Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RODRIGUES PIRES | ||
Descritores: | PROCESSO DE INSOLVÊNCIA VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS CRÉDITOS DOS TRABALHADORES CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL CRÉDITO DO ESTADO CREDOR COM GARANTIA REAL PENHOR | ||
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Nº do Documento: | RP202407102435/22.9T8OAZ-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Face ao preceituado no art. 205º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social [CRCSPSS], os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário geral e, em sede de pagamento pelo produto de venda de um imóvel, deverão ser graduados antes dos créditos do Estado provenientes de IRS que beneficiam do mesmo privilégio creditório. II - Perante o conflito que se estabelece entre o art. 333º, nº 2, al. a) do Cód. do Trabalho (ao dizer que os créditos laborais têm preferência sobre os créditos com idêntico privilégio do Estado), o art. 204º, nº 1 do CRCSPSS (quando diz que os créditos da Segurança Social se graduam logo após os referidos na alínea a) do n.º 1 do 747.º do Cód. Civil), a prevalência do privilégio mobiliário geral do Instituto de Segurança Social sobre qualquer penhor (estabelecida imperativamente pela lei no art. 204º, nº 2 do CRCSPSS) e também a prevalência do penhor sobre o privilégio mobiliário geral (arts. 666º, nº 1 e 749º, nº 1 do Cód. Civil), a solução está em efetuar (quando concorram na mesma graduação créditos garantidos por penhor, créditos do Instituto de Segurança Social, créditos de trabalhadores e créditos do Estado, todos estes com privilégio mobiliário geral) a seguinte graduação: 1.º: O crédito do Instituto de Segurança Social; 2.º: O crédito garantido por penhor; 3.º: Os créditos laborais; e 4.º: Os créditos do Estado. III – Esta solução resulta também do reconhecimento da natureza de norma especial à que consta do nº 2 do art. 204º do CRCSPSS, relativamente às demais normas referenciadas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2435/22.9 T8OAZ-C.P1 Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis – Juiz 2 Apelação
Recorrente: Instituto de Segurança Social, IP
Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Ramos Lopes e Maria Eiró
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO Por apenso aos autos de insolvência n.º 2435/22.9T8OAZ, em que foi declarada insolvente “A..., S.A.”, pela Sr.ª Administradora da Insolvência foi apresentada a relação de créditos a que alude o art. 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE). Foram deduzidas impugnações, já decididas. A Sr.ª Administradora da Insolvência veio juntar lista de créditos reconhecidos atualizada, através do requerimento com a refª 47709811. Foi depois proferida sentença, na qual se decidiu: “- Reconhecer os créditos referidos na lista elaborada pelo Sr/a. Administrador/a, junta sob a refª 47709811. - Graduar os créditos verificados nos seguintes termos: Através do produto da venda/liquidação das acções da B..., S.A. apreendidas, será(ão) pago(s): - em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do/a Senhor/a Administrador/a da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - em segundo lugar, os créditos reconhecidos à B..., S.A.; - em terceiro lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - em quarto lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de €4.724,67, e parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de €14.776,29, com rateio entre eles, se necessário; - em quinto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário; - em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se necessário. * Através do produto da venda/liquidação das acções da C..., S.A. apreendidas, será(ão) pago(s): - em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do/a Senhor/a Administrador/a da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - em segundo lugar, os créditos reconhecidos à C..., S.A.; - em terceiro lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - em quarto lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de €4.724,67, e parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de €14.776,29, com rateio entre eles, se necessário; - em quinto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário; - em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se necessário. * Através do produto da venda/liquidação das acções da D..., S.A. apreendidas, será(ão) pago(s): - em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do/a Senhor/a Administrador/a da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - em segundo lugar, os créditos reconhecidos à D..., S.A.; - em terceiro lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - em quarto lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de €4.724,67, e parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de €14.776,29, com rateio entre eles, se necessário; - em quinto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário; - em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se necessário. * Através do produto da venda/liquidação dos imóveis apreendidos, será(ão) pago(s): - em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do/a Senhor/a Administrador/a da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - em segundo lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - em terceiro lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de €4.724,67, e parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de €14.776,29, com rateio entre eles, se necessário; - em quarto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário; - em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se necessário. * Através do produto da venda/liquidação dos demais bens móveis apreendidos, será(ão) pago(s): - em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do/a Senhor/a Administrador/a da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - em segundo lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - em terceiro lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de €4.724,67, e parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de €14.776,29, com rateio entre eles, se necessário; - em quarto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário; - em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se necessário. * No pagamento dos créditos reconhecidos sob condição, deve-se atender ao disposto no art. 181º do CIRE.” Inconformado com o decidido interpôs recurso o credor Instituto de Segurança Social, tendo este finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O ora recorrente reclamou créditos no montante global de €402,69 (quatrocentos e dois euros e sessenta e nove cêntimos)., 2. Todavia, nos termos da comunicação dirigida pela Sra. Administradora da Insolvência ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 129.º do C.I.R.E., foram reconhecidos créditos ao ISS, I.P. no montante global €22.567,13. 3. Sendo que, parte desses créditos reclamados, por se encontrarem vencidos nos 12 meses anteriores ao início do processo de insolvência, beneficiam, também, dos privilégios creditórios imobiliário e mobiliário geral (€14.776,29) – cf. artigo 97.º, n.º 1, alíneas a) e b), do C.I.R.E. e artigos 204.º e 205.º do C.R.C.. 4. Tais créditos – assim como os créditos dos credores Autoridade Tributária e Aduaneira, B..., S.A., C..., S.A., D..., S.A., trabalhadores e FGS – foram objecto de reconhecimento pela Sra. Administradora da Insolvência, nos termos do artigo 129.º do CIRE. 5. Por sentença proferida pelo Tribunal a quo, foram os aludidos créditos reconhecidos e graduados da seguinte forma: “Através do produto da liquidação das acções da B... [C... e D..., consoante o caso] apreendidas, será(ão) pago(s): - em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do/a Senhor/a Administrador/a da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - em segundo lugar, os créditos reconhecidos à B..., S.A. [C..., S.A. e D..., S.A., respetivamente]; - em terceiro lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - em quarto lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de €4.724,67, e parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de €14.776,29, com rateio entre eles, se necessário; - em quinto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário; - em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se necessário. “Através do produto da venda/liquidação dos demais bens móveis apreendidos, será(ão) pago(s): - em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do/a Senhor/a Administrador/a da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - em segundo lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - em terceiro lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de €4.724,67, e parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de €14.776,29, com rateio entre eles, se necessário; - em quarto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário; - em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se necessário.” 6. Acontece que a ordem de graduação da douta sentença, não tem, com o devido respeito, qualquer correspondência com os textos legais porque, na graduação do produto da venda dos imóveis, o crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira se encontra graduado a par com o crédito do ISS, IP. 7. Violando, assim, a norma legal prevista no artigo 748.º, nº 1, do C.C., conjugada com as normas legais previstas no artigo 205.º do C.R.C., no artigo 111.º do C.I.R.S. 8. De acordo com o artigo 205.º do C.R.C., os créditos da Segurança Social gozam de privilégio imobiliário sobre os bens móveis existentes no património do contribuinte e, por isso, graduam-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do C.C.. 9. É no aludido artigo 748.º do C.C. que se encontra prevista a ordem a que os créditos com privilégio imobiliário devem obedecer, 10. Nele se ditando que (apenas) terão prioridade os créditos do Estado – referentes a contribuição predial, a sisa e a imposto sobre as sucessões e doações – e os créditos das autarquias locais – devidos por contribuição predial. 11. Todavia, tais tributos já se encontram revogados por força do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que aprovou os novos Códigos do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (C.I.M.T.). 12. E, por essa razão, deve o artigo 748.º do C.C. ser interpretado com recurso a uma perspectiva atualista. 13. Ou seja, quando a mencionada norma legal faz alusão à contribuição predial, à sisa e ao imposto sobres as sucessões e doações, deve entender-se que o mesmo se refere ao IMI e ao IMT, respetivamente. 14. E, tendo em conta que o legislador foi taxativo no elenco dos impostos que considera ter prioridade na graduação dos privilégios imobiliários, 15. Dúvidas não podem existir de que os impostos sobre o rendimento, nomeadamente o IRS e o IRC, se encontram excluídos do âmbito de aplicação da referida norma legal. 16. A este respeito, vejam-se, designadamente, os Acórdãos proferidos pelo colendo Tribunal da Relação de Guimarães em 12/09/2019 e em 05/05/2022, no processo n.º 5170/17.6T8VNF-D e no processo n.º 3863/21.2T8VNF-A.G1, respetivamente e pelo Tribunal da Relação do Porto em 11/01/2024, no processo n.º 3129/22.0T8OAZ-A.P1 (disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). 17. Pese embora não se negue que os créditos objeto da presente demanda (IRS e Segurança Social) gozam do mesmo privilégio creditório imobiliário, 18. Entende o ora recorrente que não é por gozarem do mesmo privilégio creditório que, necessariamente, terão que ter a mesma ordem de graduação. 19. E muito menos aceita a hipótese dos créditos decorrentes de IRS se poderem sobrepor aos créditos da Segurança Social…. 20. Já que, na verdade, é o crédito da Segurança Social que beneficia dessa preferência por força do preceituado no artigo 205.º do C.R.C. 21. Em razão disso, a ordem da graduação de créditos da decisão ora em crise devia ter sido distinta, na medida em que os créditos da Segurança Social sempre teriam que assumir uma posição preferente em relação aos créditos reclamados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a título de IRS. 22. Como tal, a ordem da graduação de créditos da decisão ora em crise deverá ser alterada, por outra que gradue os créditos reconhecidos da seguinte forma: Através do produto da venda/liquidação dos imóveis apreendidos, será(ão) pago(s): - em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do/a Senhor/a Administrador/a da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - em segundo lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - em terceiro lugar, parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de €14.776,29; - em quarto lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de €4.724,67; - em quinto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário; - em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se necessário. 23. No caso em apreço, não tendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo considerado a preferência dos créditos reclamados pelo aqui Apelante, dúvidas não restam de que terá violado o disposto nas normas legais previstas no artigo 748.º do C.C., conjugado com o artigo 111.º do C.I.R.S. e o artigo 205.º do C.R.C.. 24. Sem conceder, a douta sentença não tem igualmente correspondência com os textos legais, porquanto, no que concerne à graduação do produto da venda das ações da B..., C... e D... decidiu, por um lado, que os créditos pignoratícios e os créditos laborais e do FGS se sobrepõem aos créditos reclamados pela Autoridade Tributária (a título de IRS) e pelo ISS, IP com igual privilégio creditório mobiliário geral, 25. E, por outro lado, que os créditos da Autoridade Tributária se encontram em paridade com os créditos da Segurança Social. 26. Ao decidir desta maneira, violou o disposto nas normas legais previstas no artigo 747.º e 749.º do C.C. conjugados com o artigo 204.º do C.R.C., com o artigo 333.º do C.T. e com o artigo 111.º do C.I.R.S. 27. Os créditos da Segurança Social, relativos a quotizações e contribuições, os créditos da Autoridade Tributária, relativos a IRS, bem como os créditos salariais dos trabalhadores gozam de privilégios idênticos, nos termos das normas anteriormente referidas. 28. No entanto, quer o crédito dos trabalhadores emergente de contrato de trabalho, quer o crédito da Autoridade Tributária relativo a IRS, cederiam face ao penhor, nos termos do artigo 749.º, n.º 1, do C.C. 29. Tal não sucede com os créditos da Segurança Social que gozam de privilégio mobiliário geral, na medida em que o artigo 204.º, n.º 2, do C.R.C., determina a prevalência destes créditos sobre o penhor. 30. O intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e exprimiu o seu pensamento de forma adequada (cf. artigo 9.º, n.º 3 do C.C.). 31. Com o C.R.C. de 2009, o legislador decidiu manter a primazia do privilégio mobiliário dos créditos da Segurança Social sobre o penhor anteriormente constituído, não obstante já vigorar na nossa ordem jurídica o atual regime de privilégios creditórios previsto no C.T. 32. Não ignorando a regra geral da ineficácia dos privilégios mobiliários gerais do artigo 749.º, nº 1, do C.C., contra terceiros titulares de direitos sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, ao hierarquizar o privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social contra o penhor previamente constituído, o legislador colocou-o numa situação de primazia relativamente a todos os outros créditos dotados do mesmo privilégio, incluindo os créditos mencionados no artigo 333.º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a), do C.T. 33. Essa opção legislativa justificou-se pela importância social de que cada vez maior reveste a garantia mobiliária e imobiliária dos créditos da Segurança Social, na medida em que a sustentabilidade desta assume hoje uma importância acrescida para o Estado e para os cidadãos, e quão dependente essa sustentabilidade está pela sua enorme repercussão social, que se sobrepõe ao direito individual às retribuições fundadas no contrato de trabalho. 34. “(…) Se os trabalhadores merecem toda a protecção que a lei lhes confere, não a merece menos a segurança social, ora plasmada no ISS; e, pelos altos valores sociais que este último prossegue - valores cujo correspondente direito se encontra consagrado no citado art.63.º da Constituição. ¬Nesse sentido “(…) é logicamente inevitável que são eles que têm de consubstanciar a cúpula, a nível dos créditos ora em questão, da protecção que o legislador lhes quer conferir”. – cf. Ac. do STJ de 16/12/2009, relatado pelo Ex.mo Cons. Fernando da Costa Soares. 35. Com a atribuição de prioridade aos créditos laborais sobre os créditos referidos no nº 1, do artigo 747.º do C.C., o que o artigo 333.º, nº 2, alínea a), do C.T. visa conferir é uma preferência relativa aos créditos do Estado e das autarquias locais, e já não quanto a outros, mesmo os equiparados, como o caso do crédito da Segurança Social dotado desse privilégio. 36. Uma vez que o artigo 204.º, nº 1, do C.R.C. apenas impõe que a graduação dos créditos da Segurança Social se faça nos termos referidos na alínea a), do nº 1, do artigo 747.º do C.C., da conjugação deste preceito com o artigo 333.º, nº 2, al. a), do C.T., não se pode subverter a vontade do legislador ao remeter os créditos da Segurança Social com privilégio mobiliário geral, colocando-o numa posição subalterna face aos créditos laborais, e muito menos face aos créditos do Estado. 37. Esta interpretação é aquela que permite uma solução mais harmoniosa e uniforme, tendo em conta as normas em confronto. 38. Sobre a preferência dos créditos da Segurança Social relativamente aos créditos pignoratícios, laborais e fiscais, vejam-se, designadamente, os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto em 11/12/2012, em 26/09/2023 e em 05/03/2024, nos processos n.º 535/18.9T8AMT-C.P1, n.º 943/19.8T8OAZ-B.P1 e n.º 4033/20.2T8OAZ- B.P1, respetivamente. 39. Ao contrário do decidido na sentença recorrida, é o crédito da Segurança Social que beneficia de primazia face aos restantes, por força do preceituado no artigo 204.º do C.R.C. em conjugação com os artigos 747.º e 749 do C.C., e com o artigo 333.º do C.T. 40. Assim, a decisão recorrida deve ser alterada, graduando em primeiro lugar o crédito do ISS, com privilégio mobiliário geral; logo após o(s) crédito(s) garantido(s) por penhor; ao que se seguem os créditos laborais com privilégio mobiliário geral e, por fim, o crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira com privilégio mobiliário geral. 41. Em razão disso, a ordem da graduação de créditos da decisão ora em crise deverá ser alterada, por outra que gradue os créditos reconhecidos da seguinte forma: Através do produto da venda/liquidação das acções da B..., S.A. [C..., S.A e D..., S.A, consoante o caso concreto] apreendidas, será(ão) pago(s): - em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do/a Senhor/a Administrador/a da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - em segundo lugar, parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de €14.776,29; - em terceiro lugar, os créditos reconhecidos à B..., S.A. [C..., S.A e D..., S.A, consoante o caso concreto]; - em quarto lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - em quinto lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de €4.724,67; - em sexto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário; - em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se necessário. 42. A aplicação e interpretação das referidas normas legais, pelo tribunal a quo é desadequada, não restando dúvidas ao apelante que a sentença violou o disposto nas normas legais previstas nos artigos 747.º e 749 do C.C., conjugadas com o artigo 204.º do C.R.C. e com o artigo 333.º do C.T. TERMOS EM QUE, nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que, na ordem da graduação dos créditos, por referência ao produto da venda dos bens imóveis, dê primazia aos créditos reclamados pelo ora recorrente em detrimento dos créditos reclamados pela Autoridade Tributária e Aduaneira a título de IRS; e, por referência ao produto da venda das ações da B..., C... e D... dê primazia aos créditos reclamados pelo ora recorrente em detrimento do crédito pignoratício, dos créditos laborais e dos créditos reclamados pela Autoridade Tributária a título de IRS. Não foi apresentada qualquer resposta. O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Cumpre então apreciar e decidir. * FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil. * As questões a decidir são as seguintes: I. Apurar se, relativamente ao produto da venda dos bens imóveis apreendidos, os créditos da Segurança Social devem ser graduados antes ou em paridade com os créditos do Estado provenientes de IRS; II. Apurar se, relativamente ao produto da venda das ações de “B...”, da “C...” e da “D...”, os créditos da Segurança Social devem ser graduados antes dos créditos pignoratícios, dos créditos dos trabalhadores e dos créditos do Fundo de Garantia Social (FGS) e também antes dos créditos do Estado provenientes de IRS. * Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório. * Passemos à apreciação jurídica. I. Apurar se, relativamente ao produto da venda dos bens imóveis apreendidos, os créditos da Segurança Social devem ser graduados antes ou em paridade com os créditos do Estado provenientes de IRS 1. Dispõe o art. 205º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social [doravante CRCSPSS] que «os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil». Já no art. 748º do Cód. Civil estatui-se o seguinte: «1. Os créditos com privilégio imobiliário graduam-se pela ordem seguinte: a) Os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações; b) Os créditos das autarquias locais, pela contribuição predial.» Por seu turno, no art. 111º do Código do IRS preceitua-se que «para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro ato equivalente.» Acontece que a contribuição predial, a sisa e o imposto sobre sucessões e doações já não existem por força do Dec. Lei nº 287/2003, de 12.11., que aprovou os novos Códigos do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e simultaneamente revogou os anteriores Códigos da Contribuição Autárquica e do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações – cfr. art. 31º. Assim, apesar da redação do art. 748º do Cód. Civil não ter sido adaptada à nova realidade tributária, entendemos que, numa interpretação atualista, a referência que no art. 748º do Cód. Civil é feita a contribuição predial, sisa e imposto sobre sucessões e doações deve ser reportada agora ao IMI e ao IMT. Por conseguinte, os impostos sobre o rendimento, como sejam o IRS e o IRC, devem ser excluídos do elenco de impostos que o legislador considerou terem prioridade na graduação dos créditos com privilégios imobiliários. 2. Gozando tanto os créditos relativos a IRS como os relativos à Segurança Social de privilégios imobiliários, a questão que então se colocará é a de saber se os mesmos deverão ser graduados em paridade ou, como sustenta a recorrente, se deverá ser dada prioridade à Segurança Social. No acórdão da Relação do Porto desta mesma secção de 5.3.2024 (p. 4033/20.2 T8OAZ-B.P1, relator RUI MOREIRA, disponível in www.dgsi.pt.)[1] afirmou-se no respetivo sumário que os créditos da Autoridade Tributária provenientes de IRS e IRC, dotados de privilégio imobiliário geral, em sede de pagamento pelo produto de venda de um imóvel, devem ser graduados depois de um crédito do Instituto de Segurança Social, por dívidas de contribuições para a segurança social, também este beneficiário de idêntico privilégio. Em idêntico sentido se pronunciara já o Acórdão da Relação do Porto de 11.1.2024 (p. 3129/22.0 T8OAZ-A.P1, relatora ISABEL PEIXOTO PEREIRA, disponível in www.dgsi.pt.), onde se consignou o seguinte no respetivo sumário: “Por força do disposto no art. 205º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos [juros] de mora, com privilégio imobiliário geral, são graduados antes dos créditos do Estado provenientes de IRS que beneficiam do mesmo privilégio creditório.“ Na argumentação tendente a esta conclusão, caracterizada pela sua exaustividade, escreveu-se o seguinte neste acórdão[2]: “A consagração legal de Privilégios Creditórios associados aos créditos da Segurança Social não é alheia ao complexo das relações jurídico-obrigacionais que se estabelecem no âmbito do funcionamento do sistema de segurança social. Neste sentido, o sistema de Segurança Social corresponde à resposta do legislador ordinário aos comandos constitucionais resultantes do artigo 63.º da Lei Fundamental, no qual se estabelece genericamente que “todos têm direito à segurança social” e ainda, que este sistema “protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.” Quanto à organização e direção do sistema de segurança social, o legislador constituinte comanda o Estado nessas mesmas tarefas (n.º 2 do artigo 65.º da CRP), todavia não especificando de que forma o sistema deva ser financiado. Todavia, podemos afirmar que o dever de contribuir para o sistema de segurança social resulta do próprio texto constitucional, como nos explicam os professores GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[3]: “(…) a segurança social é, em parte, um encargo do Estado, a ser suportado pelo respectivo orçamento; por outro lado, porém, a segurança social não depende apenas do financiamento público directo, mas sim, também (ou sobretudo), das contribuições dos respectivos beneficiários (princípio da contribuitividade), estando aqui implícito um dever de contribuição para a segurança social (…)”. Sempre se diga que a relação jurídica tributária inerente ao sistema de Segurança Social assume especificidades face à “típica” relação jurídica tributária, já que a relação jurídica inerente ao sistema de segurança social compreende em si mesma dois tipos de vinculação jurídica. Por um lado, os artigos 6.º e 7.º do Código Contributivo abordam a “relação jurídica vinculativa”, consubstanciando-se esta como a relação jurídica que estabelece a ligação entre as pessoas singulares e coletivas e o sistema de segurança social e cujo objeto se traduz na “determinação dos titulares do direito à proteção social do sistema previdencial da segurança social, bem como dos sujeitos das obrigações.”. Por outro lado e com maior relevância para a questão que nos ocupa, nos artigos 10.º a 15.º do Código Contributivo, o legislador aborda o vínculo contributivo inerente a esta mesma relação jurídica, definindo-o como um vínculo com uma verdadeira natureza obrigacional que liga ao sistema previdencial os trabalhadores e as respetivas entidades empregadoras, os trabalhadores independentes e quando aplicável as pessoas coletivas e as pessoas singulares com atividade empresarial que com eles contratam e ainda os beneficiários do regime de seguro social voluntário.[4] Neste sentido, o objeto da obrigação contributiva é o pagamento regular de contribuições e de quotizações por parte das pessoas singulares e coletivas que se relacionam com o sistema previdencial de segurança social, consubstanciando tais quantias a mais importante fonte de financiamento de todo o sistema de segurança social.[5] A associação da figura do privilégio creditório ao crédito contributivo não é propriamente uma novidade no nosso ordenamento jurídico, muito pelo contrário. A consagração do privilégio imobiliário geral em favor dos créditos da Segurança Social foi introduzida no ordenamento jurídico português pela primeira vez através do artigo 3.º do D.L. n.º 512/76, de 3.07, diploma que viria a ser tacitamente revogado pelo D.L. n.º 103/80, de 9.05. Todavia, o privilégio imobiliário geral começou a suscitar dúvidas na doutrina e na jurisprudência praticamente desde da sua criação, especialmente no que à sua eficácia face aos direitos de terceiros diz respeito, atenta a inexistência da figura dos privilégios imobiliários gerais.[6] Sendo os bens penhorados imóveis, o que nos interessa aqui é o privilégio imobiliário de que beneficiam, quer o crédito da Fazenda Nacional, quer o crédito da Segurança Social. Sempre não prevista em legislação especial, designadamente o CIRS, que estabelece o privilégio imobiliário geral em causa, ordem de preferência no pagamento deste crédito distinta da prevista no CC. E, de acordo com o artigo 748.º do CC, que estabelece a ordem pela qual devem ser graduados os créditos com privilégio imobiliário, tais créditos devem ser graduados pela seguinte ordem: a) Os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações, b) Os créditos das autarquias locais, pela contribuição predial. Nos termos dos arts 28º e 31º do D.L. 287/2003 de 12.11, a referência à contribuição predial deve entender-se feita ao imposto municipal sobre imóveis (IMI), a referência à sisa deve reportar-se ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e a referência ao imposto sobre as sucessões e doações ao imposto de selo. Sempre nos créditos do Estado aqui referidos não se incluem ou constam os créditos provenientes de IRS. Pelo que, tal como a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal Administrativo vem repetidamente afirmando, (…), consequentemente, tem o questionado crédito de IRS de ser graduado depois dos créditos da Segurança Social tal como propugna a recorrente. Ou, dito de outro modo, o crédito do Estado relativo a IRS, enquanto "crédito do Estado” não se encontra abrangido pela referida alínea a) do citado artigo do Código Civil. E, como tal, não poderá ser-lhe atribuída preferência na ordem de graduação relativamente ao crédito da Segurança Social. Sendo o crédito reclamado pela Fazenda Nacional proveniente de IRS está excluído da previsão da alínea a) deste preceito legal e, consequentemente, não há fundamento legal para a sua prevalência face ao crédito relativo às contribuições da Segurança Social que beneficia de privilégio idêntico. Prosseguindo, afirma-se neste mesmo acórdão que existe jurisprudência no sentido da graduação destes créditos a par e em rateio, louvando-se esta posição no entendimento de que o referido art. 205º do CRCSPSS não estabelece uma verdadeira graduação, limitando-se a apontar a graduação legal resultante das disposições legais conjugadas dos arts 745º, nº1, 746º e 748º do Cód. Civil e caindo assim na regra do nº 2 do art. 745º. Porém, a posição mais acertada será, a nosso ver, a de que os créditos provenientes de IRS deverão ser graduados depois dos créditos da Segurança Social, tal como vem sustentado no Ac. Rel. Porto de 11.1.2024 que temos vindo a seguir. E aí, nesse sentido, escreve-se o seguinte, agora com apoio no Ac. Rel. Guimarães de 12.9.2019: “No acórdão da Relação de Guimarães de 12-09-2019, proferido no proc. 5170/17.6T8VNF-D.G1, de que foi relator António Sobrinho, disponível in www.dgsi.pt, seguiu-se a primeira das referidas interpretações, que já se adiantou acompanharmos, com a seguinte argumentação: “De facto, o citado artº 205º, sob a epígrafe que privilégio imobiliário, estatui que «Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil». Ora, em sede de interpretação legal, preceitua o artº 9º, nº 2, do CC, que não deve ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Por seu turno, o seu nº 3, estabelece que o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, na fixação do sentido e alcance da lei. Assim, ao prescrever-se no supracitado preceito do artº 205º da Lei 110/2009 que os créditos da segurança social se graduam logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil, o legislador quis realçar esse imediatismo na graduação desse crédito, fazendo-o prevalecer sobre os demais, maxime, privilégios imobiliários gerais, e não equiparando-os, em termos de eficácia gradativa, à luz do apontado artº 745º, nº 2, do CC. Nesta alegada perspectiva, nem sequer necessitava então o legislador de ter acrescentado que tais créditos da segurança social se graduam logo após os créditos referidos no artº 748º, do CC. Ao invés, não só o fez, como não se limitou a estabelecer que esses créditos se graduavam após os créditos do artº 748º. Antes, deu ênfase, com a expressão ‘logo’, que era sua intenção escalonar esse privilégio imobiliário geral em relação aos demais créditos privilegiados, afastando-o, portanto da igualdade prevista no assinalado artº 745, nº 2, do CC. De frisar que o redito artº 745º, nº 2, do CC, ao mandar dar rateio no pagamento, pressupõe que haja créditos privilegiados por igual. Mas o que aqui ocorre, como acima se tem aduzido, é que a ordem de pagamento é distinta, por força do consignado na parte final do aludido artº 205º, da Lei 110/2009. Acresce que o mencionado normativo - o do artº 205º, da Lei nº 110/2209 - reproduz, aliás, idêntico normativo já contido no artº 11º, do Dec.Lei nº 103/80, de 09.05 (por sua vez, este havia já transposto o que dispunha o artº 2º, do Dec.Lei nº 512/76, de 03.07, onde se estabelecia que "os créditos pelas contribuições do regime geral de previdência e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário, sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo graduando-se logo após os créditos referidos no art. 748º do Código Civil", o que denota a persistência do legislador em manter a letra da lei ínsita a tal previsão normativa, com o alcance e sentido acima expostos. De sublinhar ainda que o Tribunal Constitucional também já decidiu que os privilégios creditórios conferidos à Segurança Social têm fundamento constitucional, “existindo um motivo ou fundamento constitucionalmente adequado ou válido, alicerçado no artigo 63° da Lei Fundamental, para tal consagração e que, referentemente à mencionada par conditio creditorum, representa uma distinção de tratamento.” (Acórdão n.º 688/98, Proc.º nº 779/97, 2ª Secção. Relator Cons. Bravo Serra, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41°, vol., pág. 567)”. E também a Relação do Porto no acórdão de 05.05.2011, proferido no processo nº 5158/07.5.TBVL-G-BP1, relatado por Maria Amália Santos, igualmente disponível in www.dgsi.pt decidiu pela prevalência dos créditos da Segurança Social, nos seguintes termos: «Na interpretação deste preceito legal (art. 748º do CC) importa considerar, desde logo, o elemento gramatical. Assim, nas citadas alíneas, a presença da contracção “pela”, tem o significado de “com origem em” ou “provenientes de”. Ou seja, os créditos do Estado, lato sensu, e das autarquias locais, previstos na ordenação que o preceito em análise estabelece, são, pois, numa interpretação actualista, os provenientes de IMI, IMT e imposto de selo. E apenas esses, pois aí não se incluem ou constam créditos provenientes de IRS e/ou de IRC; Ou seja, todos os outros créditos do Estado são excluídos, designadamente o I.R.S., imposto que, embora criado posteriormente, com o D.L. n° 442-A/88, de 30 de Novembro, veio substituir, no fundo, anteriores impostos que incidiam sobre o rendimento das pessoas singulares, tais como o imposto profissional, o imposto complementar e a contribuição industrial (grupo C), que o citado art.° 748° do C. Civil não abrange. Além do argumento literal, (…), acrescem ainda os elementos histórico e teleológico, pois o legislador, ao instituir um “Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência”, não olvidou que “O pagamento pontual das contribuições devidas às instituições de previdência é absolutamente indispensável como fonte básica de financiamento das prestações da segurança social”, reconhecendo que “aquela pontualidade não tem sido, infelizmente, respeitada.” (cfr. Preâmbulo do D.L. nº 103/80). A filosofia que está subjacente à instituição dos privilégios a favor dos créditos da Segurança Social reside na elevação do direito à segurança social em direito constitucionalmente consagrado (art.º 63º, nº 1 da CRP) impondo ao Estado a tarefa de organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado. No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em acórdãos de 10 de Novembro de 2010, relatado por Jorge Lino, de 28/03/2007, Processo nº 0132/07, de 13/02/2008, Processo nº 01068/07, e 07/10/2009, Proc. nº 572/09, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta., e 18.1.2012, publicado no Diário da República, apêndice do dia 18 de abril de 2013 (…). Na doutrina, MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, “As garantias dos créditos fiscais. Regime e proposta de reforma”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal”, Ano V, n.º3 – Outono, Lisboa, 2013, págs. 203 e ss., p. 209 e LOPES NETO, Privilégios creditórios fiscais, Fiscalidade, 2005, pp. 73, ss p. 99.”[7] 3. Neste contexto, em consonância com as decisões jurisprudenciais vindas de citar, entendemos que no confronto aqui em causa deverá ser dada prevalência aos créditos respeitantes às contribuições para a Segurança Social. Outra solução, conforme se afirma no Ac. Rel. Porto de 11.1.2024, retiraria qualquer sentido útil ao último segmento do citado art. 205º do CRCPCSS, que manda graduar as contribuições da segurança social logo após os créditos referidos no artigo 748º do Cód. Civil, não se compaginando com o nº 3 do art. 9º do Cód. Civil a consideração de tal normativo como inócuo. * II. Apurar se, relativamente ao produto da venda das ações de “B...”, da “C...” e da “D...”, os créditos da Segurança Social devem ser graduados antes dos créditos pignoratícios, dos créditos dos trabalhadores e dos créditos do Fundo de Garantia Social (FGS) e também antes dos créditos do Estado provenientes de IRS 1. O art. 204º do CRCSPSS estabelece o seguinte: «1 - Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil. 2 - Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.» O art. 747º, nº 1, al. a) do Cód. Civil, por seu turno, estatui que «1. Os créditos com privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte: a) Os créditos por impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais; (…)». Já o art. 666º, nº 1 do Cód. Civil preceitua que «[o] penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.» Por outro lado, do art. 333º do Cód. do Trabalho resulta que os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, gozam de privilégio mobiliário geral [nº 1, al. a)], devendo estes ser graduados antes dos créditos referidos no nº 1 do art. 747º do Cód. Civil [nº 2, al. a)]. E o art. 111º do Código do IRS diz-nos que «para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro ato equivalente.» 2. Tal como se assinalou no recente e já referido Acórdão da Relação do Porto de 5.3.2024 desta mesma secção é de anotar a existência de algumas incongruências no regime estabelecido que se sintetizam do seguinte modo: - O crédito privilegiado dos trabalhadores prevalece sobre o crédito privilegiado da Segurança Social (cfr. art. 333º, nº 2, a) do Cód. do Trabalho e art. 204º, nº 1 do CRCSPSS), mas cede perante o crédito garantido por penhor (arts. 666º e 749º, nº1, do Cód. Civil); - O crédito privilegiado da Segurança Social prevalece sobre o crédito garantido por penhor (art. 204º, nº 2 do CRCSPSS); - O crédito garantido por penhor prevalece sobre os créditos dos trabalhadores e sobre os créditos do Estado por impostos (arts. 666º e 749º, nº 1 do Cód. Civil). Sucede que estas incongruências deram origem na jurisprudência a posições divergentes: i) Uma, no sentido da prevalência dos créditos da Segurança Social, sobre os créditos garantidos por penhor e privilegiados, de natureza laboral, por essa ordem; ii) Outra, no sentido da prevalência dos créditos garantidos por penhor, sobre os créditos privilegiados, de natureza laboral, e os créditos privilegiados, por contribuições à Segurança Social, por essa ordem.[8] Diversamente da sentença recorrida, sem desdouro para esta uma vez que se acha bem fundamentada, mas em sintonia com o alegado pelo recorrente, cremos que a primeira posição é a que permite atingir a solução, a nosso ver, mais acertada. Nessa linha, socorremo-nos primeiramente do Acórdão da Relação do Porto de 9.5.2019 (p. 535/18.9 T8AMT-C.P1, relator CARLOS PORTELA, disponível in www.dgsi.pt.)[9] onde se escreve o seguinte, com apoio no Acórdão da Relação de Coimbra de 11.12.2012 (p. 241/11.5 TBNLS-B.C1, relator FREITAS NETO, também disponível in www.dgsi.pt.): “Numa primeira abordagem, parece resultar do confronto destas normas que os créditos laborais deveriam ser pagos sempre à frente dos créditos da Segurança Social, atenta a prioridade do respectivo privilégio mobiliário geral que claramente decorre das expressões “antes” da alínea a) do nº 2 do art.º 377 do CT[10] e “ nos termos referidos” do nº 1 do art.º 204 do CRCSPSS. Esta preferência colidiria, porém, com a prevalência da que derivaria do penhor, dado que este cederia perante o privilégio mobiliário do crédito da Segurança Social. É que interpondo-se um crédito garantido por penhor, preferiria o crédito da Segurança Social, embora sobre este preferisse o crédito laboral, o qual, por sua vez, não prevaleceria diante daquele crédito (o garantido por penhor), conforme o art.º 749, nº 1 do CC. Há que discernir, no entanto, o que terá sido o efectivo desiderato do legislador, tendo em conta o princípio ínsito no art.º 9º, nº 3. do CC, de que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e se exprimiu o seu pensamento em termos adequados”. Com esse fim, não se deve perder de vista, desde logo, a circunstância de, já depois da publicação do actual Código do Trabalho, em 27 de Agosto de 2003, o legislador do CRCSPSS de 2009 ter conservado a precedência do privilégio mobiliário dos créditos da Segurança Social sobre o penhor anteriormente constituído. O que só pode significar que, não podendo ignorar a já falada regra geral da ineficácia dos privilégios mobiliários gerais do art.º 749, nº 1 do CC, também não podia deixar de estar ciente de que, com a hierarquização assim delineada, forçosamente situava o privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social numa situação de primazia relativamente a todos os outros créditos dotados do mesmo privilégio, incluindo os créditos mencionados no art.º 377, nºs 1, al.º a) e nº 2, al.ª a) do CT. A isto acresce ainda a importância social de que cada vez mais acentuadamente se reveste a garantia mobiliária e imobiliária dos créditos da Segurança Social e que esteve na origem das disposições dos art.ºs 204 do CRCSPSS e do art.º 10 do DL 103/80 de 9/05. Não é despiciendo o trazer aqui à colação o valor extraordinariamente decisivo que hoje assume para o Estado e para os cidadãos a sustentabilidade da segurança social, a qual, pela sua enorme repercussão social, em muito sobreleva o direito individual às retribuições fundadas no contrato de trabalho. Como a este propósito se escreveu no Ac. do STJ de 16 de Dezembro de 2009, relatado pelo Ex.mo Cons. Fernando da Costa Soares, disponível na versão on line da Col. Jur. “A segurança social é, em última análise, o último baluarte da confiança que os cidadãos depositam no Estado, de que o trabalho em que se foi desdobrando a sua vida não deixará de ser reconhecido e compensado; por isso, mesmo os próprios trabalhadores, enquanto activos, descontam para a segurança social. Aquela confiança tem pleno assento e garantia no art. 2.º da C.R.P.. Se os trabalhadores merecem toda a protecção que a lei lhes confere, não a merece menos a segurança social, ora plasmada no ISS; e, pelos altos valores sociais que este último prossegue - valores cujo correspondente direito se encontra consagrado no citado art.63.º da Constituição - é logicamente inevitável que são eles que têm de consubstanciar a cúpula, a nível dos créditos ora em questão, da protecção que o legislador lhes quer conferir”. Neste quadro, não nos repugna admitir que, ao atribuir-se aos créditos laborais com privilégio mobiliário geral a prioridade aludida no art.º 377, nº 2, al.ª a) do CT na graduação diante “dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747 do Código Civil”, não se tenha querido dizer mais do que isso mesmo, isto é, que há uma preferência quanto aos créditos ali concretamente elencados, e não quanto a quaisquer outros, nomeadamente aos que a eles são de algum modo equiparados. Ora o art.º 204, nº 1, do CRCSPSS só determina que a graduação dos créditos da Segurança Social se faça “nos termos referidos na alínea a)” do mesmo número. Por conseguinte, da conjugação deste preceito com o acima referido – o do art.º 377, nº 2, al.ª a) do CT - não se pode retirar a vontade do legislador em remeter estes créditos para uma posição subalterna face aos créditos laborais. Em consequência, podemos concluir que não há afinal verdadeira colisão entre estas normas, a obstar a que os créditos da Segurança Social, por preferirem ao crédito com penhor anterior, e por força dessa prevalência, sejam pagos antes dos créditos laborais.” Em sentido idêntico se pronuncia o Acórdão da Relação de Coimbra de 21.5.2019 (p. 4705/17.9 T8VIS-B.C1, relator BARATEIRO MARTINS, disponível in www.dgsi.pt.), onde se consignou o seguinte no respetivo sumário: “1 - O privilégio mobiliário geral, não incidindo sobre coisa certa e determinada, mas sobre o património do devedor, não é um verdadeiro direito real; mas uma mera preferência de pagamento, que assume a eficácia que lhe é própria aquando do acto da penhora, ou seja, que confere preferência no pagamento em relação aos credores comuns. 2 - O penhor é uma garantia real completa, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores. 3 – Daqui decorre que o penhor prevalece contra e em relação aos privilégios mobiliários gerais de que gozam os créditos laborais e os créditos do Estado. 4 – E também seria assim em relação ao privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos do ISS, se a lei – art. 204.º/2 do CRCSPSS – não determinasse, imperativamente, que este privilégio do ISS prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior. 5 - Perante o conflito (de disposições legais) que assim se estabelece entre o art. 333.º/2/a) do C. T. (ao dizer que os créditos laborais tem preferência sobre os créditos com idêntico privilégio do Estado), o referido art. 204.º/1 do CRCSPSS (quando diz que os créditos do ISS se graduam logo após os referidos na alínea a) do n.º 1 do 747.º do CC), a prevalência do privilégio mobiliário geral do ISS sobre qualquer penhor (estabelecida imperativamente pela lei) e a também referida prevalência do penhor sobre o privilégio mobiliário geral, a solução está em efectuar (quando concorram na mesma graduação um crédito garantido por penhor, um crédito do ISS, um crédito de Trabalhadores e um crédito do Estado, todos estes com privilégio mobiliário geral) a seguinte graduação: 1.º: O crédito do ISS; 2.º: O crédito garantido por penhor; 3.º: Os créditos laborais; e 4.º: Os créditos do Estado (…)”. Tal como se pronuncia também o Acórdão da Relação de Coimbra de 28.5.2019 (p. 3810/17.6 T8VIS-B.B1, relatora MARIA CATARINA GONÇALVES, disponível in www.dgsi.pt.), onde se cita SALVADOR DA COSTA (in “O Concurso de Credores”, Almedina, 3ª ed., pág. 312) que escreve o seguinte: “…no concurso entre o direito de crédito das instituições de segurança social garantido pelo referido privilégio mobiliário geral e o direito de crédito garantido por um direito de penhor, prevalece o primeiro”. Cita-se ainda MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS (in “Direito das Garantias”, 2013, 2º edição, Almedina, pág. 398) quando afirma: “Note-se, porém, que há um privilégio mobiliário geral que, de forma totalmente excepcional, vale contra terceiros, prevalecendo sobre qualquer penhor, mesmo que de constituição anterior: o privilégio mobiliário geral da segurança social que assegura os créditos por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora (art. 204.º n.º 2 Código Contributivo, CRCSPSS). Nessa medida, é mesmo mais forte do que um privilégio especial, pois este não prevalece sobre garantias reais anteriores”. E logo de seguida anota-se neste acórdão que o Tribunal Constitucional já foi chamado a apreciar a constitucionalidade da norma que estabelece a prevalência do privilégio da segurança social relativamente ao penhor (norma que, à data, correspondia ao art. 10º, nº 2, do Dec. Lei nº 103/80 e que corresponde actualmente ao art. 204º, nº 2, do CRCSPSS) e entendeu que não existia qualquer inconstitucionalidade (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 64/2009 e 108/2009, de 10/02/2009 e 10/03/2009, respectivamente, (disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt.), salientando-se ainda que tal solução, de precedência do crédito da Segurança Social sobre um crédito garantido por penhor, não sofre qualquer desvio quando, no caso, concorram outros créditos, designadamente créditos laborais e outros créditos da autoridade tributária, ambos beneficiários de privilégios creditórios mobiliários gerais. Prosseguindo, escreveu-se ainda o seguinte neste Acórdão da Relação de Coimbra de 28.5.2019: “Ora, à luz destes princípios, pensamos que não poderá prevalecer a solução de graduar o crédito garantido por penhor à frente dos créditos da segurança social. E tal solução não pode prevalecer porque, além de não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, contraria, aberta e frontalmente, a letra da lei (o artigo 204º, nº 2, do CRCSPSS), bem como o pensamento e vontade do legislador quando determinou, de forma expressa e sem margem para qualquer dúvida, que o privilégio dos créditos da segurança social prevalece sobre qualquer penhor. Importa notar que a prevalência do privilégio da segurança social relativamente ao penhor já constava do Dec. Lei nº 103/80 de 09/05 (cfr. artigo 10º,nº 2) e a transposição da norma em questão para a legislação actualmente em vigor evidencia o claro e firme propósito do legislador em assegurar a prevalência dos créditos por contribuições devidas à segurança social relativamente ao penhor, propósito que se insere na necessidade de assegurar a sustentabilidade da segurança social e o direito à segurança social que a todos é garantido pelo artigo 63º da Constituição da República. Pensamos, portanto, em face disso, que não poderá prevalecer a solução de graduar o crédito garantido por penhor à frente dos créditos da segurança social. Já no recente acórdão desta secção de 5.3.2024 (p. 4033/20.2 T8OAZ-B.P1, relator RUI MOREIRA, disponível in www.dgsi.pt.)[11], perante as incongruências normativas detetadas, avançou-se ainda com uma outra ordem de razões no sentido da solução adotada. Passa-se a citar: “Como se sabe, os critérios de superação de antinomias normativas são a hierarquia, a especialidade e a cronologia das regras em tensão (Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pg. 170). No caso, os diplomas em conflito têm idêntica categoria hierárquica. O que convoca a aplicação do segundo critério: o da especialidade. Como define Baptista Machado (ob. cit., pg. 95) normas especiais são aquelas que consagram uma disciplina nova ou diferente para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou relações. Segundo esta definição, a regra constante do art. 204º, nº 2 do CRCSPSS (Código Contributivo), aprovado pela lei nº 110/2009, assume a natureza de norma especial em relação às regras constantes quer do Código Civil, quer do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, na medida em que constitui uma disciplina específica e divergente relativamente às demais, visando dotar de uma inequívoca precedência o interesse de satisfação dos créditos da segurança social sobre os demais créditos do próprio Estado, de credores pignoratícios ou titulados por trabalhadores. Ou seja, estabelece uma regra específica para um determinado tipo de relação jurídica. Podendo concordar-se ou não com tal solução – algo que aqui não compete apreciar - cabe reconhecer que ela nem sequer é nova ou única, pois que o Estado sempre lança mão dos mais diversos meios para conseguir o pagamento dos seus créditos de natureza fiscal, como forma de compensar o distanciamento que tem em relação ao devedor, quando comparado com outro tipo de credores, por regra mais lestos a tentarem obter pagamento dos seus valores. Por conseguinte, também por aplicação do critério da especialidade caberá impor a aplicação da regra constante do nº 2 do art. 204º do CRCSPSS para a graduação dos créditos verificados, do que resulta a precedência do crédito da segurança social sobre os demais créditos graduados…”.[12] 3. Deste modo, na linha do que se tem vindo a expor em sintonia com as alegações do recorrente, também neste segmento se impõe a procedência do recurso interposto, de tal forma que a graduação de créditos, por referência ao produto da venda/liquidação das ações da “B..., S.A.”, “C..., S.A” e “D..., S.A” deverá ser efetuada pela seguinte forma: - Em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração da Sr.ª Administradora da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - Em segundo lugar, parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de 14.776,29€; - Em terceiro lugar, os créditos reconhecidos à “B..., S.A.”, “C..., S.A” e “D..., S.A”, consoante o caso concreto; - Em quarto lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - Em quinto lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de 4.724,67€; - Em sexto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário. * Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil): ……………………………………….. ……………………………………….. ………………………………………..
* DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo credor Instituto de Segurança Social, I.P. e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte impugnada, que se substitui por outra que gradua os créditos verificados pela seguinte forma: I. Através do produto da venda/liquidação dos imóveis apreendidos serão pagos: - Em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração da Sr.ª Administradora da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - Em segundo lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - Em terceiro lugar, parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de 14.776,29€; - Em quarto lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de 4.724,67€; - Em quinto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário; - Em último lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se necessário. II. Através do produto da venda/liquidação das ações da “B..., S.A.”, “C..., S.A” e “D..., S.A” serão pagos: - Em primeiro lugar, as custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração da Sr.ª Administradora da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente; - Em segundo lugar, parte dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de 14.776,29€; - Em terceiro lugar, os créditos reconhecidos à “B..., S.A.”, “C..., S.A” e “D..., S.A”, consoante o caso concreto; - Em quarto lugar, os créditos dos credores identificados sob os nºs 17, 19, 23, 25, 45 a 47, 50, 63, 67, 69, 79, 82 a 85, 87, 88, 91, 95, 96, 99, 108, 109, 123, 124, 126 a 131, 133 a 136, 138, 140, 141, 146, 155 a 158, 160, 171, 174, 177, 178, 188, 194 a 198, 200, 201, 205, 221 a 223, 226 e 231 a 232 e do Fundo de Garantia Salarial, de forma rateada, se necessário; - Em quinto lugar, parte dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária, relativos a IRS, no valor de 4.724,67€; - Em sexto lugar, os créditos reconhecidos como créditos comuns, onde se inclui o remanescente dos créditos garantidos e/ou privilegiados que não obtenham pagamento através da liquidação das verbas sobre as quais incide a garantia/privilégio, com rateio entre eles, se necessário. Custas a cargo da massa insolvente.
Porto, 10.7.2024 Eduardo Rodrigues Pires João Ramos Lopes Maria Eiró ________________ |