Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
153/18.1JAPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: LOCALIZAÇÃO CELULAR
SUSPEITO
IDENTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP20180926153/18.1JAPRT-A.P1
Data do Acordão: 09/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º771, FLS.296-301)
Área Temática: .
Sumário: Deve ser autorizado o pedido de localização celular, se existindo um suspeito do crime já determinado, este ainda não estar concretamente identificado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 153/18.1JAPRT-A.P1

Tribunal da Relação do Porto
(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:
Inconformado com o despacho proferido em 19/02/2018 no qual se decidiu indeferir a promoção do Ministério Público no sentido de solicitar às operadoras “B…”, “C…” e “D…” os eventos referentes a várias “BTS” num determinado período de tempo, dele veio o mesmo recorrer nos termos constantes de fls. 2 a 16 destes autos, aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

1. Os dados pretendidos pelo recorrente representam uma interferência mínima na esfera de privacidade dos cidadãos.

2. Os factos sob investigação são graves e revelam o grau de desprezo que o assaltante sente pela segurança e vida das pessoas intervenientes nos factos, designadamente, a funcionária bancária em causa.

3. Compaginando a prática destes graves factos com a interferência mínima na privacidade dos cidadãos anónimos visados, esta (a privacidade) tem de ceder perante a possibilidade conferida pela promoção indeferida de se chegar à identificação do assaltante.

4. O deferimento da promoção acima referida sempre respeitará os princípios da adequação e proporcionalidade que a esta matéria cabem.

5. À semelhança das interceções telefónicas não uteis para a descoberta da verdade material, também os dados pretendidos, quer exista um suspeito prévio, quer a sua identidade não seja conhecida, sempre seriam, eventualmente, destruídos.

6. Assim se assegura, num caso e noutro, que a privacidade de cidadãos anónimos sofresse um constrangimento mínimo e muito limitado no tempo.
7. Não se pretende utilizar, para o prosseguimento das investigações, todos os dados relativos a todos os acionamentos de antenas no local dos factos, nem os que dizem respeito a todos os cidadãos que se encontravam nos locais de ação do assaltante no período compreendido entre as 13:30 horas e as 14:30 horas do dia 15 de janeiro de 2018.

8. O assaltante teve uma conduta particular, exclusiva, privativa do próprio, que mais nenhum cidadão adotou ou poderia adotar.

9. O percurso de entrada no local dos factos efetuado pelo assaltante, o tempo presumível de permanência deste no interior da agência bancária (que excluirá qualquer cidadão anónimo que entrou e saiu do local em momentos diferentes), o percurso de saída deste local, permitem, com recurso aos dados resultantes do deferimento da promoção em causa nos autos, individualizar o terminal telefónico que tenham sido exclusivamente utilizados pelo assaltante.

10. O que poderá levar à sua identificação.

11. São extremamente escassos os elementos disponíveis para seguir uma linha de investigação que leve à identificação do autor dos factos em causa no processo.

12. Exceto o recurso à diligência promovida, mais nenhuma se vislumbra que permita atingir aquele desiderato, estando toda a investigação dela dependente.

13. A diligência promovida reveste-se de todos os pressupostos formais legais, não contende com os princípios da adequação e proporcionalidade e resulta indispensável para a descoberta da verdade material.

14. A decisão do Meritíssimo JIC a quo viola o disposto nos artigos 187°, 189° e 269°, n.° 1, e) do Código de Processo Penal e artigos 3º, n.° 2, 9° e 11º, n.° 1 da Lei n.° 32/2008 de 17/07.

15. Pelo que, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a solicitação às operadoras B…, C… e D… a identificação dos eventos de rede referentes às BTS supra indicadas no período compreendido entre as 13:30 horas e as 14:30 horas do dia 15 de janeiro de 2018.

O recurso foi regularmente admitido e, depois, tabelarmente sustentado (cfr. fls. 17 e 55).

Não há respostas (atenta a fase processual e a natureza do despacho recorrido não existem recorridos).

Já neste tribunal, o Ex.mo PGA apôs um visto nos autos.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.

II – FUNDAMENTAÇÃO:

a) a decisão recorrida:

No que ora importa destacar, o despacho recorrido é do teor seguinte (transcrição):

“O Ministério Público promove, “nos termos do disposto nos artigos 187.º, nº1, a), e 189.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, (…) que se solicite às operadoras B…, C… e D… os eventos de rede referentes às BTS infra indicadas no período compreendido entre as 13:30 horas e as 14:30 horas do dia 15 de janeiro de 2018”.
Nos termos do disposto pelo art. 189.º, nº2, do Código de Processo Penal (norma que nos parece diretamente aplicável à situação dos autos, estando em causa registos relativos à utilização de telemóveis), a obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou registo da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas pelo juiz, quanto a crimes previstos no art. 187.º, nº1, do Código de Processo Penal, se houver razões para crer que a diligência é indispensável à descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma impossível ou muito difícil de obter e só pode ser autorizada, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, entre outros, relativamente a suspeito ou arguido.
No caso, atenta a factualidade descrita nos autos, está indiciada a prática por indivíduo(s) desconhecido(s) de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, nº2, al. f), ambos do Código Penal.
Como resulta do exposto, a obtenção de dados sobre a localização celular e registo de chamadas está dependente da verificação dos pressupostos referidos pelo art. 187.º do Código de Processo Penal quanto às escutas telefónicas, porque, como elas, conflitua com direitos e valores fundamentais como o direito à privacidade, o direito ao sigilo e à inviolabilidade das telecomunicações.
Assim, a lei exige que existam razões suficientemente fortes e objetivas de que os dados se revelam de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova. Relevância a apreciar segundo os critérios da necessidade, adequação e proporcionalidade, atento o caráter excecional e subsidiário de tal meio de prova, por constituírem uma ingerência na vida privada e nos meios de comunicação privada.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/5/13, publicado em www.dgsi.pt. «daqui ressalta, que não basta uma convicção subjetiva e porventura infundada, do juiz, acerca da grande relevância da diligência, antes se exige uma convicção baseada em "razões" que não podem deixar de ser objetivas, consistentes e compreensíveis pelo cidadão médio.
O que o juiz tem que fazer é um juízo acerca das probabilidades da eficácia da diligência e autorizar a sua realização apenas quando essa probabilidade se mostrar muito elevada pois que quando assim não for não se justifica a intromissão na vida privada e familiar que as escutas telefónicas sempre acarretam. Mas esse juízo tem que assentar em elementos concretos e consistentes, que já devem constar do processo quando a questão é submetida a apreciação judicial».
Ou, como defende Costa Andrade (in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, pág. 290), é de exigir "uma forma relativamente qualificada da suspeita da prática do crime" e, se não é de reclamar "o limiar dos fortes indícios da prática do crime (de que o artigo 202° faz depender a prisão preventiva)" já não serão suficientes "as meras suposições ou boatos infundados", pois que a suspeita tem de "atingir um determinado nível de concretização a partir de dados do acontecer exterior ou da vida psíquica".
E exige-se também que estejamos perante um crime de catálogo, isto é, um dos elencados no nº1 do art. 187º do Código de Processo Penal.
Por último, limita a lei as escutas ou a obtenção de dados sobre a localização celular e registo de conversações a um universo determinado de pessoas ou ligações telefónicas, exigindo o nº 4 do artigo 187º do Código de Processo Penal que este meio de obtenção de prova seja dirigido contra: a) suspeito ou arguido; b) pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou c) vítima de crime, mediante o respetivo consentimento, efetivo ou presumido.
No caso, investiga-se crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, e daí constar do elenco de crimes a que alude o artigo 187º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal.
Porém, e conforme dispõe o nº 4 deste preceito, a interceção e a gravação de comunicações telefónicas, cujo regime se aplica por força da remissão contida no artigo 189, nº2 do mesmo diploma (remissão idêntica sendo feita pelo art. 18º, nº4, da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro) aos dados sobre a localização celular ou aos registos de realização de conversações ou comunicações, só pode ser autorizada contra suspeitos ou arguidos.
A definição de suspeito consta do artigo 1º, al. e), do Código de Processo Penal, assumindo-se como tal “toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar”.
Por seu lado, sobre a qualidade de arguido, dispõe o artigo 57.º do Código de Processo Penal, dizendo-se aí que “assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal”.
Ora, no caso dos autos, a diligência pretendida não visa suspeito(s) ou arguido(s), ao invés, a ser deferido o requerido, qualquer cidadão que se encontre na área de abrangência daquelas células e que tenha sido interveniente numa comunicação telefónica por telemóvel (ou evento de rede) veria o registo da localização do seu número de telemóvel revelado neste processo, e veria ainda revelado no processo o registo das chamadas em que foi interveniente.
Na verdade, os dados que viessem a ser trazidos ao processo respeitariam certamente a um número indiscriminado de utilizadores, cujo único elo com os factos em investigação respeita ao facto de residirem ou terem estado ocasionalmente àquela hora na área de abrangência pelas células referidas, efetuando ou recebendo comunicações telefónicas (ou tendo participado em evento de rede).
Não cremos que todos esses cidadãos em número indiscriminado sejam suscetíveis de se qualificarem como "suspeitos" neste processo.
Neste sentido vejam-se, a título de exemplo de Jurisprudência que cremos dominante, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 11/02/2015 e do Tribunal da Relação de Évora de 26/06/12, publicados em www.dgsi.pt, que decidiram no sentido de a obtenção de dados de localização celular e de registos de realização de conversações ou comunicações não dever ser autorizada quando reportada a um número de pessoas incertas.
Também Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal”, págs. 509 e 510), defende este entendimento ao afirmar que "a existência de um catálogo de alvos obsta à determinação de escutas telefónicas em processo contra incertos. O legislador pretendeu que a autorização judicial tivesse por referência as conversações mantidas por pessoas concretas, ainda que não seja conhecida a sua identidade civil. São, portanto, inadmissíveis as escutas determinadas a grupos de pessoas cujo único traço comum é o de ocuparem habitualmente ou esporadicamente um determinado espaço físico" (sublinhado nosso).
O que se evidencia é pretender-se a identificação do(s) suspeito(s) através dos registos de eventos de rede, quando a lei prevê precisamente o oposto, que exista já um suspeito para que os dados possam ser recolhidos.
Face ao exposto, por não se verificarem os requisitos dos nºs 1 e 4 do artigo 187.° do Código de Processo Penal, aplicáveis por força do disposto pelo art. 189º, nº2 do mesmo diploma legal, indefiro o promovido”.
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b) apreciação do mérito:

Antes de mais, convirá recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, devendo sublinhar-se também que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente.
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Neste contexto, e em face daquilo que se apreende das efetivas conclusões trazidas à discussão pelo Ministério Público, ora recorrente, importa saber se estão verificados os necessários requisitos ou pressupostos para que seja deferida a sua promoção no sentido de que sejam solicitados às operadoras “B…”, “C…” e “D…” os eventos referentes a várias “BTS” no indicado período de tempo.

Vejamos, pois.

O Ministério Público, ora recorrente, discorda do despacho recorrido por entender que os dados pretendidos representam uma interferência mínima na esfera dos cidadãos cujos aparelhos forem eventualmente detetados pelas antenas em causa, já que o único registo solicitado é o mero funcionamento do terminal, os factos são graves e podem ser repetidos noutros locais e os próprios cidadãos que estiveram próximo do assaltante, se lhes fosse dada essa oportunidade, seriam os primeiros a prescindir da sua partícula de reserva privada, pelo que o deferimento da promoção respeitaria os princípios da adequação e da proporcionalidade, à semelhança das interceções telefónicas não úteis para a descoberta da verdade material, também os dados relativos a cidadãos anónimos seriam sempre eventualmente destruídos, no caso existe já um suspeito que não está identificado, mas é identificável, o assaltante teve uma conduta particular, exclusiva, privativa do próprio que mais nenhum cidadão adotou ou poderia adotar, o que reduz o universo das pessoas visadas e, finalmente, não se vislumbra que outra diligência possa permitir atingir o desiderato aqui em apreço, ou seja, a identificação do assaltante, estando toda a investigação dependente da diligência requerida.

O Ex.mo PGA apôs um visto nos autos.

Apreciando.

Em jeito de introito sublinharemos que a matéria aqui em apreço tem a montante uma clara matriz constitucional enformadora desta temática e que respeita à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias, os quais englobam o direito à reserva da vida privada e familiar e a inviolabilidade dos meios de comunicação, sendo certo que nos casos em que são possíveis restrições a tais direitos fundamentais, as mesmas só poderão ocorrer na medida necessária para acautelar outros interesses constitucionalmente relevantes, conforme decorre, conjugadamente, dos artigos 18º, nº 2, 26º, 32º e 34º, todos da Constituição da República Portuguesa.
Significa isto que a abordagem desta temática requer uma especial sensibilidade e uma acrescida exigência.
Disso cientes, cremos que existe clara sintonia nos autos relativamente ao facto de estarem aqui em investigação factos que integram a previsão do crime de roubo qualificado, na previsão dos artigos 210º, nºs. 1 e 2, al. b) e 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, ou seja, um dos denominados crimes de catálogo a que alude o artigo 187º, nºs. 1, al. a) e 2, al. a), com referência ao artigo 1º, al. l), todos do Código de Processo Penal, que tais factos terão sido indiciariamente perpetrados por um indivíduo que entrou na dependência bancária em questão e foi filmado pelo sistema de videovigilância ali instalado, além que o mesmo dirigiu-se à funcionária do caixa a quem terá dito que a mesma tinha trinta segundos para esvaziar a gaveta, altura em que ela terá visto na bolsa que aquele trazia e colocara em cima do balcão o cano de uma arma, na sequência do que, e temendo pela sua vida, a mesma lhe terá entregue dois maços de notas que rondarão os dez mil euros, após o que se ausentou do local a correr (a sua descrição consta de fls. 29).
Indiscutível, e por isso, também pacífico, é o facto de ser consabido que a interceção e a gravação previstas no artigo 187º do Código de Processo Penal só poderem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, e no que aqui importa, contra, suspeito ou arguido (cfr. al. a), do nº 4 do citado normativo), sendo certo que, e para além da definição que consta desta última alínea citada relativamente ao intermediário, a lei adjetiva penal considera suspeito “toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar” (cfr. al. e) do artigo 1º da referida codificação).
No caso, convém reter ainda que estipula o nº 2 do artigo 189º do Código de Processo Penal que “A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo”.
Também quanto a estes conceitos cremos que se mantém total sintonia nos autos, radicando a dissidência, na prática, apenas numa diversificada interpretação da real abrangência da alínea a), do nº 4, do mencionado artigo 187º do Código de Processo Penal[2].

Ora bem.

A referida questão tem sido alvo de tratamento no seio da jurisprudência, a qual, maioritariamente, nos remete para a solução vertida no despacho recorrido e que, de resto, cita dois arestos a título meramente exemplificativo.
Deste sentir jurisprudencial decorre que inexistindo suspeito ou arguido não poderá “monitorizar-se” um número indeterminado de suspeitos, o que significa que, tal como é referido no despacho recorrido, não pode pretender-se a identificação do suspeito através dos registos de eventos de rede, quando a lei prevê precisamente o oposto, isto é, que exista já um suspeito para que os dados possam ser recolhidos.
Concorda-se inteiramente com esta ilação, a qual, de resto, foi já igualmente sustentada em acórdão proferido pela aqui Adjunta no âmbito do processo nº 3454/17.2JAPRT-A.P1 proferido em 11/04/2018, inédito.
Porém, ali se alertava já que “… a doutrina e jurisprudência têm sustentado o entendimento de que não será necessário conhecer os dados de identificação civil da pessoa visada mas terá, pelo menos, que ser uma pessoa concreta, passível de individualização. Quer dizer, não se exigindo a determinação da pessoa impõe-se que seja determinável”[3]
Daqui decorre que uma coisa é um processo correr termos contra incertos e coisa diversa é o mesmo conter já algum suspeito ou suspeitos que carecem apenas de ser identificados.
É certo que a diligência que se pretende vai abranger outras pessoas que pudessem estar presentes nas imediações, mas a mesma não é direcionada para essas pessoas, mas apenas para o suspeito já existente, cuja conduta é circunscrita a uma específica hora e local e, ademais, correlacionada com o seu indiciado e específico comportamento, o que, logicamente, vai conduzir ao natural afastamento de quem assuma condutas perfeitamente distintas, já que inseridas numa normalidade vivencial que as destrinça, ao que acresce o facto de não estar aqui em causa a determinação dos suspeitos do crime, mas apenas qual o número de telefone e IMEI do suspeito já determinado, mas ainda não concretamente identificado.
E aqui, e tal como anotava o recorrente, é bom relembrar que as informações recolhidas que nos afastem do referenciado suspeito deverão ser eliminadas, tal como sucede com a não transcrição de escutas que nenhum interesse revelem para a descoberta da verdade, ou porque os visados nada tenham que ver com a matéria em investigação, ou porque, mesmo no casos de os visados serem suspeitos ou até já arguidos, respeitam a assuntos das suas vidas privadas em nada interferentes ou relacionados com o objeto da investigação. Sem esquecer, obviamente, como também alega o recorrente, que em boa parte das escutas apenas se conhece um número de telefone e/ou a alcunha de alguém alegadamente suspeito da prática de um crime e tal não obsta a que se proceda à interceção de comunicações, devendo relembrar-se ainda que nesta não é apenas escutado o visado, mas todas as pessoas para quem o mesmo telefone ou as que também lhe telefonem, logo, um conjunto indeterminado de possíveis sujeitos sem uma qualquer relação com o suposto crime.
Assim sendo, e dado o completo paralelismo, limitar-nos-emos a aderir a um recente acórdão proferido neste tribunal[4], no qual se sustentou que “Esta diligência de prova não é lícita apenas para verificar a localização celular ou a realização de comunicações telefónicas por suspeitos cujo número de telemóvel e/ou IMEI se encontra já determinado. Ela também pode ser realizada para apurar o número de telefone e/ou IMEI de suspeitos já determinados mas cuja identificação completa ainda não é conhecida. O que releva para o efeito da verificação do requisito do artigo 187º nº 4 al. a) é que o meio de prova vise diretamente a obtenção de dados sobre a pessoa suspeita e não sobre um conjunto de pessoas
indeterminadas. No caso em apreço é evidente que a investigação não está direcionada para todas as pessoas que estiveram no local à hora do rebentamento da caixa ATM, mas sim para aqueles quatro ou cinco indivíduos já determinados e suspeitos do crime”.
Aqui chegados, e porque o despacho recorrido não foca sequer a questão da verificação dos demais pressupostos aqui em apreço, mormente a gravidade do crime e a adequação e proporcionalidade da diligência requerida, mas porque o recorrente os aborda, anotaremos apenas que tais aspetos de ordem formal estão também aqui perfeitamente verificados, não se vislumbrando que outras diligências poderiam ser encetadas nesta altura para que a investigação pudesse prosseguir, razões pelas quais, e no seio da sobredita “densificação” do conceito de suspeito com a apontada amplitude, resta concluir pela procedência do recurso, o que implicará a inerente revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que autorize a diligência ou diligências promovidas pelo Ministério Público, que, logicamente, deverão ser levadas a cabo em primeira instância.
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Para além do êxito recurso, o recorrente está isento de custas (cfr. artigo 522º, nº 1, do Código de Processo Penal).
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III – DISPOSITIVO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes desta Relação acordam em conceder provimento ao recurso pelo Ministério Publico e, por consequência, decidem revogar o despacho recorrido e determinar a sua substituição por outro que autorize a diligência ou diligências promovidas pelo Ministério Público, tudo nos moldes sobreditos.
Sem tributação.
Notifique.
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Porto, 26/09/2018[5].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
________
[1] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Cremos igualmente evidente que estão aqui presentes os conceitos e requisitos a que alude a Lei nº 32/08, de 17/07, mormente o descrito nos seus artigos 2º a 4º e 9º, aqui tidos como reproduzidos, pelo que existe consenso quanto à autoridade aqui interferente, aos denominados crimes de catálogo e respectivos pressupostos legitimadores de uma tal actuação.
[3] Citavam-se ali nesse sentido os Acórdãos do TRP de 11/2/2015, Proc. n.º 2063/14.2JAPRT-A.P1, do TRL de 22/6/2016 e 3/5/2016, Procs. 48/16.3PBLSB-A.L1-9 e 75/16.4PFCSC-A.L1-5, do TRC de 10/1/2018, Proc. 388/17.4JACBR-A.C1 e do TRE de 30/9/10, Proc. n.º 49/10.5JAFAR-A.E1, todos disponíveis in dgsi.pt.
[4] Trata-se do acórdão datado de 11/04/2018, relatado por Manuel Soares nesta mesma secção criminal, que cremos inédito (não foi localizado na base da dgsi), no seio do qual é referenciada jurisprudência de sentido inverso, mas do que se apreende respeita a situações em que não havia ainda concretos suspeitos, tal como sucedia, relembre-se, com o supra citado acórdão relatado pela aqui Adjunta, o que nos afasta do caso vertente em que existe já um claro suspeito que importa apenas identificar.
[5] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico, convertido pelo Lince, composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).