Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
391/14.6PIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA BACELAR
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INCUMPRIMENTO DE INJUNÇÃO OU REGRA DE CONDUTA
PROCESSO ABREVIADO
Nº do Documento: RP20160615391/14.6PIPRT.P1
Data do Acordão: 06/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1009, FLS.131-134)
Área Temática: .
Sumário: I - Em processo abreviado, a decisão do Ministério Público em deduzir acusação pondo termo à suspensão provisória do processo, quando questionada, deve ser avaliada (sindicada) em julgamento.
II - A não se entender assim, impedir-se-ia a sindicância da opção do Ministério Público de deduzir acusação em vez de arquivar o processo, violando grosseiramente os direitos de defesa do arguido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 391/14.6PIPRT.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
No processo abreviado n.º 391/14.6PIPRT, da Comarca do Porto – Porto – Secção de Pequena Criminalidade – J1, o Ministério Público acusou
B…, solteiro, estudante, nascido a 20 de janeiro de 1988, em Viana do Castelo, filho de C… e de D…, residente na Rua …, n.º …, em Viana do Castelo, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 69.º, n.º 1, alínea a), e 292.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

Contestou o Arguido, oferecendo o merecimento dos autos.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida em 10 de novembro de 2015 e depositada a 16 de novembro de 2015, foi decidido:
«(…) julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:
1. Condenar o arguido B…, pela prática, em 07.03.2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), o que perfaz o montante global de 360,00 € (trezentos e sessenta euros);
2. Nos termos do disposto no artº 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, condenar o arguido na proibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 3 (três) meses, ficando este obrigado a entregar a carta de condução, no prazo de dez dias a contar do trânsito desta sentença, na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial (arts. 69º, nºs 2 e 3 do Cód. Penal e 500º nº 2 do Cód. de Processo Penal), sob pena de, não o fazendo em tal prazo, cometer um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº 1, al. b) do Cód. Penal (cfr. Acordão para fixação de jurisprudência com o nº 2/2013, do STJ);
3. Condenar o arguido nas custas do processo que compreendem o mínimo de taxa de justiça, reduzida a metade face à confissão e demais encargos com o processo (arts. 344º, nº 2, al. c) e 513º, nº 1 do CPP e 3º, nº 1, 8º, nº 9 e Tabela III do RCP).»

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1) Resulta do artigo 282º, nº 3, do CPP, que “Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, O Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto”, sendo que ”o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas: a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou b) SE, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado” (nº 4).
2) O incumprimento das condições da suspensão pode ocorrer infringindo o arguido grosseira ou repetidamente as injunções e regras de conduta ou sendo condenado durante o prazo de suspensão por crime “da mesma natureza” cometido nesse período.
3) Não há revogação automática da suspensão provisória do processo, pois ela depende de uma valoração da culpa do arguido no incumprimento. O critério estabelecido é o do incumprimento das injunções e regras de conduta com culpa grosseira ou reiterada do arguido, tal como prevê o artigo 56º do CP. Verificando-se um cumprimento parcial das injunções ou regras de conduta, o Ministério Público tem o poder de rever as injunções e regras de conduta decretadas e aplicar outras regras ou prorrogar o prazo da suspensão até ao limite legalmente admissível.
4) Se o acabado de expor é aplicável às situações de incumprimento parcial das injunções, por maioria de razão, nas situações, como a dos autos, em que o arguido, embora com atraso, CUMPRE TODAS AS INJUNÇÕES, a decisão de suspensão provisória do processo não poderá ser revogada e o arguido não poderá ser submetido a julgamento, como resulta do estabelecido no artigo 282º, nº 3 do CPP.
5) É que constituindo a falta de cumprimento das injunções e regras de conduta um pressuposto de punibilidade, se não se verificar esse incumprimento, o arguido terá que ser absolvido.

SEM PRESCINDIR
6) A injunção de proibição de conduzir veículos com motor determinada na suspensão provisória do processo, cumprida pelo arguido, deve ser descontada no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, decretada na sentença condenatória proferida no mesmo processo, na sequência do prosseguimento do processo determinado pela revogação daquela suspensão.
7) Deve proceder-se ao desconto, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, da injunção equivalente cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo.
8) Deve proceder-se ao desconto, na pena de multa, de acordo com os critérios decorrentes dos artigos 48º, nº 2, e 58º, nº 3, do Código Penal, da prestação de trabalho a favor da comunidade cumprida como injunção no âmbito da suspensão provisória do processo.
9) A decisão recorrida incorre em erro de julgamento, ao condenar o recorrente, não obstante se verificarem in casu, condições de punibilidade, atento o cumprimento integral das condições fixadas no âmbito da suspensão provisória do processo.
10) A decisão recorrida faz errada aplicação de direito, designadamente e para além dos normativos citados em 8), destas conclusões, do estabelecido nos artigos 69º do Código Penal e artigos 281º e 282º do Código de processo Penal.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser proferida decisão que determine o arquivamento do processo e em consequência absolva o recorrente.
Sem prescindir
Sempre deveria a decisão recorrida ser substituída por outra que considere cumprida a sanção acessória pelo período de 3 meses pelo desconto do tempo já cumprido em sede de suspensão provisória e proceda ao desconto, na pena de multa, de acordo com os critérios decorrentes dos artigos 48º, nº 2, e 58º, nº 3, do Código Penal, da prestação de trabalho a favor da comunidade cumprida como injunção no âmbito da suspensão provisoria do processo.
ASSIM SE FAZENDO
JUSTIÇA»

O recurso foi admitido.

Na resposta que, sem conclusões, foi apresentada pelo Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, concluiu-se pela improcedência do recurso.
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Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da parcial procedência do recurso.
Para o que invoca «que a revogação da suspensão provisória do processo não decorre automaticamente do incumprimento de alguma injunção, envolvendo antes um juízo sobre a culpa ou vontade de não cumprir por parte do arguido , mas o arguido não reagiu quando foi notificado do despacho que revogou a aplicação do mecanismo de suspensão provisória do processo e ordenou o prosseguimento dos autos, bem como da acusação contra si deduzida, assim como a sua defensora, nem suscitou qualquer irregularidade.
Assim, mesmo que houvesse qualquer irregularidade, o que não se vislumbra tenha ocorrido, sempre a mesma se mostra sanada por não ter sido arguida no prazo legal, atento o disposto nos artigos 118º, n.ºs 1 e 2, e 123º, nº 1, do Código de Processo Penal
E convocando jurisprudência em conformidade, concluiu que a injunção de proibição de conduzir veículos com motor, aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser objeto de desconto na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, aplicada em sentença proferida na sequência da revogação daquela suspensão.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[1], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal.[2]

Posto isto e vistas as conclusões do recurso, esta Instância é chamada a decidir
- sobre a forma como deve ser sindicada a revogação da suspensão provisória do processo; e
- se a inibição de condução de veículos a motor fixada, a título de injunção, no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser descontada na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados imposta, a final, na sentença condenatória, caso o processo, por incumprimento de injunção de diferente natureza, venha a prosseguir para julgamento.
*
Na sentença recorrida foram considerados como provados todos os factos constantes da acusação.
Mais se provou que o Arguido, durante a noite em causa, havia ingerido cerveja e algumas bebidas brancas.
Não tem antecedentes criminais.
Frequenta curso superior de relações internacionais. É solteiro. Reside com o irmão, sendo, de momento, sustentado pelos pais.

Relativamente a factos não provados, consta da sentença que não os há, com relevância para a decisão da causa.

A convicção do Tribunal recorrido, alicerçou-se na confissão do Arguido e nas suas declarações, quanto às bebidas alcoólicas ingeridas e situação socioprofissional, familiar e económica.
Considerou-se, também, o talão emitido pelo aparelho Drager, que consta de fls. 7, e o certificado do registo criminal de fls. 108.
*
Conhecendo.
i) Da decisão de revogação da suspensão provisória do processo
A suspensão provisória do processo, face ao disposto nos artigos 281.º e 282.º do Código de Processo Penal, «É uma solução processual, imbuída do espírito dos sistemas de oportunidade, para crimes de reduzida gravidade, em que o Ministério Público, com o acordo do arguido e do assistente e com a homologação do juiz, suspende provisoriamente a tramitação do processo penal e determina a sujeição do arguido a regras de comportamento ou injunções durante um determinado período de tempo. Se tais injunções forem cumpridas pelo arguido, o processo é arquivado; se não forem cumpridas, o Ministério Público revoga a suspensão, isto é, deduz acusação e o processo penal prossegue os seus ulteriores termos.»[3]

Interessa-nos a revogação da suspensão provisória do processo, a que se reporta o n.º 4 do artigo 282.º referido.
A opção pela dedução da acusação em vez do arquivamento compete ao Ministério Público e ocorre quando o arguido não cumpre – total ou parcialmente – as injunções e regras de conduta, ou quando, durante o período da suspensão do processo, o arguido comete crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.
Interessa-nos a primeira das situações acabadas de mencionar.
E é pacífico o entendimento de que a revogação da suspensão do processo não decorre automaticamente de qualquer incumprimento – muito menos quando esse incumprimento é parcial –, envolvendo antes um juízo de culpa ou vontade de não cumprir por parte do arguido.

O incumprimento das injunções ou regras de conduta pode conduzir à revogação da suspensão provisória do processo, à revisão das injunções ou regras decretadas – optando-se pela imposição de outras –, ou à prorrogação do prazo do prazo das anteriores até ao limite que a lei consente.
Nestas duas últimas hipóteses, terá que haver o acordo prévio do arguido, do assistente e do Juiz.

A opção pela dedução da acusação cabe exclusivamente ao Ministério Público.
Interessa-nos, agora, a forma de sindicar tal decisão.
Ao Juiz de julgamento, quando recebe a acusação, não compete avaliar as razões da opção do Ministério Público – cfr. artigo 311.º do Código de Processo Penal.
Por assim ser, só o arguido se pode opor à sobredita opção do Ministério Público, requerendo a instrução, depois de notificado da acusação, com o propósito de, nessa fase processual, demonstrar que não deixou de cumprir as obrigações ou injunções que lhe foram impostas, ou que, tendo havido incumprimento, ele não ocorreu por culpa sua.
O despacho de não pronúncia depende desta demonstração.
E se o arguido não reagir, perante a acusação contra si dirigido, não resta senão concluir que aceita o incumprimento culposo das obrigações que lhe foram impostas no âmbito da suspensão do processo, que aceita ser submetido a julgamento e que deve ser julgado.
Esta é a tramitação adequada na forma de processo comum.

Os presentes autos correm na forma abreviada.
A instrução é fase processual não consentida nas formas de processo especiais – processo sumário, processo abreviado e processo sumaríssimo –, conforme decorre do disposto no n.º 3 do artigo 286.º do Código de Processo Penal.
É ainda opção legislativa expressa que o processo mantenha a forma abreviada no caso de revogação da suspensão provisória do processo – n.º 4 do artigo 384.º do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no n.º 2 do artigo 391.º-B do mesmo diploma legal.
E ao Juiz do julgamento, aquando do recebimento da acusação, também não compete avaliar as razões da opção do Ministério Público em deduzir acusação – valendo o disposto no artigo 311.º do Código de Processo Penal, por remissão do n.º 1 do artigo 391.º-C do mesmo diploma legal.
Assim sendo, a bondade da decisão do Ministério Público em deduzir acusação, pondo termo à suspensão provisória do processo, quando questionada, deve ser avaliada em julgamento.
A não se entender assim, impede-se a sindicância da opção do Ministério Púbico de deduzir acusação em vez arquivar o processo, violando grosseiramente o direito de defesa do Arguido, sendo que, no limite, se aceita, em simultâneo, o cumprimento de todos os deveres impostos no processo suspenso e a condenação nesse mesmo processo, que se considerou – incorretamente – não dever ser arquivado.

De regresso ao processo, constata-se que o Arguido “contestou” a decisão do Ministério Público de revogar a suspensão provisória do processo, após dela ter sido notificado, em carta que dirigiu a quem a tomou, que consta de fls. 76 e que não foi objeto de qualquer decisão.
Discordância que Arguido manteve, no decurso da audiência de julgamento.
E que não abandonou em sede recursória.

A sentença proferida nos autos não se decidiu esta questão.
A incompletude da decisão, por referência aos deveres de pronúncia, constitui omissão de pronúncia e acarreta a nulidade da sentença – artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, e artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal.
Nulidade que se declara.

Há, agora, que extrair consequências do afirmado.
E fazendo-o, ao abrigo do disposto no artigo 122.º do Código de Processo Penal, consideramos inválida a sentença e todos os atos a ela subsequentes.

Resta referir que não pode esta Relação substituir-se ao Tribunal recorrido e suprir a nulidade, pois, dessa forma, suprimir-se-ia o único grau de recurso ao dispor do Arguido, violando-se a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição.
Daí que o suprimento da nulidade, com a reformulação da sentença, deve ser levada a cabo pelo Tribunal que a elaborou.

Por último, deixa-se consignado que a decisão sobre a nulidade, com a sua procedência, afeta a apreciação das restantes questões suscitadas no recurso, razão pela qual se torna inútil prosseguir no seu conhecimento.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se julgar inválida a sentença proferida nos autos e todos os atos a ela subsequentes, devendo proferir-se nova sentença na 1.ª Instância, que contenha decisão fundamentada quanto ao acerto do despacho de Ministério Público de revogar a suspensão provisória do processo.

Sem tributação.
*
Porto, 2016 junho 15
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Ana Bacelar
Nuno Ribeiro Coelho
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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] Cláudia Matias, in “A suspensão provisória do processo: o regime legal presente e perspectivado “ – Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 2014.