Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
744/18.0T8PVZ.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: HIPOTECA
REDUÇÃO JUDICIAL DA HIPOTECA
AUMENTO DE VALOR DA COISA
Nº do Documento: RP20240205744/18.0T8PVZ.P2
Data do Acordão: 02/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O pressuposto da redução judicial de hipoteca por valorização da coisa em mais de um terço remete para o valor daquela à data da constituição da hipoteca.
II - Verificando-se os pressupostos da redução judicial de hipoteca valorização da coisa em mais de um terço com possibilidade de cómoda divisão, a medida da redução opera na medida em que a hipoteca se mantenha pelo valor da coisa à data da constituição daquela, acrescido de um terço.
III - O princípio da indivisibilidade da hipoteca não contende com a possibilidade de redução judicial, uma vez verificados os respetivos pressupostos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 744/18.0T8PVZ.P2



Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, CC e marido DD e EE e marido FF, intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra “A..., Lda.” e “Banco 1..., S.A.”.
O pedido formulado consistiu no seguinte:
A) Sejam as Rés condenadas a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre as frações autónomas A) e B) e consequentemente seja exarada sentença judicial da entrega das referidas frações livres de ónus e encargos a favor dos Autores;
B) Seja proferida sentença de redução judicial da hipoteca voluntária registada a favor da Ré Banco 1..., sob a ap. ...05 de 26/01/2011, sobre o prédio descrito sob o n.º ...63, da freguesia ... e se ordene a notificação da credora hipotecária «Banco 1..., SA» para passar a incidir tal hipoteca apenas sobre as frações C), D), E) e F), excluindo da mesma as frações A) e B), propriedade dos Autores, emitindo, nessa conformidade, competente título de distrate para que possa ser efetivada a entrega definitiva das moradias melhor identificadas como frações A) e B) a favor dos Autores, livres de ónus e encargos ou, alternativamente,
C) Caso assim não se entenda, se decrete a nulidade da escritura de permuta, da escritura de venda e constituição de hipoteca sobre o mencionado prédio e consequentemente, uma vez que não é possível a restituição ao status quo ante, pois que a habitação dos Autores foi demolida, sejam as rés condenadas no pagamento de €535.496,45 (quinhentos e trinta e cinco mil, quatrocentos e noventa e seis euros e quarenta e cinco cêntimos) e a reconhecer o direito de retenção a favor dos autores até que seja integralmente satisfeito o pagamento de tal quantia na sua falta perante terceiros.
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Alegam que por escritura pública de 10 de novembro de 2010, o primeiro A. e a sua falecida mulher outorgaram, com a sociedade «B..., Lda.», um contrato de permuta pelo qual declararam transmitir a esta sociedade a propriedade de prédio urbano sito em ..., em troca da entrega de duas moradias, que corresponderiam às frações “A” e “B” do empreendimento de seis moradias, em propriedade horizontal, que ali iria ser erigido pela mencionada sociedade, tendo fixado o valor do imóvel dado à troca em €500.000,00 e o valor das moradias em €250.000,00 cada.
As condições deste contrato eram do conhecimento da R. «Banco 1..., SA», junto de quem a sociedade «B..., Lda.» contraiu um empréstimo para financiamento da construção, garantido, além do mais, com hipoteca sobre o imóvel.
Em 19-2-2013, a sociedade «B...» vendeu à R. «A...» o imóvel que havia recebido do primeiro A. e sua mulher, com as benfeitorias nele implantadas, assumindo esta, solidariamente com a primeira, a responsabilidade de entregar aos AA. as duas frações livres de ónus e encargos.
Desta venda e assunção de responsabilidades perante os AA. foi inteirada a R. Banco 1..., que a consentiu.
Perante o atraso na entrega das frações, os AA. lograram a entrega das chaves das moradias que lhes estavam destinadas e que ainda se encontravam em fase de acabamento, passando a habitá-las em junho de 2015.
Em 30-1-2018, foi constituída a propriedade horizontal do dito empreendimento.
Continua registada a hipoteca a favor da Banco 1... sobre as frações “A” e “B”, impendendo ainda sobre as mesmas penhora a favor da Autoridade Tributária.
Aduzem os AA. ter adquirido o direito de propriedade sobre as frações por escritura de permuta anterior à constituição e registo dos ónus identificados, pelo que entendem ter direito a obter a entrega judicial e definitiva das duas moradias, correspondentes às frações “A” e “B”, livres de ónus e encargos.
Caso assim não se entenda, uma vez que a transferência da propriedade das duas frações permutadas para os Autores ocorreu com a constituição da propriedade horizontal, na impossibilidade da entrega formal das mesmas nos moldes acordados, ou seja, livre de ónus e encargos, ter-se-á de considerar nulo o contrato de permuta -, o que acarreta a nulidade da hipoteca porquanto incide sobre prédio alheio, que não é pertença nem da primeira R., nem da sua originária transmitente - devendo ser restituído tudo o que em consequência do mesmo tiver sido prestado.
Não sendo possível a reposição do imóvel no seu estado original, têm os AA. direito a que lhes seja restituído o montante correspondente ao preço atribuído às duas moradias, acrescido da quantia de €35.496,45, correspondente ao valor da sanção pecuniária compulsória fixada no contrato de permuta para o atraso na ali convencionada entrega das frações autónomas.
Em face deste crédito, entendem que lhes deve ser reconhecido um direito de retenção sobre as mencionadas frações enquanto não for efetivada a sua entrega definitiva livre de ónus e encargos ou, na impossibilidade da mesma, até que lhes seja pago o crédito que detêm sobre a primeira R., no montante global de € 535 496, 45.
Defendem, outrossim, que, face ao valor atual das quatro restantes frações edificadas no prédio permutado estão verificados os pressupostos para se decrete a redução judicial da hipoteca a essas quatro frações.
Finalmente sustentam que a atuação da R. «Banco 1..., SA» configura uma situação de abuso do direito e de enriquecimento sem causa.
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A R. «A...» não apresentou contestação.
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A R. «Banco 1..., SA» apresentou contestação onde conclui pela total improcedência da ação.
Reconheceu ser conhecedora dos termos do contrato de permuta celebrado entre a sociedade «B..., Lda.» e o primeiro A. e sua mulher e que quando concedeu o financiamento admitia que, uma vez concluídas as seis moradias, desde que as mesmas estivessem livre de ónus e encargos, o valor de quatro delas seria bastante para assegurar o reembolso integral do seu crédito.
Porém, nunca assumiu qualquer compromisso de libertar a hipoteca sobre as moradias a atribuir aos AA. antes do pagamento integral do seu crédito e muito menos em caso de insucesso do empreendimento.
Foram os AA. a assumir o risco inerente a qualquer vicissitude que impedisse a conclusão da obra.
Defende que a hipoteca é oponível aos AA., que o contrato de permuta é válido, que inexiste direito de retenção, que não se mostram verificados os pressupostos da redução da hipoteca, que não se verifica, nem enriquecimento sem causa, nem abuso do direito.
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No despacho saneador, foi proferida decisão de mérito que julgou a ação procedente quanto ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos AA. sobre as frações “A” e “B” e improcedente quanto aos demais pedidos.
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Os AA. recorreram desta decisão, tendo sido proferido acórdão que manteve a decisão recorrida na parte em que conclui pela improcedência do pedido de declaração de transmissão das frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do imóvel em causa livres de ónus e encargos e do pedido de declaração de nulidade da escritura de permuta e de restituição em espécie do imóvel permutado. O acórdão ordenou o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido de redução judicial de hipotecas e das questões do abuso do direito e do enriquecimento sem causa da R. «Banco 1..., SA».
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Os autos prosseguiram com a seleção de temas da prova e com a produção de prova pericial.
Realizou-se audiência de julgamento,
Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, considerando verificados os pressupostos para a redução da hipoteca a favor da R. “Banco 1..., S.A.” no que se refere à fração “A”, determinando o cancelamento da hipoteca registada pela apresentação n.º ...05, de 26-01-2011.
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Inconformada, a R. “Banco 1...” interpôs recurso da decisão, finalizando com as conclusões que se seguem.
(…)
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Os AA. produziram as seguintes contra-alegações:
(…)
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Os AA. interpuseram também recurso, rematando nos termos que se seguem:
(…)
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A R. “Banco 1... contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelos AA..
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II - Questões a dirimir:
a - Da nulidade da sentença
b - Reapreciação da matéria de facto
c - Se se deve ou não manter a redução da hipoteca registada a favor da R. “Banco 1..., S.A.” com exclusão da fração “A” e se deve ser alargada à fração “B”;
d - Se a manutenção da hipoteca sobre as frações dos AA. acarreta enriquecimento sem causa da R. “Banco 1..., S.A.”;
e - Se ao pretender a manutenção da hipoteca sobre as frações dos AA. a R. “Banco 1..., S.A.” age em abuso de direito.
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III - Fundamentação de facto

Factos Provados
1) Em 29 de janeiro de 2015, faleceu BB, no estado de casada com o Autor AA, deixando como herdeiros, para além do seu marido, as Autoras CC e EE;
2) No dia 10 de novembro de 2010, o Autor AA e a referida BB outorgaram com a sociedade “B..., LDA.” (NIPC ...10) uma escritura de permuta pela qual deram à troca o prédio urbano que era a sua habitação própria e permanente, descrito na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos sob a descrição n.º ...63, freguesia ..., correspondente a prédio urbano destinado a habitação constituído por 2 pisos e quintal com a área coberta de 183,50 m2 e 1816,50 m2 de área descoberta, sito à Rua ..., ..., da extinta freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na competente matriz predial sob o artigo ...20, por duas moradias a erigir no prédio objeto de troca do qual eram proprietários;
3) Nos termos da referida escritura pública, o aqui primeiro Autor, por si e representação de sua mulher BB, declarou dar à mencionada sociedade o referido prédio urbano, no valor atribuído de €500.000,00 para que esta “proceda à demolição da construção lá existente e à construção de seis moradias unifamiliares conforme projeto aprovado pela Câmara Municipal de Matosinhos, no âmbito do processo de licenciamento n.º ...67..., cujas plantas de localização, implantação e telas finais ficam arquivadas a instruir a presente escritura e, em troca, recebe, da sociedade representada do segundo outorgante, duas moradias a construir, no valor global de quinhentos mil euros, ou seja, duzentos e cinquenta mil euros cada uma, moradias essas que sem prejuízo de concreta determinação em futura escritura pública, desde já se identificam como sendo as correspondentes às habitações designadas nas plantas atrás referidas pelas letras a) e b)”;
4) Mais se estipulou na referida escritura pública que “a entrega informal da primeira moradia devidamente concluída e pronta a habitar, terá de ser realizada impreterivelmente no prazo máximo de 15 meses após a data da outorga da escritura, sendo que a entrega formal e legalmente exigida ocorrerá obrigatória e necessariamente após a emissão da respetiva licença de utilização”;
5) Foi também convencionado que a segunda das moradias terá de ser entregue concluída aos primeiros outorgantes no prazo máximo de trinta e seis meses sobre a outorga da presente escritura, procedendo-se igualmente à respetiva formalização legal após a emissão da respetiva licença de utilização;
6) Acordaram também que “a sociedade representada pelo segundo outorgante fica obrigada, aquando da formalização das entregas suprarreferidas, a registar as habitações objeto da presente permuta em nome do primeiro outorgante e da sua representada, livres de quaisquer ónus e encargos, correndo por sua conta os custos da escritura pública de determinação das moradias objeto da presente permuta”;
7) Consta ainda da mesma escritura que, “como penalidade, por cada dia de atraso na entrega informal das moradias ao primeiro outorgante e sua representada, estabelecem desde já as partes o valor indemnizatório diário de (€33,33), trinta e três euros e trinta e três cêntimos”;
8) E ainda que os prédios objeto de permuta serão permutados livres de ónus e encargos - tudo conforme cópia da escritura pública de permuta cuja cópia está junta a fls. 19 e segs., com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido;
9) Por contrato de abertura de crédito celebrado no dia 15 de Março de 2011 - cuja cópia está junta a fls. 112 e segs. com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido – a Ré «Banco 1..., SA» concedeu à sociedade «B..., Lda.» uma abertura de crédito até ao montante de €750.000,00, para garantia do qual foi constituída, entre outras garantias, uma hipoteca sobre o imóvel identificado em 2), cuja propriedade se encontrava registada a favor da mencionada sociedade, pela apresentação definitiva correspondente à apresentação n.º ...92, de 10.12.2010;
10) Nos termos do mesmo contrato, “a hipoteca atrás referida é feita por tempo indeterminado, subsistirá enquanto se mantiver qualquer das responsabilidades que assegura e abrange, além do mais, todas as construções e benfeitorias que existam à data do presente instrumento e as que, de futuro, venham a existir no referido prédio, obrigando-se a hipotecante a requerer e promover os respetivos averbamentos na Conservatória do Registo Predial Competente (…)”;
11) Tal hipoteca foi registada na Conservatória do Registo Predial pela apresentação n.º ...05, de 26.01.2011;
12) De acordo com tal inscrição hipotecária, a mesma garante o crédito de €750.000,00, sendo o montante máximo assegurado de €1.127.650,00:
13) O aludido contrato de abertura de crédito destinou-se a financiar a construção do empreendimento que a sociedade «B..., Lda.» pretendia levar a cabo no imóvel permutado;
14) A Ré «Banco 1..., SA» tinha conhecimento, em momento anterior à celebração do contrato de abertura de crédito acima mencionado, do teor do contrato de permuta, designadamente que a sociedade «B..., Lda.» se tinha obrigado a entregar aos autores as duas identificadas moradias, livres de ónus e encargos;
15) Por escritura pública de 19 de fevereiro de 2013, designada “Compra e venda e assunção de dívida e obrigação de dare” - cuja cópia está junta a fls. 35 e segs, com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido – a referida sociedade “B..., LDA.” vendeu o imóvel identificado em 2) à aqui Ré - Sociedade, “A..., LDA.” pelo preço declarado de €1.115.000,00 (um milhão cento e quinze mil euros);
16) Nessa mesma escritura, a sociedade Ré declarou “que o referido preço é pago com a assunção, pela sociedade representada pela segunda outorgante, do montante global de seiscentos e quinze mil euros em dívida à «Banco 1..., SA», resultante do financiamento atrás referido e respetivos acessórios e ainda da obrigação de entrega aos referidos AA e mulher BB de duas moradias a construir no identificado terreno, no valor de duzentos e cinquenta mil euros cada uma, como a segunda outorgante declarou em nome da sociedade «A..., Unipessoal, Lda.» assumir na sua plenitude com todas as consequências legais”;
17) O Acordo constante da mencionada escritura pública foi posteriormente comunicado aos Autores e à Ré «Banco 1..., SA» que ao mesmo não se opuseram;
18) Em 15/09/2014, entre a Ré «Banco 1..., SA», a sociedade mutuária B..., a sociedade Ré «A... Unipessoal Lda.», GG, KK e mulher LL, foi outorgado um aditamento ao contrato de abertura de crédito processo número 0695004934691, do qual constam, entre outras os seguintes considerandos: “6. Em 19/02/2013, a sociedade B... sem que Banco 1... tivesse consentido ou disso tivesse conhecimento celebrou um contrato de compra e venda/ASSUNÇÃO DE DÍVIDA/OBRIGAÇÃO DE DARE com a sociedade A..., onde a primeira mediante o preço de um milhão cento e quinze mil euros vende à segunda o prédio urbano composto por um terreno destinado à construção, com a área de 1850 m2, com todas as benfeitorias nele incorporadas, sito na R. de ..., sito na freguesia ..., Concelho de Matosinhos, que resultou da demolição de uma casa de rés-do-chão e andar que nele existia e que estava descrita na conservatória e registo predial de Matosinhos, sob o n.º ...63 ... e atualmente inscrito sob o artigo matricial ...66,hipotecado a favor da Banco 1.... (…) 9. Que a Banco 1... deu o seu acordo à pretensão requerida no considerando anterior, aceitando que a 4.ª contratante assuma nos termos aí referidos a posição de comutuária e sua devedora;
19) Nos termos da cláusula segunda do mesmo aditamento: “A Banco 1... dá o seu consentimento à presente co assunção da posição contratual de mutuário, reconhecendo a segunda e quartos outorgantes como devedores solidários e co-titulares de todos os direitos e obrigações emergentes do identificado contrato.” - tudo conforme documento cuja cópia está junta a fls. 40 vs. e segs. com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido;
20) Em 6/11/2015, em comunicação via email, - cuja cópia está junta a fls. 50 e segs., com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido - o dito GG faz uma proposta à referenciada entidade bancária, informando-a de que a sociedade B...,LDA, teria sido declarada insolvente em 26/02/2015, e no qual vem mais uma vez requerer que: “Relativamente ao empreendimento “...”, sito na R. de ..., ..., Matosinhos e composto de 6 moradias, duas delas são do Sr. AA, estão em regime de permuta, decorrente das negociações na altura com o dono do terreno, conforme é do Vosso conhecimento e mais 4 moradias, estas para comercialização. Há cerca de 2 meses foi feita uma avaliação ao imóvel por parte da Banco 1..., em que foi atribuído um valor após conclusão das obras de cerca de €1.600.000,00. Da aprovação do crédito inicial concedido pelo banco de €750.000,00, foram gastos na construção da obra €642.000,00, sendo que a empresa B..., Lda., gastou a seu cargo, cerca de €350.000,00, não contabilizando juros pagos que rondarão cerca de €50.000,00, o que torna o investimento acima de 1.000.000,00” (…) “Certo é, que a venda das 4 moradias, estimado o valor de mercado após contactada a C... o valor médio de cada moradia é de cerca de €280.000,00, pelo que, o encaixe será de € 1.120.000,00.”;
21) Por escritura pública outorgada em 30 de Janeiro de 2018, a Ré «A...» constituiu a propriedade horizontal dos edifícios que construiu no terreno permutado, dela resultando seis frações autónomas correspondentes a outras tantas moradias, designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “F”;
22) Tal propriedade horizontal foi registada pela apresentação n.º ...30 de 14 de fevereiro de 2018;
23) Para além da hipoteca supra mencionada, sobre o imóvel mencionado em 2) (e as frações em que o mesmo foi dividido), encontram-se registadas duas penhoras, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviço de Finanças de ... e a favor da Fazenda Nacional, correspondentes às apresentações n.º ...75, de 20.10.2017 e ...63, de 23.11.2017;
24) Em 20 de junho de 2014, a Ré A... entregou aos Autores as chaves das moradias que correspondiam às frações A) e B) que, a partir de então, passaram a ter a disponibilidade exclusiva das mesmas;
25) Os Autores concluíram a suas expensas parte dos acabamentos da fração A), tendo despendido o montante total de €7.970,35;
26) Em data não concretamente determinada, a Ré A... deixou de realizar obras no referido empreendimento, encontrando-se por concluir as frações B), C), D) E) e F) do mesmo;
27) Antes de conceder o financiamento aludido em 9), a Ré «Banco 1..., SA» avaliou previamente o custo da obra a executar e o valor das seis moradias a construir, concluindo, após a conclusão integral da obra, o valor integral de quatro moradias, desde que sem ónus ou encargos, seria suficiente para o reembolso do seu crédito e por isso aceitou a proposta de financiamento da sociedade «B...»;
28) A mesma Ré nunca se vinculou perante a sociedade «B..., Lda.», a Ré «A...» ou perante os aqui Autores a aceitar o cancelamento da hipoteca incidente sobre as frações A) e B) antes de ser paga do seu crédito emergente do contrato de financiamento;
29) O valor do imóvel aludido em 2), à data da constituição da hipoteca era de €500.000,00;
30) O valor da obra executada no mesmo terreno, com referência à data de 27 de setembro de 2022, é de €1.324.000,00, resultante do somatório dos seguintes valores parcelares: €171.523,00, correspondente à fração A); €261.936,00 correspondente à fração B); €220.619,00, correspondente à fração C); €233.048,00, correspondente à fração D); 209.432,00, correspondente à fração E) e €227.455,00, correspondente à fração F);
31) A aqui Ré «Banco 1..., SA» instaurou contra a aqui Ré «A...», entre outros uma ação executiva – a qual corre termos nos Juízos de Execução do Porto, sob o nº 19800/18.9T8PRT, que tem como título executivo o contrato de financiamento acima mencionado, tendo indicado à penhora o imóvel hipotecado;
32) O valor do crédito da Ré «Banco 1..., SA» resultante do supra mencionado financiamento ascendia, à data de 15.06.23, a €1.132.214,90;
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Factos não provados

Não se consideraram provados quaisquer outros factos entre os alegados pelas partes com relevo para a decisão da causa e designadamente:
a) Para a construção do empreendimento acima mencionadas, a sociedade «B..., Lda.» e a Ré A... utilizaram, para além do financiamento contratado com a «Banco 1..., SA», fundos próprios no valor de €350.000,00
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IV - Subsunção jurídica

A - Da nulidade da sentença
Para melhor esclarecimento acerca do conteúdo subjacente à pretensão dos AA., reproduzem-se as conclusões mais relevantes por estes tecidas neste contexto:
AM.-Assim e perante o exposto o Mmo. juiz a quo incorreu numa irregularidade processual que se impõe corrigir, pois que nesta matéria resulta manifesta a distorção da realidade factual e na aplicação do direito, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a realidade factual e jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma, devendo V. Exas corrigir esta OMISSAO DE PRONÚNCIA e promover o reconhecimento do enriquecimento sem causa da recorrida Banco 1..., S.A. e 1ª R. A..., padecendo a sentença nessa parte de nulidade nos termos em que o prevê o art.º 615.º, n.º 1 alíneas c) e d) do CPC;
Relativamente à redução da hipoteca consideram os apelantes (conclusão AZ): incorreu o Exmo. Senhor Juiz a quo em erro de julgamento, porquanto estabelece um silogismo judiciário irregular, que resulta numa distorção duma realidade factual, bem como, na própria aplicação, padecendo a decisão de nulidade, conforme o prevê o art.º 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC;
BW.- Ora sobre o montante de valorização factualmente demonstrado amplamente nos autos, mediante o relatório pericial, que inquina o vertido na sentença que se recorre pelo menos na parte em que não admite a redução e cancelamento de hipoteca para a fração “B” padecendo a dita sentença por essa via de nulidade nos termos do art.º 615.º, n.º 1 alínea c) e n.º 4 do CPC, ao considerar por um lado, que estão preenchidos os pressupostos de funcionamento do art.º 720.º, n.ºs 1/2 alínea b) e n.º 3 do CC, ex vi 691.º, n.º1 alínea c) do CC, e se recorrer a uma interpretação restritiva que a lei não prevê, e que entra a em contradição insanável entre os factos dados por provados e não é relevante, quando o pressuposto essencial do pedido de redução de hipoteca formulado nos presentes autos está cumprido em contradição notória com o silogismo judiciário estabelecido;
CA.- Assim, qualquer decisão que não atenda aos quesitos supra melhor referenciados, isto é, que não permita a redução da hipoteca e consequente cancelamento da mesma sobre as frações A e B, padece de nulidade, nos termos e para os efeitos do 615.º, n.º 1 alínea c) e d) do CPC, por violação dos art.ºs 607.º, n.º4 e 5 e 605.º do CPC seja pelo erro de julgamento em que incorre o aqui julgador, seja pela ausência de fundamentação inerente e consequente omissão de pronúncia devida pelo enriquecimento sem causa, seja pela violação de regras de direito probatório material.
CO - Pressupostos esses que o Mmo. Juiz a quo não analisou, nem sequer atendeu aquando da análise da prova junta aos autos, impedindo os Recorrentes de sequer lograrem provar o seu pedido, e ao fazê-lo, incorreu no vício supra invocado, ferindo a decisão proferida nos presentes autos de nulidade, nos termos em que o art.º 615.º, n.º 1 alíneas c) e d) do CPC, por violação do art.º 607.º, n.º 4 e 5 e 608.º do CPC, arts720.º, n.º 2 alínea b) ex vi 691,º, n.1 alínea c), 9.º, n.º 2 e 473.º do CC.
CP - Omissões essas que por influírem no desfecho da presente lide e serem essenciais à descoberta da verdade inquinam todo o processado, nele se incluindo a sentença aqui em desiderato, que padece de nulidade, nos termos do preceituado no art.º 615.º, n.º 1 alíneas c) e d) do CPC, o que expressamente se requer que seja reconhecida.
Nos termos do disposto no art.º 615.º/1/c do C.P.C. é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Preceitua o art.º 615.º/1/d do C.P.C. que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Os vícios apontados pelos AA. não se referem, nem a oposição entre os fundamentos e a decisão, nem a omissão de pronúncia. Os AA. insurgem-se, isso sim, por um lado, contra a matéria apurada - existiria erro de julgamento de facto correspondente a uma distorção da realidade factual - e, por outro lado, contra o sentido da decisão proferida em 1.ª instância - estaria neste caso em causa erro de direito, correspondente à aplicação inadequada da realidade normativa.
Lê-se no ac. do S.T.J, de 3-3-2021 (proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, Leonor Cruz Rodrigues): há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma»).
As imputações efetuadas à sentença não consubstanciam a arguida nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia, antes visando os recorrentes pôr em crise o conteúdo do juízo efetuado.
Assim, indeferem-se as arguidas nulidades.
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b - Da reapreciação da matéria de facto

Os AA. requerem que passe a constar dos factos assentes o seguinte facto:
- Para a construção do empreendimento acima mencionado, a sociedade «B..., Lda.» e a Ré A... utilizaram, para além do financiamento contratado com a «Banco 1..., SA», fundos próprios no valor de €350.000,00.
Remetem para o e-mail reportado no ponto 20 dos factos assentes, enviado por B... à Banco 1..., do qual consta a afirmação deste de que a sociedade “B..., Lda.” gastou, a seu cargo, cerca de €350.000,00 no empreendimento.
Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto versa o art.º 640.º/1 do C.P.C. que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Os AA. não identificam os concretos meios probatórios que poderiam conduzir a que o tribunal desse como assente que o dispêndio teve lugar nos exatos termos peticionados, pelo que nem haveria lugar à reanálise da questão. É que os AA., embora teçam, genericamente, extensas considerações a propósito do dispêndio de €350.000,00 e da relevância de tal gasto, em concreto, cingem-se a remeter para o aludido e-mail. Pretendem, aliás, que se dê como assente o dispêndio da sociedade “B..., Lda.” e da R. “A...” de €350.000,00, quando o e-mail apenas se refere à primeira destas sociedades e não indica um valor preciso, mas sim cerca de. A asserção constante do ponto 20, afinal, mais não traduz do que uma mera consideração de GG.
Acresce que o acrescento se mostra irrelevante para os termos da decisão, conforme decorrerá da análise de fundo dos termos da causa a que em seguida se procederá.
Em súmula, não se encontrando fundamento para o aditamento requerido, indefere-se o mesmo.
Mais alegam os AA. que ressalta do contrato de financiamento identificado no ponto 9) e depois alterado em virtude da assunção de dívida constante em 15), 18) e aditamento da Banco 1... vertido em 19) dos factos dados por provados que além da hipoteca registada foram prestadas garantias adicionais ao referenciado mútuo com fianças pessoais e que a Banco 1..., teve em conta os rendimentos e património das mesmas para a concessão do empréstimo em apreço.
Concluem: deveriam os factos infra ser alterados para ficar a constar a seguinte redação:
23) Para além da hipoteca supra mencionada, sobre o imóvel mencionado em 2) (e as frações em que o mesmo foi dividido) encontram-se registadas duas penhoras, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, Serviço de Finanças de ... e a favor da Fazenda Nacional - correspondentes às apresentações n.º ...75, de 20.10.2017 e ...63, de 23.11.2017, mas na verdade apenas existe um processo executivo n.º ...92, no valor de €102.876,41;
29) O valor do imóvel aludido em 2), à data da constituição da hipoteca era de €500.000,00, pelo que, será esse o ganho para efeitos do benefício do enriquecimento sem causa para a 2.ª R;
O teor dos arts. 23.º e 29.º tal como consta da sentença é o seguinte:
23) Para além da hipoteca supra mencionada, sobre o imóvel mencionado em 2) (e as frações em que o mesmo foi dividido) encontram-se registadas duas penhoras, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviço de Finanças de ... e a favor da Fazenda Nacional, correspondentes às apresentações n.º ...75 (na verdade, a ap. é a ap. n.º ...74), de 20.10.2017 e ...63, de 23.11.2017;
29) O valor do imóvel aludido em 2), à data da constituição da hipoteca, era de €500.000,00;
No que se refere à pretendida alteração ao ponto 23 dos factos assentes, o que é possível confirmar, compulsada a certidão do registo predial, é a existência do registo de duas penhoras com o mesmo valor de €102.876,41 e que ambas têm origem no mesmo proc. fiscal.
Assim, o ponto 23 dos factos assentes passará a ter a seguinte redação:
23) Para além da hipoteca supra mencionada, sobre o imóvel mencionado em 2) (e as frações em que o mesmo foi dividido) encontram-se registadas duas penhoras, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, Serviço de Finanças de ... e a favor da Fazenda Nacional, correspondentes às apresentações n.º ...75, de 20.10.2017 e ...63, de 23.11.2017, fazendo ambas referência ao valor de €102.876,41, com origem no mesmo processo executivo n.º ...92.
No que concerne ao acrescento ao ponto 29 consistente em pelo que, será esse o ganho para efeitos do benefício do enriquecimento sem causa para a 2.ª R., para além de não se tratar de afirmação cujo teor seja percetível, remete para instituto jurídico, o enriquecimento sem causa, sem cabimento na matéria de facto.
Indefere-se, por isso, o aditamento.
Os AA. requerem ainda que se dê como não provado o ponto 13 dos factos provados.
É o seguinte o seu teor:
13) O aludido contrato de abertura de crédito destinou-se a financiar a construção do empreendimento que a sociedade «B..., Lda.» pretendia levar a cabo no imóvel permutado.
Sustentam os apelantes que o documento de suporte aludido não permite sustentar tal afirmação.
Atente-se em que se trata de factualidade subjacente aos contornos da causa, sendo absolutamente incontroversa. Recorde-se ainda o teor do ponto 9 dos factos assentes, que os recorrentes não põem em crise:
9) Por contrato de abertura de crédito celebrado no dia 15 de março de 2011 - cuja cópia está junta a fls. 112 e segs. com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido - a Ré «Banco 1..., SA» concedeu à sociedade «B..., Lda.» uma abertura de crédito até ao montante de €750.000,00, para garantia do qual foi constituída, entre outras garantias, uma hipoteca sobre o imóvel identificado em 2), cuja propriedade se encontrava registada a favor da mencionada sociedade, pela apresentação definitiva correspondente à apresentação n.º ...92, de 10.12.2010.
Por contrária a toda a economia da narrativa, inclusive da relatada pelos ora apelantes, indefere-se a supressão visada, que, em todo o caso, sempre resultaria inócua em face dos demais elementos dos autos, com relevo para o ponto 9 que se vem de transcrever.
*

c - Da redução da hipoteca
A R. “Banco 1..., S.A.” insurge-se contra a sentença proferida, pugnando por via de recurso pela respetiva revogação na parte em reduziu a hipoteca constituída a seu favor por referência à fração designada pela letra “A”.
Já os AA. pretendem não só a manutenção da redução decretada, como o seu alargamento à fração “B”.
Uma vez que se trata de questões incindivelmente ligadas, proceder-se-á à respetiva apreciação conjunta.
Está em causa pedido de redução judicial de hipoteca voluntária registada a favor da R. “Banco 1...” sobre o imóvel permutado em que foram erigidas seis moradias, identificadas no registo predial pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “F”, na parte referente às duas frações autónomas que os AA. vieram a adquirir.
Para fundamentar a sua pretensão, os AA. sustentam a verificação dos pressupostos legais para a redução de hipoteca voluntária que incide sobre as frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” de que são proprietários, conforme previsto no art.º 720.º/2 do Código Civil,
A hipoteca, é um direito real de garantia por via do qual se confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de imóvel, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade no registo (art.º 686.º/1 do C.C.).
Sobre a respetiva extensão, dispõe o art.º 691.º/1 do Código Civil que a hipoteca abrange: a) As coisas imóveis referidas nas alíneas c) a e) do n.º 1 do art.º 204º; b) As acessões naturais; c) As benfeitorias, salvo o direito de terceiros”.
Não constando que a hipoteca abranja as construções, tem vindo, porém, a ser uniformemente decidido pela doutrina e pela jurisprudência que a hipoteca constituída sobre o terreno se estende aos edifícios nele posteriormente implantados (cf. ac. da Relação de Lisboa de 20-12-2017, proc. 773/16.9T8PRT.L1-2, Teresa Albuquerque, citando extensa doutrina e jurisprudência).
O art.º 720.º do C.C. regula a redução judicial das hipotecas legais e judiciais e no seu n.º 2 prevê em que condições pode ser admitida a redução de hipotecas voluntárias, a requerimento de qualquer interessado.
A redução judicial só é admitida:
a - Se, em consequência do cumprimento parcial, ou outra causa de extinção, a dívida se encontrar reduzida a menos de dois terços do seu montante inicial;
b - Se, por virtude, de acessões naturais ou benfeitorias a coisa ou o direito hipotecado se tiver valorizado em mais de um terço de seu valor à data da constituição da hipoteca.
Dispõe o n.º 3 do mesmo art.º que a redução é realizável, quanto aos bens, ainda que a hipoteca tenha por objeto uma só coisa ou direito, desde que a coisa ou direito seja suscetível de cómoda divisão.
A redução judicial da hipoteca é, assim, admitida se a dívida tiver diminuído (al. a do n.º 2 do art.º 720.º do C.C.) ou/e se o valor da coisa tiver aumentado (al. b do n.º 2 do art.º 720.º do C.C.).
Quer numa, quer noutra destas circunstâncias, o legislador entendeu que a alteração de valor teria que ser substancial, entenda-se, caso a dívida diminua mais de um terço (caso em que fica reduzida a menos de dois terços) ou caso se verifique o aumento substancial do valor da coisa (em mais de um terço) - a substancialidade foi aferida pela proporção de mais de um terço para a diminuição da dívida e para o aumento do valor.
Estes dois casos, parecendo antagónicos, têm em comum o facto de em virtude da redução da dívida ou da valorização da coisa se ter alterado a relação crédito versus garantia, de modo que haja uma alta probabilidade de o credor ver integralmente satisfeito o seu direito de crédito (in Isabel Menéres Campos, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, p. 964).
É compreensível que o devedor, como, sendo caso disso, outros credores que não o credor hipotecário, pretendam a redução da hipoteca, seja porque o valor em dívida diminuiu, seja porque o bem hipotecado aumentou de valor.
Como escreveu Vaz Serra nos Trabalhos Preparatórios do Código Civil (BMJ, n.º 63, p. 293), a redução das hipotecas pode dar-se quando o registo abrange mais do que o necessário. Havia, porém, que evitar que, por diferenças insignificante, pudesse requerer-se a redução (ibidem, p. 295).
Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, pp. 740-741) escrevem: A lei estabeleceu limites objetivos, destinados a conciliar, com o mínimo de segurança, a vantagem de libertar os bens de encargos, facilitando o crédito imobiliário e a necessidade de evitar sucessivos pedidos de redução fundados em pequenas diminuições da dívida ou em valorizações insignificantes da coisa onerada.
Explicitada que está a medida da valorização do bem hipotecado ou da diminuição da dívida garantida, há ainda que aferir qual o momento atendível para fixação do valor dos bens.
Vaz Serra (ibidem, p. 298) expendeu o seguinte a propósito da determinação do valor dos bens
Parece, a este propósito:
a - Que deve deixar-se uma margem além do real valor dos bens, visto que este pode diminuir ou não ser realizado na venda judicial (…)
b . Que, para determinação do valor dos bens, deve olhar-se à data da redução, impedindo, deste modo, que se faça a redução, quando, sendo os bens excessivos na data do registo, depois diminuam de valor.
Efetivamente, na proposta de articulado nesta matéria, o Professor Vaz Serra preconizou o seguinte regime no art.º 87.º/5: ainda que os bens hipotecados tenham sido indicados nos termos da parte final do § 3.º deste artigo, o hipotecador ou o terceiro adquirente, que, depois de registada a hipoteca, tenham realizado construções no prédio hipotecado, podem requerer que à hipoteca sejam subtraídas, no todo ou em parte, as referidas construções, desde que ela não fique insuficiente para garantia do crédito, nos termos do artigo seguinte. E no art.º 88.º/2: esta redução pode dar-se quando o valor dos bens excede, na data dela [pressupõe-se, na redução], em mais de um terço, o quantitativo do crédito e dos acessórios atendíveis nos termos do art.º 26.º.
Este art.º 26.º previa, enquanto regra geral, no seu n.º 2 que sendo a hipoteca relativa a crédito que vença juro, a inscrição dela no registo abrange os juros devidos, se a taxa destes for mencionada no mesmo registo, compreendendo essa extensão os juros correspondentes ao ano corrente à data da penhora e aos dois anos anteriores, bem como, mas não acima da taxa legal, os que se vencerem posteriormente até ao momento em que, vendidos os bens, se fixar a quantia que cada um dos credores pode receber. Podia mencionar-se, como taxa de juro, a que for praticada pelo Banco de Portugal ou outra determinável, uma vez que se indique a taxa máxima que o juro pode atingir.
Essa solução não passou nas revisões ministeriais e no Projeto do Código Civil publicado em 1966 surgia já o art.º 720.º com a redação com que passou para o Código Civil, ainda hoje em vigor (cf. pp. 209 e 210 do Projeto).
Infere-se a intenção de afastar a solução proposta pelo Professor Vaz Serra. Optou-se por uma outra que tem em conta a valorização da coisa dada em hipoteca em mais de um terço atentando na data da sua constituição.
Na situação sub judice não foi alegada a redução da dívida hipotecária. Foi, porém, invocado que, em função do aumento do valor da coisa hipotecada, o valor das frações “C”, “D”, “E” e “F” é bastante para acudir ao pagamento da dívida.
Do elenco factual recolhido emerge que o imóvel hipotecado, em resultado da construção que ali foi erigida, aumentou de valor numa proporção superior a um terço do valor que tinha à data da hipoteca, já que o valor do imóvel à data da constituição da hipoteca era de €500.000,00, tendo-se valorizado para €1.324.013,00, montante correspondente à soma dos valores das seis frações autónomas que o vieram a integrar - o acréscimo de um terço sobre €500 000,00 corresponde a €666 .666, 67.
Expende-se na sentença recorrida que a ratio da norma não abrange as situações em que, apesar de objetivamente se verificar uma valorização da coisa hipotecada superior a um terço do valor da mesma à data da constituição da garantia, da redução possa resultar uma diminuição efetiva dos efeitos garantísticos da hipoteca. Remete para o teor do mencionado acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nestes autos, no seguinte excerto: compete assim aos recorrentes demostrar que estão reunidas as condições para se reduziram as hipotecas mormente deixando de incidir sobre as frações de que são donos e à recorrida “Banco 1...” alegar e demonstrar algum circunstancialismo que excecione tal redução (eventualmente demonstrando que a redução poderia fazer com que a hipoteca deixasse de ter os efeitos garantísticos que tinha quando foi constituída mesmo aumentando os bens de valor - dívidas com garantia ou privilégio anterior à hipoteca, por exemplo).
Trata-se, em nosso entender, de uma consideração de âmbito genérico, que não circunscreve qualquer tipo de apreciação.
Importa, assim, aferir qual o limite da medida da redução, no sentido de evitar que se verifique excesso de garantia, precisamente aquilo que a lei visa prevenir, mas assegurando que a redução não deixe a dívida sem garantia.
No caso vertente, sabemos que o contrato de abertura de crédito estabeleceu como limite o montante de €750.000,00, que nos termos da inscrição hipotecária constante do registo predial o montante máximo assegurado pela hipoteca é de €1.127.650,00, que a R. “Banco 1..., S.A.” intentou execução pelo montante de €1.132.214,90, que o valor das seis moradias, ou seja, do bem hipotecado, é de €1.324 000, 00, que a fração “A” tem o valor de €171.523,00 e que a fração “B” tem o valor de €261.936, 00.
É alvitrável que o valor da dívida garantida seja entendido como o montante máximo do crédito hipotecário tal como consta do registo predial.
Nos Trabalhos Preparatórios do Código Civil, Vaz Serra (BMJ, 63.º, pp. 292 a 302 e 62.º, pp. 231 e 232) propôs que a redução pudesse dar-se quando o valor dos bens excedesse, em mais de um terço, o quantitativo do crédito e dos acessórios atendíveis, nos termos do art.º 26.º.
O art.º 26.º/2 previa que, sendo a hipoteca relativa a crédito que vencesse juro, a respetiva inscrição no registo abrangesse os juros devidos, se a taxa destes fosse mencionada no registo, compreendendo a extensão os juros correspondentes ao ano corrente à data da penhora e aos dois anos anteriores, bem como os que se vencessem posteriormente até ao momento em que, vendidos os bens, se fixasse a quantia que cada um dos credores podia receber (B.M.J., 62.º, pp. 231 e 232).
Esta solução não foi vertida na redação vertida no art.º 720.º do C.C., pelo que é de inferir que não há que levar em linha de conta com os aludidos acréscimos para efeitos de possibilidade de redução da hipoteca.
Assim, o que importa considerar para efeitos de redução é o valor garantido pela hipoteca à data da sua constituição, contanto que fique salvaguardado o acréscimo de um terço.
Revertendo ao caso sub judice, a matéria fáctica em que cumpre atentar é a seguinte:
- o valor da coisa hipotecada à data da sua constituição era de €500.000,00, valor que acrescido de um terço corresponde a €666.666,67;
- o valor da coisa hipotecada depois da construção corresponde ao valor das seis moradias, pelo que corresponde a €1.324.013,00;
- a fração “A” tem o valor de €171.523,00 e a fração “B” tem o valor de €261.936,00, totalizando os dois montantes €433.459,00.
- deduzindo o valor das duas moradias ao valor atual da coisa hipotecada, alcançamos o montante de €890.554,00.
A quantia de €890.554,00 excede manifestamente o valor da coisa hipotecada à data da constituição da hipoteca acrescido de um terço.
Assim, é possível a redução da hipoteca, quer no que concerne à fração “A”, quer no que se refere à fração “B”.
*
Objeta a R. apelante que cada uma das frações autónomas garante a totalidade do crédito e que quando essa nova realidade (a criação de cada uma das frações autónomas que passaram a integrar a propriedade horizontal) surgiu a hipoteca passou a incidir sobre cada uma das frações autónomas.
Nos termos do preceituado no art.º 696.º do C.C., salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.
O princípio da indivisibilidade não contende, porém, com a possibilidade de redução judicial, uma vez verificados os respetivos pressupostos. A circunstância de terem sido construídas moradias no imóvel hipotecado não pode servir de pretexto para tornar a regra contida no art.º 720.º do C.C. inaplicável. É precisamente por força e na sequência da edificação que se mostra verificado um dos pressupostos da redução: o aumento do valor da coisa hipotecada em mais de um terço do seu valor à data da constituição da hipoteca. Aliás, a coisa torna-se suscetível de cómoda divisão, na aceção do n.º 3 do citado art.º 720.º do C.C., outro dos requisitos da redução, na decorrência da construção.
Improcede, pois, esta linha de argumentação.
*
Prossegue a R. apelante a sua defesa da manutenção da hipoteca sobre a fração “A”: sobre as frações do imóvel em causa incidem ainda duas hipotecas registadas a favor da Fazenda Nacional, no montante de 102.876 euros e o argumento invocado na 1ª instância pressupunha que as frações se encontrassem livres sem ónus nem encargos, por forma a que, mesmo sem a fração A, aquele crédito, no seu montante máximo registado, tivesse um valor igual ou inferior ao valor do imóvel sem a fração A..
A tese da “Banco 1...”, ao que se alcança, esteia-se no pressuposto de que a hipoteca deve ser mantida na medida em que garanta o crédito hipotecário e outros eventuais créditos que gozem de privilégio, como poderá ser o caso - embora concretamente não o possamos afirmar -, tomando em consideração que as penhoras registadas o são a favor da Autoridade Tributária.
Não lhe assiste razão.
Como se viu, nos termos do disposto no art.º 686.º/1 do C.C., a hipoteca consiste numa garantia de pagamento pelo valor da coisa hipotecada, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, pelo que não confere inelutavelmente ao credor o direito a fazer-se pagar pela coisa dada em garantia.
Desde logo se surpreende do citado art.º que o direito do credor hipotecário cede perante os credores que gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. A circunstância de o imóvel hipotecado - ou as frações que atualmente o compõem - se encontrar apreendido à ordem de execução fiscal não desemboca no aumento do valor da hipoteca para efeitos de garantir que o credor hipotecário se consegue, a todo o custo, fazer pagar pelo produto da venda. Se a coisa não tivesse aumentado de valor tal questão nem sequer se suscitaria.
Não se acolhe, por conseguinte, a objeção suscitada.
Em conclusão, a coisa hipotecada aumentou de valor em mais de um terço por referência à data da sua constituição e não oferece dúvidas que, em face da constituição da propriedade horizontal, é possível a cómoda divisão. Estão, pois, reunidos os requisitos previstos nos citados n.ºs 2/b e 3 do art.º 720.º do C.C. para a redução da hipoteca.
Subtraindo à hipoteca as frações “A” e “B”, o valor do bem hipotecado mantém-se superior ao da dívida que se destinou a garantir, aferido à data da sua constituição, acrescido de um terço.
É, por isso, viável reduzir a hipoteca, quer no que concerne à fração “A”, quer no que se refere à fração “B”, procedendo a pretensão recursória dos AA. e improcedendo a da R. “Banco 1...” no sentido de subtrair também a fração “A” à redução da hipoteca.
*
d - Se a manutenção da hipoteca sobre as frações dos AA. acarreta enriquecimento sem causa da R. “Banco 1..., S.A.”
Em face da decisão que estende a redução da hipoteca também à fração designada pela letra “B”, tal questão queda despicienda.
Em todo o caso, sempre se dirá que a mera consulta do normativo do Código Civil que descreve o instituto jurídico do enriquecimento sem causa permite concluir que a alegação dos apelantes é destituída de fundamento.
Efetivamente, nos termos do disposto no art.º 473.º/1 do C.C. constituem pressupostos do enriquecimento sem causa:
a) a existência de um enriquecimento;
b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem;
c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
Ora, por um lado, o crédito da R. “Banco 1...” não se mostra satisfeito. Por outro, como bem aponta a sentença recorrida, remetendo para o ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-9-2022 (proc. 3360/21.6T8LRA.C1, Paulo Correia, consultável in http://www.dgsi.pt/), com a venda dos bens hipotecados e penhorados, o credor não irá receber mais do que o seu crédito, independentemente do valor do bem hipotecado e do preço em si mesmo considerado. Se os bens forem vendidos por valor superior ao crédito da recorrida, o remanescente, servirá para pagamento de outros créditos não garantidos, pagamento das custas e, havendo sobras, serão estas entregues ao executado. Ou seja, não é por o valor atual do prédio hipotecado ser muito superior ao do momento da constituição da garantia, que o credor irá receber mais que do que o exato montante do seu crédito. Logo, nem se pode falar de enriquecimento, pois o credor limita-se a receber aquilo que lhe é devido, dentro da garantia de que goza.
Acresce que nos termos do disposto no art.º 697.º do C.P.C., o devedor que for dono da coisa hipotecada tem o direito de se opor a que relativamente, aos bens onerados, a execução se estenda além do necessário à satisfação do direito do credor.
A possibilidade de o devedor requerer a redução da hipoteca visa a desoneração do bem hipotecado por forma a possibilitar o aumento do tráfego jurídico, mas ainda que tal não fosse viável, nem por isso o credor enriqueceria indevidamente, já que as regras próprias da execução, como não pode deixar de ser, sempre a tal obstariam.
*
e - Se a R. “Banco 1...” age em abuso do direito ao pretender prevalecer-se da hipoteca constituída a seu favor sobre as frações propriedade dos AA.
Os AA. sustentam que ao negar-se a autorizar o cancelamento da hipoteca sobre as frações designadas pelas letras “A” e “B” de que são proprietários, a R. “Banco 1..., S.A.” assume atuação contrária aos ditames da boa-fé. Isto porque aquando da constituição da hipoteca sobre o prédio onde iriam ser construídas as moradias entretanto submetidas ao regime da propriedade horizontal tinha conhecimento dos termos do contrato de permuta, onde, designadamente, se previa o direito de propriedade, livre de ónus e encargos, dos AA. sobre duas moradias, que viriam a constituir frações autónomas do empreendimento.
Atenta a decisão que estende a redução da hipoteca também à fração designada pela letra “B”, tal questão queda despicienda.
*
A sentença proferida não é, pois, de manter no que concerne ao indeferimento da pretensão dos AA. de verem reduzida a hipoteca também no que se refere à fração “B”, antes devendo tal pretensão merecer acolhimento.
*

V - Dispositivo

Nos termos sobreditos, acorda-se:
- em julgar o recurso interposto pelos AA. procedente, reduzindo-se a hipoteca que incide sobre o imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos, freguesia ..., sob o n.º ...63, no que se refere às frações “A” e “B”, pelo que se ordena o cancelamento da inscrição registada pela ap. ...05 de 2011/01/26, quanto a essas frações, mantendo-se no que se refere às frações “C”, “D”, “E” e “F” e
- em julgar o recurso interposto pela R. “Banco 1..., S.A.” totalmente improcedente.
*
Custas na sua totalidade pela R. “Banco 1..., S.A.”, por os AA./apelantes terem obtido vencimento e por a R./apelante ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
*




Porto , 5-2-2023
Teresa Fonseca
Carlos Gil
Jorge Martins Ribeiro