Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
626/23.4T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: GERMANA FERREIRA LOPES
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO NO ÂMBITO DO "PROCESSO ADMINISTRATIVO" ORGANIZADO NOS SERVIÇOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Nº do Documento: RP20240219626/23.4T8OAZ.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – A prescrição só pode interromper-se pelos meios que a lei autoriza como tais, uma vez que, estando regulada por normas de ordem pública, não se admitem modificações operadas pelos particulares.
II – Nos termos do artigo 323.º do Código Civil, para que a prescrição se tenha por interrompida, é necessário que o credor manifeste judicialmente ao devedor a intenção de exigir a satisfação do seu crédito e que este, por esse meio, tenha conhecimento daquele exercício ou daquela intenção.
III – Do sobredito normativo decorre inequivocamente que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição, sendo necessária a prática de atos judiciais que, direta ou indiretamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão.
IV – A notificação do devedor e a tentativa de conciliação no âmbito do “processo administrativo” organizado nos serviços do Ministério Público não constitui notificação judicial nem ato judicial para efeitos de interrupção do prazo prescricional em curso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação/Processo nº 626/23.4T8OAZ.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis

4ª Secção
Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Teresa Sá Lopes
2ºAdjunto: António Luís Carvalhão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
Em 14-02-2023 deu entrada em tribunal a petição inicial constante da refª citius 14158920 (44726632), sendo que no formulário citius, assinado por Ilustre Mandatário, constava:
- No item “Caraterização”: “Finalidade”: “Iniciar Novo Processo”; “Tribunal Competente”: “Oliveira de Azeméis-Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro”; “Forma de Processo/Classificação”: “Acção de Processo Comum Laboral”; “Espécie”: “Acção de Processo Comum”; “Objecto de Acção”: “Outro ou n.e (após cessação do contrato de trabalho) (Trabalho);
- No item “Autor”: “Nome/Designação: AA”; “Morada: Rua ..., ..., 2º Andar”; “Código Postal: ... São João da Madeira”
- No item “Falecido”: “Nome designação: BB”; “Morada: Av. ... R/C Esq.”; “Código Postal: ... São João da Madeira”
Por sua vez, no articulado de petição inicial junto em anexo ao sobredito formulário constava o seguinte:
CC, casada, desempregada, residente em Rua ..., ..., 2º Andar ... São João da Madeira, com o título de residência ... e NIF ... vem intentar
AÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, contra Herança Ilíquida e Indivisa de BB, CC ... e NIF ..., com residência em Av. ..., ... R/C Esq., ... em São João da Madeira.”
No articulado de petição inicial foi formulado o seguinte pedido:
Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência, ser a Ré, condenada a pagar à Autora, a quantia de 19.628,21 (dezanove mil, seiscentos e vinte e oito euros e vinte e um cêntimos), a título de créditos laborais devidos, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.
Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 750,00 acrescida de juros legais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, a título de danos não patrimoniais.”
Em resumo, foi alegado no articulado de petição inicial o seguinte: Autora e BB (falecida, entretanto, em 26-09-2022) celebraram um contrato de trabalho, sendo que a Ré (falecida) rescindiu, verbalmente tal contrato de trabalho com a Autora, com efeitos a partir de 31-01-2022; por força do contrato de trabalho existente e relativamente a um período normal de trabalho de segunda a sexta-feira, das 19 horas às 9 horas, com uma remuneração base mensal atual a janeiro de 2022 de € 705,00; após participação da Autora em 24-05-2022 no processo administrativo com o n.º 243/22.6T9OAZ, que correu termos na Procuradoria do Juízo de Trabalho de Oliveira de Azeméis, Ré e Autora, chegaram a acordo sobre créditos referentes à rescisão contratual no montante de € 2.359,80, referente a dias de férias gozadas e não pagas, subsídio de férias do ano de 2022, proporcionais de férias, subsídio e Natal do ano de cessação e a compensação por cessação do contrato (remetendo para o doc. 2 que refere juntar e dar como reproduzido); porém, a Autora entende que também lhe são devidas as quantias referentes ao trabalho noturno efetivamente realizado, assim como a trabalho suplementar realizado desde o início do contrato em dias úteis semanais e em dias feriados, trabalho realizado durante a execução do contrato de trabalho entre setembro de 2018 e janeiro de 2022; no artigo 14º da p.i discriminam-se os dias feriados em que por determinação prévia e expressa da Ré ou com o seu conhecimento e sem oposição a Autora terá prestado trabalho extraordinário para a mesma (prestação de serviços domésticos), sem gozo de descanso compensatório e/ou complementar, concluindo-se no artigo 15º da p.i. que são devidos à Autora os montantes de € 3.080,56 referentes a dias feriados não pagos e sem o gozo de descanso compensatório e/ou complementar; no artigo 16.º refere-se que a Autora terá prestado ainda trabalho suplementar em dias úteis no horário compreendido entre as 19 horas e as 9 horas do outro dia, indicando-se em relação a cada mês o número total de horas e concluindo-se no artigo 17º da p.i que a Autora tem direito a receber a quantia total de € 10.764,15 a título de trabalho suplementar em dias úteis durante os anos de 2018 a 2022; durante toda a execução do contrato, nos anos de 2018 a 2022, a Autora efetuou o seu horário de trabalho em período noturno, a que corresponde o trabalho efetuado entre as 22 horas e as 7 horas do outro dia, numa média de 8 horas por dia e 40 horas por semana, o que perfaz o valor total de € 5783,50; os créditos da Autora, emergentes do contrato do trabalho e da sua cessação, somam a quantia global de € 19.6298,21; a lesão da dignidade do trabalhador constitui um dano não patrimonial objetivo que se reveste de gravidade evidente e deve ser compensado; a prática de ato discriminatório lesivo do trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo que a Autora reclama ainda a título de danos não patrimoniais a quantia de € 750,00; BB faleceu no dia 26-09-2022, sendo já celebrado a habilitação de herdeiros em 4-11-2022 na Conservatória de Vale de Cambra com o registo nº ... (remetendo para o doc. 3 que junta); sendo, assim, os herdeiros responsáveis em representação da herança da falecida relativamente ao passivo e ativo; a Autora não consegue obter, por não lhe ser dada a informação pela AT, no que respeita à identificação da cabeça-de-casal e representante da herança indivisa; também só recentemente teve acesso ao despacho final de atribuição de apoio judiciário, o que só permitiu agora vir intentar a presente ação.
Na petição inicial é ainda invocado no artigo 4º o disposto no artigo 337.º, n.º 1, do Código de Trabalho, argumentando-se no artigo 5º que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial avulsa de qualquer ato que exprime, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente, e concluindo-se no artigo 6º que a citação prévia da Ré constitui, no caso sub iudice, forma de interromper o prazo de prescrição de uma ano, que aí se refere arguir, e que a ação está em tempo.

No final desse articulado foi requerida a citação “do/a cabeça-de-casal em representação da herança indivisa, para comparecer na audiência de partes, nos termos do art.º 54.º, n.º 2, 3 e 4 do CPT, seguindo-se a ulterior tramitação legal”.
Mais foi requerido que fosse oficiado ao serviço de finanças de S. João da Madeira para indicar o nome e residência do/a cabeça de casal em representação da herança.
Com esse mesmo formulário, foi junto em anexo comprovativo de uma notificação datada de 13-01-2023, dirigida pela Segurança Social a CC a dar conta da decisão de deferimento à Requerente CC do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, destinado a propor ação de processo comum.
Foi junta ainda em anexo ao formulário em referência procuração forense datada de 4 de junho de 2022, outorgada por CC ao Ilustre Mandatário subscritor da petição inicial.

Foi aberta conclusão em 16-02-2023 com a informação de que “o Autor e a Ré (falecida) identificados na árvore de intervenientes do Habilus não coincidem com as partes identificadas no formulário da petição inicial, bem como o deferimento do apoio judiciário”.
Nessa mesma data foi proferido o despacho com a refª citius 125980710 com o seguinte teor:
Não existe correspondência entre a pessoa indicada como autor no formulário e no texto da petição inicial e na decisão de apoio judiciário, pelo que se determina a notificação do autor para, em 10 dias, promover as correções pertinentes”.

Nessa sequência, foi apresentado em 17-02-2023 o requerimento refª citius 14179063 (44764981), subscrito pelo Ilustre Mandatário constituído, nos termos do qual se referiu que o nome da Autora é CC e a Ré é a herança indivisa da falecida BB, requerendo sejam alterados nesses termos no sistema informático as informações referentes aos referidos intervenientes (Autora e Ré).

Com data de 23-02-2023, foi proferido o despacho refª citius 126073485 com o seguinte teor:
Proceda à correção do nome do autor.
Para a identificação correta do réu, oficie à repartição de finanças da localidade da residência da falecida para que remeta aos presentes autos cópia das declarações prestadas para efeitos de liquidação do imposto de selo, de onde conste a identificação dos herdeiros e do cabeça-de-casal e respetivas moradas.
Nos termos dos artigos 54.º, n.º 2, e 154.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, designo para audiência de partes o dia 27 de março de 2023, pelas 13 horas e 30 minutos.
Cumpra o disposto no artigo 54.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo do Trabalho”.

Em 7-03-2023 deu entrada o ofício refª citius 126345760 do Serviço de Finanças de S. João da Madeira, juntando participação do imposto de selo.

Por despacho de 9-03-2023 (refª citius 126345760), foi determinada a citação da Ré “na pessoa da única herdeira constante das declarações prestadas à Repartição de Finanças para efeito de imposto de selo”.

Foi expedida citação, em nome de DD, a qual acabou por ser conseguida, constando o respetivo aviso de receção assinado com data de 29-03-2023 da refª citius 14413058 e a notificação expedida em 11-04-2023 para efeitos do artigo 233.º do Código de Processo Civil na refª citius 126882466.

Teve lugar a audiência de partes em 19-04-2023, sem qualquer conciliação, conforme se alcança da ata refª citius 127026260.
Da identificada ata consta que nessa diligência compareceram CC e o seu Ilustre Mandatário, bem como DD.
Mais consta que:
Aberta a Audiência, (…) o Mmo. Juiz de Direito deu a palavra ao Ilustre Mandatário do A., que no seu uso disse manter os fundamentos alegados na P.I..
Dada a palavra à R., pela mesma foi dito que o que tinha a pagar já foi pago, tal como foi a posição da Ilustre Procuradora da República no processo administrativo onde também interveio”.

Foi apresentada contestação constante da refª citius 14502055 (45444700), no âmbito da qual foi deduzida defesa por exceção e impugnação.
Em sede de defesa por exceção, foi, para além do mais, invocada a exceção de prescrição dos créditos peticionados pela Autora na presente ação.
Quanto à exceção de prescrição (única que releva face ao objeto do recurso), foi invocado que todos os direitos e créditos laborais resultantes do contrato, sua violação ou cessação, a existirem, o que se refutou, extinguiram-se por prescrição em 1-02-2023, sendo que a ação foi intentada em 14-02-2023 numa altura em que se havia já esgotado o prazo de prescrição de um ano a que se reporta o artigo 337.º do Código do Trabalho.
Argumenta-se ainda que, não obstante o invocado no artigo 6.º da p.i., não se tendo verificado nenhuma das formas previstas de citação, não ocorreu qualquer interrupção da prescrição, pelo que se encontram prescritos os créditos e o direito que através da presente ação se pretendia exercer.

Em 30-05-2023, foi proferido o despacho com a refª citius 127644039 com o seguinte teor:
Para que as questões possam ser desde já decididas, notifique a autora para, em 10 dias, se pronunciar sobre as exceções de falta de legitimidade processual/falta de personalidade judiciária e de prescrição dos créditos laborais”.

Nessa sequência, a Autora pronunciou-se no articulado com a refª citius 14702389 (45845887) sobre as exceções invocadas, concluindo pela respetiva improcedência.
No que se reporta à exceção de prescrição referiu a Autora o seguinte: requereu apoio judiciário em 28-06-2022, tendo recebido proposta de indeferimento na modalidade de pagamento faseado, mas com possibilidade de beneficiar de apoio na modalidade de pagamento faseado, sendo que tinha de se pronunciar sobre ela no prazo de 10 dias; sucede que a proposta de indeferimento e de benefício na modalidade de apoio faseado não vinha acompanhada da simulação de cálculo quanto ao valor a liquidar mensalmente, pelo que reclamou; teve, formalmente, deferimento do pedido em 13-01-2023, conforme documento já junto aos autos; assim, nos termos do DL 34/2004, o pedido de apoio judiciário interrompe os prazos em curso; o prazo interrompido reinicia da notificação ao requerente da decisão ou do patrono se for o caso; a Autora foi notificada do despacho em 13-01-2023, pelo que não há lugar a prescrição no caso concreto para alegação dos créditos, nem há lugar a caducidade, dado que a ação entrou em 14-02-2023, ou seja, dentro do prazo de 30 dias como estipula o referido Decreto-Lei.

Em 22-06-2023, foi proferido despacho refª citius 128006511 com o seguinte teor:
A autora propôs a presente ação contra a Herança Aberta e Indivisa de BB.
Dos autos resulta que esta herança já foi aceite e partilhada, não sendo, por isso, uma herança jacente, nem um património autónomo dotado de personalidade judiciária.
A autora alega uma dívida da herança, pela qual responde a única herdeira nos termos do artigo 2098.º, n.º 1, do Código Civil e com os limites do artigo 2071.º, n.º 2, do Código Civil.
Logo, a legitimidade passiva para a presente ação é da herdeira, uma vez que a herança já tinha sido partilhada.
A ilegitimidade singular é, em regra, insuprível, exceto na situação de pluralidade subjetiva subsidiária prevista no artigo 39.º, do CPC.
No caso concreto, na resposta, a autora invocou um desconhecimento fundado sobre a existência de testamento e da partilha da herança e, por conseguinte, consideramos que, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do CPC, deve a autora ser convidada a fazer intervir na ação, como ré, a herdeira já identificada nos autos e que consta como representante – cabeça-de-casal da herança – para que a instância fique regularizada.
Pelo exposto, convido a autora a, no prazo de 10 dias, com base nas dúvidas que invocou, fazer intervir na ação a herdeira DD.
Notifique. “

Notificado o identificado despacho, veio a Autora em 30-06-2023 apresentar o requerimento refª citius 14782038 (46008042), nos termos do qual refere que desconhecia no momento da propositura da presente ação que a herança de BB já se encontrava partilhada, requerendo a intervenção da herdeira e cabeça de casal na ação, como ré, representante da herança, nos termo do artigo 39.º do Código de Processo Civil.

Por despacho de 3-07-2023 refª citius 128216126 foi determinada a notificação da parte contrária para se pronunciar nos termos do artigo 322.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Na sequência de tal notificação, em 13-07-2023 veio DD, identificando-se como chamada nos presentes autos, apresentar o requerimento refª citius 14839443 (46130754), no qual refere que a Autora tinha conhecimento aquando da propositura da ação que a herança já não se encontrava na situação de jacente, devendo a Herança Ilíquida e Indivisa de BB ser absolvida da instância. Sem prescindir, refere ainda aderir na íntegra à contestação apresentada pela Herança Ilíquida e Indivisa de BB e que sempre deverá essa Herança ser absolvida da instância.

Após, em 6-09-2023 foi proferida a decisão refª citius 128824994, nos termos da qual foi em primeira linha admitida a intervenção e considerado que a interveniente aderiu à contestação já apresentada.

Nessa mesma identificada decisão de 6-09-2023 foi fixado o valor da ação em € 20.378,21 e proferido despacho saneador, no qual foi considerado que as partes gozavam de personalidade e tinham legitimidade e se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade processual invocada, decidindo-se a final: “Pelo exposto, julgo procedente a exceção de prescrição e, em consequência, absolvo as rés do pedido formulado.”.

Inconformada com a identificada decisão que julgou procedente a exceção de prescrição com a consequente absolvição do pedido formulado, a Autora interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
«1. O presente recurso interposto da sentença que considerou improcedente o pedido da A, relativo aos créditos resultantes do contrato de trabalho, por considerar e julgar procedente a exceção de prescrição, absolvendo a Ré.
2. A questão material e de fundo que se dirime é de saber se, no caso concreto, há lugar à prescrição dos créditos laborais invocados pela autora.
3. O artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho que «o crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».
4. Como prazo de prescrição que é, este prazo está sujeito às vicissitudes estabelecidas nos artigos 318.º e ss.º do Código Civil, e concretamente, ao regime de interrupção estabelecido nos artigos 323.º e seguintes daquele diploma.
5. O disposto no n.º 1 do supra referido artigo depõe, «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente».
6. Por sua vez do n.º1 do artigo 326.º do código Civil que a «interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo.
7. A falta de invocação de todos ou nenhuns fundamentos não tem efeito preclusivo sobre as considerações de natureza jurídica que os factos invocados como fundamento da exceção possam motivar, quando o tribunal conhece da exceção no plano do concreto processo.
8. Invocada a prescrição pela Ré na contestação deduzida, o tribunal no julgamento da mesma não podia deixar de tomar em consideração quaisquer factos interruptivos que decorressem dos autos e que estivessem para além daqueles que foram invocados pela autora como fundamento da impugnação da exceção e sobre os quais opere o efeito preclusivo derivado da falta de resposta.
9. Se o próprio processo, consta dele os elementos necessários e fornece ao juiz o conhecimento de uma determinada causa interruptiva ou suspensiva da prescrição, o tribunal tem de a apreciar oficiosamente.
10. Uma vez chamado a pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência da exceção perentória da prescrição, por o respetivo beneficiário a ter invocado expressamente (como exige o cit. art. 303º do CC), não pode o tribunal deixar de decidir se ocorre alguma causa de suspensão ou interrupção da mesma.
11. Na decisão aqui posta em causa o Tribunal Ad Quo, entendeu que a tentativa de conciliação no âmbito de um procedimento administrativo do Ministério Público, não tem a virtualidade de interromper o prazo de prescrição, fundamentando a sua decisão no facto de que este procedimento não é judicial.
12. Resulta ado disposto no artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil que «A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente».
13. No auto de tentativa de conciliação de 24.05.2022, a recorrente fez menção expressa perante a advogada da Requerida que entendia serem-lhe devidos o pagamento de subsídio de trabalho noturno no montante exato, bem como a 26 horas semanais de trabalho suplementar desde o início do contrato ainda de vários dias feriados cujo número não concretizou naquele momento.
14. Entende, por isso, a Recorrente que o conteúdo exarado do processo administrativo reúne todos os requisitos necessários à interrupção da prescrição, na medida em que, a devedora ficou a conhecer qual o direito que o credor vai exercer judicialmente, conhecendo-o naquele concreto procedimento.
15. E o mesmo não se limitou, a fazer referência genérica aos créditos, mas sim a concretizá-los, pelo que a entidade empregadora não podia ignorar das pretensões da Recorrente, inclusive da vontade de exercer judicialmente.
16. perante esta exatidão a então devedora/recorrida ficou a ter conhecimento do direito e dos direitos que a credora/recorrente exerceu e pretendia exercer judicialmente.
17. O processo administrativo ora invocado como ato interruptivo da prescrição, apresenta-se em termos suscetíveis de conduzir à mencionada eficácia, sendo, portanto, suficiente para produzir a interrupção da prescrição dos créditos que a autora agora pretendeu reclamar através da presente ação.
18. Entende a Recorrente que, a notificação do Ministério Público no âmbito do procedimento administrativo, com o conhecimento de todo o conteúdo que consta da audiência da tentativa de conciliação, para o qual a aqui recorrida, quer na veste de mandatária da requerente, quer depois na veste de herdeira, é suficiente para que se interrompa a prescrição nos termos e efeitos do art.º 323.º n.º 1 do CC.
19. A sentença proferida, faz errada apreciação do direito e deve ser revogada e substituída por decisão que considere em sentido contrário, ou seja, que não estão preenchidos os requisitos do art.º 337, n.º 1 do Código do Trabalho, estando preenchidos, isso sim, os requisitos do art.º 323, n.º 1 e 2 do Código Civil.

Termina dizendo que deve conceder-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve a sentença ser revogada e substituída por decisão que julgue procedente a pretensão da Autora.

A Recorrida contra-alegou, pronunciando-se no sentido de que deve ser confirmada a sentença recorrida e formulando as seguintes CONCLUSÕES (que igualmente se transcrevem):
1. Entende a ora Recorrida que não assiste qualquer razão à Recorrente.
2. A douta Sentença recorrida, cujo teor aqui se dá como reproduzida e integrado, à qual se adere na íntegra, não merece qualquer reparo, não resultando qualquer erro na aplicação da Lei, como quer fazer crer a Recorrente.
3. A Recorrida discorda das alegações do Recorrente, porquanto considera que o Tribunal “a quo” decidiu e bem ao considerar que a tentativa de conciliação no âmbito de um procedimento administrativo do Ministério Público, não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional.
4. A notificação da Recorrida no âmbito do processo administrativo organizado nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis, não pode, rigorosamente, ser considerada uma notificação judicial e só essas, como explicitamente decorre do nº 1 do Artº 323º do Código Civil, têm a virtualidade de interromper a prescrição.
5. O processo administrativo organizado pelos serviços do Ministério Público, no âmbito do qual teve lugar uma tentativa de conciliação para a qual a Recorrida foi notificada, pode ter sido preparatório do processo judicial, mas não é, de forma alguma, um processo judicial.
6. Processos judiciais são apenas aqueles que correm termos num tribunal. Os serviços do Ministério Público, não se confundem com o tribunal. No demais, dão apoio ao Ministério Público, que funciona junto do Tribunal.
7. A notificação efetuada pelos Serviços do Ministério Público, não tendo sido realizada no âmbito de um processo jurisdicional que estivesse em curso, é pois extrajudicial e, como tal, não preenche um dos pressupostos indispensáveis para poder interromper o prazo prescricional, ainda que, relativamente aos “créditos de subsídio de trabalho noturno no montante exato, bem como a 26 horas semanais de trabalho suplementar desde o início do contrato e ainda de vários dias feriados cujo número não concretizou”, fosse o bastante para dar a conhecer ao ex-empregador a intenção de exercer o direito. Mas isso não é suficiente para interromper o prazo, como já ensinava Pessoa Jorge: “A interrupção resultante do exercício do crédito está sujeita a condicionalismo mais apertado, uma vez que terá de fazer-se através de acto de caracter judicial...”
8. Além de que, o Meretíssimo Juíz “a quo” deu oportunidade de se pronunciar quanto às excepções invocadas pela Recorrida, não tendo a ora Recorrente, sequer se pronunciado sobre o que alega agora em sede de recurso.
9. Pelo que até por aqui, o recurso deverá ser improcedente.
10. Concluindo, a notificação efetuada para a tentativa de conciliação organizada pelos Serviços do Ministério Público, bem como a própria tentativa de conciliação não interferem no prazo prescricional, ou seja, não interrompe a prescrição, devendo manter-se a decisão recorrida, uma vez que o contrato cessou em 31 de janeiro de 2022 e a ação foi proposta em 14 de fevereiro de 2023, pelo que, por aqui, sem qualquer interrupção ou suspensão, o prazo de prescrição ocorreu.»

Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo e a subir imediatamente e nos próprios autos.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal de recurso emitiu o parecer a que alude o artigo 87.º, n.º 3, do CPT no sentido de que o recurso não merece provimento, pronunciando-se, no essencial, como se segue:
«[…]
Tendo em consideração o constante das conclusões formuladas pela Recorrente, as quais delimitam o objecto do presente recurso de apelação, constata-se que a mesmo veio atacar a douta sentença recorrida, impugnando a matéria de direito à qual imputa o vício de erro de direito.
Pugna pela revogação da decisão recorrida.
Por seu lado, a recorrida DD, Cabeça de Casal na herança Aberta por óbito de BB, contra-alegou, de modo proficiente, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do decidido.
Ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, nenhum reparo ou censura há que ser feito à douta sentença recorrida, que, deverá ser confirmada, atento o rigor dos fundamentos que nela foram consignados e que determinaram a improcedência da acção, por verificação de matéria de excepção.
O prazo previsto no n.º 1 do artº. 337º. do Código do Trabalho, em conjugação com o artº. 323.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil, foi correctamente aplicado quanto ao regime de prescrição, conforme o que flui da sentença em crise e das contra alegações, a cujas teses se adere.
De salientar que o Processo Administrativo que a recorrente invoca não é senão um processo interno de recolha de prova dos Magistrados do Ministério Público, que não reveste natureza pública, instituído pela Circular nº. 12/79 da PGR, dentro dos poderes que ao Procurador Geral da República foram conferidos para emissão de directivas, ordens e instruções de serviço, nos termos do então artº. 12º. nº. 2 al. B) do EMP, na redacção da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (cfr. tb. Circular Nº. 36/81, de 12.11.81) (cfr. Carolina Durão, Natureza dos processos administrativos do Ministério Público e (não) direito à informação procedimental ou ao respectivo acesso, in Revista do Ministério Público, nº 118, Abril/Junho de 2018, pág.s 197 e seg.)
É tramitado nos Serviços do Mº. Pº. e sem que dele decorra uma decisão impositiva que se repercuta na esfera jurídica de terceiros. Não tem a virtualidade de interromper ou suspender a prescrição. Daí que este processo não se integre na previsão da sobredita norma do artº. 323.º n.º 1 do Código Civil.
Improcedem as conclusões formuladas.
A douta sentença recorrida merece, pois, ser mantida na ordem jurídica. […]».

Não houve resposta ao parecer.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
*
II - OBJECTO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da apelação do Recorrente, acima transcritas, salvo porém o que for de conhecimento oficioso [artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho], sendo que, no caso, a única questão a decidir prende-se com a verificação da correção da sentença que julgou procedente a exceção de prescrição dos direitos invocados pela Autora (o que passa por decidir se ocorreu interrupção da prescrição nos termos invocados pela Recorrente).
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
Para a apreciação e decisão do recurso, importa ter em consideração os factos elencados na sentença recorrida a ter em conta na apreciação da exceção de prescrição [atente-se que nenhuma das partes colocou em crise tal factualidade, sendo certo que a mesma decorre inequivocamente da análise dos autos, conforme se extrai, aliás, do relatório supra], e que são os seguintes:
- O contrato de trabalho celebrado entre autora e ré cessou em 31 de janeiro de 2022;
- Em 28 de junho de 2022 a autora requereu a concessão de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxas e custas, tendo-lhe sido deferido na modalidade de pagamento faseado em 13 de janeiro de 2023;
- A ação deu entrada em 14 de fevereiro de 2023 sem identificação de qualquer herdeiro ou cabeça-de-casal;
- O Tribunal solicitou à Repartição de Finanças informação sobre a identificação dos herdeiros;
- Essa informação foi fornecida em 7 de março de 2023;
- e A ré interveniente foi citada, como representante da herança, em 29 de março de 2023.
Conforme também decorre do relatório supra e resulta inequivocamente da análise dos autos, haverá que ter também presente a seguinte factualidade:
– No artigo 6º da petição inicial, alegou a Autora: “A citação prévia da Ré constitui, no caso sub judice, forma de interromper o prazo de prescrição de um ano, que aqui se argui, pelo que a ação está em tempo.”.
– No artigo 12º da petição inicial alegou que: Após participação em 24.05.2022, no Processo Administrativo com o n.º 243/22.6T9OAZ, que correu os termos na Procuradoria do Juízo de Trabalho de Oliveira de Azeméis, Ré e Autora, chegaram a acordo sobre os créditos referentes à rescisão contratual no montante de € 2.359,80, referentes a dias de férias gozadas e não pagas, subsídio de férias do ano de 2022, proporcionais de férias, subsídio de férias e natal do ano de cessação do contrato e a compensação por cessação do contrato, cfr. doc. 2 que junta e cujo teor se dá por integrado e reproduzido para os devidos efeitos legais”.
– O documento 2 junto pela Autora com a petição inicial e referido no artigo 12º dessa peça processual tem o seguinte teor:
Ministério Público-Procuradoria da República da Comarca de Aveiro
Procuradoria do Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis
(…)
Referência: 12969957 Proc. Administrativo (Litígios Laborais) 243/22.6T9OAZ
AUTO DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
Data: 24-05-2022
Magistrado(a): Procurador da República Dr.(a) EE
Técnico de Justiça Auxiliar: FF
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Sendo a hora designada para a tentative de conciliação nos presentes autos,
COMPARECERAM:
Requerente: CC, titulo de residencia... ... (…)
Requerida: BB (…), representada por Drª DD (…) com procuração com poderes especiais de representação que protesta juntar.
*
A instâncias daquele Magistrado declaram o seguinte:
A requerente considera que lhe é devido o montante de € 2.359,80 relativo a 17 dias de férias gozadas e não pagas e vencidas a 01.01.2022 no montante de €544,77, o subsídio de férias de 2022 no valor de €705, os proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal do ano da cessação do contrato no valor de € 307,11, a compensação por cessação do contrato no valor de €802,92. Entende ainda que lhe é devido o pagamento de subsídio notturno no montante de €5.783,50, bem como de 26 horas semanais de trabalho suplementar desde o início do contrato e ainda de vários dias feriados cujo número de montante não consegue concretizar.
A requerida considera que apenas deve pagar à requerente o montante relativo a 17 dias de férias gozadas, não pagas e vencidas a 01.012022 no montante de €544,77, o subsídio de férias de 2022 no valor de €705, os proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal do ano da cessação do contrato no valor de € 307,11, a compensação por cessação do contrato no valor de €802,92. Entende que não é devido o pagamento de subsídio de trabalho nocturno, nem de horas suplementares, nem feriados. Vai tentar diligenciar nos próximos dias pelo pagamento do valor que considera em dívida, pretendendo-o pagar nesse período de tempo.
Não tendo sido possível obter o acordo, foi a requerente questionada sobre se pretendia ou não o patrocínio do Ministério Público tendo a mesma dito que iria constituir advogado para instaurar acção para cobrança dos montantes que considera lhe serem devidos.
*
Pelo Digno Magistrado(a) do Ministério Público foi proferido o seguinte despacho: abra conclusão.
*
De seguida foram todos os presentes notificados do despacho que antecede.
O presente auto foi integralmente revisto e por mim, elaborado
A Magistrada do Ministério Público
(assinatura electronica)
A Requerente

A Legal representante da Requerida

A Oficial de Justiça”
- Do referido documento 2 não consta qualquer assinatura, seja eletrónica, seja manual.
– No artigo 13º da petição inicial a Autora alegou: “Porém, a Autora entende que também lhe são devidas as quantias referentes ao trabalho noturno efetivamente realizado, assim como a trabalho suplementar realizado desde o início do contrato em dias úteis semanais e em dias feriados, trabalho realizado durante a execução do contrato de trabalho, ou seja entre setembro de 2018 e janeiro de 2022.”
– No artigo 15º da p.i. invocou que: “São, por isso, devidos à Autora os montantes de €3080,56, referentes a dias feriados não pagos e sem o gozo de descanso compensatório e/ou complementar”.
- No artigo 17º da p.i. invocou que: “Tem a Autora direito a receber a quantia total de €10.764,15, a que corresponde trabalho suplementar, efetuado em dias úteis, durante os anos de 2018 a 2022.
– E no artigo 18º da p.i. que: “Também a Autora, durante toda a execução do contrato, nos anos de 2018 a 2022, efetuou o seu horário de trabalho em período noturno, a que corresponde o trabalho efetuado entre as 22 horas e as 07 horas do outro dia, numa média de 8 horas por dia e 40 horas por semana, nos termos dos arts.º 223 e 224.º do CT, o que perfaz um valor global de €5.783,50.”
– No artigo 19º da p.i. concluiu que: “Os créditos da Autora, emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação somam a quantia global de € 19.628,21, acrescida de juros à taxa legal de 4%, até integral pagamento.”
– No artigo 21º da petição inicial invoca que “A lesão da dignidade do trabalhador constitui um dano não patrimonial objetivo que se reveste de gravidade evidente e deve ser compensado” e no artigo 23º refere que “reclama ainda a título de danos não patrimoniais”.
– No artigo 20º da p.i. invoca que: “À Autora foi concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado, pelos serviços jurídicos do Centro Distrital de Aveiro do Instituto de Segurança Social, como se pode verificar pelos Documento n.º 8 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.”
– No artigo 28º da p.i. invoca que: “Também, só recentemente a Autora teve acesso ao despacho final de atribuição do apoio judiciário, o que só permitiu agora vir intentar a presente ação, cfr. doc. que junta.”
– Na contestação apresentada, foi invocada expressamente a prescrição, sendo que no respetivo artigo 11º, a respeito do mencionado pela Autora no artigo 6º da p.i., consignou-se que: “Invoca ainda a Autora no seu Artº 6º da P.I., a citação prévia como forma de interrupção da prescrição. No entanto não se tendo verificado nenhuma das formas previstas de citação, não ocorreu qualquer interrupção da prescrição, pelo que, também por aqui se encontram prescritos os créditos laborais”.
– Foi dada oportunidade à Autora de apresentar resposta à exceção de prescrição, o que a mesma fez nos artigos 7º a 13º da resposta que apresentou, invocando:
* No artigo 7º que: “A autora requereu apoio judiciário em 28.06.2022.”
* No artigo 8º que: “Tendo recebido proposta de indeferimento na modalidade requerida, mas com possibilidade de beneficiar de apoio na modalidade de pagamento faseado, tendo a requerente do apoio de se pronunciar sobre ela no prazo de 10 dias.”
* No artigo 9º que: “Sucede, porém, que, a proposta de indeferimento e de benefício em na modalidade de apoio faseado, não vinha acompanhada da simulação de cálculo quanto ao valor a liquidar mensalmente, pelo que reclamou.”
* No artigo 10º que: “Tendo, formalmente tido deferimento do pedido em 13.01.2023, cfr. Doc já junto aos autos.”
* No artigo 11º que: “Assim, nos termos do DL 34/2004, o pedido de apoio judiciário interrompe os prazos em curso. “
* No artigo 12º que: “O pra[z]o interrompido reinicia a partir da notificação ao requerente da decisão ou do patrono se for o caso.” * No artigo 13º que: “A autora foi notificada do despacho em 13.01.2023, pelo que não há lugar a prescrição do prazo no caso concreto para alegação dos créditos, nem há lugar à caducidade, dado que a ação entrou em 14.02.2023, ou seja, dentro do prazo de 30 dias como estipula o referido DL.”
*
Isto posto, importa apreciar de direito, com o conhecimento da questão enunciada.
A fundamentação da decisão recorrida é a seguinte:
«1. CC propôs a presente ação emergente de contrato de trabalho doméstico contra a Herança Aberta e Indivisa de BB, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 20.378,21 acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, alegando créditos laborais.
2. A ré invocou a prescrição dos créditos laborais.
3. A autora defendeu que ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição, porque pediu apoio judiciário com nomeação de patrono e propôs a ação no prazo de 30 dias a contar da nomeação de patrono.
4. Entretanto, foi admitida a intervenção, na qualidade de ré, a herdeira DD, que aderiu à contestação já apresentada.
5. Cumpre decidir tendo em conta a seguinte factualidade:
O contrato de trabalho celebrado entre autora e ré cessou em 31 de janeiro de 2022;
Em 28 de junho de 2022 a autora requereu a concessão de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxas e custas, tendo-lhe sido deferido na modalidade de pagamento faseado em 13 de janeiro de 2023;
A ação deu entrada em 14 de fevereiro de 2023 sem identificação de qualquer herdeiro ou cabeça-de-casal;
O Tribunal solicitou à Repartição de Finanças informação sobre a identificação dos herdeiros;
Essa informação foi fornecida em 7 de março de 2023;
e A ré interveniente foi citada, como representante da herança, em 29 de março de 2023.
6. Nos termos do artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, «o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».
A questão que se coloca é a de saber se o pedido de apoio judiciário interrompe ou suspende o prazo de prescrição.
O contrato cessou em 31 de janeiro de 2022 e a ação foi proposta em 14 de fevereiro de 2023, pelo que, por aqui, sem qualquer interrupção ou suspensão, o prazo de prescrição ocorreu.
A autora alega que o prazo em curso interrompeu-se e só se reiniciou com a notificação da decisão de deferimento do pedido de apoio judiciário que terá ocorrido em 13 de janeiro de 2023.
Para o efeito invoca o Decreto-Lei n.º 34/2004, de 29 de julho. Sucede, no entanto, que o artigo 24.º, n.º 1, do referido diploma, estabelece o princípio da autonomia do procedimento de apoio judiciário relativamente à ação judicial.
Isto significa, no que nos interessa, que os prazos existentes, substantivos ou processuais, continuam a correr enquanto o procedimento para concessão de apoio judiciário estiver pendente.
Esta regra tem uma salvaguarda e uma exceção.
A salvaguarda reconduz-se às situações em que se verificam os pressupostos do artigo 562.º, n.º 9, do Código de Processo Civil, que permitem ao autor propor a ação sem decisão do apoio judiciário, bastando demonstrar que este foi requerido – artigo 24.º, n.º 2 e n.º 3, do Decreto-Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
A exceção resulta do n.º 4 e n.º 5, do mesmo diploma, que regem o seguinte:
«4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.».
Assim, esta norma, que parece ser a que a autora invoca, apenas é aplicável quando o pedido é apresentado na pendência da ação e na modalidade de nomeação de patrono.
No caso concreto, não houve pedido de nomeação de patrono e a ação não estava pendente, pelo que não se justifica qualquer interrupção do prazo.
Outra situação é a que resulta do artigo 33.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
Segundo este dispositivo, quando é requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono para que o beneficiário possa propor uma ação, esta considera-se proposta no dia em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono.
Mas, também esta situação não é aplicável aos presentes autos, pois a autora não pediu apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, mas apenas de dispensa do pagamento de taxas e encargos do processo.
Daqui resulta que, como não há pedido de nomeação de patrono e a ação não estava pendente, o praxo de prescrição apenas se suspende ou interrompe nos termos previstos no Código Civil.
Não se verifica nenhuma das causas de suspensão previstas nos artigos 318.º e seguintes do Código Civil, designadamente, a autora não estava impedida de propor a ação por força do requerimento de apoio judiciário, pois esta não visou a nomeação de patrono e a autora podia propor a ação, em caso de urgência determinada pela proximidade da prescrição, nos termos do artigo 562.º, n.º 9, do Código de Processo Civil, com o tratamento previsto no artigo 24.º, n.º 2 e n.º 3, do Decreto-Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
Por outro lado, entre as causas de interrupção, apenas é configurável a aplicação do disposto no artigo 323.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil.
A primeira questão que se coloca é a de saber se a tentativa de conciliação, ou a notificação da ré para esta tentativa de conciliação, no âmbito de um procedimento administrativo do Ministério Público, tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional.
É necessário ter em conta que este procedimento não é judicial e, por isso, tem sido entendido que a notificação efetuada e a própria tentativa de conciliação não interferem no prazo prescricional (neste sentido, acórdão da Relação de Guimarães de 30 de novembro de 2022 – Processo n.º 56/11.5T8BRG.G1; acórdão da Relação de Lisboa de 10 de outubro de 2012 – Processo n.º 3500/11.3TTLSB.L1-4; e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de março de 1981 – Processo 000175).
A segunda questão reconduz-se à aplicação do n.º 2 da norma referida. Esta norma pressupõe que a ação é proposta cinco dias antes do termo do prazo prescricional, com requerimento de citação urgente. No entanto, em 14 de fevereiro de 2023, quando a ação foi proposta, já tinha decorrido o prazo prescricional, pelo que não se aplica este dispositivo, não ocorrendo interrupção da prescrição.
Por isso, ocorreu a referida prescrição.»

A Recorrente/Autora discorda desta decisão, alegando, em substância que:
«20. No auto de tentativa de conciliação de 24.05.2022, a recorrente fez menção expressa perante a advogada da Requerida que entendia serem-lhe devidos o pagamento de subsídio de trabalho noturno no montante exato, bem como a 26 horas semanais de trabalho suplementar desde o início do contrato ainda de vários dias feriados cujo número não concretizou naquele momento.
21. E ainda, a Recorrente, manifestou expressamente que pretendia constituir advogado para a reclamação daqueles créditos e que pretendia instaurar ação de cobrança desses créditos.
22. A esta pretensão respondeu a Requerida, que entendia não ser devido o pagamento do subsídio noturno, nem de horas extraordinárias, nem de horas suplementares, nem feriados.
23. Entende, por isso, a Recorrente que o conteúdo exarado do processo administrativo reúne todos os requisitos necessários à interrupção da prescrição, na medida em que, a devedora ficou a conhecer qual o direito que o credor vai exercer judicialmente, conhecendo-o naquele concreto procedimento.
24. E o mesmo não se limitou, a fazer referência genérica aos créditos, mas sim a concretizá-los, pelo que a entidade empregadora não podia ignorar das pretensões da Recorrente, inclusive da vontade de exercer judicialmente.
25. Ora, perante esta exatidão a então devedora/recorrida ficou a ter conhecimento do direito e dos direitos que a credora/recorrente exerceu e pretendia exercer judicialmente.
26. De onde acresce que, na veste de mandatária da Requerente naquele procedimento, veio a ser depois chamada na ação intentada pela recorrente, como beneficiária do testamento deixado pela devedora, de onde resulta ser a cabeça de casal por ser a sua única herdeira instituída.
27. Neste contexto, o processo administrativo ora invocado como ato interruptivo da prescrição, apresenta-se em termos suscetíveis de conduzir à mencionada eficácia, sendo, portanto, suficiente para produzir a interrupção da prescrição dos créditos que a autora agora pretendeu reclamar através da presente ação.
28. Pelo que, entende a Recorrente que, a notificação do Ministério Público no âmbito do procedimento administrativo, com o conhecimento de todo o conteúdo que consta da audiência da tentativa de conciliação, para o qual a aqui recorrida, quer na veste de mandatária da requerente, quer depois na veste de herdeira, é suficiente para que se interrompa a prescrição nos termos e efeitos do art.º 323.º n.º 1 do CC.».

A Recorrida respondeu, dizendo:
«A Recorrida discorda das alegações do Recorrente, porquanto considera que o Tribunal “a quo” decidiu e bem ao considerar que a tentativa de conciliação no âmbito de um procedimento administrativo do Ministério Público, não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional.
A notificação da Recorrida no âmbito do processo administrativo organizado nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis, não pode, rigorosamente, ser considerada uma notificação judicial e só essas, como explicitamente decorre do nº 1 do Artº 323º do Código Civil, têm a virtualidade de interromper a prescrição.
O processo administrativo organizado pelos serviços do Ministério Público, no âmbito do qual teve lugar uma tentativa de conciliação para a qual a Recorrida foi notificada, pode ter sido preparatório do processo judicial, mas não é, de forma alguma, um processo judicial.
(…)
A notificação efetuada pelos Serviços do Ministério Público, não tendo sido realizada no âmbito de um processo jurisdicional que estivesse em curso, é pois extra-judicial e, como tal, não preenche um dos pressupostos indispensáveis para poder interromper o prazo prescricional, ainda que, relativamente aos “créditos de subsídio de trabalho noturno no montante exato, bem como a 26 horas semanais de trabalho suplementar desde o início do contrato e ainda de vários dias feriados cujo número não concretizou”, fosse o bastante para dar a conhecer ao ex-empregador a intenção de exercer o direito. Mas isso não é suficiente para interromper o prazo, como já ensinava Pessoa Jorge: “A interrupção resultante do exercício do crédito está sujeita a condicionalismo mais apertado, uma vez que terá de fazer-se através de acto de caracter judicial...”
Além de que, o Meretíssimo Juíz “a quo” deu oportunidade de se pronunciar quanto às excepções invocadas pela Recorrida, não tendo a ora Recorrente, sequer se pronunciado sobre o que alega agora em sede de recurso.
Pelo que até por aqui, o recurso deverá ser improcedente.
Concluindo, a notificação efetuada para a tentativa de conciliação organizada pelos Serviços do Ministério Público, bem como a própria tentativa de conciliação não interferem no prazo prescricional, ou seja, não interrompe a prescrição, devendo manter-se a decisão recorrida, uma vez que o contrato cessou em 31 de janeiro de 2022 e a ação foi proposta em 14 de fevereiro de 2023, pelo que, por aqui, sem qualquer interrupção ou suspensão, o prazo de prescrição ocorreu».

Diremos, desde já adiantando a conclusão e como mencionado no parecer do Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto, que não merece qualquer censura o raciocínio seguido na decisão sob recurso e que conduziu à procedência da exceção de prescrição.
Vejamos porquê.
Inexiste controvérsia que na presente ação está em causa um contrato de trabalho que cessou no dia 31-01-2022, sendo que os créditos peticionados pela Autora decorrem dessa relação laboral. Ou seja, a causa de pedir invocada pela Autora emerge de um contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.
Os factos que integram a causa de pedir da presente ação ocorreram na vigência do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro [adiante Código do Trabalho].
A prescrição é causa extintiva das obrigações civis e, como salienta Almeida Costa, «consiste no instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito quando este não se verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos (“Direito das Obrigações”, 10ª edição, 1120-1121; cfr. artigo 304.º do Código Civil).
No caso, é aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Dispõe este normativo que «o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».
Refira-se que são inteiramente válidas as considerações tecidas na decisão recorrida sobre o regime previsto na Lei do Apoio Judiciário (Lei n.º 34/2004 de 29 de julho), e o facto de, no caso, inexistir qualquer fundamento de interrupção do prazo de prescrição com base nesse regime, na medida em que o requerimento de apoio judiciário efetuado não contemplava o pedido de nomeação de patrono. É também acertado o aí mencionado quanto à inexistência de qualquer causa de suspensão da prescrição, e a observação de que «a autora não estava impedida de propor a ação por força do requerimento de apoio judiciário, pois esta não visou a nomeação de patrono e a autora podia propor a ação, em caso de urgência determinada pela proximidade da prescrição» nos termos do artigo 552.º, n.º 9, do Código de Processo Civil (a menção na sentença ao artigo 562.º, n.º 9 constitui lapso material manifesto), com o tratamento previsto no artigo 24.º, n.º 2 e n.º 3,» da citada Lei do Apoio Judiciário. A Recorrente, aliás, não coloca em crise a decisão recorrida nesse particular.
Nesta conformidade, haverá que aferir se ocorre causa de interrupção da prescrição nos termos invocados pela Recorrente, com apelo ao disposto no artigo 323.º do Código Civil [diploma legal a que se reportam os demais normativos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso].
A prescrição, em certas circunstâncias, pode ser interrompida [artigo 323.º - interrupção promovida pelo titular; artigo 324.º - compromisso arbitral; artigo 325.º - reconhecimento], sendo certo que, em consequência da interrupção, o tempo decorrido fica inutilizado, começando o prazo integral a correr de novo a partir do ato interruptivo (artigo 326.º), sem prejuízo do disposto no artigo 327.º.
A Recorrente defende, em substância, que os atos produzidos no “processo administrativo” do Ministério Público – mais precisamente, notificação efetuada nesse procedimento e a própria tentativa de conciliação, tendo em conta o que consta do respetivo auto – é suficiente para produzir a interrupção da prescrição nos termos e para os efeitos do artigo 323.º, n.º 1.
Dispõe o artigo 323.º, sob a epígrafe “Interrupção promovida pelo titular” o seguinte:
“1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números seguintes.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeito deste artigo, qualquer outro meio judicial, pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito poder ser exercido.”
No que respeita à interrupção promovida pelo titular prevista neste normativo, importa realçar que não basta para interromper a prescrição o exercício extrajudicial do direito, sendo que os nºs 1 a 4 desse normativo pressupõem a existência de atos de exercício de direito realizados judicialmente e dos quais é dado conhecimento à parte contrária.
Com efeito, são pressupostos daquela interrupção da prescrição a existência de um ato judicial (citação, notificação ou outro) e que através desse ato judicial o autor/requerente manifeste ao réu/requerido a intenção de exercer o direito em causa na ação onde se pretende que a interrupção da prescrição opere.
O efeito interruptivo de uma citação ou notificação baseia-se em que, a partir dela, o devedor fica a ter conhecimento do exercício judicial do direito pelo respetivo titular.
Conforme se expõe no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-04-2022 [processo n.º 1360/17.0T8LSB.L1.S1, Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues - acessível in www.dgsi.pt – site onde também se encontram disponíveis os restantes Acórdãos infra a referenciar], prevê-se expressamente «(…) que a prescrição desencadeada por acto do credor pressupõe um acto judicial que, directa ou indirectamente, dê a conhecer ao devedor a intenção do credor, evidenciando que o legislador quis restringir a interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito à utilização de determinados meios de comunicação com a contraparte que considerou idóneos para se atingir os fins em causa, e esses meios são, com exclusão de qualquer outro, a citação ou a notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, 1987, pág. 290, decorre claramente deste preceito (artº 323º) que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição: é necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, deem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão.».
Importa salientar que a prescrição só pode interromper-se pelos meios que a lei autoriza como tais – que são os atrás enunciados – uma vez que, estando regulada por normas de ordem pública, não se admitem modificações operadas pelos particulares. Esta proibição, estabelecida por lei no artigo 300.º, explica-se por razões de interesse e ordem pública que estão na base do instituto da prescrição, destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico.
Ora, um processo/procedimento administrativo do Ministério Público não é judicial, não estamos perante ato judicial, pelo que a notificação efetuada e a própria realização de tentativa de conciliação no seu âmbito não interferem por si no prazo prescricional.
De facto, como observa o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto no seu parecer, o processo administrativo que a Recorrente invoca, “não é senão um processo interno de recolha de prova dos Magistrados do Ministério Público, que não reveste natureza pública, instituído pela Circular nº. 12/79 da PGR, dentro dos poderes que ao Procurador Geral da República foram conferidos para emissão de directivas, ordens e instruções de serviço, nos termos do então artº. 12º. nº. 2 al. B) do EMP, na redacção da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (cfr. tb. Circular Nº. 36/81, de 12.11.81) (cfr. Carolina Durão, Natureza dos processos administrativos do Ministério Público e (não) direito à informação procedimental ou ao respectivo acesso, in Revista do Ministério Público, nº 118, Abril/Junho de 2018, pág.s 197 e seg.)”.
E, como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25-02-2009 [processo n.º 0132/09, Relator Conselheiro Rui Botelho] “(…) com vista ao escrutínio dos elementos que lhe permitirão ou não desencadear uma intervenção judicial, o Magistrado do MP tem, necessariamente, de os recolher e agrupar de forma minimamente ordenada, passando a escrito aqueles que lhe chegarem por via oral (…). Para o efeito, terá de constituir uma compilação daquilo que recolheu pois só a final poderá proceder a uma sua avaliação criteriosa, optando pela acção ou pelo arquivamento. Na hipótese de avançar, essa compilação ordenada, esse dossier, constituirá o suporte de acompanhamento da acção, onde continuará a juntar tudo o que recolher posteriormente, bem assim como as peças processuais que for produzindo e aquelas outras que o tribunal for emitindo. Trata-se, portanto, de um conjunto de peças próprias do MP, para seu uso pessoal, para apreciação da hierarquia sempre que necessário e para controlo das inspecções a que o Magistrado é submetido. É um dossier interno em tudo semelhante àqueles que a generalidade dos causídicos organizarão no seu relacionamento com os tribunais. Nada mais. A organização desses processos (…) não está subordinada ao regime jurídico instituído pelo CPA, nem sequer ao regime do CPC. Na verdade, como não é um processo judicial civil (art.º 167 do CPC), também não é público (…)”.
Sobre esta matéria, e no sentido de que o “processo administrativo” organizado pelos serviços do Ministério Público não é um processo judicial, escreve-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de outubro de 2012 [processo n.º 3500/11.3TTLSB.L1-4, Relatora Desembargadora Maria João Romba)], o seguinte: «[o] processo administrativo organizado pelos serviços do M.P., no âmbito do qual teve lugar uma tentativa de conciliação para a qual o R. e recorrido foi notificado, pode ter sido preparatório do processo judicial, mas não é, de forma alguma, um processo judicial. A notificação efectuada pelos serviços do Ministério Público, não tendo sido realizada no âmbito de um processo jurisdicional que estivesse em curso, é pois extra-judicial e, como tal, não preenche um dos pressupostos indispensáveis para poder interromper o prazo prescricional, ainda que, relativamente aos créditos relativos a férias, subsídio de férias e de Natal, bem como a retribuição pelo trabalho suplementar, fosse o bastante para dar a conhecer ao ex-empregador a intenção de exercer o direito. Mas isso não é suficiente para interromper o prazo, como já ensinava Pessoa Jorge[1]: “A interrupção resultante do exercício do crédito está sujeita a condicionalismo mais apertado, uma vez que terá de fazer-se através de acto de carácter judicial, …”».
Em suma, e ao contrário do sustentado pela Recorrente, não ocorre, pela via do processo administrativo do Ministério Público e atos nele praticados nos termos invocados pela Recorrente, interrupção do prazo prescricional [neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2022 (processo n.º 56/11.5T8BRG-G1, Relator Desembargador Antero Veiga) e o já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de outubro de 2012].
Não se desconhece que a interrupção da prescrição pode ocorrer pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, nos termos do artigo 325.º. O efeito interruptivo da prescrição imanente ao reconhecimento do direito do credor, como é evidente, está delimitado pelo contéudo do direito reconhecido [sobre esta matéria, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-06-2016, processo nº 1400/14.4TBPNF.P1, Relatora Maria Cecília Agante]. No caso, não foi sequer invocado pela Recorrente que tenha ocorrido qualquer reconhecimento nos termos e para os efeitos do artigo 325.º, pelo que essa matéria nem sequer se perfila como questão a apreciar e decidir por este Tribunal, como, aliás, não o foi pelo Tribunal a quo. Não obstante, sempre se dirá que, dando de barato o próprio conteúdo da ata de tentativa de conciliação referente ao “processo administrativo” constante do documento 2 junto pela Autora, do mesmo não resulta qualquer reconhecimento dos direitos que a Autora reclama na presente ação a título de trabalho noturno, trabalho suplementar em dias úteis e feriados e a título de danos não patrimoniais.
Em conclusão, no caso dos autos, não pode afirmar-se que se tenha verificado qualquer causa interruptiva da prescrição, não constituindo a notificação do Ministério Público no âmbito do procedimento administrativo e conhecimento do conteúdo que consta do auto de tentativa de conciliação realizada nesse mesmo procedimento, invocados pela Recorrente, meio interruptivo da prescrição.
O contrato de trabalho em causa nos autos cessou em 31-01-2022 e a citação judicial ocorreu apenas no dia 29-03-2023, ou seja, quando já consumado o prazo prescricional.
Por outro lado, e como se aponta na decisão recorrida, tendo a presente ação sido proposta em 14 de fevereiro de 2023, não tem aplicação o disposto no n.º 2 do artigo 323.º, não ocorrendo a interrupção da prescrição por essa via, na medida em que no momento da própria propositura da ação já tinha decorrido o prazo prescrição.
A Autora intentou a ação quando já havia decorrido integralmente o prazo de prescrição contido no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, pelo que se tem de concluir pela verificação da mesma, conforme se concluiu com acerto na sentença sob recurso.
Improcede, pois, a apelação.
Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do recurso ficam a cargo da Recorrente (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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IV – DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.
Notifique e registe.

(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 19 de fevereiro de 2024
Germana Ferreira Lopes
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão