utilizado pela trabalhadora arguida era livre serviço e apenas é utilizado em condições muito excecionais (ex. sobras de corte). 35. Na verdade, a etiqueta a ser usada nestas situações deveria ser “Novilho” ou “Vitela para estufar”, com os preços de venda ao público de € 8,49 e € 8,99/kg, respetivamente. 36. Contudo, a trabalhadora arguida não utilizou carne para estufar. 37. Aliás, nas imagens do sistema CCTV é bem percetível onde a trabalhadora arguida vai tirar os diversos nacos de carne: à “Vitela da vazia”, com o preço de venda ao público de € 18,99/kg, e “Vitela Bife do Lombo”, com o preço de venda ao público de € 19,99/kg. 38. Além do exposto, a trabalhadora arguida colocou a carne de porco (pá com osso para rojões” a € 4.89/kg) que também devia ter sido pesada previamente. 39. A trabalhadora arguida fez a empresa incorrer em € 9,47 ou em € 10,269 de prejuízo efetivo, pela utilização de um código de livre serviço e cujo artigo não estava disponível para venda em balcão, de modo a afastar o pagamento de carne de valor mais elevado, pagando menos, e prejudicando de forma direta a loja e a Empresa. 40. Como se viu, o preço por quilograma dos nacos de novilho ou de vitela são de € 8,49/kg e € 8,99/kg, respetivamente. 41. Mas a carne que a trabalhadora/arguida se serviu foi de Vitela Vazia ao preço de € 18,99/kg e Vitela Bife do Lombo ao preço de € 19,99/kg. 42. Significa que há cerca de € 10,00/kg de diferença daquelas carnes para o que a trabalhadora arguida levou como “bovino guisar”. 43. Se a trabalhadora arguida tivesse pago 0,790kg de bovino de Vitela Vazia ou de Vitela Bife do Lombo terá pago € 14,99 e de € 15,789, respetivamente, em vez de € 5,52 (como pagou). 44. Houve assim um prejuízo direto de € 9,47 ou de € 10,269, respetivamente. 45. Acresce que nesse dia, a trabalhadora arguida preparou o que iria comprar, enquanto estava em funções, e já fora do horário de trabalho foi ao local de trabalho buscar a cuvete que preparou, e deslocou-se a uma caixa para efetuar o respetivo pagamento. 46. Na verdade, não obstante a trabalhadora arguida ter pago os artigos que levou consigo até à caixa, detetou-se outra não conformidade, uma vez que pesou os próprios artigos que levou. 47. Ao assim ter procedido, a trabalhadora arguida violou entre outros, os deveres de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia, previsto respetivamente nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 128.º e n.º 2, ambos do Código do Trabalho. 48. A trabalhadora arguida serviu-se do conhecimento das suas funções e do percurso dos artigos em loja e atrás do balcão, para propositadamente se locupletar, registando uma compra com PVP inferior (tendo registado artigo diferente) para benefício próprio e prejuízo da empresa, sua entidade empregadora. 49. O comportamento da trabalhadora arguida, ao conhecer as práticas e os procedimentos da empregadora, ao negligencia-los, gerando prejuízo com a aquisição de um artigo que previamente preparou para si com uma etiqueta diferente, assumindo-o contra a sua própria entidade empregadora que lhe paga todos os meses o salário que aufere, sem qualquer falha, comprometeu o esforço desenvolvido pela empregadora e por todos os seus colegas de trabalho que diariamente dão o seu contributo para o objeto social da empresa. 50. Bem sabia a trabalhadora que ao adotar este comportamento, violava de modo flagrante as regras de lealdade, respeito e obediência. 51. A trabalhadora arguida tinha consciência que o seu comportamento era disciplinarmente inaceitável. b) A Autora apresentou contestação à nota de culpa nos seguintes termos: 1. No passado dia 30/12/2022, cerca das 13:30 horas, a trabalhadora arguida entrou ao serviço. 2. Algum tempo após, começou a preparar as encomendas feitas por clientes, para serem levantadas nesse mesmo dia e no dia seguinte. 3. De entre essas encomendas, preparou uma encomenda destinada ao cliente Sr. BB, soldado da GNR, que não tem qualquer laço familiar com a trabalhadora arguida. 4. Para aviar essa encomenda a trabalhadora arguida pegou numa peça de picanha, qualidade Europa, e não da América do Sul. 5. Despois de fatiar, embalar e etiquetar essa encomenda, a trabalhadora arguida anotou na peça o nome do cliente a que se destinava, e deixou-a colocada na mesa da sala de preparação. 6. Às 16:00 horas a trabalhadora arguida saiu da secção, para participar numa reunião da Comissão de Higiene e Segurança na loja, comissão essa a que pertence. 7. Avisou os colegas que as encomendas se encontravam preparadas, nomeadamente a destinada ao Sr. BB. 8. A trabalhadora arguida esteve cerca de duas horas fora da secção. 9. Quando regressou, as encomendas tinham já sido levantadas pelos clientes a que se destinavam. 10. No dia 11 de janeiro de 2023, a trabalhadora arguida este de serviço entre as 09:00 horas e as 18:00 horas. 11. Próximo da sua hora de saída, a trabalhadora arguida pegou em nacos de carne para aparar. 12. É procedimento habitual na loja, retirarem-se algumas pontas das peças expostas, por já não apresentarem aspeto muito agradável à vista, partirem-se em pequenos bocados, e venderem-se como carne para guisar. 13. Tais bocados são, como é compreensível, vendidos a preços inferiores ao das peças de onde foram retiradas. 14. Em relação ao caso em concreto, a trabalhadora arguida recorda-se de ter pegado em duas ou três costeletas de vitela, com manifesta perda de qualidade, e que, por isso no dia seguinte seriam qualificadas como quebras. 15. Desossou-as, partiu-as em pequenos pedaços e colocou-as na picadora. 16. Depois pegou em pontas de carne de porco para rojões, que, igualmente, apresentavam deficiente aspeto, e que depois seriam dadas como quebras. 17. Colocou-as na picadora. 18. A Trabalhadora arguida foi à câmara dentro da sala de preparação, pegou num resto de peça (sobra de corte da manhã para livre serviço), de peça de Bovino, cortou aos pedaços e juntou à carne já existente na picadora. 19. Tendo a arguida picado todos esses bocados. 20. Finada a picagem, a Trabalhadora arguida pesou e etiquetou na sala de preparação, utilizando para o efeito a designação de bovino de guisar, dado que a maior quantia de carne ser “sobra de corte” de Bovino. 21. De seguida colocou a embalagem em cima do balcão interior da secção. 22. Na loja é prática corrente, inclusive das chefias, há já bastantes anos, os trabalhadores prepararem as encomendas para si próprios. 23. A trabalhadora arguida desconhece a embalagem fotografia no n.º 38 da nota de culpa. 24. A trabalhadora arguida não lesou, nem nunca teve tal intenção os interesses patrimoniais sérios da arguente. c) Da decisão disciplinar comunicada à trabalhadora constam assentes os seguintes factos: 1. Do primeiro conjunto de factos: 2. A trabalhadora arguida desempenha as funções de Cortador, correspondentes à categoria profissional de Oficial de Carnes, na A..., S.A. (entidade empregadora), designadamente na Secção do Talho da loja A... de Santo Tirso, desde 11/03/1996. 3. A A... tem como atividade, entre outras, o comércio a retalho em supermercados e hipermercados. 4. No âmbito das suas funções, e entre outras, compete à trabalhadora arguida desempenhar de forma polivalente todas as tarefas inerentes ao bom funcionamento da loja, nomeadamente, entre outros, aqueles ligados com a conferência dos stocks existentes, garantindo a comunicação das encomendas a realizar, realizar a desmancha e corte respeitando o corte definido nas estivas; participar no embalamento, reposição e realização de inventários; garantir o atendimento de balcão, garantindo a satisfação das necessidades do cliente; cumprir as normas de segurança e higiene e procedimentos de qualidade e segurança alimentar; garantir a qualidade dos produtos e controlo de frescura, qualidade do corte, rotulagem e validades. 5. A trabalhadora arguida recebeu da empresa formação para o exercício das funções que desempenha, conhecendo a importância e responsabilidade inerentes às mesmas. 6. Todos os trabalhadores da empresa e, naturalmente, a trabalhadora arguida, estão abrangidos pelo Código de Ética e Conduta da A... Portugal, que formaliza a atuação da Empresa na sua boa governança e na orientação diária no ambiente de trabalho. 7. A trabalhadora arguida tomou conhecimento do teor do mesmo, que assinou, em 22/12/2005. 8. No dia 30/12/2023, pelas 13:30, DD, funcionário do Talho, viu a trabalhadora arguida dirigir-se ao topo onde estavam expostas picanhas, logo que entrou ao serviço. 9. A trabalhadora arguida pegou numa peça de picanha da América do Sul, com o PVP de € 23,99/kg. 10. A trabalhadora arguida fatiou a peça, embalou-a, e etiquetou-a como “picanha de bovino inteira da EU”, com o PVP em promoção de € 9,99/kg. 11. De seguida, colocou o nome de um cliente para quem se destinava a mesma. 12. De imediato foi pedido à equipa de Segurança, por HH (em concreto ao Vigilante II) que estivesse de alerta, pois estava no púlpito e teria de acompanhar a situação através do sistema CCTV. 13. Por volta das 16:00, o cliente dirigiu-se ao balcão do Talho para levantar a encomenda. 14. E foi DD quem a entregou. 15. Depois de fazer mais algumas compras, o cliente dirigiu-se às caixas para fazer o pagamento das compras. 16. No talão de compra, onde pode ler-se “Nov. Picanha Inteira”, 1,354 kg x 9,99 13,53. 17. A trabalhadora arguida prejudicou a empresa diretamente em € 00,00. 18. Em vez de o cliente ter pago € 32,48 (1,354 kg x 23,99/kg), pagou apenas € 13,53 (1,354 kg x € 9,99/kg). 19. Resultando num prejuízo direto para a empresa de € 18,95. 20. Do segundo conjunto de factos: 21. No dia 11/01/2023 ao efetuar uma ronda de rotina aos balcões de PF, CC, Vigilante, constatou a existência de uma cuvete de carne picada em cima da prateleira interior do balcão do Talho. 22. Tal situação não é comum, fugindo aos procedimentos internos de salubridade, por estar fora da cadeia de frio, o que chameou a atenção do Vigilante. 23. A designação que constava na etiqueta da respetiva cuvete (“Bovino Guisar”) também não era uma designação usual. 24. Desse modo, e socorrendo-se do apoio do sistema CCTV para verificação de quem teria efetuado tal operação, constatou ter sido a trabalhadora arguida. 25. Contudo, e detendo a trabalhadora arguida vasta experiência na área, o Vigilante achou a situação estranha, tendo concluído com o apoio das imagens de CCTV que a trabalhadora arguida efetuou a seguinte operação em serviço: 26. Às 17:42 deu início à preparação da cuvete; 27. Às 17:44 retira a peça de carne de vitela do balcão, e cortou em porções desta; 28. Deslocou-se a outro ponto do balcão, pegou em porções de carne de porco, colocou na picadora o conjunto das porções cortadas, e deslocou-se de arguida à sala de preparação; 29. Às 17:47, vinda da sala de preparação com uma porção de carne não identificada, colocou-a juntamente com as existentes na picadora; 30. Às 17:49 retirou nova porção (na zona de Vitela) do balcão, e juntou igualmente àquelas anteriormente depositadas na picadora; 31. Às 17:52 deu início ao processo de picagem de toda a carne, e deslocou-se no final à sala de preparação para efetuar o embalamento e etiquetar com a designação “bovino guisar”, e colocou a cuvete no local acima indicado (prateleira interior do balcão do Talho). 32. Ao deparar-se com tal contexto, o Vigilante CC aguardou para identificar o destino que teria aquela embalagem. 33. Quando verificou que a trabalhadora arguida, já fora de funções e na qualidade de cliente, pelas 18:43, efetuou o respetivo levantamento da embalagem, deslocando-se para a linha de caixas onde efetuou o pagamento. 34. O código de produto utilizado pela trabalhadora arguida era livre serviço e já não se encontrava em utilização. 35. Na verdade, a etiqueta a ser usada nestas situações deveria ser “Novilho” ou “Vitela para estufar”, com os preços de venda ao público de € 8,49 e € 8,99/kg, respetivamente. 36. Contudo, a trabalhadora arguida não utilizou carne para estufar. 37. Aliás, nas imagens do sistema CCTV é bem percetível onde a trabalhadora arguida vai tirar os diversos nacos de carne: à “Vitela da vazia”, com o preço de venda ao público de € 18,99/kg, e “Vitela Bife do Lombo”, com o preço de venda ao público de € 19,99/kg. 38. Além do exposto, a trabalhadora arguida colocou a carne de porco (pá com osso para rojões” a € 4.89/kg) que também devia ter sido prestado previamente. 39. A trabalhadora arguida fez a empresa incorrer em € 9,47 ou em € 10,269 de prejuízo efetivo, pela utilização de um código de livre serviço e cujo artigo não estava disponível para venda em balcão, de modo a afastar o pagamento de carne de valor mais elevado, pagando menos, e prejudicando de forma direta a loja e a Empresa. 40. Como se viu, o preço por quilograma dos nacos de novilho ou de vitela são de € 8,49/kg e € 8,99/kg, respetivamente. 41. Mas a carne que a trabalhadora/arguida se serviu foi de Vitela Vazia ao preço de € 18,99/kg e Vitela Bife do Lombo ao preço de € 19,99/kg. 42. Significa que há cerca de € 10,00/kg de diferença daquelas carnes para o que a trabalhadora arguida levou como “bovino guisar”. 43. Se a trabalhadora arguida tivesse pago 0,790kg de bovino de Vitela Vazia ou de Vitela Bife do Lombo terá pago € 14,99 e de € 15,789, respetivamente, em vez de € 5,52 (como pagou). 44. Houve assim um prejuízo direto de € 9,47 ou de € 10,269, respetivamente. 45. Acresce que nesse dia, a trabalhadora arguida preparou o que iria comprar, enquanto estava em funções, e já fora do horário de trabalho foi ao local de trabalho buscar a cuvete que preparou, e deslocou-se a uma caixa para efetuar o respetivo pagamento. 46. Na verdade, não obstante a trabalhadora arguida ter pago os artigos que levou consigo até à caixa, detetou-se outra não conformidade, uma vez que pesou os próprios artigos que levou. 47. Ao assim ter procedido, a trabalhadora arguida violou entre outros, os deveres de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia, previsto respetivamente nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 128.º e n.º 2, ambos do Código do Trabalho. 48. A trabalhadora arguida serviu-se do conhecimento das suas funções e do percurso dos artigos em loja e atrás do balcão, para propositadamente se locupletar, registando uma compra com PVP inferior (tendo registado artigo diferente) para benefício próprio e prejuízo da empresa, sua entidade empregadora. 49. O comportamento da trabalhadora arguida, ao conhecer as práticas e os procedimentos da empregadora, ao negligencia-los, gerando prejuízo com a aquisição de um artigo que previamente preparou para si com uma etiqueta diferente, assumindo-o contra a sua própria entidade empregadora que lhe paga todos os meses o salário que aufere, sem qualquer falha, comprometeu o esforço desenvolvido pela empregadora e por todos os seus colegas de trabalho que diariamente dão o seu contributo para o objeto social da empresa. 50. Bem sabia a trabalhadora que ao adotar este comportamento, violava de modo flagrante as regras de lealdade, respeito e obediência. 51. A trabalhadora arguida tinha consciência que o seu comportamento era disciplinarmente inaceitável. d) Da instrução em Juízo da causa resultaram provados os seguintes factos que constavam da decisão que aplicou a sanção de despedimento com justa causa à Autora: e) A Autora desempenha as funções de Cortador, correspondentes à categoria profissional de Oficial de Carnes, na A..., S.A. (Ré), designadamente na Secção do Talho da loja A... de Santo Tirso, desde 11/03/1996 (artigo 1.º do articulado de motivação do despedimento). f) No âmbito das suas funções, e entre outras, compete à trabalhadora arguida desempenhar de forma polivalente todas as tarefas inerentes ao bom funcionamento da loja, nomeadamente, entre outros, aqueles ligados com a conferência dos stocks existentes, garantindo a comunicação das encomendas a realizar, realizar a desmancha e corte respeitando o corte definido nas estivas; participar no embalamento, reposição e realização de inventários; garantir o atendimento de balcão, garantindo a satisfação das necessidades do cliente; cumprir as normas de segurança e higiene e procedimentos de qualidade e segurança alimentar; garantir a qualidade dos produtos e controlo de frescura, qualidade do corte, rotulagem e validades (artigo 2.º do articulado de motivação do despedimento). g) A Autora recebeu formação para o exercício das funções que desempenhava (artigo 3.º do articulado de motivação do despedimento). h) Os trabalhadores da Ré, incluindo a Autora, estão abrangidos pelo Código de Conduta da A... Portugal que esta conhecia (artigos 4.º e 5.º do articulado de motivação do despedimento). i) No dia 30/12/2022 após entrar ao serviço, a Autora fatiou e embalou e etiquetou uma peça de picanha e etiquetou-a de “picanha de bovino inteira da EU” com o preço de promoção de € 9,99/kg (artigo 8.º do articulado de motivação do despedimento). j) A Autora colocou o nome de um cliente para quem se destinava a picanha referida em i) (artigo 9.º do articulado de motivação do despedimento). k) No dia 30/12/2022 foi pedido à equipa de Segurança, por HH (em concreto ao Vigilante II) que estivesse de alerta, pois estava em funções no púlpito e teria de acompanhar a situação através dos sistemas CCTV (artigo 10.º do articulado de motivação do despedimento). l) O cliente dirigiu-se ao balcão do talho para levantar a encomenda (artigo 11.º do articulado de motivação do despedimento). m) E foi DD quem a entregou (artigo 12.º do articulado de motivação do despedimento). n) Depois de fazer mais algumas compras, o cliente dirigiu-se às caixas para fazer o pagamento das compras (artigo 13.º do articulado de motivação do despedimento). o) No talão de compra do cliente, consta “Nov. Picanha Inteira”, 1,354 kg x 9,99 13,53” (artigo 14.º do articulado de motivação do despedimento). p) No dia 11/01/2023 CC constatou a existência de uma cuvete de carne picada em cima da prateleira interior do balcão do talho, com a etiqueta “Bovino Guisar” (artigo 17.º do articulado de motivação do despedimento). q) O referido em p) não cumpre os procedimentos internos de salubridade por estar fora da cadeia de frio (artigo 18.º do articulado de motivação do despedimento). r) Da instrução em Juízo da causa resultaram provados os seguintes factos que constavam da contestação à nota de culpa: s) No passado dia 30/12/2022, cerca das 13:30 horas, a trabalhadora arguida entrou ao serviço (artigo 6.º da contestação). t) Algum tempo após, começou a preparar as encomendas feitas por clientes, para serem levantadas nesse mesmo dia e no dia seguinte (artigo 7.º da contestação). u) De entre essas encomendas, preparou uma encomenda destinada ao cliente Sr. BB, soldado da GNR, que não tem qualquer laço familiar com a trabalhadora arguida (artigo 8.º da contestação). v) Para aviar essa encomenda a trabalhadora arguida pegou numa peça de picanha, qualidade Europa, e não da América do Sul (artigo 9.º da contestação). w) Despois de fatiar, embalar e etiquetar essa encomenda, a trabalhadora arguida anotou na peça o nome do cliente a que se destinava, e deixou-a colocada na mesa da sala de preparação (artigo 10.º da contestação). x) Às 16:00 horas a trabalhadora arguida saiu da secção, para participar numa reunião da Comissão de Higiene e Segurança na loja, comissão essa a que pertence (artigo 11.º da contestação). y) Avisou o colega que as encomendas se encontravam preparadas, nomeadamente a destinada ao Sr. BB (artigo 12.º da contestação). z) A trabalhadora arguida esteve cerca de duas horas fora da secção, período esse em que participou na reunião (artigo 13.º da contestação). aa) No dia 11 de janeiro de 2023, a trabalhadora arguida esteve de serviço entre as 09:00 horas e as 18:00 horas (artigo 15.º da contestação). bb) Próximo da sua hora de saída, a trabalhadora arguida pegou em nacos de carne para aparar (artigo 16.º da contestação). cc) É procedimento habitual na loja, retiram-se algumas pontas das peças expostas, por já não apresentarem aspeto muito agradável à vista, partirem-se em pequenos bocados, e venderem-se como carne para guisar (artigo 17.º da contestação). dd) Tais bocados são, como é compreensível, vendidos a preços inferiores ao das peças de onde foram retiradas (artigo 18.º da contestação). ee) Em relação ao caso em concreto, a trabalhadora arguida recorda-se de ter pegado em duas ou três costeletas de vitela, com manifesta perda de qualidade, e que, por isso no dia seguinte seriam qualificadas como quebras (artigo 19.º da contestação). ff) Desossou-as, partiu-as em pequenos e colocou-as na picadora (artigo 20.º da contestação). gg) Depois pegou em carne de porco de rojões (artigo 21.º da contestação). hh) Colocou-as na picadora (artigo 22.º da contestação). ii) A Trabalhadora arguida foi à câmara dentro da sala de preparação, pegou num resto de peça (sobra de corte da manhã para livre serviço), de peça de Bovino, cortou aos pedaços e juntou à carne já existente na picadora (artigo 23.º da contestação). jj) Tendo a arguida picado todos esses bocados/aparas (artigo 24.º da contestação). kk) Finada a picagem, a Trabalhadora arguida pesou e etiquetou na sala de preparação, utilizando para o efeito a designação de bovino de guisar, dado que a maior quantia de carne ser “sobra de corte” de Bovino (artigo 25.º da contestação). ll) De seguida colocou a embalagem em cima do balcão interior da secção (artigo 26.º da contestação). mm) Na loja é prática corrente, inclusive das chefias, há já bastantes anos, os trabalhadores prepararem as encomendas para si próprios (artigo 27.º da contestação). nn) O contrato de trabalhado da Autora teve início em 11/03/1996 (artigo 44.º da contestação) oo) À data da cessação do contrato de trabalho a Autora auferia a retribuição base mensal de € 780,00 (artigo 45.º da contestação). pp) À data do procedimento disciplinar e do despedimento, a Autora era Delegada Sindical no exercício das suas funções (artigo 46.º da contestação). qq) Alguns dos factos que constam da decisão que aplicou a sanção do despedimento à Trabalhadora, estão a ser investigados no âmbito do inquérito n.º 38/23.0PASTS, que corre os seus termos no DIAP de Santo Tirso, iniciado por queixa apresentada pela Ré (artigo 69.º do articulado de motivação do despedimento, fixado na última sessão da audiência final com esta redação com o acordo das partes, documentado na respetiva ata).
E foram considerados como NÃO PROVADOS os seguintes factos, que igualmente se reproduzem: 1) A Autora assinou o termo de conhecimento do Código de Ética e Conduta da A... Portugal em 22/12/2005 (artigo 5.º do articulado de motivação do despedimento). 2) No dia 30/12/2023, pelas 13h30m, DD, funcionário do talho viu a Autora dirigir-se ao topo onde estavam expostas as picanhas, logo que entrou ao serviço (artigo 6.º do articulado de motivação do despedimento). 3) A Autora pegou numa peça de picanha da América do Sul, com o preço de € 23,99/kg (artigo 7.º do articulado de motivação do despedimento). 4) Em vez de ter pago a quantia de € 32,48 (1,354 kg x 23,99/kg) por referência ao referido em o), a Ré teve um prejuízo direto de € 18,95. 5) Aquando do referido no facto provado p), CC estava a efetuar uma ronda de rotina (artigo 17.º do articulado de motivação do despedimento). 6) Foi o referido em q) que chamou a atenção de CC (artigo 19.º do articulado de motivação do despedimento). 7) A designação “Bovino Guisar” não era usual (resposta ao artigo 19.º do articulado de motivação do despedimento). 8) CC socorreu-se do apoio do sistema CCTV para verificar quem teria deixado a cuvete em cima do balcão do talho em virtude de tal situação não ser comum e a respetiva etiqueta não conter uma designação usual como “Bovino Guisar” (artigo 20.º do articulado de motivação do despedimento). 9) CC achou a situação estranha atenta a vasta experiência da Autora (artigo 21.º do articulado de motivação do despedimento). 10) Às 17:42 deu início à preparação da cuvete (artigo 22.º do articulado de motivação do despedimento). 11) Às 17:44 retira a peça de carne de vitela do balcão, e cortou em porções desta (artigo 23.º do articulado de motivação do despedimento). 12) Deslocou-se a outro ponto do balcão, pegou em porções de carne de porco, colocou na picadora o conjunto das porções cortadas, e deslocou-se de arguida à sala de preparação (artigo 24.º do articulado de motivação do despedimento). 13) Às 17:47, vinda da sala de preparação com uma porção de carne não identificada, colocou-a juntamente com as existentes na picadora (artigo 25.º do articulado de motivação do despedimento). 14) Às 17:49 retirou nova porção (na zona de Vitela) do balcão, e juntou igualmente àquelas anteriormente depositadas na picadora (artigo 26.º do articulado de motivação do despedimento). 15) Às 17:52 deu início ao processo de picagem de toda a carne, e deslocou-se no final à sala de preparação para efetuar o embalamento e etiquetar com a designação “bovino guisar”, e colocou a cuvete no local acima indicado (prateleira interior do balcão do Talho) (artigo 27.º do articulado de motivação do despedimento). 16) Ao deparar-se com tal contexto, o Vigilante CC aguardou para identificar o destino que teria aquela embalagem (artigo 28.º do articulado de motivação do despedimento). 17) Quando verificou que a trabalhadora arguida, já fora de funções e na qualidade de cliente, pelas 18:43, efetuou o respetivo levantamento da embalagem, deslocando-se para a linha de caixas onde efetuou o pagamento (artigo 29.º do articulado de motivação do despedimento). 18) O código de produto utilizado pela trabalhadora arguida era livre serviço e já não se encontrava em utilização (artigo 30.º do articulado de motivação do despedimento). 19) Na verdade, a etiqueta a ser usada nestas situações deveria ser “Novilho” ou “Vitela para estufar”, com os preços de venda ao público de € 8,49 e € 8,99/kg, respetivamente (artigo 31.º do articulado de motivação do despedimento). 20) Contudo, a trabalhadora arguida não utilizou carne para estufar (artigo 32.º do articulado de motivação do despedimento). 21) Aliás, nas imagens do sistema CCTV é bem percetível onde a trabalhadora arguida vai tirar os diversos nacos de carne: à “Vitela da vazia”, com o preço de venda ao público de € 18,99/kg, e “Vitela Bife do Lombo”, com o preço de venda ao público de € 19,99/kg (artigo 33.º do articulado de motivação do despedimento). 22) Além do exposto, a trabalhadora arguida colocou a carne de porco (pá com osso para rojões” a € 4.89/kg) que também devia ter sido prestado previamente (artigo 34.º do articulado de motivação do despedimento. 23) A trabalhadora arguida fez a empresa incorrer em € 9,47 ou em € 10,269 de prejuízo efetivo, pela utilização de um código de livre serviço e cujo artigo não estava disponível para venda em balcão, de modo a afastar o pagamento de carne de valor mais elevado, pagando menos, e prejudicando de forma direta a loja e a Empresa (artigo 38.º do articulado de motivação do despedimento). 24) Como se viu, o preço por quilograma dos nacos de novilho ou de vitela são de € 8,49/kg e € 8,99/kg, respetivamente (artigo 39.º do articulado de motivação do despedimento). 25) Mas a carne que a trabalhadora/arguida se serviu foi de Vitela Vazia ao preço de € 18,99/kg e Vitela Bife do Lombo ao preço de € 19,99/kg (artigo 40.º do articulado de motivação do despedimento). 26) Significa que há cerca de € 10,00/kg de diferença daquelas carnes para o que a trabalhadora arguida levou como “bovino guisar” (artigo 41.º do articulado de motivação do despedimento). 27) Se a trabalhadora arguida tivesse pago 0,790kg de bovino de Vitela Vazia ou de Vitela Bife do Lombo terá pago € 14,99 e de € 15,789, respetivamente, em vez de € 5,52 (artigo 42.º do articulado de motivação do despedimento). 28) Houve assim um prejuízo direto de € 9,47 ou de € 10,269, respetivamente. (artigo 43.º do articulado de motivação do despedimento). 29) Acresce que nesse dia, a trabalhadora arguida preparou o que iria comprar, enquanto estava em funções, e já fora do horário de trabalho foi ao local de trabalho buscar a cuvete que preparou, e deslocou-se a uma caixa para efetuar o respetivo pagamento (artigo 44.º do articulado de motivação do despedimento). 30) Na verdade, não obstante a trabalhadora arguida ter pago os artigos que levou consigo até à caixa, detetou-se outra não conformidade, uma vez que pesou os próprios artigos que levou (artigo 45.º do articulado de motivação do despedimento). 31) Ao assim ter procedido, a trabalhadora arguida violou entre outros, os deveres de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia, previsto respetivamente nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 128.º e n.º 2, ambos do Código do Trabalho (artigo 46.º do articulado de motivação do despedimento). 32) A trabalhadora arguida serviu-se do conhecimento das suas funções e do percurso dos artigos em loja e atrás do balcão, para propositadamente se locupletar, registando uma compra com PVP inferior (tendo registado artigo diferente) para benefício próprio e prejuízo da empresa, sua entidade empregadora (artigo 49.º do articulado de motivação do despedimento). 33) O comportamento da trabalhadora arguida, ao conhecer as práticas e os procedimentos da empregadora, ao negligencia-los, gerando prejuízo com a aquisição de um artigo que previamente preparou para si com uma etiqueta diferente, assumindo-o contra a sua própria entidade empregadora que lhe paga todos os meses o salário que aufere, sem qualquer falha, comprometeu o esforço desenvolvido pela empregadora e por todos os seus colegas de trabalho que diariamente dão o seu contributo para o objeto social da empresa (artigo 55.º do articulado de motivação do despedimento). 34) O comportamento assumido pela Autora dá origem a mal-estar no seio dos seus colegas, influindo negativamente no ambiente de trabalho dos mesmos, causando mesmo sentimentos de repulsa e injustiça (artigo 57º do articulado de motivação do despedimento). 35) Bem sabia a trabalhadora que ao adotar este comportamento, violava de modo flagrante as regras de lealdade, respeito e obediência (artigo 58.º do articulado de motivação do despedimento). 36) A trabalhadora arguida tinha consciência que o seu comportamento era disciplinarmente inaceitável (artigo 65.º do articulado de motivação do despedimento). 37) Quando a Autora regressou à secção, as encomendas já tinham sido levantadas pelos clientes a que se destinavam (artigo 14.º da contestação). 38) A Trabalhadora pegou em pontas de carne de porco para rojões que apresentavam deficiente aspeto e que despois seriam dadas como quebras (artigo 21.º da contestação).
** Da nulidade processual: Alega a Recorrente verificar-se nulidade processual nos termos do art.º 195º, nº 1 do Código de Processo Civil, porque na sentença recorrida foi decidida a inadmissibilidade das imagens recolhidas através das câmaras de vigilância, como meio de prova, sem que antes, em algum momento processual, a questão tenha sido suscitada ou dada às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre ela, sendo, pois, uma decisão surpresa. A Recorrida pronunciou-se no sentido de não constituir a sentença recorrida uma decisão surpresa, tendo a Autora na contestação impugnado as imagens captadas pelas câmaras instaladas pela Ré e fotografias juntas pela mesma ao processo. Está em causa, segundo a Recorrente, a violação do princípio do contraditório, na vertente de violação da proibição da prolação de “decisões surpresa”, que a verificar-se gerará a nulidade da decisão. No acórdão do TRE (1ª Secção Cível) de 24/09/2020[6], refere-se que a nulidade em causa só se manifesta com a prolação da decisão, pelo que, tendo tal nulidade decorrido de decisão judicial passível de impugnação judicial, o meio próprio de arguição da mesma poderá ser o da interposição do recurso de apelação[7]. Miguel Teixeira de Sousa [8], em comentário ao acórdão da Relação de Évora de 09/09/2021[9], defende que uma decisão surpresa constitui um vício próprio e autónomo que determina a nulidade dessa decisão por excesso de pronúncia (artos 615º, nº 1, al. d), 666º, nº 1 e 685º do Código de Processo Civil), destacando-se a referência do seguinte[10]: A audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição para que a decisão não seja considerada uma decisão surpresa. Quer dizer: a decisão surpresa é um vício único e próprio: a decisão é uma decisão surpresa quando tenha sido omitida a audição prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisão surpresa), e não dois vícios independentes (a omissão da audiência prévia das partes e a decisão surpresa). Em concreto: há um vício processual que é consequência da omissão de um ato. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (decisão surpresa), e não separadamente a causa do vício e o vício causado. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa e o vício causado como duas realidades distintas. A única distinção possível de fazer é ontológica: é a distinção entre a causa e a consequência. (…) 6. Perante uma decisão que foi proferida sem a necessária audição prévia das partes, há que escolher entre: (i) entender que o vício que afeta a decisão é uma nulidade processual; disto decorre necessariamente que o tribunal de recurso não tem competência (funcional) para apreciar, em 1ª instância, esse vício, porque o meio de impugnação adequado de qualquer nulidade processual é, sempre e apenas, a reclamação para o próprio tribunal do processo; (ii) entender que o recurso é o meio apropriado para impugnar a decisão; isto implica necessariamente que o vício de que padece a decisão não pode ser nulidade processual, porque nenhuma nulidade processual é impugnável, em 1ª instância, através de recurso; um tribunal superior só pode vir a ocupar-se de uma nulidade processual através do recurso que para ele venha a ser interposto da decisão do processo que tenha apreciado a reclamação apresentada pela parte. O que é inaceitável, como se julga ter convenientemente demonstrado, é misturar nulidade processual (vício processual) e recurso (meio de impugnação).[11] Com este pano de fundo, cientes da tempestividade da suscitação da questão, vejamos, então, se a decisão recorrida constitui uma decisão-surpresa, e a constituir, quais as consequências daí resultantes. O art.º 3º do Código de Processo Civil (com a epígrafe «necessidade do pedido e da contradição») dispõe no seu nº 3 que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Está aqui consagrado em termos gerais o princípio do contraditório, envolvendo este princípio a proibição da prolação de decisões-surpresa, pois não é lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Em conformidade, o processo está estruturado para facultar o debate sempre que o mesmo se justifique e dentro do condicionalismo previsto na lei, razão pela qual esta “proibição de decisão-surpresa” tenha particular interesse para as questões de que o tribunal pode conhecer oficiosamente. Mas se tem aí particular interesse, não se esgota nessas questões, sendo certo que há toda a vantagem em que antes de ser proferida decisão no processo, suscetível de afetar o interesse das partes, estas se pronunciem, querendo, sobre determinado sentido da decisão que elas não consideraram na pronúncia que fizeram no processo [vantagem para o julgador porque depois da audição das partes e de analisar iguais ou diferentes pontos de vista pode proferir uma decisão com maior convicção e segurança, vantagem para as partes porque têm a possibilidade de apresentarem os argumentos a favor ou contra a decisão em determinado sentido, podendo de algum modo influenciá-la] [12]. Como refere o acórdão do TRG (2ª Secção Cível) de 12/11/2020[13], atualmente vigora uma conceção ampla do princípio do contraditório, nos termos da qual, além do direito de conhecer a pretensão contra si formulada e do direito de pronúncia prévia à decisão, a ambas as partes, em plena igualdade, é garantido o direito a intervirem ao longo do processo de molde a influenciarem a decisão da causa no plano dos factos, prova e direito. E, como se escreveu no acórdão deste TRP (3ª Secção Cível) de 02/12/2019[14], com a proibição das “decisões surpresa”, no nº 3 do art.º 3º do Código de Processo Civil, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios. Podemos, enfim, dizer que a “decisão surpresa” é a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever. Decorre daqui que se o julgador segue uma das soluções possíveis para a pretensão da parte estamos perante uma solução com que a parte pode contar. Ponto é que, então, tal apreciação ocorra no momento processual previsto para o efeito (caso assim não seja é que a parte não poderá contar com a decisão). No caso em apreço está em causa a decisão do tribunal a quo, inserta na sentença proferida, de, em essência, não admitir a utilização das imagens gravadas pelas câmaras de vigilância oferecidas pela Ré, em cumprimento do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código do Trabalho, e que também não é admissível o depoimento de testemunhas cujo conhecimento dos factos assente na visualização das imagens obtidas pelos meios de vigilância não admitidos. Visto o processo, temos que a Ré no procedimento disciplinar (PD) refere as imagens do sistema CCTV[15], estando as mesmas anexas a ele, tendo a Autora no articulado da contestação impugnado todas as imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância, juntas aos autos pela requerida empregadora. Aquando do agendamento da audiência de discussão e julgamento, foi consignado que a primeira sessão seria para “visionamento das imagens obtidas pelo sistema de vigilância CCTV[16] e, para inquirição das testemunhas arroladas pela Ré”. Na sessão de julgamento que teve lugar em 29/11/2023 ficou, a este propósito, consignado em ata o seguinte: Seguidamente, a Mm.ª Juíza determinou a exibição das imagens para o seu visionamento e explicações dadas pela testemunha CC e pela Autora, consignando-se que as mesmas foram gravadas através do sistema de gravação "H@bilus Media Studio", com início pelas 10h e 52m e 38s e fim pelas 11h e 40m e 40s. * Fica consignado que o visionamento das imagens ocorreu pela seguinte ordem: - Ficheiro “Talho (30-12-2022)” 1.º - Colaboradora retira picanha; 2.º Colaboradora leva picanha; 3.º Colaboradora corta picanha; 4.º Picanha já cortada e entregue ao cliente; 5.º Cliente paga na caixa. - Ficheiro “Talho (11-01-2023)” 1.º Colaboradora prepara a carne; 2.º Colaboradora pega na cuvete. Ora, em face do que acima se expôs, quando a Autora impugna a admissibilidade do meio de prova fica pendente uma tomada de posição pelo tribunal a quo sobre essa admissibilidade, e não se nos afigura que se possa dizer que a julgadora a quo tivesse admitido esse meio de prova, o que a considerar-se seria uma aceitação tácita, decorrente por exemplo de ter sido agendado dia para o visionamento, que se concretizou. Porém, esse visionamento surge como prévio a uma tomada de posição sobre a admissibilidade, para poder ser avaliado, por exemplo, se estava em causa a captação de imagens para controlo o desempenho profissional de trabalhador – cfr. art.º 20º, nº 1 do Código do Trabalho, tendo que se concluir que ficou pendente a prolação de decisão sobre essa admissibilidade. Isso mesmo esclareceu a julgadora a quo quando, na motivação da decisão de facto, escreveu na sentença o seguinte: Em sede de despacho saneador o Tribunal nada decidiu quanto à admissibilidade deste meio de prova, tão só determinou o seu visionamento em sede de audiência final, para apuramento do terceiro e último requisito de admissibilidade do meio de prova em questão – a não utilização da câmara de vigilância com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. No final da produção de prova e declarados abertos dos debates, a Autora defendeu a ilicitude deste meio de prova por entender que a colocação da câmara de vigilância para a mesa de corte das carnes não tem outra finalidade que não seja controlar do desempenho profissional dos trabalhadores, no caso, da Autora. (…) As imagens gravadas pela Ré e fornecidas pela mesma foram visionadas no início da audiência final, pois apenas com o seu visionamento se mostra possível apurar se a câmara que filma tais imagens está posicionada de modo a controlar o desempenho profissional do trabalhador ou a cumprir o seu objetivo de assegurar a proteção de pessoas e bens. Assim, após a impugnação pela Autora, as partes têm obrigação de prever a prolação de decisão expressa sobre a admissibilidade ou não do meio de prova, e a possibilidade desse meio de prova não ser acolhido, e não havendo decisão expressa antes, têm obrigação de prever a possibilidade de a mesma ser proferida em sentença, aquando da motivação da decisão sobre a matéria de facto, em que o julgador justifica em que meios de prova suporta/pode suportar a sua decisão. Ou seja, não estamos perante decisão qualificável como decisão surpresa, tudo estando em aferir se o tribunal a quo deveria ter proferido decisão diversa da proferida, e valorado as imagens captadas pelo sistema CCTV. Deste modo, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, concluímos que in casu não foi violado o princípio do contraditório, não sendo a decisão recorrida qualificável como decisão surpresa, improcedendo, pois, o recurso nesta parte.
** Da valoração das imagens do sistema CCTV: O tribunal a quo decidiu, como se disse, não admitir a utilização das imagens gravadas pelas câmaras de vigilância oferecidas pela Ré, destacando-se a referência do seguinte: … importa em 1.º lugar decidir quanto à admissibilidade das imagens retiradas de câmaras de vigilância como meio de prova destes factos imputados à trabalhadora. (…) Temos, por conseguinte, como 1.º requisito o que se mostra estatuído no artigo 21.º, n.º 1 do Código do Trabalho “1. A utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados”. No caso dos autos a Ré não demostrou em Juízo que seja titular de tal autorização, contudo, a Autora não invocou que a não tivesse, talvez pela clara improbabilidade de um estabelecimento como a A... instalar câmaras de vigilância de forma ilícita, tal como considera o Tribunal, razão pela qual, entendeu desnecessária a notificação da Ré para juntar aos autos o n.º de autorização. Passemos ao 2.º requisito, reportado aos “pressupostos que decorrem da legislação sobre a proteção de dados” … (…) Ora, este 2.º requisito – imputação de factos com relevância criminal – não se verifica no “1.º conjunto de factos” imputados à Autora em 30/12/2022 tendo em consideração os factos tidos por provados na decisão que aplicou a sanção de despedimento com justa causa à Autora e, que consta do facto provado c) desde o ponto 1 ao ponto19 desta sentença. Ora, o que a Ré apurou e julgou como provado é que a Autora pegou num pedaço de picanha da América do Sul, fatiou-a, embalou-a, etiquetou-a como picanha da Europa, com um preço inferior à da picanha da América do Sul, colocou o nome do cliente e deixou-a para entregar ao cliente, causando à Ré o prejuízo considerado pela diferença de preço entre a picanha da América do Sul e a picanha da Europa. Esta descrição factual não se subsume a qualquer tipo criminal previsto no Código Penal ou lei criminal avulsa. Estes factos apenas suportam uma conclusão: incompetência ou distração da trabalhadora. E, assim sendo como é, a norma estatuída no artigo 28.º, n.º 5 da Lei da Proteção de Dados Pessoais não permite a utilização de imagens gravadas por meios tecnológicos de vigilância à distância como meio de prova para o apuramento de responsabilidade disciplinar da Autora no que tange aos factos que lhe são imputados pela Ré no dia 30/12/2022, em virtude de os mesmos não assumirem relevância criminal que permitisse a sua averiguação em processo penal. Cremos que a solicitação da Ré, com a concordância da Autora, em estabelecer como provado o facto documentado na ata da última sessão de audiência final – inquérito pendente para investigação de parte dos factos que constam da decisão que aplicou a sanção de despedimento com justa causa – ter-se-á fundamentado na norma estatuída no artigo 28.º, n.º 5 da Lei de Proteção de Dados Pessoais. Contudo, tal como explicado no Aresto ora citado o que releva para apuramento da verificação deste requisito é a possibilidade de os factos terem relevância criminal independentemente de existir processo no foro criminal, isto é, se o elenco de factos provados que constam da decisão de despedimento forem subsumíveis a um tipo criminal, ainda que a entidade empregador não tenha apresentado qualquer queixa criminal (mesmo que inexista processo criminal) verifica-se este 2.º requisito para a utilização de imagens gravadas por meios tecnológicos de vigilância à distância como meio de prova para o apuramento de responsabilidade disciplinar do trabalhador. Ao invés, ainda que a Entidade Empregadora tenha apresentado queixa crime, com um processo criminal em curso relativamente a factos que imputa ao trabalhador, mas que da decisão que aplica o despedimento tais factos não se subsumirem a qualquer ilícito criminal, não se verifica este 2.º requisito e, como tal, não se mostra lícita a utilização de imagens gravadas por meios tecnológicos de vigilância à distância como meio de prova para o apuramento de responsabilidade disciplinar do trabalhador, como é o caso dos autos relativamente aos factos imputados à Autora em 30/12/2022. Relativamente aos factos imputados à Autora em 11/01/2023, apesar desta não identificar o tipo criminal que tem em mente para subsunção destes factos, apreciemos este 2.º requisito conjuntamente com o 3.º requisito elencado nos dois Arestos supra citados – a obtenção de imagens gravadas por meios tecnológicos de vigilância à distância com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. As imagens gravadas pela Ré e fornecidas pela mesma foram visionadas no início da audiência final, pois apenas com o seu visionamento se mostra possível apurar se a câmara que filma tais imagens está posicionada de modo a controlar o desempenho profissional do trabalhador ou a cumprir o seu objetivo de assegurar a proteção de pessoas e bens. Ora, o que se vê é a incidência da câmara sobre a mesa de corte no interior do talho, isto é, entre a bancada que separa o espaço do talho interior do mesmo onde se situam as mesas de corte e o local onde se encontra o público. Cremos que a Autora tem razão, não existe qualquer argumento para colocar a câmara a incidir sobre a mesa de corte/de trabalho, tal como nenhuma câmara incide sobre a sala da preparação, pois tratam-se de locais onde os trabalhadores estão a trabalhar, sem que houvesse qualquer perigo para a segurança de pessoas e bens. O que se conclui do visionamento das imagens é corroborado pela forma de atuação da Ré, em que o vigilante que fica muito intrigado com uma cuvete em cima do balcão vai logo ver as imagens do CCTV para apurar o que a Autora tinha feito claro está na zona de trabalho dos trabalhadores – mesa de corte e entrada para a sala de preparação. Também desta atuação da Ré que a concretiza em factos levados à própria decisão disciplinar resulta que nunca existiu a dúvida de que veriam o que a Autora tinha feito, mesmo tratando-se de locais em que os trabalhadores estão, justamente, a trabalhar. (…) Por todo o exposto, decide o Tribunal não admitir a utilização das imagens gravadas pelas câmaras de vigilância oferecidas pela Ré, em cumprimento do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código do Trabalho. A Recorrente defende que as imagens recolhidas no sistema CCTV (sistema de videovigilância) não só podiam, como deviam. ter sido utilizadas, pelo que importa ver se assim é. O tribunal a quo distinguiu dois grupos de factos, a saber: os relativos a 30/11/2022 e os de 11/01/2023, mantendo-se essa distinção na apreciação que se vai fazer. Estando em causa a apreciação da possível valoração das imagens, a análise é anterior à fixação dos factos provados, donde a análise ter por base os factos imputados pela empregadora à sua trabalhadora na decisão disciplinar proferida [estando nós a montante da fixação dos factos provados em juízo]. Vejamos então. Refere Lurdes Dias Alves[17] que é consensual a definição de que a videovigilância se traduz na recolha de imagens por meio eletrónico e que constituem dados pessoais desde que recolham imagens de pessoas ou de objetos ou equipamentos que permitam, ainda que de forma indireta, a identificação concreta de pessoas, acrescentando que existe um conflito de interesses entre o direito à privacidade e o interesse público, ou seja, a promoção e garantia de segurança versus o direito à privacidade e o direito à liberdade impõe um exercício permanente, para preservar o bem jurídico e manter o seu equilíbrio. O nº 1 do art.º 20º do Código do Trabalho dispõe que o empregador não pode utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. É verdade que o nº 4 do art.º 28º da Lei da Proteção de Dados Pessoais[18] dispõe que [a]s imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal, mas o nº 5 acrescenta que [n]os casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal. Guilherme Dray[19] refere que a jurisprudência mais recente tem vindo a admitir a videovigilância como meio de prova em procedimento disciplinar, dando exemplos de jurisprudência (por exemplo o acórdão deste TRP de 26/06/2017, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 6909/16.2T8PRT.P1, que está citado na decisão recorrida), mas trata-se de jurisprudência anterior à referida Lei da Proteção de Dados Pessoais. No entanto, não parece que o art.º 28º da Lei da Proteção de Dados Pessoais exija que exista procedimento criminal, estando em causa a gravidade dos factos geradores de responsabilidade disciplinar, remetendo o legislador, na aferição dessa gravidade, para este critério: estarem em causa factos que pudessem ser averiguados no âmbito do processo penal. No fundo, a ideia é esta: os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, antes visando a proteção e segurança de pessoas e bens, pelo que poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar, se não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador e os factos possam ter relevância criminal, mas independentemente de existir processo no foro criminal. Pegando nas palavras de Amadeu Guerra[20], e adaptando-as [na medida em que o autor se refere ao caso específico de prática de furto], dizemos que caso o trabalhador – informado da recolha de imagens – venha a ser surpreendido pelo sistema de vigilância da empresa a praticar ato configurável como ilícito criminal não parece que possa invocar qualquer direito privilegiado em relação a qualquer cidadão frequentador do local de trabalho. Ou seja, aquilo que está subjacente é a especial qualidade/gravidade dos factos imputados ao trabalhador, não a existência de processo no foro criminal, bastando estarem em causa factos suscetíveis de serem averiguados nesse âmbito. Este entendimento foi espelhado no acórdão desta Secção Social do TRP de 28/11/2022 (citado na sentença recorrida), relatado pelo agora relator e com intervenção do 1º adjunto (lá como 2º adjunto)[21], em cujo sumário se escreveu: o art.º 28º da Lei da Proteção de Dados Pessoais não exige que exista procedimento criminal, sendo a ideia subjacente esta: os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, antes visando a proteção e segurança de pessoas e bens, pelo que poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar, se não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador e os factos possam ter relevância criminal, mas independentemente de existir processo no foro criminal. A julgadora a quo, relativamente ao grupo de factos reportado a 30/11/2022, considerou, como consta da transcrição feita supra, que a descrição factual não se subsume a qualquer tipo criminal previsto no Código Penal ou lei criminal avulsa. Porém, não se nos afigura que assim seja, pois os factos imputados na decisão disciplinar relativos a 30/11/2022 poderiam ser suscetíveis de dizer que a trabalhadora preparou uma embalagem com carne no valor de € 32,48, que etiquetou como se fosse carne no valor de € 13,53, de modo que, astuciosamente, levou a que o operador de caixa fosse enganado sobre o verdadeiro custo da carne, com intenção de beneficiar o cliente da empregadora, com prejuízo para a empregadora, sendo irrelevante que viesse a ficar na decisão disciplinar apurado que o cliente da empregadora (afinal) não tem qualquer laço familiar com a trabalhadora, não obstando essa circunstância a que se possa falar na relevância penal dos factos, pondo-se a possibilidade de existir em abstrato (não está em causa que efetivamente se prove a prática de crime, mas a suscetibilidade de em abstrato os factos configurarem crime) factos suscetíveis de configurar em abstrato “burla” (cfr. art.º 217º do Código Penal). Como se deixou antever supra, o decidido em processo crime [no caso foram juntos “despacho de acusação” por indícios da prática de crime de furto, e “despacho de não pronúncia”, à partida sem trânsito em julgado, mas junção essa que não foi admitida] não vincula aqui, podendo nem existir procedimento criminal, estando em causa um juízo sobre a suscetibilidade em abstrato de os factos integrarem prática de crime [não a formulação de um juízo acusatório]. Veja-se a propósito o acórdão do TRE de 07/12/2012[22], o qual tem subjacente situação de operadora de talho de hipermercado que, em diversas ocasiões, entrega carne a preços mais baixos do que os determinados pelo empregador, a colegas de trabalho e familiares, que liquidam, na caixa, os preços que a trabalhadora apôs nos produtos, tendo na 1ª instância sido afirmado que o ato praticado pela arguida constitui a prática do crime de burla previsto e punido no Código Penal. E o mesmo se diga em relação ao grupo de factos reportado a 11/01/2023, estando aqui em causa o benefício da própria Autora, como “cliente” da empregadora, obstando o facto de ter efetuado o pagamento em caixa de autosserviço. A questão está, então, em saber se as câmaras tinham a finalidade de controlar o desempenho profissional da trabalhadora. Relativamente ao grupo de factos reportado a 11/01/2023, a julgadora a quo, considerou, como consta da transcrição feita supra, que havia incidência da câmara sobre a mesa de corte no interior do talho, isto é, entre a bancada que separa o espaço do talho interior do mesmo onde se situam as mesas de corte e o local onde se encontra o público, estando em causa a presença da finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. A recolha de imagens em sistema CCTV nalgumas empresas/estabelecimentos (como supermercados, abertos ao público) pode ser objetivamente indispensável por motivos de segurança de pessoas e bens, não se confundindo com o exercício de supervisão à distância. É o que escreve Teresa Alexandra Coelho Moreira[23], fazendo-o da seguinte forma: A utilização destes sistemas de controlo pode ser objetivamente indispensável por motivos de segurança de pessoas e bens ou por razões de organização da produção, relacionadas com a natureza da atividade em causa, tanto mais que da sua não implantação poderiam derivar mais perigos e graves transtornos para a empresa, e, mesmo, para os trabalhadores. Assim, o facto de comportar, por vezes, um determinado controlo dos trabalhadores que prestam serviço nessas empresas é um dado impossível de eliminar[24] e que deve ser tolerado na medida em que na análise dos diferentes direitos em causa, os interesses do empregador e, por vezes, dos próprios trabalhadores, sobrelevem. É o denominado, pela doutrina e jurisprudência italianas, a propósito do art.º 4º, nº 2, do SL, controlo preterintencional, não sendo considerado ofensivo da dignidade do trabalhador e não lesando a sua liberdade porque não opera na sua esfera qualquer limitação física ou psíquica. Trata-se de um controlo não intencional, meramente acidental, que, embora não desejado, é possível quando o controlo através destes meios audiovisuais é considerado lícito. Trata-se de um fator acessório relacionado com as razões objetivas de instalação deste tipo de sistemas e previstas no art.º 20º, nº 2, do CT. O que o legislador pretendeu evitar, parece-nos, foi a possível utilização destes sistemas de videovigilância para uma finalidade diversa da “proteção de pessoas e bens”, isto é, para controlar o desempenho dos trabalhadores. Torna-se, assim, essencial aferir do carácter preterintencional, analisando os instrumentos em concreto, assim como as finalidades desejadas, respeitando sempre os casos taxativamente previstos no art.º 20º, nº 2.[25] Paula do Couto Quintas[26] sintetiza as considerações sobre o controlo preterintencional, dizendo que os requisitos exigíveis para evitar que o local de trabalho se transforme num espaço penitenciário obrigam à delimitação do âmbito geográfico da recolha; ao respeito pelo princípio da boa-fé; a utilização de meio adequado à finalidade; a visibilidade desses meios e o respeito pelo dever de informação. Em conformidade, no acórdão do TRE de 06/12/2017[27], escreveu-se que as imagens captadas pelo sistema de videovigilância são meio de prova lícito quando não se destinavam a controlar o trabalhador e a sua prestação, mas a proteger os bens da empresa, e o visionamento da trabalhadora foi meramente acidental e fortuito, podendo ser utilizadas em procedimento disciplinar e processo judicial para provar factos ilícitos praticados pela trabalhadora com vista à aplicação de sanção disciplinar de despedimento[28]. Por sua vez, no acórdão desta Secção Social do TRP de 26/06/2017 (citado na sentença recorrida)[29], escreveu-se ser de aceitar imagens captadas por sistema de videovigilância se, além do mais, se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Ora, vistas as imagens, é verdade que pela câmara é captada, não só a zona de circulação dos clientes no supermercado e sua aproximação ao balcão/vitrine, como também o interior do balcão/vitrine, local onde se encontra(m) e opera(m) o(s) trabalhador(es), designadamente nas mesas de corte [as quais tanto podem ser operadas estando o trabalhador de frente para a câmara quer estando o trabalhador de costas para a câmara, como se alcança facilmente do visionamento das filmagens]. Porém, não se nos afigura que daí decorra que se possa afirmar que a sua colocação tivesse por finalidade controlar o desempenho profissional dos trabalhadores, tanto que, como se vê nas imagens, existe a possibilidade de algum cliente, no topo do balcão/vitrine, se apoderar de algum pedaço ou peça de carne que esteja na vitrine junto a esse topo, em momento em que não esteja algum trabalhador dentro do balcão/vitrine [e esses momentos existem, como se constata no visionamento das imagens]. É que, como acima se disse, não é intolerável a recolha de imagens em todo e qualquer espaço onde se encontre/opere um trabalhador, havendo situações do controlo preterintencional, afigurando-se-nos ser esse o caso das câmaras aqui em questão, sendo por isso tolerada recolha de imagens. E é o que se passa também com a recolha de imagens nas caixas, onde opera um trabalhador, mas também passam os clientes, sendo o objetivo da recolha de imagens a segurança de pessoas e bens. Em suma, podemos afirmar que o sistema de videovigilância não se destinava no caso em apreço a controlar o(s) trabalhador(es) e a sua prestação, mas a proteger os bens e pessoas dentro do estabelecimento, ainda que no campo da captação de imagens esteja espaço onde opera(m) trabalhador(es), pelo que, tendo os factos em abstrato relevância penal, as imagens em causa podem ser consideradas como meio de prova no procedimento disciplinar. Assim, impõe-se a revogação da decisão do tribunal a quo na parte em que decidiu não admitir a utilização das imagens gravadas pelas câmaras de vigilância oferecidas pela Ré, devendo ser substituída por outra que admita essa utilização. Deste modo, impõe-se revogar a sentença recorrida, para ser proferida nova sentença considerando esse meio de prova, ficando, por consequência, prejudicado o conhecimento das demais questões supra enunciadas.
*** DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso procedente, revogando a decisão que não admitiu a utilização das imagens gravadas pelas câmaras de vigilância oferecidas pela Ré, devendo em substituição ser admitida essa utilização, e, em consequência e nessa medida, anular a sentença proferida, impondo-se que seja proferida nova sentença em que considere admissível a utilização dessas imagens. Custas a fixar a final. Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP). Notifique e registe. (texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)
Porto, 14 de outubro de 2024 António Luís Carvalhão [Relator] Rui Manuel Barata Penha [1º Adjunto] Germana Ferreira Lopes [2ª Adjunta] _______________________________ |