Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1480/07.9PCSNT.G1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: TRÁFICO DE PESSOAS
LENOCÍNIO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ESCUTAS TELEFÓNICAS
PROVA DOCUMENTAL
Nº do Documento: RP201507081480/07.9PCSNT.G1.P1
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC.PENAL.
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- O critério de distinção entre o crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal e o crime de lenocínio agravado, p. e p. pelo artigo 169º, nº 2, d), do mesmo Código liga-se ao grau de instrumentalização (coisificação) da vítima; o tráfico de pessoas aproxima-se do ápice da instrumentalização da pessoa que representa a escravatura e vai para além do que já é próprio da exploração da prostituição, na privação da liberdade e na ofensa à dignidade da pessoa
II- É caraterística do crime de tráfico de pessoas a prática da chamada debt bondage, em que o trabalho (ou a prestação sexual), na sua totalidade (não numa parcela maior ou menor), serve de forma de pagamento de uma dívida, como se a pessoa servisse de “garantia” desse pagamento, sendo que normalmente o valor dessa dívida é sobrevalorizado.
III- Representa uma alteração de qualificação jurídica, sujeita ao regime do artigo 358º do Código de Processo Penal, a qualificação dos factos descritos na acusação e na pronúncia como tantos crimes de tráfico de pessoas quanto o número de vítimas, quando nestas eram qualificados com um único crime.
IV- É nulo, nos termos do artigo 379º, nº 1, b), do Código de Processo Penal, o acórdão que condena um arguido pelo crime de tráfico de pessoas relativo a pessoas que não vinham identificadas como vítimas desse crime na acusação e na pronúncia, embora nestas a elas se fizesse alusão.
V- As escutas telefónicas, regularmente efetuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental, que o tribunal de julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência; essa prova documental não carece de ser lida em audiência e, no caso de o tribunal dela se socorrer, não é necessário que tal fique a constar da ata.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr1480/07.9PCSNT.G1.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B....... veio interpor recurso do douto acórdão do 2ºJuízo Criminal de Vila Nova de Famalicão que o condenou, pela prática de cada um de doze crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal, na pena três anos e dois meses de prisão; pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do mesmo Código, na pena de três anos e dois meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena de oito anos de prisão.

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:
«A. A Residencial C....... era uma casa onde se praticava o alterne e a prostituição está sobejamente provado nos autos, porém, a mesma já existia antes do arguido lá ter trabalhado, e continuou a existir depois da sua saída.
B. O arguido, por lá trabalhar, auferia mensalmente a quantia de € 750, que era depositada na conta bancária constante da acusação e de onde fazia adiantamentos para pagar aos fornecedores do bar.
C. Deverão ser considerados não provados os factos referidos nas alíneas e), l) e m) do nº 2, 17, 24, 25, alíneas b), d) e g), 39 e 40.
D. Não se verificam as circunstâncias qualificativas do n.º 2 do art.º 170º do Código Penal, - no caso está apenas em causa o abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência económica ou de trabalho ou outra situação de especial vulnerabilidade - pois a disponibilidade e a decisão das mulheres, para a prática da prostituição, nas concretas condições apuradas, ocorreu em momento anterior a qualquer relação laboral, foi prévia e independente de qualquer actividade do agente tipificada no art.º 170º n.º 2 do Código Penal;
E. O n.º 2 do art.º 170º do Código Penal, exige e pressupõe que é a partir dos meios ou atividades aí descritos que o agente fomenta, favorece ou facilita o exercício da prostituição. Assim não se verifica o tipo de ilícito qualificado pois as mulheres não foram levadas ao exercício da prostituição em virtude de relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho.
F. Não há qualquer processo enganoso, o cenário que lhes foi pintado foi o que elas encontraram. E o mesmo se diga, valendo aqui mutatis mutandis as precedentes considerações.
G. Vinha o arguido acusado da prática de quatro crimes, designadamente: um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art. 183º, nºs 1 e 2 da Lei nº 23/2007; um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art.160º, nº 1, als. a) e d) e nº 6 do Código Penal (CP); um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169º, nºs 1 e 2, als. a) e d) do CP; um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs 1 e 2 do CP.
H. Um processo penal de estrutura acusatória exige, para assegurar a plenitude das garantias de defesa do arguido, uma necessária correlação entre a acusação e a sentença que, em princípio, implicaria a desconsideração no processo de quaisquer outros factos ou circunstâncias (Professor Figueiredo Dias Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pág. 145). Foi assim negado ao arguido um direito essencial (protesta juntar Parecer sobre este assunto até à Audiência)
I. A douta sentença afirma que “Durante o julgamento, para os efeitos do art. 358º do Código de Processo Penal (CPP) foi transmitido aos arguidos que … (…) o Tribunal entende que é possível imputar aos arguidos (…) B......., outros crimes dessa natureza nos seguintes termos: Em relação ao B......., a coautoria desses mesmos crimes (10 crimes p. e p. pelo art. 160, nº 1, al. d) do CP)”.
J. Ou seja, o Tribunal a quo entendeu que ao abrigo do artigo 358º do CPP poderia limitar-se a “adicionar” mais 15 crimes do que o único crime de tráfico de pessoas de que o arguido vinha acusado.
K. Importa uma alteração substancial dos factos a acusação por um número de crimes substancialmente superior, quando esses factos não decorreram da audiência de julgamento, mas já eram conhecidos antes da douta Acusação. Ora, o Tribunal a quo no presente caso procedeu não ao julgamento por mais um crime, mas de mais 15 (QUINZE) crimes dos quais o arguido não vinha acusado, julgando tal tratar-se de uma alteração não substancial dos factos.
L. Mas do que verdadeiramente se tratou foi da imputação ao arguido de 15 crimes diversos, numa desproporcional e manifesta violação dos artigos 358º e 359º do CPP, pois os factos que serviram de suporte a este ampliar já constavam dos autos e não decorreram da audiência de julgamento, o que não permitiu ao arguido apresentar contestação ou defesa para os mesmos.
M. Pelo que no processo em curso, o arguido apenas poderia ser punido por um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º CP, devendo os restantes factos ser objecto de novo processo, no qual sejam asseguradas as garantias de defesa do arguido, nos termos do disposto no artigo 32º da Constituição.
N. Viola por isso, a sentença recorrida o disposto nos artigos 27º e 32º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se argui para todos os efeitos legais.
O. Tendo o arguido sido, a final, punido por doze crimes de tráfico de pessoas, é nula a sentença na parte em que lhe imputa onze crimes que não constavam da acusação, devendo tais factos ser julgados, quando muito, noutro processo, mas nunca no processo em curso.
P. Ora, da sentença não constam quaisquer factos concretizadores desta cláusula de especial vulnerabilidade, nem as alegadas vítimas se incluem em qualquer das situações abrangidas por aquele artigo, nomeadamente: idade, deficiência, doença ou gravidez.
Q. Foi afirmado em audiência por diversas testemunhas, nomeadamente pela testemunha D......., que muitas das alegadas vítimas do crime de tráfico de pessoas já exerciam a actividade de prostituição no Brasil, antes de virem para Portugal.
R. O mesmo foi afirmado pela testemunha E......., afirmando a sentença que “trabalhava no Brasil em apartamento, como garota de programa”.
S. As alegadas “vítimas” sabiam e tinham plena consciência de que vinham exercer a mesma actividade para Portugal.
T. O arguido podia por isso, e quando muito, ser responsável pela prática de um crime de lenocínio, de que vinha acusado, p. e p. pelo artigo 169º do Código Penal.
U. No presente caso, e tendo em atenção a matéria de facto dada como provada, apenas se poderia equacionar a punição do arguido pela prática de um crime de lenocínio, e não de doze crimes de tráfico de pessoas.
V. A conta bancária do arguido era utilizada por este para depositar os seus salários, bem como para efectuar pagamentos de contas do estabelecimento onde trabalhava.
W. Não tinha como objetivo dissimular a origem ilícita de tais fundos ou evitar que o dono do estabelecimento fosse criminalmente perseguido. Não se tendo demonstrado a intenção subjectiva do arguido, não poderia este ter sido punido pelo crime de branqueamento de capitais. Devendo por isso o arguido ser absolvido pela prática deste crime.
X. O Instituto de Reinserção Social, no relatório que juntou ao processo considerada impensável e desadequada a aplicação de uma pena de prisão efectiva, ao afirmar que o arguido deve, após o processo, “manter enquadramento laboral ou ocupacional regular”.
Y. O próprio Ministério Público, nas suas alegações, nem sequer pediu a aplicação de uma pena efectiva ao arguido, mas apenas de uma pena de prisão suspensa na sua execução. Pelo que deve considerar-se que é manifestamente desproporcional e grosseiramente desadequada a aplicação de uma pena de prisão efectiva ao arguido. Que nem sequer tem, até à data, quaisquer antecedentes criminais, tratando-se por isso de delinquente primário.
Z. Deve a pena aplicada ao arguido ser substituída por uma pena não detentiva da liberdade, atentas as necessidades de prevenção geral e especial no presente caso.
Só, assim, se fazendo a mais elementar JUSTIÇA
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
Artigos 1º, nº 1, al. f), 358º e 359º do Código de Processo Penal.
Artigos 160º, 169º e 368º-A do Código Penal
Artigos 27º e 32º da Constituição da República Portuguesa.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento deste recurso em relação às questões suscitadas, com exceção da qualificação jurídica dos factos provados, que considera ser a de doze crimes de lenocínio agravado, p. e p. pelos artigo 169º, nº 1 e 2, d) do Código Penal (não de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), como considera o douto acórdão recorrido, mas também não a de lenocínio simples, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do mesmo Código, como considera este recorrente). Partindo desta diferente qualificação jurídica, entende o Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância que este arguido deveria ser condenado na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento deste recurso.

O arguido F....... também veio interpor recurso desse acórdão, que o condenou, pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:
«1) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos presentes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, que considerou, quanto ao arguido F......., ora Recorrente, a pronúncia procedente e o condenou na pena de três anos e seis meses de prisão, pela prática, como co-autor, de um crime de branqueamento de capitais, previsto e punido no art. 368ºA, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, suspensa na sua execução por igual prazo, a contar do trânsito da respectiva condenação, com a condição de essa ser sujeita a regime de prova e de cumprir os deveres que resultam do art. 54º, nº 3, do Cód. Penal, e ainda os que resultarem do plano a elaborar, bem como o de evitar qualquer ligação a estabelecimentos ou pessoas relacionadas com o tipo de tráfico julgado neste processo ou qualquer tipo de exploração da prostituição e actividades conexas
2) O Recorrente, não está, nem pode estar, de acordo com o douto acórdão ora em crise, por esta decisão não consubstanciar uma opção justa, correcta e adequada, em sede de apreciação e valoração da prova e dos mais elementares princípios de direito, e que, ademais, se afasta do melhor enquadramento jurídico dos pressupostos fácticos em que assenta;
3) Entende o Recorrente que o conhecido vaticínio não pode, portanto, manter-se, por ter sido denegado ao Recorrente o seu direito de defesa (face à nulidade da acusação / pronúncia), por a (pretensa) factualidade dada como provada não integrar o tipo legal de crime por que foi condenado, por ter ocorrido violação do principio da acusação, pela insuficiência da matéria de facto provada para fundar a decisão, por existir erro notório na apreciação da prova, bem como valoração indevida de prova em correlação com os direitos do arguido, nomeadamente o direito de defesa consignado no art. 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição, não olvidando a violação do princípio “in dubio pro reo” (principio que, dizendo respeito à matéria de facto, é fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, até com expressão constitucional ao nível dos direitos fundamentais), e a da nulidade do douto acórdão recorrido por violação do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.;
4) Assim, o Recorrente, por não ter praticado o crime por que foi pronunciado e face à óbvia ausência de prova produzida, quer em sede de audiência de julgamento, quer no decurso de todo o processo, manifesta respeitosa, mas veemente, discordância pela matéria de facto e de direito constante da decisão recorrida quanto à sua responsabilidade criminal, vincando que se impunha a sua absolvição.
5) Na data dos pretensos factos dados como provados na douta decisão recorrida, que se reportam a Junho de 2008, o Arguido tinha apenas 30 anos de idade,
6) Sendo um jovem e inexperiente funcionário administrativo do G......., com contrato a prazo de um ano, e recém-chegado ao mundo altamente competitivo e feroz da actividade bancária e financeira.
7) Os funcionários de baixa hierarquia, como era o caso do Arguido – mero funcionário de balcão – não dispõe de qualquer autonomia e são encarados pela sua entidade patronal mais como meros vendedores do que como gestores,
8) Não dispondo sequer da especialização, capacidade criativa, sofisticação e acesso aos instrumentos financeiros necessários para incorrer no propalado branqueamento de capitais.
9) Não obstante todas as referidas condicionantes, que tiveram, por certo, influência no desempenho profissional do Arguido, este é uma pessoa equilibrada, trabalhadora e intrinsecamente honesta, que já não se encontra sequer ligado à actividade bancária.
10) À guisa de questão prévia, o Recorrente salienta que é nula a acusação, correspondente despacho de pronúncia e, consequentemente, do subsequente e douto acórdão agora recorrido.
11) Contrariando o princípio do acusatório – que consagra que a acusação terá de conter a narração de todos os factos necessários a servir de suporte a uma pena, estando vedado, nomeadamente ao juiz de instrução ou de julgamento – sob pena de nulidade – pronunciar ou condenar o arguido, conforme a fase do processo, por factos não constantes da acusação (cfr. art. 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e arts. 309º e 379º. al. b), ambos do Código de Processo Penal) - a douta acusação e correspondente pronúncia não contêm, como teriam obrigatoriamente de conter, factos que concretizassem o pretenso plano do arguido F......., em que consistiu o pretenso auxílio deste ao arguido H......., o seu conhecimento da pretensa ilicitude dos pretensos proventos ou sequer qual a pretensa vantagem que daí lhe adviria.
12) Constata-se, pois, que na acusação deduzida não figuram todos os factos necessários à integração da actuação do Arguido no referido tipo de ilícito, não lhe sendo sequer apontados “factos” concretos, mas apenas imputações genéricas, não susceptíveis de sustentar uma condenação penal.
13) Com a necessária vénia, entende o Recorrente que a nulidade da acusação, que aqui expressamente se invoca, constitui, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 119º, 283º, 3º, al. b), e 311º, 3º, al. b) do Código de Processo Penal, uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso, vício este que torna inválido o acto em que se verifica, no caso a acusação, bem como os que dele dependerem e resultem afectados pela nulidade (cfr. art. 122º do Cód. Proc. Penal) – como é o caso do correspondente despacho de pronúncia e do douto acórdão agora recorrido – por se operar a consequente invalidade da acusação e de todo o processado subsequente. Sem prescindir,
14) Versando já quanto aos factos e do direito quanto ao crime que o Recorrente não cometeu, mas por que vem condenado, enuncia este que no douto acórdão ora em crise foram considerados provados os factos que, sob essa epígrafe, constam na fundamentação de facto daquela decisão e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para efeitos da sua refutação;
15) O Recorrente considera incorrectamente julgados todos os “factos” ali considerados provados, com excepção da matéria que resulta dos crc’s e relatórios sociais;
16) Dos muitos “factos” considerados provados apenas nove se consideram relevantes quanto ao crime de branqueamento de capitais, mormente os factos 30 a 34, 37, 38, 45 e 46.
17) Em essência, a dissonância do Recorrente com o douto acórdão recorrido quanto à matéria de facto considerada provada, reside na circunstância de considerar relevantes e incorrectamente julgados os “factos” dos pontos 33, 34, 45 e 46.
18) Face à completa inexistência de prova que contrariasse a presunção de inocência que beneficia o Recorrente, não existindo, pois, prova a renovar, o teor do seu relatório social e o depoimento da testemunha abonatória ouvida, impõem decisão diversa da ora recorrida, servindo para infirmar todos os pontos de facto que supra se reputam de relevantes e incorrectamente julgados;
19) Com efeito, em audiência de julgamento e no âmbito da produção de prova, o nome do Recorrente não foi pronunciado uma única vez, por quem quer que fosse; não foi aí identificado como estando de algum modo relacionado com o processo por qualquer dos demais arguidos e / ou testemunhas; não foi visto nem identificado em qualquer das buscas realizadas à ordem dos presentes autos; nunca foi visto por ninguém ou identificado por quem quer que seja como tendo estado, fosse quando fosse, em qualquer dos estabelecimentos em causa nos autos; não foi objecto de, nem identificado em qualquer seguimento; não foi visualizada em audiência de julgamento – nem existe nos autos – uma única foto ou imagem do Arguido que o ligue aos estabelecimentos em causa nos autos ou aos demais arguidos; não foi visto ou examinado em audiência de julgamento qualquer documento onde figure o nome do Recorrente, como também não foi ouvida ou examinada em audiência qualquer escuta telefónica em que este tivesse conversado com qualquer dos arguidos.
20) O douto acórdão recorrido, ao condenar o Arguido sem que, quanto a ele, tivesse sido produzida qualquer prova susceptível de sustentar tal condenação em audiência de julgamento viola o princípio da imediação, interpretado no sentido de que toda a prova tem de ser produzida em audiência de julgamento com observância do princípio do contraditório; viola o próprio princípio do contraditório, que exige, no que à prova diz respeito, que esta seja produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial; e viola sobretudo o princípio do “in dubio pro reo”, impondo-se, pois, a absolvição do Recorrente.
21) Reitera-se a já aduzida violação do princípio da acusação, embora desta feita quanto ao acórdão recorrido, sendo certo que o constante e sistemático recurso a factos genéricos traduzidos na alusão a um “plano” que não se explicita, a “informações” que não se concretizam e a “metodologias” que não se enumeram;
22) É de condenar – o que se pretende que agora seja feito por via da rejeição da prova expressa nos assinalados moldes – que uma decisão assente em tão vaga factualidade, pois a necessária certeza jurídica deve supraceder qualquer mero prognóstico, conjectura ou aparência, sendo certo que qualquer decisão judicial tem de assentar na força da razão e não na razão da força;
23) A ligação do Arguido F....... a este caso é tangencial, decorrendo, em essência, de ser o funcionário do G....... que, em 2008, por determinação da sua entidade patronal – e mesmo assim, por força da sua inferior condição hierárquica no balcão onde laborava, subordinado ao respectivo Gerente – esteve incumbido de se ocupar da conta titulada por I......., aí domiciliada;
24) A maior prova da inexistência de uma ligação umbilical do Recorrente a qualquer pretenso plano como propugnado na acusação, reside na circunstância de este ter saído do G....... e ingressado no J......., sem que se verificasse qualquer ulterior contacto com qualquer dos demais arguidos em causa nestes autos. Não é razoável pensar-se que, caso fosse verdade o que consta do douto acórdão recorrido – o que não se concede, nem concebe – e existisse uma aliança, um plano criminoso entre os demais arguidos e o Recorrente F......., estes não “transitassem” com aquele para a nova Instituição bancária.
25) Também por mais este raciocínio se alcança que nenhuma prova foi produzida em audiência que pudesse, comprovar a factualidade dada como provada e, sobretudo, afastar a presunção de inocência que aproveita ao Recorrente F........
26) O Recorrente não praticou o crime de que vem acusado, nem tem qualquer ligação com os factos descritos na fundamentação de facto do douto acórdão, mas mesmo que se concebesse, sem conceder e apenas por mera hipótese académica, que os havia praticado, o certo é que, no caso em apreço, da matéria “fáctica” considerada provada não resulta sequer demonstrada a existência de um nexo de causalidade mínimo entre as vantagens e bens descritos nos autos e a conduta do agente, nem sequer a verificação de qualquer das modalidades da acção integradoras do tipo (expressamente definidas no n.º 2 e 3, do art. 368º-A, do C.P.)
27) Ainda no campo da hipótese académica suscitada, certo é que dessa mesma matéria dita fáctica não resulta sequer evidenciado que o Recorrente conhecesse a origem pretensamente ilícita das vantagens ou bens e, ainda, que tivesse actuado com intenção de as dissimular ou evitar que o autor ou participante da infracção subjacente fosse criminalmente perseguido, pelo que, não se verificando, como não se verificam, os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime em causa, jamais este se poderia considerar preenchido, impondo-se, também por tal, a absolvição do Recorrente.
28) Verifica-se uma total ausência de prova incriminatória quanto ao Recorrente, que se prevaleceu do seu direito ao silêncio em audiência.
29) Na ausência de declarações do Recorrente e dos demais arguidos quanto a este pretenso crime de branqueamento, bem como de quaisquer outros elementos atendíveis que houvessem sido apurados em sede de inquérito, e sendo certo que quanto a este (Recorrente F.......) nada foi apurado, visto ou examinado em audiência de julgamento, não existe, portanto, qualquer meio de prova em que possa assentar a decisão então proferida e ora recorrida.
30) No que respeita ao arguido F....... o Insigne Colectivo “a quo”, para sustentar o aduzido no douto acórdão recorrido, fundou-se – quanto a nós mal – exclusivamente nas escutas telefónicas.
31) Aliás, o próprio Meritíssimo Juiz-Presidente do Insigne Colectivo que produziu o douto acórdão recorrido, no decurso da sua leitura e à laia de comentário explicativo, afirmou, peremptória e convictamente, a inutilidade das escutas telefónicas enquanto meio exclusivo de prova contra um arguido, posição com a qual se concorda e é, também, doutrinal e jurisprudencialmente pacífica.
32) Acresce que, as referidas escutas telefónicas não só não foram notificadas ao Arguido, como não foram reproduzidas, transcritas, lidas e / ou examinadas no decurso da audiência de julgamento, pelo que, com o devido respeito por opinião divergente, não adquirem qualquer valor probatório, sob pena de se incorrer em nova violação do princípio da imediação.
33) Da impossibilidade de se valorar a única pretensa prova a que, quanto ao Recorrido F......., se alude no douto acórdão recorrido, nasce a consequência, em face da relevância decisiva que assumiram na formação da convicção do tribunal para dar por provados os pretensos (e quanto a nós inexistentes) factos conducentes à responsabilidade jurídico-penal deste Arguido / Recorrente, de se ter de considerar os mesmos como não provados, o que terá de conduzir, inevitavelmente, à decisão da sua absolvição, em obediência ao princípio do “in dubio pro reo”.
34) Não se poderia, assim, ter dado como provados quaisquer dos pretensos “factos” que, refutados pelo Recorrente, constam dos “factos provados” do douto acórdão, do que resulta um erro notório da apreciação da prova que, a ser devidamente apreciada, levaria à absolvição do arguido, ora Recorrente, também por insuficiência da matéria de facto apurada para a integração do crime de branqueamento de capitais, em flagrante violação do que dispõe o art. 410, nºs 1 e 2, als. a e c) do Cód. Processo Penal. Ainda e sempre sem prescindir,
35) O douto acórdão recorrido não concretiza as razões que o levam a concluir, com base nas escutas telefónicas – por ausência de qualquer outro elemento probatório – que o Recorrente incorreu na prática do crime de branqueamento de capitais por que vem condenado, incorrendo dessa forma na nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 374º n.º2, ambos do Cód. de Proc. Penal, que terá de conduzir à sua anulação;
36) O douto acórdão recorrido violou, assim, as normas jurídicas que foram sendo enumeradas ao longo das presentes motivações, encerrando na sua explanação e na perspectiva do Recorrente, o sentido em que foram entendidas pelo Tribunal “a quo” e o sentido em que deviam ter sido interpretadas, bem como as normas jurídicas que, não tendo sido aplicadas, coubessem no caso vertente. Salienta-se, ainda assim, a nulidade da acusação, correspondente despacho de pronúncia e, consequentemente, do subsequente e douto acórdão agora recorrido, por violação do disposto no art. 32º da Constituição da República Portuguesa, com especial incidência no seu n.º 5, e arts. 119º, 283º, n.º 3, al. b), 309º, 311º, n.º 3, al. b) e 379º. al. b), todos do Código de Processo Penal; da ofensa do princípio da legalidade (art. 118º do C.P.P.), traduzida na nulidade prevista no artigo subsequente, a violação dos princípios da acusação, do contraditório e do “in dubio pro reo”, decorrentes respectivamente, do disposto nos arts. artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1, 2, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa. Sustenta-se o não preenchimento do tipo legal de crime em causa, com ofensa, portanto do disposto no art. 368º-A do C.P., da violação do disposto nos arts. 327º e 355º e ss. do C.P.P.. Não se olvidou o erro notório na apreciação da prova e a insuficiência da matéria de facto apurada para a integração do crime de branqueamento de capitais, em flagrante violação do que dispõe o art. 410, nºs 1 e 2, als. a e c) do Cód. Processo Penal, ou sequer da inobservância do disposto na al. a), n.º 1, do art. 379º, por referência ao art. 374º n.º2, ambos do Cód. de Proc. Penal.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento deste recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento deste recurso.

A arguida K....... também veio interpor recurso desse acórdão, que a condenou, pela prática de cada um de oito crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal, na pena de três anos e dois meses e, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos de prisão.

São as seguintes as conclusões da motivação desse recurso:
«1.Não pode a recorrente conformar-se com o subscrito no douto Acórdão.
2. A recorrente não pode conformar-se com o subscrito no douto Acórdão no que diz respeito à imputação à recorrente de oito crimes de tráfico de pessoas, bem como no que concerne à pena de prisão de 6 anos que lhe foi aplicada, em cúmulo jurídico, pela alegada prática em coautoria daqueles crimes.
3. O crime de tráfico de pessoas, como bem se lê no trabalho de Pedro Vaz Patto, Juiz de Direito, Docente do C.E.J., não se pode confundir com a exploração da prostituição em geral que se reveste de gravidade menor que aquele outro.
4. Para configurar o crime de tráfico de pessoas é pressuposto que a recorrente haja praticado os atos aproveitando-se da vulnerabilidade da vítima.
5. Naquele mesmo estudo do Meretíssimo Juiz Pedro Vaz Patto, onde o Tribunal a quo colheu experiências alemã e holandesa, é mencionada também a experiência italiana e até o Manual do International Center for Migration Policy Development que indica outros indícios da prática do crime de tráfico para exploração sexual que não os previstos pela experiência alemã e holandesa como seja a retenção de documentos pelo “traficante”, proibição ou restrição de contactos com outras pessoas par além do “traficante” e mesmo com outras pessoas, também a este sujeitas; ameaças para não abandonar a atividade; isolamento; desconhecimento da língua do país de destino e separação de amigos e parentes; atividades ligadas a organizações criminosas.
6. É ténue, reconhecemos, a linha de fronteira que separa o tráfico de pessoas do lenocínio.
7. No entanto, e na esteira do defendido pelo Juiz Pedro Vaz Patto, o grau de instrumentalização da vítima será fundamental para punir o agente com um ou outro tipo legal de crime, considerando que as condições do exercício da prostituição podem fazer a distinção entre um e outro.
8. Reconhecendo aquele estudo que as situações que conduze, a vítima à prostituição terem quase sempre a sua origem na especial vulnerabilidade da vítima e que tal situação constitui sempre um atentado à dignidade da pessoas humana.
9. há situações em que aquela vulnerabilidade é mais acentuada , assim como a coisificação da pessoa é mais acentuada.
10. E o critério de distinção, prosseguindo o mesmo estudo, “… há-de depender, pois, de uma comparação quanto às condições de exercício da prostituição: no que se refere à retribuição do serviço, à percentagem dessa retribuição que cabe à mulher, aos horários, à autonomia pessoal em geral.
11. É manifesto que a prostituição a que se dedicavam as cidadãs brasileiras que se encontravam a trabalhar na Residencial C......., sendo certo que no período a que se refere o douto Acórdão em que a recorrente teria praticado os factos de que vem acusada, o arguido principal nos presentes autos, H......., não era ainda proprietário da discoteca L......., não pode ser considerada a ponto de constituir um tráfico de pessoas.
12. Vejam-se os factos dados como não provados que demonstram a inexistência de factos justificativos da imputação de tal crime.
13. Sem deixar de aceitar o desvalor da conduta da recorrente, equipara a situação presente nos autos a um crime de tráfico de pessoas, a escravatura, parece-nos, mais uma vez com o devido respeito, um manifesto exagero por parte do douto Acórdão de que se recorre.
14. Se é certo que às cidadãs era retida a quantia devida a título de reembolso das despesas havidas com a viagem pagas pelo arguido H......., também é certo que não resulta dos autos, e nomeadamente dos factos dados como provados, que a quantia a restituir estava sobrevalorizada e que as cidadãs não haviam prestado consentimento para tal.
15. Também não estavam sujeitas a qualquer rendimento diário.
16. Nunca as cidadãs estiveram privadas de movimentos, sendo certo que nem a aplicação das alegadas multas por se ausentarem ficou provada nos presentes autos, nem nunca foram obrigadas a praticar determinados atos sexuais (v. experiência alemã mencionada nos autos).
17. Não existiu isolamento social, ameaças de violência física, chantagens, atitudes servis, retenção de documentos, atividades sem horários, janelas com barras, desconhecimento da língua do país de destino, fecho de entradas e saídas.
18. Equipara a situação dos presentes autos ao máximo da violação da dignidade humana, imputando à recorrente atos de imposição de escravatura, é, no nosso modesto entender, manifestamente exagerado.
19. Não podemos também olvidar que a recorrente era casada com o principal arguido dos autos, dependendo financeiramente deste, havendo uma filha menor do mesmo. Ficou provado nos autos que o arguido H....... exerceu violência física sobre a recorrente, havendo sido condenado por violência doméstica.
20. bem como que, todos os pagamentos que a recorrente fez de viagens de cidadãs brasileiras, foi sempre a mando do arguido H......., ainda que tal dinheiro pertencesse à recorrente.
21. Também a recorrente se encontra numa situação de vulnerabilidade em relação àquele H......., nomeadamente a dependência financeira e o facto de haver uma filha menor do mesmo.
22. não dispondo a mesma de qualquer posição de “chefia” nos intentos e na gerência dos estabelecimentos comerciais daquele e nomeadamente a Residencial C....... e o L........
23. Por todo o exposto, entende a recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação dos factos dados como provados ao imputar-lhe a prática, em coautoria, do crime de tráfico de pessoas, sendo que tais factos configuram, isso sim, o crime de lenocínio que se aceita.
24. Sob pena de comprometer o embasamento das diligências adoptadas e seus resultados, cumpre afirmar que, não se questionando a verosimilhança das ilações retiradas de uma apreciação crítica das provas, tem-se como inadequada, face aos factos apurados, a medida da pena concretamente apurada de 6 anos em cúmulo jurídico.
25. a fundamentação de uma decisão tem de permitir avaliar o porquê dessa decisão. Assumindo que aquela se encontra preenchida, questionam-se as suas derivações.
26. Afigura-se-nos que os elementos recolhidos no decurso das diligências adoptadas, a análise e ponderação da matéria probatória carreada e a interpretação conjugada dos elementos disponíveis nos autos não habilitam a que a sanção privativa da liberdade com que a recorrente foi cominada seja de 6 anos.
27. Colocam-se em crise os termos em que se procedeu à determinação da medida concreta da pena.
28. No que concerne á escolha e determinação das penas, a fase de plena discricionariedade judicial que encarava a determinação da pena como manifestação paradigmática da arte de julgar encontra-se superada.
29. Após a determinação da moldura abstrata da pena é necessário proceder à determinação da medida concreta da pena, à sua quantificação e por fim a escolha da pena.
30. O art. 71º, nº 1 do Código Penal (CP) determina que o quantum da pena de prisão seja fixado em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
31. Atendendo ao preceituado, a culpa funciona como limite da pena, inviabilizando, desde logo, que alguém seja punido com pena mais elevada em atenção a fins de prevenção geral ou especial.
32. Sufraga-se o entendimento de que, a medida da pena terá que ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva, definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial positiva, defendido pelo Professor Figueiredo Dias.
33. O douto Acórdão não ponderou tal dinâmica.
34. Ora, sem prescindir a crítica e respetiva impugnação da parte da matéria de facto dada como provada, atendendo apenas exclusivamente à matéria efetivamente dada como provada pelo Tribunal a quo no seu douto Acórdão,
35. é nosso entendimento que a decisão concretamente proferida contraria o objetivo da política criminal que a Lei perspetiva e que a justiça não pode subtrair-se, que é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e da primazia e preferência da lei pelas penas não privativas da liberdade, uma vez que condenou a arguida em pena única de prisão de 6 anos.
36. quando poderia e deveria, tendo em conta a prova produzida, e tendo em conta as concretas necessidades de prevenção geral e especial, e as circunstâncias que depunha a favor e contra a mesma, condenado em pena bem inferior.
37. O conteúdo reeducativo das penas consagra, além do aspeto punitivo, a reintegração social do delinquente. A matriz humanista do nosso direito penal não bloqueia esta realidade, antes a promove. A recorrente, admitindo-se a autoria dos crimes, terá de ser punida.
38. Mas esse castigo não lhe pode nem deve fechar as portas de uma ulterior vida honesta.
39. A recorrente está perfeitamente integrada socialmente, tem dois filhos menores a seu cargo (cfr. relatório social constante dos autos), não possuindo quaisquer antecedentes criminais.
40. Assim, a recorrente apela que lhe seja dada uma merecida e justa oportunidade de iniciar um correto caminho, adentro dos interesses de reinserção social que o nosso ordenamento institui.
41. O Tribunal a quo, e como o devido respeito, ao condenar a recorrente na pena de prisão de 6 anos, fê-lo sem apresentar um único fundamento para a escolha daquela dosimetria e não de outra.
42. Aliás, afigura-se existir, nesta questão concreta da escolha e determinação da medida da pena, falta de fundamentação, que consubstancia nulidade do artigo 379º, nº 1, alínea a) e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, o que aqui se suscita e alega para os devidos e legais efeitos.
43. Pelo exposto, é nosso entendimento que, no caso concreto e tendo em conta tudo o que se acaba de referir quanto à determinação da medida da pena e tendo em conta as concretas exigências de prevenção geral e especial e tendo em conta todas as circunstâncias que depõem a favor da recorrente, a pena aplicável à recorrente, deveria ser inferior aos 6 anos de prisão, em cúmulo jurídico, em que foi condenada e suspensa a sua execução.
44. Pelas expostas razões, impõe-nos a conclusão que se lamenta dum desrespeito da concordância prática dos valores em causa, valores imperativamente atendíveis por nenhuma sanção poder ser aplicável afora da teleologia específica do conjunto de meios que é o processo penal, convergente com a regeneração pessoal e social do delinquente, afetante da ponderação de meio e fim ínsita no princípio da proporcionalidade.
45. Ora tal não foi respeitado, desequilibrando-se desrazoavelmente o princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade entre prova e pena, que um outro igualmente ponderoso de igualdade de todos perante a Lei também impõe, pela circunstância que mereceu a justificação que o douto Acórdão contém da personalidade da recorrente e do justificativo racional que esta oferecia para as condutas delituosas imputadas.
46. São os inputs referidos por Max Weber que não inquinam pela compreensão que merecem mas afetam pela injustiça que possibilitam é contra esta que se protesta, nesta vertente de violação dos aludidos princípios jurídico-constitucionais de proporcionalidade, igualdade e dos direitos e garantias de todos perante a Lei.
47. consignados e estatuídos nos artigos 13º, 18º e 32º da Constituição da República Portuguesa, decorrente de inconstitucionalidade material dos artigos 40º, 70º, 71º e 160º, nº 1, d), do Código Penal, que ora se suscita.
48. Pelo exposto, foram violados os artigos 40º, 70º, 71º e 160º, nº 1, d), do Código Penal e artigos 120º, nº 2, d), 369º e 410º, nº 2, do Código de Processo Penal e artigos 13º, 18º e 32º da Constituição da República Portuguesa:»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo provimento deste recurso em relação à qualificação jurídica dos factos provados, que considera ser a de oito crimes de lenocínio agravado, p. e p. pelos artigo 169º, nº 1 e 2, d) do Código Penal (não de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), como considera o douto acórdão recorrido). Partindo desta diferente qualificação jurídica, entende o Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância que esta arguida deveria ser condenada na pena única de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento deste recurso.

O arguido I....... veio também interpor recurso desse acórdão, que o condenou, pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão; pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do mesmo Código, na pena de três anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:
«A) Vem o presente recurso interposto do acórdão que julgou procedentes as acusações deduzidas pelo Ministério Público e condenou o arguido como co-autor, em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. no art. 160º, nº1, al. d) do Código Penal e de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. no art. 368-A, nº1 e 2 do Código Penal.
B) Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo não julgou correctamente a matéria de facto nem interpretou e aplicou correctamente as normas legais atinentes.
C) No que concerne à decisão da matéria de facto, o recorrente discorda da mesma por considerar que assenta em erro notório na apreciação e avaliação da prova produzida, com reflexos na fundamentação da douta sentença, o que evidencia grande subjectividade e contradição intrínseca.
D) Mais precisamente, entende o recorrente que foram incorrectamente considerados provados factos descritos no item 29, 30, 32, 40, 41 e 44 do douto acórdão que ora se recorre, nomeadamente por a prova que serviu de fundamento para sustentar a decisão recorrida se revelar manifestamente insuficiente e, também, por ter sido produzida prova que impunha decisão contrária à que foi tomada, como se demonstrará.
E) A condenação do recorrente, pelos respectivos crimes atrás enunciados, encontram-se alicerçados nos seguintes factos dados como provados no acórdão recorrido:
F) Quanto ao crime de tráfico de pessoas:
- O tribunal a quo considerar como provado que “ (...) e I....... não desconheciam a assinalada situação de fragilidade em que se encontravam as cidadãs brasileiras e mesmo assim, não se coibiram de (respetivamente e nos termos atrás individualizados) as fazer transportar, alojar e acolher para fins de exploração sexual”, assim como que “I......., M......., não ignoravam que parte das cidadãs transportadas por H....... ou por alguém a seu mando, alojadas nos estabelecimentos supra referidos, não podiam entrar nem permanecer em Portugal, sem que para tanto estivessem habilitadas pelas competentes autoridades nacionais, mas sendo assim o I....... não se coibiu de prestar a sua colaboração para que as mesmas se mantivessem ali alojadas;
G) O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção positiva nos meios de prova e meios de produção de prova referenciados de fls. 5558 a 5605, que, por uma questão de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidas.
H) Da prova produzida não resultou provado que o ora recorrente de algum modo tivesse “oferecido, entregue, recrutado, aliciado, aceite, transportado, alojado ou acolhido pessoas para fins de exploração sexual”, as cidadãs brasileiras ofendidas nos autos, muito menos aproveitando-se da incapacidade psíquica ou de especial vulnerabilidade destas.
I) Mais ainda, no que concerne à prova testemunhal, também esta não foi suficiente para elidir, de forma inquestionável, a presunção de inocência do arguido, como se passa expor.
J) Ora, em momento algum as testemunhas concretizam a que “Paulo” se referem, não identificam devidamente os “Paulos” que mencionam e não houve qualquer reconhecimento presencial dos arguidos nas audiências de julgamento.
K) Acontece que nos presentes autos estavam constituídos arguidos três Paulos, o ora recorrente, o arguido N....... e M........
L) Ora, salvo devido respeito por opinião diversa, entende o recorrente que os testemunhos prestados e prova produzida não foram minimamente elucidativos sobre o alegado envolvimento do ora recorrente na prática de um crime de tráfico de pessoas.
M) Não podia, assim, o Tribunal a quo sustentar, como sustentou, a prática pelo recorrente do crime de tráfico de pessoas nos depoimentos supra descritos e na restante prova produzida. A mera circunstância de a decisão se louvar nesses depoimentos e na restante prova produzida referida no douto acórdão representa, só por si – erro manifesto de valorização da prova, tendo violado o disposto no artº 410º, nº 2, al. b) do Cód. Proc. Penal.
N) Mais ainda, como supra se referiu, sempre resultariam fundadas dúvidas quanto à prática do crime de tráfico de pessoas, pelo qual foi condenado, pelo que, mesmo nesta hipótese, ao proferir o douto acórdão que ora se recorre o Tribunal a quo viola, ainda assim, o princípio do “in dúbio pro reu”, constitucionalmente consagrado no artº 32º da C.R.P.
O) Assim, ao decidir, como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 160º, nº1, al. d) do Código Penal e 32º da C.R.P.
P) Quanto ao crime de branqueamento de capitais, entendeu o Tribunal a quo dar como provados os seguintes factos:
“O......., I......., B....... e P....... permitiram que H....... utilizasse os seus nomes para figurar nos contratos que tivesse por convenientes, bem sabendo que assim tentava mascarar os proveitos que viriam da sua atividade de exploração sexual de cidadãs, com o intuito de assim, permitiram a H....... que este se eximisse a responsabilidade criminal.”
Q) O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção positiva nos meios de prova e meios de produção de prova referenciados de fls. 5558 a 5605, que, por uma questão de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidas.
R) Ao contrário do dado como provado pelo tribunal a quo, o recorrente entende que não ficou provado que as contas tituladas e as transacções efectuadas, mencionadas na motivação da decisão de facto, estivessem relacionadas com os alegados “ proveitos que viriam da sua actividade de exploração sexual de cidadãs”.
S) Com efeitos, ambos os estabelecimentos nocturnos funcionavam indubitavelmente como bares, com consumo de bebidas e produtos alimentares cujos pagamentos eram efectuados pelos T.P.A aí instalados, pelo que não é possível ao tribunal a quo distinguir as quantias provenientes desses actos lícitos e dos demais.
T) Desta forma, a prova acima referida impunha decisão contrária à que foi tomada, nomeadamente uma que não desse como provada a proveniência das quantias aí referidas dos actos sexuais praticados.
U) Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto no art. 368-A, nº1 e 2 do Código Penal.
V) Caso ainda assim não se entenda, ou seja para a hipótese de se considerar correcta a aplicação ao arguido da prática dos crimes pelos quais foi condenado, sempre se revelaria manifestamente desproporcionada e desadequada, por excesso, a determinação das penas parcelares que lhe foi aplicada pela prática de cada um dos crimes e, também, do cúmulo aplicado.
W) Com efeito, a determinação das penas tem de se fazer com base na culpa e na prevenção, não sendo de aplicar, de forma alguma, o critério de se partir do meio da moldura penal do crime para se encontrar a pena concreta.
X) Além dos critérios da culpa e prevenção, deve também ter-se em atenção as atenuantes para encontrar a pena concreta, sempre com o propósito da reintegração do recorrente na sociedade, causando só o mal necessário.
Y) O tribunal a quo em consideração a idade do recorrente, 30 anos, e a possibilidade, mais que provável, da sua ressocialização.
Z) Mais ainda, conforme resulta dos autos, o recorrente não tem antecedentes criminais e teve uma boa conduta destes 6 anos que decorreram entre os factos e a presente data.
AA) Em face de tudo o exposto, devem as penas serem alteradas e reduzidas no seu quantum.
BB) Nunca deveria, assim, ao recorrente, em cúmulo jurídico ser-lhe aplicada pena de 5 anos, ainda que com execução suspensa.
CC) O tribunal a quo ao decidir, como decidiu, violou as disposições normativas previstas nos art.ºs 70º, 71º, n.º1, 2, al. a), b), c), e), 72º, n.º 2, al. c) e, também, as disposições combinadas dos art.º 73º, aplicável ex vi pelo art.º 23º, e 77º, todos do Código Penal.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento deste recurso em relação às questões suscitadas, à exceção da medida das penas em que este arguido foi condenado. Partindo da qualificação jurídica dos factos provados como de um crime de lenocínio agravado, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 e 2, d), do Código Penal (e não um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do mesmo Código, como consta do acórdão recorrido), e um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do mesmo Código (aqui, como consta do acórdão recorrido), entende o Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância que este arguido deveria ser condenado na pena única de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento deste recurso.

O arguido H....... veio também interpor recurso desse acórdão, que o condenou, pela prática de cada um de doze crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160, nº 1, d), do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão: pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do mesmo Código, na pena de cinco anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de doze anos de prisão.

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:
«1 - O Tribunal a quo entendeu que a conduta do arguido integra a prática de doze crimes de tráfico de pessoas, p. e p. no art.º 160º, nº 1, al. d) do Cód. Penal.
2 - Os factos tidos por provados não permitem o enquadramento da acção do arguido no tipo legal de crime de tráfico de pessoas em virtude de não se verificar o elemento objectivo do tipo, ou seja, a verificação do aproveitamento de uma qualquer situação susceptível de integrar o conceito indeterminado de especial vulnerabilidade da vítima.
3 - Pois, a especial vulnerabilidade mencionada na al. d), é, como refere A. Taipa de Carvalho, uma vulnerabilidade absoluta, ou seja, é uma vulnerabilidade que resulta da situação em que a vítima se encontra, e que, por isso, pode ser aproveitada por qualquer pessoa.
4 - A mesma só se verifica quando à pessoa em questão não resta uma alternativa real e aceitável senão submeter-se ao que é proposto.
5 - O crime de tráfico de Pessoas é, quanto aos meios utilizados, um crime de execução vinculada, dado que a oferta, a entrega, o aliciamento, o transporte, o alojamento ou acolhimento de pessoa para fins de exploração sexual tem de ser precedida ou acompanhada de um dos meios referidos nas alíneas do n.º 1 do artigo 160.º do Código Penal, in casu, a especial vulnerabilidade da vítima, prostituta de “profissão” que aceita as condições propostas para trabalhar irregularmente em Portugal.
6 - Nenhuma manobra ardilosa ou fraudulenta susceptível de induzir a(s) vítima(s) em erro e assim aproveitando-se de uma qualquer situação de vulnerabilidade desta(s) designadamente que em razão de uma qualquer situação de pobreza extrema e sem possibilidade de prover ao seu sustento e/ou da família que dela(s) depende(m), consente(m) em dedicar(em)-se à prostituição.
7 - Todas as identificadas vítimas eram prostitutas no país de origem e não foram vítimas de um qualquer ardil urdido pelo arguido recorrente.
8 - Reportando-se a especial vulnerabilidade ao momento que antecede entrega, o aliciamento, o transporte, o alojamento ou acolhimento de pessoa para fins de exploração sexual, não decorre da matéria de facto provada factos susceptíveis de integrarem o conceito de especial vulnerabilidade da vítima no momento em que lhe é proposto viajar par Portugal.
9 - Do confronto entre os factos provados e não provados decorre que o tribunal a quo não dispunha de suporte probatório suficiente para considerar que o arguido praticou 12 crimes de tráfico de pessoas aproveitando-se da especial vulnerabilidade das vítimas. Pelo que, não se podendo extrair da matéria de facto provada a conclusão a que chegou o tribunal a quo de que o arguido praticou as condutas aí referidas aproveitando-se de uma situação de especial vulnerabilidade das vítimas, há, destarte, inequívoca contradição, pois, uma de duas: ou há uma insondável razão para assim ser – as vítimas não tinham outra alternativa possível senão aceitarem as condições propostas para viajarem para Portugal e aqui dedicarem-se à prostituição - o que não se encontra devidamente explicado e, nessa perspectiva, a decisão sobre a matéria de facto enferma de nulidade (artigo 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2, do C.P.P.), ou aquela resposta de que o arguido/recorrente aproveitou-se de uma situação de especial vulnerabilidade das vítimas, resulta em insuprível contradição com os elementos de prova carreados para os autos (artigo 410.º, n.º 2, al. b), bem como erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, al. c), e consequente incorrecto enquadramento jurídico da mesma matéria de facto e violação do artigo 160.º, n.º 1, al. d) do Código Penal.
10 - Na fundamentação da matéria de facto provada o tribunal a quo consignou que não teve dúvidas quanto ao arguido H....... no que respeita ao apurado aliciamento, transporte e ou alojamento das mulheres brasileiras identificadas em 25. e 26. (leia-se 26 e 27), dos factos assentes face ao cruzamento da prova documental com testemunhal designadamente de Q......., todavia, do depoimento da testemunha resumido no douto acórdão recorrido decorre que a testemunha desde o início, ainda no Brasil, sabia ao que vinha, que a mesma nunca foi coagida, nem por qualquer forma coartada na sua liberdade.
11 - Não resulta, pois, que a testemunha tenha sido vítima de uma manobra ardilosa ou fraudulenta do arguido, susceptível de a induzir em erro e assim permitir a este aproveitar-se de uma qualquer situação de vulnerabilidade daquela que, por isso, consente em dedicar-se à prostituição.
12 - É, pelo contrário, notório que a testemunha sabia ao que vinha, sabia que vinha para Portugal para se dedicar à prostituição.
13 - Destarte, do texto da decisão recorrida, por si só, resulta um vício a que se reporta a al. b) do n.º 2 do artigo 410.º, do C.P.P., o qual expressamente se invoca com todas as consequências legais.
14 - Como decorre da fundamentação da matéria de facto, não se vislumbra que se pudessem considerar que as mulheres oriundas do Brasil se encontravam em situação de especial vulnerabilidade nos termos ali exarados, em virtude de todas elas terem conhecimento que tinham que suportar os encargos da viagem, despesas com alimentação e alojamento, e pagando o encargo da viagem podiam trabalhar onde quisessem.
15 - De facto não decorre da fundamentação que as mulheres que foram ouvidas como testemunhas e em declarações para memória futura estivessem numa situação de especial vulnerabilidade, que fossem coagidas e limitadas na sua liberdade de locomoção.
16 - A proposta apresentada às mulheres consistia, pois, em pagar a viagem para Portugal para se prostituírem e “altenarem”, sendo previamente comunicado o preço e as condições de pagamento do mesmo.
17 - Uma vez no território nacional, as mesmas não se encontravam em situação de especial vulnerabilidade, mas mesmo que, uma vez em Portugal, passassem a encontrar-se nessa situação, como se consignou no item 24 da matéria de facto provada, a verdade é tal circunstância era posterior ao alegado aliciamento da prostituta, e não especial vulnerabilidade reportada ao momento que antecedeu o aliciamento.
18 - Pelo que, também por este segmento da decisão ora posta em crise se verifica que o tribunal a quo entendeu, não obstante o crime de tráfico de pessoas ser, quantos aos meios, um crime de execução vinculada, que o mesmo se encontrava preenchido, apesar de expressamente resultar do predito item 24 da matéria de facto provada, que a alegada especial vulnerabilidade era posterior ao aliciamento.
19 - Acresce que se nos afigura não ter, o referido facto constante do item 24, apoio na prova produzida como expressamente decorre da fundamentação, ocorrendo assim contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, a qual resulta do texto da decisão recorrida e que o arguido expressamente invoca com todas as consequências legais (art.º 410.º, n.º 2, al. b).
20 - O crime praticado pelo arguido é, face aos factos provados e ao supra exposto, um crime de lenocínio e não crime de tráfico de pessoas.
21 - Da matéria de facto provada não resulta que o arguido/recorrente haja fomentado a prostituição das mulheres que trabalhavam nos estabelecimentos de diversão nocturna, referidos nos autos, limitando-se, pois, a favorecer ou facilitar a prática eventual de tais actos. Ao não ter fomentado mas apenas favorecido e facilitado a prática da prostituição, tal conduta é diferente e tem reflexos no plano da culpa que, obviamente, se deverá reflectir ao nível da pena concreta.
22 - Relativamente ao período em que o recorrente explorou directamente os estabelecimentos comerciais referidos nos autos, não resulta de nenhum dos factos tidos por provados que a actuação deste se consubstanciasse na prática de actos susceptíveis de integrar o crime de lenocínio agravado, dado que não resulta provado que o mesmo usasse de violência, ameaça grave, ardil, manobra fraudulenta, de abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima ou de qualquer outra situação de especial vulnerabilidade.
23 - A actuação do arguido enquadrar-se-ia, pois, no ilícito previsto no n.º 1 do artigo 169.º, do Código Penal.
24 - Não obstante os factos tidos por provados no item 24 aparentemente se verificar relativamente a algumas das mulheres uma situação de especial vulnerabilidade afigura-se-nos que, como decorre do resumo do depoimento das testemunhas, nenhuma delas se encontrava em Portugal contra a sua vontade, eram prostitutas no Brasil e aceitaram deslocarem-se para cá com o propósito de prosseguirem a mesma actividade profissional e ganharem mais.
25 - Da situação de permanência ilegal no território nacional não se pode extrair tout cour que as mulheres se encontravam numa qualquer situação de especial vulnerabilidade, e, ademais, em Portugal (contrariamente à Alemanha e Holanda e outros países) não seria possível à prostituta obter visto de entrada para o exercício da prostituição, o que sempre foi delas conhecido.
26 - De facto, sobre as referidas mulheres de nacionalidade brasileira não resulta, da prova, que sobre as mesmas fosse exercida coacção ou fossem sujeitas a violência física, ou limitadas na sua liberdade de movimentos, não lhes sendo retidos os passaportes nem as remunerações acordadas depois de deduzidas as quantias ajustadas a título de despesas, sendo, aliás, certo que podiam sair do local onde se encontravam e depois de pago o preço acordado pela viagem, podiam trabalhar onde pretendessem.
27 - Por isso, não podemos concordar com a afirmação constante do acórdão recorrido de que quase todas as situações que conduzem à prostituição se ligam a situações de particular vulnerabilidade ou de extrema pobreza, uma vez que tal afirmação decorre de um qualquer estudo sociológico, sendo conclusivo e não podendo ser extrapolado para o caso concreto, uma vez que, para no caso aferir da particular vulnerabilidade das prostitutas, necessário se tornava carrear para os actos factos concretos de onde se pudesse extrair semelhante conclusão.
28 - É, aliás, notório o esforço do Tribunal a quo, face à falência de prova relativamente aos factos susceptíveis de integrar qualquer outra das alíneas do n.º 1 do artigo 160.º do C. P., em concluir pela situação de especial vulnerabilidade consignando que a situação desenhada nos factos assentes está contextualizada por circunstâncias que denotam a especial vulnerabilidade das vítimas, sem contudo, as concretizar.
29 - Destarte o crime praticado pelo arguido é o de lenocínio previsto e punido pelo art.º 169.º, n.º 1, do C. P.
30 - No que ao crime de branqueamento de capitais concerne, afigura-se-nos que ao arguido não podia ser imputado semelhante ilícito criminal. O recorrente invoca, por isso, uma errada qualificação jurídica dos factos dados como provados na decisão proferida pelo tribunal a quo.
31 - Da actividade prosseguida nos estabelecimentos comerciais explorados pelo arguido, a resultante do serviço de bar era uma actividade comercial lícita, licenciada e publicitada nos jornais locais e na internet (item 16, a., b. e c.), com terminal de pagamento automático (TPA), e consequentemente movimento da conta bancária a que estava associado. Desconhecendo-se quais das quantias referidas nos itens 31 e 32 dos factos provados eram efectivamente provenientes de atos de prostituição.
32 - Para que o agente pratique um crime de branqueamento, necessário se torna que a conduta do agente preencha integralmente o tipo legal de crime.
33 - O processo de branqueamento de capitais por regra e por norma não se esgota num só acto pelo qual se procura distanciar um bem da sua origem ilícita, conferindo-lhe uma aparência de licitude ou, por outras palavras, dissimulando a sua origem ilícita.
34 - Para que ao agente seja imputada a prática de tal crime necessário se torna que a actuação decorra da execução de um plano finalisticamente dirigido a ocultar ou dissimular bens, ou seja, a actuação com o fim de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens exprime que o desvalor da acção está em impedir a demonstração ou prova de tal origem (sem o que não se verifica branqueamento), sabendo-se que dessa prova depende a possibilidade de confiscar os bens de origem ilícita e, com o tal, de afirmar o princípio político-jurídico segundo o qual o crime não deve propiciar quaisquer ganhos patrimoniais.
35 - Importa, pois, determinar que o agente aquando de tais operações, designadamente, depósitos bancários, agiu com tal intenção. Pois, a não ser assim, o mero depósito em conta bancária ou mesmo a mera transferência entre contas bancárias sem ocorrer tal intuito, seria punível.
36 - Ainda que o agente proceda a depósito bancário em conta de que o próprio ou terceiro é titular não significa por si só que estejamos perante um caso de branqueamento. Isto porque não ocorre a violação do bem jurídico tutelado, na medida em que facilmente pode ser reconstituído documentalmente, como efectivamente o foram, os movimentos financeiros efectuados.
37 - O agente terá que querer com a sua conduta ocultar ou dissimular a verdadeira origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens oriundos de crime precedente. Isto é o agente terá que praticar um dos actos descritos e o mesmo terá que constituir um meio de atingir o fim predeterminado – ocultar ou dissimular a verdadeira origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens oriundos dos crimes previsto no n.º 1 do artigo 368.º-A, do Código Penal.
38 - De resto, da matéria de facto tida por provada a actuação do arguido não é de molde a se concluir por o mesmo ter efectuado actos de dissimulação, conversão e/ou transferência por forma a que o Estado não pudesse reconstituir todos os movimentos financeiros efectuados que in casu se reconduzem a simples depósitos bancários e não a uma subsequente disseminação desse depósito por diversas aplicações financeiras que a final dessem a imagem de licitude.
39 - Na verdade, o simples depósito bancário sem a subsequente disseminação das quantias monetárias pelo sistema financeiro, não preenche pois o tipo legal de crime de branqueamento p. e p. pelo artigo 368.º-A, do C. P. Pelo que, não se encontrando preenchidos os elementos integradores do tipo legal de crime de branqueamento, deveria o arguido ser absolvido da prática de tal crime.
40 - Não obstante todo o supra exposto, sem prescindir, ainda que por mero dever de patrocínio, no que às medidas concretas das penas parcelares respeita, e da obtida em cúmulo jurídico, entendemos que as mesmas são manifestamente exageradas, sendo nítida a violação do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do C. P. pelo menos, em termos de culpa, extraída dos elementos de prova supra referidos.
41 - Com efeito, afigura-se-nos que o tribunal a quo não atendeu, como se impunha, a todos os elementos dosimétricos do artigo 71.º, do Código Penal, pelo que a medida concreta da pena aplicada ao recorrente merece censura; pois,
42 - Face à pena aplicada é nítida a violação do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do C. P., em termos de culpa do arguido, a qual não é substancialmente elevada, a pena única aplicada, não realiza nenhum dos seus fins, na medida em que, reafirma-se, a pena, para além de dever ser a retribuição justa do mal praticado, deve contribuir para a reinserção social do arguido, por forma a não prejudicar a sua situação senão naquilo que é necessário e deve dar satisfação ao sentido de justiça e servir de elemento dissuasor relativamente aos elementos da comunidade.
43 - Destarte, em nome da justiça e da equidade, a entender-se que o arguido praticou os crimes pelos quais foi condenado, o que apenas por mero exercício intelectual se concebe, impõe-se a aplicação de uma pena única não superior a 5 (cinco) anos de prisão, a qual realizaria as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade. A qual deverá ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova.
44 - Todavia, o arguido preconiza não ter praticado os crimes de tráfico de pessoas pelos quais foi condenado, mas um único crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal e um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo art.º 183.°, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, e, assim, em nome da justiça e da equidade, seria sempre adequada a aplicação ao arguido/recorrente de uma pena única significativamente inferior a 5 (cinco) anos de prisão pela prática dos sobreditos crimes, suspensa na sua execução; a qual realizaria as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade. Sendo que a pena aplicada não realiza nenhum dos seus fins, na medida em que a pena, para além de dever ser a retribuição justa do mal praticado, deve contribuir para a reinserção social do agente, de forma a não prejudicar a sua situação senão naquilo que é necessário e deve dar satisfação ao sentido de justiça e servir de elemento dissuasor relativamente aos elementos da comunidade.
45 - A pena única, de 12 (doze) anos de prisão efectiva, aplicada ao arguido/recorrente é manifestamente exagerada.
Foram violados os artigos 70.º, 71.º, 160.º, 169.º e 368.º-A, do Código Penal e artigo 379.º, n.º 1, al.c) e 374.º, n.º2, 410.º, n.º 2, al. b) e c) do Código de Processo Penal.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento deste recurso em relação às questões suscitadas, com exceção da qualificação jurídica dos factos provados, que considera ser a de doze crimes de lenocínio agravado, p. e p. pelos artigo 169º, nº 1 e 2, d) do Código Penal (não de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), como considera o douto acórdão recorrido, mas também não a de lenocínio simples, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do mesmo Código, como considera este recorrente). Partindo desta diferente qualificação jurídica, entende o Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância que este arguido deveria ser condenado na pena única de cinco anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento deste recurso.


Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões das motivações dos recursos, e considerando também as repostas a tais motivações apresentadas pelo Ministério Público, as seguintes:

Quanto ao recurso interposto pelo arguido B.......:
- saber se o acórdão recorrido é nulo, por dele constar uma alteração substancial dos factos da acusação, fora das condições previstas no artigo 359º do Código de Processo Penal;
- saber se a prova produzida impõe decisão diferente da tomada no acórdão recorrido;.
- saber se a factualidade considerada provada integra a prática, por este arguido, de crimes de lenocínio simples, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal; de lenocínio agravado, p. e p. pelo mesmo artigo 169º, nº 1, e também pelo nº 2, d), desse artigo; ou de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do mesmo Código;
- saber se a factualidade provada não integra a prática, por este arguido, de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal;
- saber se as penas em que este arguido foi condenado deverão ser reduzidas e suspensas na sua execução, face aos critérios legais.

Quanto ao recurso interposto pelo arguido F.......:
- saber se se verifica nulidade da acusação (a qual se repercute na pronúncia e no acórdão recorrido) por inexistência da narração dos factos integradores do crime de branqueamento de capitais, com o que se verifica violação do princípio acusatório;
- saber se o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação;
- saber se não poderá ser considerada a prova decorrente das escutas telefónicas realizadas, por se tratar do único meio de prova em que se baseia a condenação deste arguido e por o resultado dessas escutas não lhe ter sido notificado, nem ter sido reproduzido, transcrito, lido e/ou examinado no decurso da audiência de julgamento;
- saber se a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido (ou este padece de erro notório na apreciação da prova, ou insuficiência da matéria de facto provada para a decisão), impondo-se a sua absolvição, também ao abrigo do princípio in dubio pro reo;
- saber se a factualidade considerada provada não integra a prática do crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal, por que este arguido foi condenado.

Quanto ao recurso interposto pela arguida K.......:
- saber se o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação, quanto à escolha da pena em que esta arguida foi condenada, e determinação da respetiva medida;
- saber se a factualidade considerada provada integra a prática, por esta arguida, de crimes de lenocínio agravado, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 e nº 2, d), do Código Penal, ou de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do mesmo Código;
- saber se as penas em que esta arguida foi condenada deverão ser reduzidas e suspensas na sua execução, face aos critérios legais.

Quanto ao recurso interposto pelo arguido I.......:
- saber se, também à luz do princípio in dubio pro reo, no acórdão recorrido se verifica erro notório na apreciação da prova, quanto ao crime de tráfico de pessoas, por que este arguido foi condenado;
- saber se a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido quanto ao crime de branqueamento de capitais, por que este arguido foi condenado.
- saber se as penas em que este arguido foi condenado deverão ser reduzidas, face aos critérios legais.

Quanto ao recurso interposto pelo arguido H.......:
- saber se o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação;
- saber se o acórdão recorrido padece de insanável contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410º, nº 2, b), do Código de Processo Penal;
- saber o acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, c), do Código de Processo Penal, ou a prova produzida impõe decisão diferente da tomada no acórdão recorrido, tudo no que se refere à factualidade relativa aos crime de tráfico de pessoas por que este arguido foi condenado;.
- saber se a factualidade considerada provada integra a prática, por este arguido, de crimes de lenocínio simples, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal; de lenocínio agravado, p. e p. pelo mesmo artigo 169º, nº 1, e também pelo nº 2, d), desse artigo; ou de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do mesmo Código;
- saber se a factualidade provada não integra a prática, por este arguido, de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal;
- saber se as penas em que este arguido foi condenado deverão ser reduzidas e suspensas na sua execução, face aos critérios legais.
III – Da fundamentação do douto acórdão recorrido consta o seguinte:

«(…)
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Matéria de Facto Relevante Provada
Pronúncia
1. Em data não concretamente apurada, mas, anterior ao início do ano de 2007, o arguido H....... decidiu incrementar os seus proveitos financeiros, à custa da exploração de mulheres que se dedicassem à prostituição.
2. Para o efeito, delineou um plano que consistia, essencialmente, no seguinte:
a. iniciaria a exploração de estabelecimentos que fossem propícios à prática de atos de alterne e prostituição, nos quais laborariam dois tipos de mulheres: as denominadas mulheres de fora, ou seja, que exerciam a prostituição e a atividade de alternadeira, sem vinculo aos estabelecimentos em causa, e as mulheres da casa, ou seja, com vínculo aos referidos estabelecimentos, em regra, cidadãs de nacionalidade brasileira, por si recrutadas no Brasil, as quais, em regra, não seriam titulares de autorização de residência ou visto que consentisse o exercício de qualquer atividade profissional por estas últimas.
b. organizaria o recrutamento interno de cidadãs nacionais que se quisessem prostituir nos seus estabelecimentos;
c. simultaneamente recorreria a pessoas que lhe proporcionassem o transporte de cidadãs brasileiras, para Portugal, sem que as mesmas possuíssem o respetivo visto de entrada (o referido supra);
d. tais angariadores fornecer-lhe-iam os contactos de mulheres interessadas em viajar para Portugal; após, o arguido, ou algum dos seus colaboradores, estabeleceria o contacto com as respectivas cidadãs, convencendo-as a virem para Portugal;
e. para o efeito, à cidadã recrutada, referiam que viriam para Portugal para se prostituírem, mediante contrapartida de, com os rendimentos provenientes do trabalho, pagarem a passagem e que com os rendimentos da prostituição facilmente pagariam a viagem.
f. assim obtido o consentimento da cidadã, diligenciar-se-ia, junto de agências de viagens, a aquisição de bilhetes de avião, optando por trajetos indiretos, jogando em regra, com aeroportos de Espanha, Portugal e França, justificado por motivações turísticas fictícias, de modo a iludir as autoridades fiscalizadoras dos serviços de fronteira;
g. toda a documentação necessária para a viagem seria, a seu mando, providenciada pelos seus colaboradores, no Brasil;
h. as viagens seriam pagas, por si ou alguém a seu mando, em regra, via Western Union;
i. antes do embarque, o arguido ou um dos seus colaboradores a seu mando, abonaria a cidadã com dinheiro de bolso para a viagem e dar-lhe-ia instruções sobre os comportamentos a adotar durante o voo, nomeadamente, usar vestuário discreto, de modo a não levantar suspeitas junto das autoridades de controlo de fronteira;
j. chegadas ao aeroporto de destino, as cidadãs eram esperadas pelo arguido ou alguém a seu mando, e transportadas até ao estabelecimento, onde iriam prestar o serviço;
k. uma vez instaladas no estabelecimento, o arguido ou alguém a seu mando, informaria as cidadãs de que teriam de efetuar o pagamento do passe, isto é, os encargos com a passagem, despesas com a deslocação da cidadã, dinheiro de bolso, quantia que rondaria os €3500 e que era inflacionada em relação ao valor real daqueles (encargos/despesas), acrescida da diária, isto é, a quantia que, diariamente, a cidadã teria de pagar pelo acolhimento, no estabelecimento do arguido, no montante de €15,00 a €20,00 por dia;
l. para o pagamento, praticavam atos de natureza sexual (cópula, coito anal ou oral), em regime de exclusividade no seu estabelecimento, coartando a sua liberdade de circulação, isto é, não permitindo, por norma, às cidadãs de se ausentarem definitivamente do estabelecimento, sem que, previamente liquidassem a dívida do passe acrescida da diária;
m. para acautelar a presença das cidadãs, no estabelecimento, estabeleceria o seguinte sistema de multas pecuniárias: se as mesmas se atrasassem ao serviço;
n. de modo a efetuar o controlo da atividade das mulheres e assegurar o pagamento do passe e da diária, seria auxiliado por um grupo de pessoas da sua confiança, o qual ficaria encarregue das tarefas quotidianas dos prostíbulos, como contabilidade, segurança, portaria, serviço de bar e acolhimento das cidadãs;
3. Em execução do enunciado plano, o arguido H......., constituiu, em 29/01/2007, a sociedade unipessoal por quotas denominada "R....... - Unipessoal, Lda", com sede na avenida ….., n.° …, …., freguesia de …., concelho de Vila Nova de Famalicão, a qual tinha por objeto a exploração de estabelecimentos hoteleiros designadamente, residencial, e de bebidas, tendo sido, desde a constituição da referida sociedade até à data da respectiva dissolução, aos 17/12/2007, o seu único sócio e gerente.
4. Durante o período compreendido entre Janeiro de 2007 e 8.1.2009, H....... explorou comercialmente o estabelecimento hoteleiro de diversão noturna, sito em …., em Vila Nova de Famalicão, denominado Residencial C........
5. Aquele estabelecimento era totalmente murado e constituído por um edifício de rés-do-chão, primeiro e segundo andar, com um logradouro interior, um parque de estacionamento e uma construção anexa, e equipado com sistema de comunicação rádio, campainhas de aviso e um circuito de iluminação e vigilância CCTV (Closed-Circuit Television, ou seja, um circuito fechado de televisão).
6. Tal sistema permitia controlar os acessos de trabalhadores, colaboradores, clientes.
7. Ao nível do rés-do-chão, o referido edifício principal era composto por um salão onde existiam vários sofás, bancos e mesas, um palco dotado de um varão utilizado para a realização de espetáculos de striptease bem como um bar único e uma casa de banho.
8. Por seu turno, o primeiro e o segundo andar eram compostos por quartos, equipados com camas, acessíveis por umas escadas exteriores ao edifício e situadas junta à porta principal.
9. A construção anexa ao edifício principal tinha um acesso independente a este e era composta por quartos, onde residiam algumas das mulheres a prestar serviço, na Residencial.
10. O logradouro interior era reservado ao estacionamento de veículos, com entrada acessível por um portão elétrico.
11. A Residencial C....... funcionava, todos os dias, entre as 15h00 e as 20h00 e entre as 22h00 e as 04h00.
12. Durante o período compreendido entre Junho de 2008 e pelo menos 8.1.2009, H....... explorou também comercialmente o estabelecimento hoteleiro de diversão noturna, sito no Lugar …. em Santo Tirso, denominado L........
13. O estabelecimento L....... era constituído por um edifício com parque de estacionamento anexo equipado com campainhas/luzes de aviso e um circuito de iluminação e vigilância CCTV.
14. Tal edifício era composto, no rés-do-chão, por um armazém, casas de banho, um escritório e um amplo salão equipado com bar, pista de dança, cabine de som, um palco dotado de um barão utilizado para a realização de espetáculos de striptease e zonas de convívio; no primeiro andar, por quartos, numerados de 1 a 7 e equipados com sofá cama, televisão, cadeira e mesa.
15. O L....... funcionava de segunda-feira a sábado, das 22h00 às 04h00.
16. Para dar a conhecer aos potenciais clientes, a atividade que exercia, nos estabelecimentos "Residencial C......." e "L.......", o arguido, fez publicar, pelo menos, no mês de Abril e Maio de 2008, no jornal denominado S……, anúncios com fotos de mulheres vestidas de lingerie e dos quais constavam, entre outros, os dizeres:
a. - "Residencial C......., Reabriu, Remodelação Total, Nova Imagem, 4 Strippers em simultâneo, av. …., N.º …, Lugar ….., …., …. Vila Nova de Famalicão ";
b. - "Residencial C......., 16 e 17 de Maio / 08, Show Sexo Ao Vivo, Remodelação Total, Nova Imagem, Parque Privado, das 15:00 às 20:00 e das 22:00 às 04:00, …., N.°…, Lugar …, …., …. Vila Nova de Famalicão
c. e no endereço eletrónico www.L.....blogspot.com, pelo menos nos meses de Agosto e Setembro de 2008, vários cartazes publicitários com fotos de mulheres vestidas de lingerie e dos quais constavam, entre outros, os dizeres:- "L......., 5 Setembro, noite da lingerie... a noite mais escaldante deste verão!'' - "Playboy, L......., Sexta - 22 de Agosto, Novo Vicio traz-lhes uma Grandiosa noite de Erotismo, Exclusivo presença de MISS Junho, Julho e Agosto, L….. apresenta PLAYBOY PARTY 2008".
17. Durante o horário normal de funcionamento dos aludidos estabelecimentos, aí permaneciam mulheres (de fora ou da casa) de nacionalidade portuguesa, brasileira e outras, em número, por norma, não inferior a dez.
18. A atividade de tais mulheres consistia, essencialmente, no aliciamento de clientes homens que o frequentavam a oferecerem-lhes bebidas, arrecadando o arguido H....... 50% do preço correspondente e as visadas, a outra metade, e/ou a acompanhá-las aos quartos localizados nos primeiro e segundo andares dos referidos estabelecimentos, locais onde, aí chegados, mantinham relações de natureza sexual, designadamente de cópula, coito oral e/ou anal.
19. Para acederem aos referidos aos quartos na companhia das mulheres, e aí praticarem atos de natureza sexual, os clientes pagavam quantias monetárias, previamente tabeladas que seriam (por norma) aproximadamente de: na Residencial C......., €25,00, pelo período de 20 minutos, antes das 22h00 e depois desta hora, € 40,00, € 50,00 e € 100,00, consoante o período de tempo despendido fosse, respetivamente, de 20 minutos, 30 minutos ou uma hora; e no L......., €50,00, €65,00 e €100,00, consoante o período de tempo despendido fosse, respectivamente, de 20 minutos, 30 minutos ou uma hora; revertendo, em regra, € 10,00, na Residencial C......., e €15,00, no L......., para H....... e o restante para a prestadora do serviço, no caso da mesma não ser devedora do referido passe, ou ser uma mulher de fora; caso fosse mulher da casa, a totalidade do montante seria para H......., de modo a abater à dívida do "passe" e da diária.
20. A escolha do ato sexual a praticar ficaria na disponibilidade do cliente e da mulher.
21. A chegada a cada um dos estabelecimentos, era distribuído a cada mulher um cartão consumo específico e numerado; cada mulher tinha um número que correspondeu a um campo da tabela de controlo, e quando solicitava um privado no balcão, o funcionário que estivesse a trabalhar, registava no cartão da mulher e na tabela o ato de prostituição.
22. Os preços eram, por seu turno, dissimuladamente anotados, no cartão de consumo de cada cliente, entregue à entrada no estabelecimento, e pagos, em regra, antecipadamente, isto é, antes da prestação do serviço sexual, pelos funcionários da casa.
23. Durante o período compreendido entre, pelo menos Outubro de 2007 e Novembro de 2008, o arguido H......., fazendo uso, para tanto, de contactos que mantinha com indivíduos residentes, essencialmente, em território brasileiro, aliciou, da forma descrita em 2., pelo menos, 17 mulheres cidadãs brasileiras, sendo que a maior parte das de nacionalidade brasileira não estava habilitada com autorização de residência ou visto que consentisse o exercício de qualquer atividade profissional, que posteriormente as fez deslocar para Portugal, a fim de as fazer alternar e prostituir no Residencial C....... e no L........
24. Uma parte significativa destas mulheres originárias do Brasil encontravam-se em situação de especial vulnerabilidade, devido à sua condição de total dependência económica, fragilidade emocional, pressão permanente que sobre as mesmas era exercida, completa desintegração sociocultural e limitação nos movimentos (nos termos acima expostos).
25. De modo a alcançar o seu desígnio, o arguido concertou esforços e vontades e dividiu tarefas da seguinte forma:
a. Durante o período compreendido entre, pelo menos, data indeterminada de 2007 e Julho de 2008, O......, foi o responsável: entre outros, pela recolha das cidadãs, junto dos aeroportos e subsequente transporte para os estabelecimentos explorados por H......., conforme descrito em 2.; bem como, outros transportes entre estabelecimentos, que fosse necessário levar a cabo; a par das funções empregado de bar, procedendo conforme descrito em 21. e 22., porteiro e segurança no referido estabelecimento, cabendo-lhe assegurar o cumprimento dos atos de prostituição do modo descrito em 2.;
b. B....... (….) e relativamente à Residencial C......., no período compreendido entre Janeiro de 2007 e 8.1.2009, tinha a função de controlar a prática de todos os atos de prostituição, de fazer contabilidade corrente, mantendo registo dos pagamentos dos passes, para a final reportar a H........, ainda, a B....... a aplicação e cobrança do sistema de multas, instituído por H......., referido em 2.; cabiam-lhe ainda funções de transporte das cidadãs;
c. Desde pelo menos Dezembro de 2007 até Agosto de 2008, a arguida K….. (Marcela), com quem o arguido manteve um relacionamento amoroso, assumiu as funções de recrutamento articulando-se com os angariadores das cidadãs no Brasil; era responsável pela marcação e pagamento das viagens, bem como o subsequente acolhimento das cidadãs junto dos estabelecimentos, cabendo-lhe assegurar o cumprimento dos atos de prostituição, conforme supra descrito em 2.;
d. no período compreendido entre o mês de Junho de 2008 e 08/01/2009, o arguido I....... era um dos responsáveis pela gestão comercial da Residencial C......., bem como pelo acolhimento das cidadãs, do modo descrito em 2.;
e. no período compreendido entre, pelo menos, Janeiro de 2007 e Março de 2008, o arguido T......, exerceu as funções de empregado de mesa e de bar na Residencial C......., procedendo conforme descrito em 21. e 22.;
f. No período compreendido entre pelo menos Abril de 2008 e 08/01/2009, o arguido M......., exerceu as funções remuneradas de porteiro e segurança, na Residencial C.......;
g. No período compreendido entre pelo menos Julho de 2008 e 8.1.2009, o arguido U...... exerceu, na Residencial C....... e no L......., as funções remuneradas de rececionista (entre as quais as de entregar de entregar cartões de consumo aos clientes da casa, cabendo-lhe, ainda, registar as relações sexuais praticadas, designadamente, indicando o nome da mulher, o tempo de duração e o respetivo preço;
h. No período compreendido entre pelo menos o mês de Setembro de 2008 e 8.1.2009, o arguido V...... (Tónio), esteve incumbido de fazer transportar as cidadãs para o L......., e desempenhou funções de empregado de mesa, agindo conforme descrito em 21. e 22.;
i. No período compreendido entre pelo menos o mês de Setembro de 2008 e 8.1.2009, o arguido W......, esteve incumbido de fazer transportar as cidadãs para o L......., e desempenhou funções de empregado de mesa, agindo conforme descrito em 21. e 22.;
j. No período compreendido entre pelo menos o mês de Setembro de 2008 e 8.1.2009, o arguido X...... (Tony), esteve incumbido de fazer transportar as cidadãs para o L......., e desempenhou funções de empregado de bar, agindo conforme descrito em 21. e 22.;
k. No dia 8.1.2009, o arguido Y......, desempenhou funções de segurança no estabelecimento L......., cabendo-lhe.
26. Em concreto, foram recrutadas e transportadas as seguintes cidadãs, do modo descrito em 2.; entre outras e entre os demais dias:
a. Z......, em 27 de Março de 2008 (chegou a 28.3.2008);
b. BB........, em 15 de Maio de 2008;
c. BC….. e BD….., em 13 de Julho de 2008 (chegaram em 14.7.2008);
d. BE…… e BF….., em 27 de Julho de 2008 (chegaram em 28.7.2008);
e. Q…… e BG……, aos 25 de Setembro de 2008.
27. Em concreto e entre outros dias, encontravam-se as seguintes cidadãs, nos dias a seguir discriminados, disponíveis para práticas sexuais:
a. na Residencial C.......:
i. - no dia 11 de Junho de 2007 - 15 cidadãs;
ii. - no dia 18 de Outubro de 2007 - 11 cidadãs, entre as quais, BH…..; BI…..; BJ…..; BK…..; BL…., BM….. (BM1…..); BN…..; BO….., BP….; BQ….; BR…..; BS……; sendo que 9 delas residiam na residencial sendo que, pelo menos as referidas BM....... e BN…… estava disponível para práticas sexuais nos termos expostos em 2., supra.
iii. - no dia 8 de Janeiro de 2008 - 7 cidadãs; entre as quais, BH…..; BI……, BM….., BT……, BU…… e BV……., sendo que, pelo menos as referidas BM….. e BU…… estavam disponíveis para práticas sexuais nos termos expostos em 2., supra;
iv. - no dia 8 de Janeiro de 2009 -15 cidadãs, entre as quais, BW…….; BX……; BD……; BY……; BZ…..; Q……; CA……; BC…….; CB……; CC……; CD…..; CE……; CF……; CG…..; CH….., sendo que, pelo menos as referidas BD….., Q....... e BC….. e CC….. estavam disponíveis para práticas sexuais nos termos expostos em 2., supra.
b. no L.......:
i. - no dia 17 de Dezembro de 2008, 14 cidadãs, entre as quais CI……, CJ….., CK….., BL….. e BV……;
ii. - no dia 8 de Janeiro de 2009, 12 cidadãs, entre as quais, CL….., CM….., CN……, CO….., CP….., CQ….., CR….., CS……, CT……, CU….., CV….., CW…...
28. Nos dias a seguir discriminados, encontravam-se os seguintes objetos na Residencial C....... e anexo deste dependente: -no dia 01/01/2008: -kits de lençóis descartáveis; - livros de registos e fartura/recibo com o nome de mulheres manuscritos; -no dia08/01/2009:-preservativos usados envolvidos em papel higiénico nos caixotes do lixo de cada casa de banho dos quartos 102, 103, 104 e 106 do primeiro andar; -preservativos por usar; - lubrificantes íntimos; - lençóis descartáveis utilizados, envolvendo preservativos usados, no caixote do lixo dos arrumos da receção; - folhas de registo de contabilidade.
29. Simultaneamente, por forma a facilitar a exploração da prostituição nos aludidos estabelecimentos, o arguido H....... decidiu ocultar a sua atividade, fazendo, para o efeito, uso de nomes de outros indivíduos, os quais ficariam como titulares de toda a documentação necessária para a manutenção da atividade comercial, quer na Residencial C......., quer no L......., pese embora a atividade continuasse a ser por si exercida.
30. Assim, no período compreendido entre 2007 a 8.1.2009, solicitou a O......., I……, B....... e P....... que figurassem como titulares dos contratos necessários ao giro comercial, nomeadamente e entre outros, arrendamento, trespasse e conta bancárias (e terminais de pagamento automático).
31. A partir de pelo menos, Janeiro de 2008, H....... utilizou a conta titulada por B......., domiciliada no Banco Espírito Santo, com o NIB 0007.0690.0001.1590.0028.7, na qual fez depósitos em numerário e de cheques, em quantias compreendidas, em regra, entre os €100,00 e os €6.500,00, e da qual efetuava outros pagamentos.
32. De igual modo, durante, pelo menos o ano de 2008, utilizou a conta titulada por I......., domiciliada no G....... (atualmente … - cfr. fls. 321 do apenso AC), na qual eram efetuados depósitos de quantias cujos valores rondavam os €1.200,00 e os €16.690,00, bem como os fechos do Multibanco dos terminais de pagamento automático dos seus estabelecimentos e de onde efetuava outros pagamentos, em quantias compreendidas, em regra, entre os €100,00 e os €2.800,00.
33. Para o auxiliar no seu plano, contou com F......., funcionário da instituição bancária G........
34. F......., no período compreendido entre, pelo menos, Junho de 2008 e Setembro de 2008 de 2009, prestou as informações necessárias a H......., instruindo-o do modo como efetuar os movimentos bancários sem criar suspeitas junto do Banco, tudo em ordem a que o mesmo pudesse os dissimular ou encobrir, cuja proveniência não ignorava, nomeadamente na concreta gestão dos movimentos que esse fazia nas contas bancárias então criadas na instituição referida supra em 2.1.32., entre as quais se encontrava essa formalmente titulada pelo arguido I…...
35. H....... quis fazer transitar, transportar e facilitar a entrada e permanências das cidadãs que recrutara, bem sabendo que as mesmas não podiam entrar, permanecer em Portugal sem que para tanto estivessem habilitadas pelas competentes autoridades nacionais.
36. H....... não desconhecia a assinalada situação de fragilidade em que se encontravam as cidadãs brasileiras, e mesmo assim, não se coibiu de, numa primeira fase, as fazer transportar, alojar e acolher para fins de exploração sexual, e numa segunda fase, de assegurar que se mantivessem no exercício da prostituição e alterne enquanto não pagassem o preço da viagem nos moldes em que era por ele estabelecido.
37. Assim, H....... quis explorar de forma organizada e lucrativa a prostituição que decorreu na Residencial C....... e no L......., incrementando os seus proveitos financeiros, o que conseguiu à custa da contrapartida monetária paga pelos atos de prostituição, assim agindo ao longo de mais de dois anos.
38. Ao agir do modo descrito em 30. a 34., H....... quis mascarar, dissimular e encapotar os rendimentos por si auferidos pela exploração sexual das cidadãs, em ordem a que terceiros não autorizados ou as autoridades judiciárias ou fiscais dessem conta do real montante e/ou proveniências daqueles.
39. B....... e K…., V......, W...... e X......, ao agir do modo descrito, não ignoravam de que parte das cidadãs que fizeram transitar, transportar, e que sabiam estar alojadas nos estabelecimentos supra referidos, não podiam entrar nem permanecer em Portugal, sem que para tanto estivessem habilitadas pelas competentes autoridades nacionais.
40. De igual modo, B......., K….., I......., M......., não desconheciam a assinalada situação de fragilidade em que se encontravam as cidadãs brasileiras e mesmo assim, não se coibiram de (respetivamente e nos termos atrás individualizados) as fazer transportar, alojar e acolher para fins de exploração sexual.
41. I......., M......., não ignoravam que parte das cidadãs transportadas por H....... ou por alguém a seu mando, alojadas nos estabelecimentos supra referidos, não podiam entrar nem permanecer em Portugal, sem que para tanto estivessem habilitadas pelas competentes autoridades nacionais, mas sendo assim o I....... não se coibiu de prestar a sua colaboração para que as mesmas se mantivessem ali alojadas;
42. T......, U......, V......, W...... e X...... sabiam que as cidadãs de nacionalidade brasileira encontravam-se na assinalada em situação de fragilidade, não ignorando que prestavam, como prestaram uma assistência material determinante na exploração sexual das cidadãs brasileiras, bem como na respectiva, permanência ilegal em Portugal.
43. T......, U......, V......, W......, X...... e M......., tinham pleno conhecimento das atividades de natureza sexual que ocorriam no interior dos respectivos estabelecimentos e mesmo assim não ignoravam que prestavam, como prestaram uma assistência material na exploração da prostituição por cidadãs de várias nacionalidades.
44. O......., I......., B....... e P....... permitiram que H....... utilizasse os seus nomes para figurar nos contratos que tivesse por convenientes, bem sabendo que assim tentava mascarar os proveitos que viriam da sua atividade de exploração sexual de cidadãs, com o intuito de assim, permitiram a H....... que este se eximisse a responsabilidade criminal.
45. F......., utilizando os conhecimentos que lhe advinham da sua atividade profissional proporcionou a H....... indicações sobre as metodologias a utilizar, bem sabendo que assim, conseguiria iludir a fiscalizar e deste modo, obviar a que aquele fosse criminalmente perseguido.
46. Agiram todos os arguidos acima nomeados deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo, com exceção do arguido Y......., que as suas condutas eram proibidas e penalmente puníveis.
47. Contestações
48. O arguido N….. não tem antecedentes criminais registados.
49. Em 8 de Janeiro de 2009, o arguido Y....... exercia as funções de porteiro do L........
50. Nessa data, quando foi feita a busca, o arguido (Nuno) encontrava-se a exercer as funções de porteiro.

Consta dos Relatório Sociais,
I - Dados relevantes do processo de socialização
H....... (fls. 5247) é o único descendente de um casal de recursos socioeconómicos modestos. O progenitor exercia funções como agente da Polícia de Segurança Pública, enquanto a progenitora trabalhava como auxiliar de ação educativa. O pai do arguido abandonou a família quando o arguido tinha apenas doze anos de idade, fator aparentemente marcante no processo de desenvolvimento de H........ Não obstante, foi descrita uma relação positiva e apoiante entre este e a progenitora, que entretanto encetou nova relação afetiva, passando o companheiro a integrar o agregado. Iniciou o percurso escolar em idade regular, tendo frequentado, sem concluir, o nono ano de escolaridade. Registou algumas retenções sem, contudo, descrever dificuldades de aprendizagem ou desmotivação face aos estudos. Abandonou a escola por sua iniciativa para poder ingressar no mercado de trabalho. A sua primeira experiência profissional ocorreu aos dezoito anos de idade, como modelador na indústria de calçado, tarefas que desempenhou durante cerca de cinco anos. Após o encerramento da empresa, trabalhou como distribuidor de correio (durante um ano e meio) e como segurança privado (durante um período aproximado de três anos). O arguido terá integrado o agregado da progenitora até cerca dos vinte e dois anos de idade, altura em que saiu de casa, não sendo clara a sua trajetória de vida desde então. Não foram descritas problemáticas aditivas por parte do arguido ou problemas de saúde significativos. H....... deteve vários contactos com o sistema de justiça, tendo sido condenado em penas de multa no âmbito dos processos 960/09.6TAVNF (emissão e cheque sem provisão), 52/07.2ZRPRT (usurpação de direitos de autor) e 119/12.5GBPVL (detenção de arma proibida). Foi ainda condenado por violência doméstica, ao abrigo do processo número 792/09. ÍGCBRG, do 2o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, numa pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução (trânsito em julgado em 29-10-2012), por factos ocorridos em 2009 Sobre K….., coarguida no presente processo. II - Condições pessoais e sociais - Segundo H......., à data a que se reportam os factos, e presentemente, este integrava o agregado da sua progenitora (auxiliar de ação educativa) e companheiro desta, residindo em casa arrendada (cerca de 2506 mensais), de tipologia T2, com boas condições de habitabilidade. Foi descrita uma situação económica confortável, tendo em conta que as despesas com a manutenção da habitação eram asseguradas pela sua mãe e companheiro, sendo os proventos do arguido destinados ás suas despesas pessoais. A dinâmica familiar foi caracterizada como vinculativa, sendo evidentes laços de solidariedade e suporte da progenitora para com o arguido. A este nível não foram visíveis alterações significativas, por comparação ao período a que se reportam os factos Segundo o arguido, este manteve algumas relações afetivas, que descreveu como casuais e incipientes, no âmbito dos contextos recreativos em que se movimentava. Não obstante, é-lhe atribuída uma relação de nove anos com uma companheira, com a qual terá. alegadamente, residido em Vizela, e da qual nasceu um filho, no presente com cinco anos de idade. Manteve também uma relação amorosa com K….., coarguida no presente processo, que afirma ter contraído matrimónio com H......., tendo nascido uma filha, no presente com quatro anos de idade. O arguido tem ainda uma outra filha, de seis anos de idade, fruto da uma relação com D......., também coarguida no presente processo. H....... não concretizou ou especificou a natureza da sua relação com as companheiras, sendo pouco clara a sua trajetória durante o período a que se reportam os factos. Segundo o arguido, ao longo do seu percurso de vida, nunca deixou de integrar o agregado da progenitora, apesar de lhe terem sido atribuídas outras residências, designadamente em Braga, Guimarães e Vizela. A data dos factos, H....... refere ter mantido enquadramento profissional num estabelecimento de restauração em Braga, no âmbito do qual desempenhava tarefas de gestão, serviço de mesa e atendimento ao público, mediante um vencimento mensal de cerca de 500€, ocupação que terá mantido até 2012. Em concomitância verbalizou ter-se dedicado, desde 2000, à importação e comércio de veículos automóveis, a título ocasional, em parceria com alguns familiares residentes na Alemanha. Contrariamente ao verbalizado por alguns dos coarguidos no presente processo, que atribuem a H....... responsabilidades na gestão dos bares de alterne mencionados nos autos de acusação, o arguido refere nunca ter exercido atividade no âmbito da exploração de estabelecimentos desse setor de atividade, admitindo a sua frequência apenas como cliente. Terá, ainda, registado uma experiência profissional informal, como empregado de mesa num estabelecimento de restauração em Felgueiras. Presentemente refere auxiliar um amigo numa empresa de comercialização de veículos automóveis, em ….. - Guimarães, mediante um rendimento mensal variável, que ronda os 400€ / 500€. Não obstante este enquadramento laboral, a progenitora de H....... assumiu ser a responsável pela sustentabilidade económica deste e restantes elementos do agregado (o companheiro encontrasse desempregado) e pelas despesas de manutenção da habitação, sendo relatada uma situação financeira difícil, de gestão contida. Segundo H......., o seu quotidiano è estruturado em função da ocupação laboral informal que detém no estabelecimento de comércio de viaturas automóveis, dedicando os tempos livres ao convívio com familiares e amigos, de hábitos idênticos aos seus, provenientes, sobretudo, dos contextos profissionais em que se movimenta. Aos fins-de- semana recebe as visitas do filho, parecendo manter uma relação mais distanciada com as filhas. Existem indicadores de suporte social e familiar adequado por parte da progenitora, que o arguido perceciona como satisfatório. No meio residencial de H......., este parece assumir pouca visibilidade, não lhe sendo reportados comportamentos desajustados na interação com a comunidade vicinal e sendo desconhecidos os seus contactos com o sistema de justiça. - Impacto da situação jurídico-penal - H....... denotou uma postura de colaboração com os serviços de reinserção. Em abstrato, avalia negativamente atos de natureza idêntica aos do presente processo, verbalizando um discurso de empatia para com as vítimas e eventual impacto sobre estas. Refere não se rever nos autos de acusação. Não obstante, em caso de condenação, admite vir a agir em conformidade com a decisão judicial que vier a ser tomada, nomeadamente uma medida de reinserção de execução na comunidade. Como impacto direto da instauração do presente processo destaca sentimentos de ansiedade e surpresa face ao mesmo, não tendo sido descritas alterações significativas no seu quotidiano. – Conclusão - Perante o exposto, relevamos estar perante um arguido inserido numa estrutura familiar de origem coesa e vinculativa, beneficiando, sobretudo, do apoio da progenitora. Assume pouca visibilidade no seu meio de residência, não lhe sendo atribuídos comportamentos desajustados. E detentor de um percurso laboral aparentemente regular, embora sujeito a alguma mobilidade, até 2012, período a partir do qual exerceu apenas atividades informais e ocasionais. A família apresenta uma situação financeira difícil, de gestão contida, parecendo ser a progenitora a principal responsável pela sua sustentabilidade económica do agregado. A sua trajetória de vida ao longo do período a que se reportam os factos apresentou-se pouco clara, designadamente no que concerne aos relacionamentos íntimos que deteve, bem como ao seu meio de inserção sociocomunitáno, hábitos e relações sociais. Apresenta condenações anteriores por crimes de natureza diversa, relacionados com emissão de cheque sem provisão, usurpação de direitos de autor, detenção de arma proibida e violência doméstica. Reconhece a existência de eventuais lesados de comportamentos de natureza idêntica, verbalizando um discurso de empatia para com as potenciais vítimas. Desta forma, em caso de condenação, sendo esse o entendimento do Tribunal, o seu processo de reinserção deverá estar condicionado a ações orientadas para a interiorização do desvalor da sua conduta e reparação do dano.

I - Dados relevantes do processo de socialização - B....... (fls. 5419)viveu até aos 12/13 anos tom Os pais, mas na sequência da separação destes ficou com os três irmãos, a residir com a progenitora. O pai assumiu um outro relacionamento afetivo e passem a residir com uma companheira e, desde então, não mais existiram contactos do arguido com o progenitor. A role trabalhou numa firma têxtil e é reformada, mas geria também a Sociedade CX….., ligada ao comércio de produtos agrícolas, propriedade dos avós matemos do arguido. B....... apresenta um percurso escolar regular, sem registo de incidentes de relevo até à conclusão do 9o ano de escolaridade. Frequentou ainda o 10° ano no Externato ….. em Braga, mas aparentemente por dificuldades financeiras da mãe, o arguido abandonou os estudos e começou a colaborar com o avô materno, proprietário da Sociedade CX….., recebendo pequenas quantias monetárias. Com 19 anos aproximadamente começou a trabalhar numa loja de telecomunicações, onde permaneceu durante quatro anos até que a loja encenou a sua atividade. Depois disso realizou vários trabalhos na área comercial e de telecomunicações, através de contratos precários e, de Janeiro de 2007 a Dezembro de 2008, trabalhou como rececionista na Residencial C........ O arguido integra desde há cinco anos os quadros de pessoal da empresa de telecomunicações "CY….., S.A, exercendo as funções de consultor. II - Condições sociais e pessoais - Na altura dos factos, o arguido tinha arrendado um apartamento na Av. ….. em Braga, procurando na altura viver de forma independente da mãe e da irmã. O arguido refere que durante o período em que trabalhou como rececionista na "Residencial C.......", beneficiou de uma situação financeira de maior desafogo, permitindo-lhe um estilo de vida autónomo. Contudo, apôs abandonar tal atividade, o arguido aparentemente não conseguiu assumir sozinho todas as despesas inerentes à manutenção da habitação, pelo que regressou a casa da mãe. Esta reside num apartamento arrendado de tipologia 4, que apresenta boas condições de habitabilidade. Trata-se de uma zona central da cidade de Braga e onde a família reside desde há muitos anos. A mãe subsiste com uma reforma de cerca de 700€, auferindo ainda de montantes irregulares, provenientes da atividade de agente têxtil, pela qual recebe comissões cm função das vendas. As despesas fixas do agregado, dizem respeito à renda do apartamento de €400 e aos consumos de água, luz e gás, os quais totalizam aproximadamente 190€. A irmã do arguido que integra o agregado, é solteira e dirige uma empresa de design, colaborando para as despesas domésticas com 100€/150€, quantia idêntica à que o arguido também disponibiliza para as despesas do agregado familiar. O arguido dispõe de um vencimento base de €675 acrescido de comissões, que variam entre os 500€ e OS 1000€ mensais, segundo expressa. B....... foi descrito pelos familiares, como uma pessoa que se apresenta normalmente calma e prestável com todos e sempre disponível para a família. Nos tempos livres, o arguido gosta de realizar caminhadas e convive com a família. O arguido revelou também grande empenho na aquisição de novos conhecimentos, salientando a frequência de vários cursos de formação ao longo dos últimos anos, que frequentou em horário pós-laboral e relacionados com temáticas associadas à sua atividade profissional, isto é, na área de vendas e marketing. No meio de residência, o arguido estabelece um relacionamento cordial e educado com vizinhos. Ill - Impacto da situação jurídico-penal - A presente situação judicial não teve segundo o arguido, repercussões significativas no enquadramento sociofamiliar do arguido, pois continuou a beneficiar do apoio e solidariedade da família natural. B....... apresenta uma avaliação crítica das problemáticas criminais em causa, manifestando capacidade para reconhecer não só a ilicitude, como os danos e potenciais vítimas. O arguido assume um discurso de autojustifícação assente num alegado contexto familiar e pessoal que o próprio qualificou como problemático, mas que entretanto refere ter ultrapassado. O arguido revelou consciência da gravidade do processo e assume uma posição de total disponibilidade para colaborar com o sistema da Justiça e, na eventualidade de condenação, para a ação de reinserção social que o tribunal entenda como adequada. IV – Conclusão - O arguido apresenta um percurso escolar e profissional regular e um enquadramento socio familiar estável sem indicadores de comportamentos associais até à data dos factos do presente processo. B....... continua a beneficiar de enquadramento familiar estável, dispõe de integração profissional que lhe possibilita um rendimento suficiente para as suas despeças e encargos pessoais, e de apoio familiar, fatores que se devidamente potenciados poderão permitir-lhe um quadro de vida estável e normativo. Assim, na eventualidade de condenação, para além da interiorização do desvalor da conduta, necessitará o arguido no seu percurso de vida de manter enquadramento laboral ou ocupacional regular e afastar-se de contextos e grupos de pares relacionados a locais de diversão noturna, relacionados à. problemática criminal em causa.

I - Dados relevantes do Processo de socialização – K….. (fls. 5022) nasceu no Brasil, oriunda de uma família de humilde condição socioeconómica. Descreve uma dinâmica familiar vinculativa afetivamente. Frequentou o sistema de ensino na idade regulamentar, tendo concluído o equivalente ao 9' ano de escolaridade. Percurso escolar marcado por dificuldades de aprendizagem e vários insucessos» abandonou a frequência escolar quando tinha 19 anos de idade, na sequência de uma gravidez não planeada. Viveu em união de facto cerca de 4 anos, desta relação nasceram duas filhas, atualmente com a 18 e 15 anos de idade. A arguida tem outro filho, com 10 anos de idade, fruto de um relacionamento ocasional quando ainda estava no Brasil. Em 2007 conheceu o coarguido H......., no Brasil, com quem veio para Portugal, vindo a contrair matrimónio com o mesmo em Abril 2008. A arguida regista experiência laboral desde muito jovem, salientando ter colaborado sempre com os progenitores, proprietários de um bar na sua teira natal. Era idade adulta trabalhou como vendedora de vestuário cerca de 5 anos e posteriormente estabeleceu-se por conta própria com uma "barraca de comida japonesa", cessou esta atividade em 2007 quando veio para Portugal.
II - Condições sociais e pessoais
Após 2007 K….. passou a constituir agregado familiar com o coarguido H......., tendo entretanto nascido a filha do casal, atualmente com 4 anos de idade. No nosso país regista mobilidade residencial tendo residido em Guimarães, Famalicão e Braga segundo expressou. Descreve uma relação conjugal conturbada e insatisfatória, sobretudo desde que passou a ter perceção do estilo de vida do marido, ao que alega se ter oposto e ter sido vtima de ofensas e retaliações por parte do ex-marido, com perigo para sua integridade física e para sua vida. Por decisão transitada em julgado em 29/10/2012 no processo 792/09.1GCBRG – 2º Juízo criminal TJ de Braga, H....... foi condenado em pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo crime de violência doméstica na pessoa da arguida por factos ocorridos em 1/09/2009. A arguida, salientou ainda, ter sido vítima de uma tentativa de homicídio por parte do ex-marido, factos que foram investigados no âmbito do processo 1391/08.0TAVNF Policia Judiciária - Diretoria do Porto, inquérito arquivado por decisão do Ministério Publico junto do Tribunal de VN Famalicão em 14/09/2012. Desde Setembro de 2009, a arguido esteve temporariamente alojada na casa de amigos e depois autonomizou-se habitacionalmente. Até 2011 viveu sozinha com a filha mais nova, altura em que filho de 10 anos de idade integrou o agregado, e em 2012 a filha mais velha também veio para o nosso país. A sua subsistência foi assegurada com a atividade profissional exercida em bares de alterne e prostituição, atividade que entretanto abandonou, alegadamente por razões de saúde. Segundo refere, no presente, vive com o apoio financeiro do namorado e da pensão de alimentos de um dos filhos e alguns rendimentos provenientes da atividade como manicure. K….. reside num apartamento de tipologia 2, inserido na área urbana da cidade de Braga, trata-se de da cidade densamente povoada, onde as relações de proximidade e de vizinhança são quase inexistentes. - Impacto da situação Jurídico-penal - A arguida assumiu uma atitude de cooperação, salientando ter contribuído e colaborado com os vários intervenientes policiais e judiciais no presente processo. A arguida assume um discurso de desresponsabilização face ao processo e factos que lhe são imputados, atribuindo responsabilidades aos coarguidos. Considerando factos similares aos do processo a arguida reconhece, em abstrato, o tipo de crime, a ilicitude e avalia adequadamente os eventuais danos para as vitimas. Na eventualidade de condenação a arguida manifesta disponibilidade para a execução de uma sanção na comunidade. IV- Conclusão – K….. apresenta uma trajetória de vida aparentemente ajustada ao nível social e profissional, enquanto viveu no seu país de origem, apesar de alguma volubilidade ao nível afetivo-relacional. A vinda para Portugal parece ter constituído uma viragem no seu percurso» para a qual não terá sido alheia a relação afetiva conturbada cora o ex-marido, e defraudar de expectativas criadas de melhores condições de vida. Após um período de fragilidade pessoal e socioeconómica, culminando com a adoção de estratégias de subsistência socialmente censuráveis, aparenta atualmente conduzir a sua vida de modo adaptativo e direcionada para a prestação de cuidados aos filhos que estão a seu cuidado. Assim, na eventualidade de condenação e caso a pena concretamente aplicável o permita cremos que a arguida reúne condições para a garantir a exequibilidade da sanção na comunidade, sendo que a necessidades de integração laboral ou ocupacional regular se assume com particular relevância no seu contexto de vida.

I - Dados relevantes do processo de socialização - Filho de pai português e mãe ucraniana, I....... (fls. 5113) nasceu na Ucrânia e veio para Portugal com cerca de um ano de idade, fixando-se com a família em Guimarães. Cresceu integrado rum agregado composto pelos progenitores e pela irmã mais nova. O pai desenvolvia atividade laboral por conta própria, no setor da indústria de vestuário, tendo mais tarde constituído uma empresa de gestão de condomínios. Este constituía a principal fonte de rendimento do agregado, uma vez que a progenitora, médica de formação, não dispunha de licença para exercer em Portugal. Não é relatada a existência de dificuldades económicas. A mãe do arguido faleceu quando este tinha cerca de 12 anos, altura em que a irmã foi viver com outros familiares. Assim, I....... passou a viver apenas o pai. O arguido relata a existência de uma relação tensa com o pai que os foi distanciando ao longo da sua adolescência, percecionando pouco apoio por parte deste elemento. I....... iniciou a escolaridade em idade própria, concluindo o 11° ano sem retenções. Paralelamente à escola, a partir do 9° ano, o arguido iniciou o percurso laboral, em tempo parcial na empresa do pai. Este início laboral, com cerca de 15 anos foi incentivado pelo progenitor que exerceu alguma pressão para que o arguido se autonomizasse, suportando nomeadamente os custos com a escola. Este contexto teve como consequência o abandono do percurso académico, sem concluir o 12° ano. Posteriormente manteve ainda atividade laboral na empresa do progenitor até 2003, altura em que, na sequência de um desentendimento com o progenitor, saiu da empresa. Nos dois anos que se seguiram, trabalhou como operário em várias empresas, maioritariamente do setor têxtil até 2005, altura em que surgiu a oportunidade de trabalhar como barman, em boite (Arara) no concelho de Guimarães. Foi neste contexto que conheceu o coarguido H....... que posteriormente lhe fez a proposta de trabalhar para si no bar do Residencial C......., no concelho de Vila Nova de Famalicão, onde passaria a beneficiar de melhores condições salariais. - Condições sociais e pessoais - A data dos factos, I....... trabalhava como barman na Residencial C......., ligada ao processo em que se encontra envolvido. Passou, entretanto a residir em Vila Nova de Famalicão, num apartamento que, segundo refere, pertenceria ao coarguido H....... e que partilhava ocasionalmente com outros moradores, não tendo despesas de arrendamento. Após o desencadear do processo trabalhou ainda durante alguns meses num outro bar, em Braga, CZ….., também explorado pelo mesmo coarguido. Deixou este local na sequência de salários em atraso e posteriormente fez alguns biscates. Simultaneamente concluiu um curso de segurança privada e, em 2011, obteve colocação laboral na empresa de segurança, DA….., com sede em Arcos de Valdevez. Atualmente reside em Braga com a companheira, cidadã brasileira, com a qual mantém relação há cerca de 2 anos, e com os dois filhos desta, já maiores. A companheira DB……. trabalha como cabeleireira e a dinâmica familiar deste agregado é descrita, por ambos os elementos, cgmo positiva e gratificante. Continua a exercer ativídade laboral como segurança, por conta da empresa DA........ exercendo funções como vigilante, na pediatria do Centro Hospitalar do Médio Ave. Aufere um salário médio de 900€, não relatando dificuldades financeiras. Em termos sociais, o arguido convive maioritariamente com a companheira e os filhos desta, não dispondo, assim, de atividades estruturadas de tempos livres. - Impacto da situação jurídico-penal - Relativamente ao seu envolvimento no presente processo, o arguido manifesta apreensão face às consequências de uma eventual condenação em pena de prisão efetiva, ou mesmo de outra natureza, uma vez que a existência de registo criminal poderá implicar a perda da licença de trabalho na área da segurança. Indica reconhecer, em abstrato, a ilicitude do crime de que se encontra acusado e os danos provocados aos ofendidos, demonstrando juízo crítico sobre o mesmo. Porém, não se revê na acusação. Confrontado com a eventual motivação para o cumprimento de unia medida de reinserção na comunidade, I....... demonstra disponibilidade para colaborar com intervenção judicial. IV – Conclusão - I....... apresenta uma trajetória de vida socialmente normativa, inserido num contexto familiar convencional. Demonstra um percurso profissional aparentemente consistente, indicando fácil adaptabilidade a contextos de trabalho diferentes, consubstanciados numa motivação de crescimento económico. Paulo possui também uma dinâmica familiar positiva, vinculada a uma relação estável com a companheira, pese embora a existência de um relacionamento afetivo distante entre o arguido e a sua família de origem. O seu envolvimento no presente processo parece relacionar-se com a atividade e contexto laboral que desenvolvia à data dos factos. De referir, porém, que o arguido desenvolve atualmente o seu percurso laboral num contexto diferente, alterando-se a situação de risco em que se encontrava. Assim, caso seja condenado, parece-nos que o arguido reúne condições para a aplicação de pena não privativa da liberdade, nomeadamente de caráter reparador, que reforce a interiorização do desvalor da conduta e a opção consistente peia escolha de alternativas pró-sociais.
(…)
Dados relevantes do processo dé socialização - O processo de socialização do arguido decorreu numa estrutura familiar tradicional e conservadora, de média condição económica. O pai exerceu a sua atividade profissional no DC…..e no DD….. e a mãe nos DE….., encontrando-se aposentados. O arguido tem uma irmã mais velha, professora, e que vive fora do agregado. F…… (fls. 5033) descreveu a dinâmica familiar como afetuosa, coesa e de relacionamento considerado equilibrado. O percurso académico do arguido decorreu em Braga c terminou o 12° ano na Escola Secundaria D. Maria II. Contudo repetiu a disciplina de Matemática no Colégio D. Diogo de Sousa e seguidamente ingressou na Universidade do Minho no curso de gestão, Licenciou-se era Outubro/2005 e conseguiu inserir-se profissionalmente decorridos três meses numa entidade bancária. Exerceu a sua atividade inicialmente no DF…… em Viana do Castelo, onde cumpriu um contrato de um ano. Posteriormente e decorridos dois meses integrou o G....... em Braga. - Condições sociais e pessoais - A data dos factos o arguido integrava o agregado constituído pelos pais, situação que mantém, existindo fortes sentimentos de afeto e coesão entre os elementos. A família habita uma moradia em banda de sua propriedade, loca] onde reside há 35 anos, de adequadas condições de conforto. O arguido exercia a sua atividade profissional no G......., em Braga, há cerca de 3 meses, sendo-lhe impostos objetívos de fidelização de clientes no âmbito das suas funções de assistente polivalente. No exercício da sua atividade mantinha com 03 clientes uma relação meramente profissional, tentando cumprir com as metas que lhe eram solicitadas. O arguido foi referenciado como funcionário exemplar no desempenho das suas funções, primando pelo cumprimento dos deveres e estabelecia com os clientes, colegas e superiores hierárquicos uma postura correta e colaborante. O arguido depois de ter cumprido um contrato de trabalho no G....... exerceu as mesmas funções no Credito Agrícola durante 18 meses e até 28.08.2010, data em que ficou desempregado. Recebeu durante 9 meses o respetivo subsidio de desemprego e desde essa altura não conseguiu colocação profissional, apesar de diligenciar ativamente pela obtenção de novo emprego. Face à condição de desemprego, os pais F....... no sentido de lhe proporcionarem alguma autonomia financeira, entregara-lhe a gestão de dois apartamentos de sua propriedade, pelos quais o arguido recebe €600 mensais pelo arrendamento dos mesmos. Os pais do arguido asseguram as despesas do agregado através das respetivas pensões de reforma e de rendimentos provenientes de bens imóveis que possuem. Ao arguido não é solicitado qualquer contributo, sendo a situação económica do agregado considerada confortável. F....... convive com um grupo restrito de amigos de infância, habitualmente ao sábado. Permanece em casa a maior parte do tempo e raramente sai à noite, comportamento que tem vindo a assumir desde há 4 anos atrás. Socialmente o arguido beneficia de um inserção comunitária ajustada, sendo considerado um individuo educado e integrado num grupo familiar idóneo e organizado em termos funcionais. Impacto da situação jurídico-penal - O arguido identifica a situação inerente ao processo em apreço, mas manifesta-se indignado e surpreendido pela qualidade de arguido. Denota forte desgaste emocional, pois considera esta situação constrangedora, esperando ver a sua situação esclarecida com a conclusão do processo. Contudo, em abstrato, perante a problemática criminal em causa, o arguido manifesta adequadas capacidades para reconhecer a sua ilicitude e formular juízos críticos, bem como para «conhecer possibilidade de vítimas e danos. O arguido não apontou qualquer repercussão ao nível profissional ou familiar decorrente deste processo judicial e continua a dispor do apoio incondicional dos pais, que se mostram expectantes quanto ao desfecho do presente processo judicial penal. Foi ressaltado pela família que F......., para além do desgaste emocional, registou alterações ao nível do seu comportamento interpessoal, tornando-se numa pessoa reservada e algo angustiada. O presente contacto cora o sistema de justiça foi acolhido com total surpresa no meio profissional e familiar. Conclusão - Do processo de socialização do arguido destaca-se a pertença a um grupo familiar estável e com adequadas condições socioeconómicas, no seio do qual o arguido beneficiou e continua a beneficiar de condições de vida confortáveis. F........ lcenciou-se em gestão e manteve a sua atividade laboral ligada a entidades bancárias até Agosto de 2010. Apesar de desempregado tem assegurado as suas despesas pessoais através da gestão de bens imóveis, pertencentes aos pais, e de total apoio destes no seu quotidiano O arguido beneficia de uma inserção sociofamiliar normativa, e não tem registo de quaisquer incidentes ou condutas associais no seu percurso de vida. Neste contesto, na eventualidade de condenação, cremos que o arguido apresenta condições para garantir a exequibilidade de sanção na comunidade, sem necessidades específicas de intervenção por parte destes serviços de reinserção social.

Antecedentes Criminais.
Em 30.1.2014 o arguido F....... não tinha antecedentes criminais registados.
Em 30.1.2014, o arguido T........ não tinha antecedentes criminais registados.
Em 30.1.2014, o arguido U........ não tinha antecedentes criminais registados.
Em 30.1.2014, o arguido X........ já tinha sido julgado e condenado, em 22.12.2010, por crimes de lenocínio e auxílio à imigração ilegal, praticados em Guimarães, em 2003 e 2000, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa.
Em 30.1.2014, o arguido V........ já havia sido julgado e condenado, em 19.1.2010, por crime de injúria, em pena de multa.
Em 29.1.2014, o arguido M........, não tinha antecedentes criminais registados.
Em 29.1.2014, o arguido W........ já havia sido julgado e condenado: em 19.10.2005, por crime de usurpação de direito de autor; em 22.12.2010, por crimes de auxílio à imigração ilegal e lenocínio, praticados em Guimarães, em 2003, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa.
Em 29.12014, o arguido H......., já havia sido julgado e condenado: em 17.2.2011, por crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 160 dias de multa; em 11.11.2011, por crime de violência doméstica, praticado em 1.9.2009, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa; em 3.5.2012, por crime de detenção de arma proibida, praticado em 2012, na pena de 90 dias de multa; em 8.6.2012, por crime de usurpação de direito de autor, praticado em Outubro de 2007, na pena de 210 dias de multa.
Em 29.1.2014, o arguido I....... não tinha antecedentes criminais registados.
Em 29.1.2014, o arguido B....... não tinha antecedentes criminais registados.
Em 29.1.2014, a arguida K….. não tinha antecedentes criminais registados.
(…)
2.4.2. Da Medida Concreta da Pena
Feita, pela forma descrita, a qualificação jurídico-penal da conduta dos arguidos a condenar, importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.
No processo de concretização da sanção penal, aplicável aos arguidos percorremos três fases: a determinação da moldura penal abstracta; a fixação da pena adequada e a indagação do tipo de pena exigido.
No âmbito dessa primeira fase, lembramos aqui que nas condutas dos arguidos considerados cúmplices, as molduras penais abstratas aplicáveis aos autores serão especialmente atenuadas, conforme resulta do disposto nos arts. 27º, nº 2, e 73º, nº 1, als. a) e b), do Código Penal.
Passemos à análise das circunstâncias que o art. 71º, do Cód. Penal, na sua redacção original, exemplificadamente enumera e a que devemos atender para fixação da pena concreta do arguido.
No caso do arguido H......., quanto à censurabilidade da conduta, verificamos ser agravada pela persistência, no tempo e na expansão da atividade ilícita, do comportamento desviante, pela multiplicação de ilícitos e pelo grau de organização e meticulosa e cuidadosa tentativa de disfarce da sua conduta que se percebe visar lucros elevados. Em toda a sua conduta o arguido denota uma personalidade insensível aos valores protegidos pelas normas penais que infringiu que não vimos ser alterada posteriormente aos factos. Com efeito, o arguido não demonstrou em julgamento qualquer atitude ou ação que pudesse revelar algum esforço de arrependimento ou de reparação de algum dos desvalores causados e o pouco que se sabe da sua atitude perante os factos, através do relatório do IRS, mantém o juízo acima feito: ainda perante as evidências da prova produzida o arguido continua a não assumir qualquer responsabilidade, a negar em absoluto o seu envolvimento, ao mesmo tempo que verbaliza uma atitude de empatia para com as vítimas que, nesse quadro, surge completamente insustentada e incrível, ou seja, com os dados que este processo fornece, nota-se que o arguido não alterou minimamente a sua postura em relação aos valores em causa o que revela um acentuado desvio de personalidade.

No que toca ao arguido B........, notamos fatores que também apontam, pela mesma razão, para dolo intenso, devido à persistência da conduta e ao grau de envolvimento nos factos, sendo a sua atuação um dos pilares mais importantes da conduta do mentor e principal ator dos ilícitos por que foi julgado responsável, revelando uma total e profunda adesão ao seu mercado de pessoas. Também no seu caso, percebemos uma personalidade insensível aos factos que se permitiu protagonizar durante largos messe e que não foi alterada por qualquer atitude durante a audiência de julgamento. Ressalva-se que o arguido, na elaboração do relatório social, admite, ao contrário do seu mentor, algum envolvimento inócuo nos factos. No entanto, essa admissão de uma evidência não altera aquele juízo e torna também pouco crível a empatia que, em face deste processo-crime, verbalizou em relação a “potenciais vítimas”.

No que concerne à arguida K….., estamos perante fatores comportamentais revelados pela conduta apurada que exigem um grau de censura similar, embora mitigada pela redução significativa do seu tempo de envolvimento nos factos, se comparado com os dois arguidos que acima se referem. Igualmente no seu caso, não vemos que entretanto tenha ocorrido uma verdadeira modificação da sua personalidade, aquela que admitiu traficar pessoas que eram suas conterrâneas e contribuir para a sua exploração sexual nos termos apurados, formando no seu período de atuação uma próxima ligação, que atingiu o patamar do matrimónio, com o principal arguido e mentor desses crimes. Como se lê no seu relatório social e se percebe do seu discurso parco em audiência de julgamento, a arguida persiste numa atitude de desresponsabilização total, encontrando argumentos num desaguisado que entretanto gerou rutura na sua relação com o arguido H....... mas que só serviu e serve na prática para sinalizar o termo involuntário e desgosto da sua conduta criminosa, como se percebe da prova recolhida. Tal como em relação aos restantes arguidos acima mencionados, não vemos em alguma da sua atitude ou verbalização perante o IRS, qualquer arrependimento sincero mas sim a persistência de um comportamento que é substancialmente documentado pela prova produzida, nomeadamente pelas escutas que revelam bem a espontânea e verdadeira personalidade da arguida, insensível e enganosa.

No que diz respeito ao arguido I......., estamos perante um comportamento delituoso que persistiu durante cerca de 6 meses e se materializou não só no suporte da atividade comercial da Residencial C....... mas também num envolvimento no acolhimento das mulheres traficadas e exploradas nesse mesmo estabelecimento e no branqueamento da atividade e lucros do principal arguido. A adesão deste arguido a esses ilícitos, embora não tenha a profundidade/concretização dos anteriores, não deixa de ser significativa e reveladora de uma personalidade desviante que contrasta com a sua atual profissão. O arguido teve também no crime de branqueamento de capitais uma postura de completa disponibilidade que muito eleva a censura do seu comportamento. Este arguido também não admite qualquer responsabilidade dos factos e inclusive afirma que continuou a trabalhar como o mesmo arguido num estabelecimento similar, logo a seguir aos crimes aqui julgados, i.e, posteriormente aos factos também não fez nada que permitisse atenuar alguma da sua responsabilidade, além de aparentemente exercer atualmente um atividade lícita, porventura omitindo à sua entidade patronal o seu historial profissional.
(…)
Por fim, no que respeita ao arguido F......., que foi considerado responsável somente por um crime de branqueamento de capitais, estamos perante personalidade que, tal como no caso da alguns dos restantes arguidos, surge num contexto social, familiar e profissional, aparentemente normal e criminalmente inócuo, mas que não deixa de revelar um envolvimento intenso na prática do crime em causa, no caso, uma adesão multifacetada aos propósitos ilícitos do arguido H......., indispensável à sua gestão quotidiana das contas e mecanismos bancários que aquele, ilustradamente, pôs à sua disposição como funcionário de uma entidade bancária. E tal como no restante cenário subjetivo deste julgamento, a sua personalidade deficiente não admite, depois dos factos, mais do que abstrata mas não crível sintonia com os valores violados e um concreta postura de fuga em frente e desresponsabilização total, que, mais uma vez, também aqui, denota uma imutabilidade ou falta de evolução positiva que aumenta essa censura.
O grau da ilicitude é agravado, no caso dos arguidos em que se percebeu um dolo que se concretizou em relação a cada um das vítimas identificadas, pelo forma como foram traficadas e acolhidas as vítimas, relevando-se que o seu destino era a degradante exploração sexual nas condições apuradas, onde se percebem as várias circunstâncias que geraram a ilicitude prevenida na citada al. d), do nº 1, do art. 160º, do Código Penal. Nota-se que o arguido H....... era o principal ator dessa atividade ilícita e o beneficiário dos lucros que só em parte distribuía pelos restantes comparticipantes. No que concerne aos coautores e cúmplices, em relação aos quais não foi possível concretizar, em relação a cada vítima, o dolo que protagonizaram, a ilicitude é mais reduzida e será proporcionada ao grau de envolvimento que se apurou terem tido durante e ao respetivo período de atuação.
Em particular, no que diz respeito ao crime de branqueamento de capitais, a ilicitude considerada tem em conta os valores apurados, o grau de organização e disfarce assente e a ligação a ilícito tão grave como é o de tráfico de pessoas, tudo fatores que elevam o desvalor da conduta dos arguidos.
No plano da prevenção especial, de acordo com postura que todos os arguidos decidiram tomar em julgamento, perante os factos, essencialmente de desresponsabilização, como se percebe dos relatórios do IRS, os cuidados a ter são muito elevados pois transparece dessa atitude que é preciso algo mais para reeducar e reprimir personalidades tão insensíveis.
Acresce, nos casos dos arguidos X........ e W….., com registos criminais em crimes conexos, e no caso do arguido H......., com registos criminais noutros tipo de ilícito que mais revelam o grau de desvio da sua personalidade, uma exigência adicional ilustrada por esses contatos com os Tribunais e sua génese.
No plano da prevenção geral, a frequência com que se praticam este tipo de factos, como é público, terá de merecer cuidado acrescido. Nesta comarca este crime e as atividades conexas são abundantes e reincidentes, num aparente clima de impunidade que é patente na investigação realizada neste processo em que se nota a contínua laboração das casas em questão com diversos exploradores, ainda depois de terem sido apreendidas e seladas!
Ora, as normas incriminadoras preveem a aplicação de uma pena de prisão entre 3 a 10 anos, para cada crime de tráfico de pessoas do art. 160º, nº 1, al. d), do Código Penal, e de 2 a 10 anos de prisão, no caso do crime de branqueamento de capitais, se tivermos em conta o que resulta da conjugação dessa norma penal com as contidas nos nºs 2 e 10, do art. 368ºA, do Código Penal.
Entendemos, que no caso presente, pelas razões acima expostas e de acordo com o critério do art. 70º, do Cód. Penal, será, ab initio, necessária uma pena privativa de liberdade para promoção da necessidade de recuperação social dos delinquentes e para garantir as remanescentes exigências de reprovação e prevenção especial e geral.
Ter-se-á em conta que os apurados cúmplice são puníveis, de acordo com a previsão do art. 27º, nº 2, do Código Penal, com uma pena especialmente atenuada, ou seja, aplicando-se as regras do art. 73º, do mesmo Código.
Face ao exposto, julgamos serem justas e adequadas as seguintes penas: no caso do arguido H......., 4 anos de prisão, para cada um dos crimes de tráfico de pessoas (uma vez que não vemos nos factos provados fatores que permitem sancionar de forma diversa alguma das condutas) e 5 anos de prisão para o crime de branqueamento de capitais; para o arguido B........, 3 anos e 2 meses de prisão para cada um dos crimes de tráfico de pessoas (também aqui não vemos nos factos provados fatores que permitem sancionar de forma diversa alguma das condutas) e 3 anos e 2 meses de prisão para o crime de branqueamento de capitais; para a arguida K……, 3 anos e 2 meses de prisão para cada um dos crimes de tráfico de pessoas (igualmente no seu caso não vemos nos factos provados fatores que permitem sancionar de forma diversa alguma das condutas); para o arguido I......., 4 anos de prisão (note-se que estamos aqui a falar de todo o período de atuação do arguido, não individualizado, como sucedeu com os coautores acima referidos) pelo crime de tráfico de pessoas e 3 anos de prisão pelo crime de branqueamento de capitais; para a coautoria do arguido U......, a pena de 2 anos de prisão; para a cumplicidade do arguido T........ num crime de tráfico de pessoas, 2 anos de prisão; para a cumplicidade do arguido M........ num crime de tráfico de pessoas, 1 ano e seis meses de prisão; para a cumplicidade do arguido V........ num crime de tráfico de pessoas, 1 ano e 3 meses de prisão; para a cumplicidade do arguido W...... num crime de tráfico de pessoas, 2 anos e 6 meses de prisão; para a cumplicidade do arguido X........ num crime de tráfico de pessoas, 2 anos e 6 meses de prisão; para a coautoria do arguido F....... num crime de branqueamento de capitais, 3 anos e 6 meses de prisão.
Encontradas as penas concretas dos crimes cometidos pelos arguidos H......., B........, K...... e I......., em concurso real, situação enquadrável no disposto no art. 30º, nº 1, do C. Penal, há que fixar agora a pena unitária desta pluralidade de infrações.
O limite máximo desta penalidade única será a resultante da regra do art. 77º, nº 2, também do Cód. Penal, ou seja, a soma das penas parcelares concretamente aplicadas àqueles crimes.
O respetivo limite mínimo, deve ser graduado em medida superior à mais grave das penas parcelares aplicadas.
Desta forma caberão aos factos imputados aos arguidos a seguinte moldura penal: no caso do arguido H......., entre 4 anos e 53 anos de prisão (efetivamente 25 anos, atento o limite do art. 77º, nº 2, do Código Penal); no caso do arguido B........, entre 3 anos e 2 meses e 41 anos e 2 meses de prisão (efetivamente 25 anos, atento o limite do art. 77º, nº 2, do Código Penal); no caso da arguida K...... entre 3 anos e 2 meses e 25 anos e 4 meses de prisão (efetivamente 25 anos, atento o limite do art. 77º, nº 2, do Código Penal); no caso doa arguido I...... entre 4 anos e 7 anos de prisão.
Na determinação concreta da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente" - diz o citado art. 78º, nº 1, in fine. Esta reapreciação não implica uma dupla valoração dos factos já que a sua análise é global e não especial.
Pelos motivos largamente discutidos supra, considerados agora globalmente, somos da opinião de que a presente pluralidade de crimes traduz uma acentuada tendência da personalidade dos arguidos para o crime, que aparenta não ter mudado a não ser pela aparente inserção social e profissional que na altura dos factos também aparentavam.
Nesse contexto, não se deve esquecer que o limite da pena aplicável é o acima indicado e que, embora possa parecer demasiado, não pode ser completamente apagado, sob pena de se estar a produzir uma decisão que é um incentivo, maior, à reincidência – um verdadeiro prémio. Esse é, de facto, o limite encontrado com as molduras e penas que o legislador, e antes disso, o povo que o elegeu, entenderam serem as devidas.
O regime do art. 77º procura humanizar o sistema, corrigir anormalidades que poderiam resultar do simples somatório das penas aplicadas mas não pode, servir exageradamente como recompensa das múltiplas ações que foram protagonizadas pelo arguido, nem como discriminação positiva ou favorecimento em relação àqueles que, em devido tempo e de forma consentânea com os valores que o arguido repetidamente violou, até ser encarcerado, emendaram a mão e não insistiram no seu comportamento delituoso.
É preciso que a pena aplicada lembre, ao arguido (prevenção especial) e a quem a conhece, após ser tornada pública (prevenção geral) que, apesar da previsão do art. 77º, não compensa, assim tanto, insistir em comportamentos criminosos.
Neste enquadramento, renovamos aqui os fatores que acima notámos em sede de censura, ilicitude, prevenção especial e geral, para considerar que são adequadas a seguintes penas unitárias para os autores dos concursos de crimes acima assinalados: de 12 anos de prisão para ao arguido H.......; 8 anos de prisão para o arguido B........; 6 anos de prisão para a arguida K...... e 5 anos de prisão para o arguido I........

Nenhum dos arguidos, repete-se, aparenta, em julgamento, por actos ou por verbo, alguma interiorização sincera dos valores ofendidos e alguma vontade de alterar o seu comportamento desviante a não ser com uma aparente inserção laboral e social, coisa que em alguns casos já fazia parte do contexto em que se permitiram praticar os factos aqui julgados.
É nesse quadro que devemos, neste ponto, ponderar a aplicação de penas de substituição, como a prevista no art. 50º, do Código Penal.
Seguindo a ordem que acima vimos assinalando, começamos pelo arguido I...... para enunciarmos que essa aparente inserção laboral e social, associada à ausência de antecedentes criminais, permite prognosticar que a simples ameaça de execução dessa pena surtirá os efeitos pretendidos, associada ao regime de prova que permite educar o arguido no seio dos valores em crise, razão pela qual se aplica a previsão do art. 50º, do Código Penal.
Esse mesmo raciocínio é aplicável aos arguidos T........, U........, M........, V........ e F......., razão pela qual a suas penas também serão suspensas nos mesmos termos.
No que diz respeito aos arguidos X........ e W......, que já foram julgados por crimes conexos, os registos criminais exigem acrescido cuidado nessa prognose e na substituição da pena de prisão, no entanto, essa estará garantida pelo acrescido prazo de suspensão e pela regras que, para todos, resultarão dessa suspensão e do regime de prova, nomeadamente, nos termos do art. 54º, nº 3, do Cód. Penal, a de evitar qualquer ligação a estabelecimentos ou pessoas relacionadas com o tipo de tráfico, exploração da prostituição e atividades conexas.
(…)

IV
Recurso interposto pelo arguido B.......:

1. Vem o arguido B....... alegar que o acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 379º, nº 1, b), do Código de Processo Penal, por dele constar uma alteração substancial dos factos da acusação, fora das condições previstas no artigo 359º do mesmo Código. Alega que estamos perante uma alteração substancial dos factos, uma vez que vinha acusado da prática de um crime de tráfico de pessoas e veio a ser condenado pela prática de doze desses crimes (tantos quantos as respetivas vítimas).
Vejamos.
A alteração em questão resulta, em parte, de uma alteração de qualificação jurídica, não de uma alteração de factos. Essa alteração decorre, em parte, da tese que considera que se verificam tantos crimes de tráfico quantas as respetivas vítimas (tese que se reflete no artigo 30º, nº 3, do Código Penal, embora este preceito não seja aplicável ao caso em apreço, pois não estamos perante um crime continuado). Neste aspeto, está em causa apenas uma diferente qualificação jurídica, não uma alteração de factos. Bastará, então o cumprimento do disposto no artigo 358º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal para que não se verifique a nulidade em causa. E Foi dado cumprimento a esse preceito neste processo (ver fls. 5443, 5444, 5482 e 5483)
Não se ignora a doutrina e jurisprudência (citada na motivação do recurso) que considera também aplicável à diferença de qualificação jurídica o regime do artigo 359º do Código de Processo Penal (que remete para o artigo 1º, f), do mesmo diploma), previsto para a alteração substancial de factos. Daí resultaria que uma diferença de qualificação jurídica que se traduzisse numa agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (considerando o disposto no referido artigo 1º, f)) também exigiria o cumprimento não do artigo 358º, mas do artigo 359º do Código de Processo Penal. Afigura-se-nos, porém, que esta tese vai além do que, com clareza, resulta do regime desses artigos 358º e 359º, confundindo aquilo que tais artigos bem distinguem: alteração de factos e alteração de qualificação jurídica.
No entanto, estas considerações valem apenas no que diz respeito aos crimes cujas vítimas estão como tal identificadas na acusação. O tribunal considerou também a prática de mais dois crimes de tráfico de pessoas cujas vítimas não estavam identificadas como tal na acusação. E deu cumprimento, quanto a esses crimes, ao artigo 358º do Código de Processo Penal (relativo à alteração não substancial de factos e à alteração de qualificação jurídica) - veja-se o despacho de fls. 5482 e 5483. Por outro lado, no acórdão recorrido os arguidos B....... e H....... são condenados por doze crimes de tráfico de pessoas. Oito das vítimas desses crimes são como tal identificadas na acusação e na pronúncia (ver os artigos 27º da acusação e pronúncia e 26 do elenco factos provados constante do acórdão recorrido): Z......, BB......, BD......, BC......, BE......, BF......, Q....... e BG....... Mas outras quatro das vítimas desses crimes não são como tal identificadas na acusação e na pronúncia (embora nestas sejam mencionadas, não o são como vítimas de tráfico de pessoas): BM......, BN......, BU...... e CC.......
Ora, quanto a este aspeto, estamos já perante uma alteração de factos (não simples alteração de qualificação jurídica). E perante una alteração de factos substancial (à luz do disposto no referido artigo 1º, f)), pois a alteração traduzir-se-á num agravamento do limite máximo das sanções aplicáveis: está em causa o número de crimes (tantos quantas as vítimas), quanto maior o número de crimes, maior o limite das sanções aplicáveis.
Assim, o acórdão recorrido será nulo quanto à condenação deste e de outros arguidos pela prática de quatro dos crimes de tráfico de pessoas (aqueles cujas vítimas não foram como tais identificadas na acusação, embora nelas tenham sido mencionadas) por que foi condenado.
Quanto a esses crimes haverá que dar cumprimento, na primeira instância, ao disposto no artigo 359º do Código de Processo Penal.
Deverá, assim, ser dado provimento parcial a este recurso quanto a este aspeto.

2. Vem o arguido B....... alegar, por outro lado, que a prova produzida impõe decisão diferente da tomada no acórdão recorrido, no que se refere aos factos indicados no respetivo elenco sob os nºs 2 (alíneas e), l) e m)), 17, 24, 25 (alíneas b), d) e g)), 39 e 40.
Deve considerar-se que este arguido e recorrente impugna a matéria de facto provada, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal,
Nos termos do referido número 3, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados (alínea a)); as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (alínea b)); e as provas que devem ser renovadas (alínea c)). Nos termos do número 4 deste mesmo artigo, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nestas alíneas b) e c) fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no número 2 do artigo 364º do mesmo Código, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Ora, este arguido e recorrente, manifestamente, não procede a esta indicação.
Porque essa necessária indicação não é feita nem nas conclusões, nem na própria motivação do recurso, não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal, impondo-se a rejeição do recurso. Esse convite ao aperfeiçoamento contrariaria o disposto no nº 4 deste artigo, que impede que por essa via se modifique o âmbito do recurso fixado na motivação. Pode ver-se, neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 3ª ed., Lisboa, 2009, anotação 6 ao artigo 417º, pg. 1132; o acórdão da Relação de Lisboa de 20 de outubro de 1999, in C.J., XXIV, 4, pg 153; e, no sentido da conformidade à Constituição desta interpretação, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 259/2002 e 140/2004, in www.tribunalconstitucional.pt.
Embora não o mencione nas conclusões da motivação (e são estas conclusões que delimitam o objeto do recurso), este recorrente alega que no acórdão recorrido se verifica contradição insanável da fundamentação, nos termos do artigo 410º, nº 2, b), do Código de Processo Penal, uma vez que a alínea l) do nº 2 pressupõe que as vítimas não podiam abandonar o estabelecimento e a alínea m) desse mesmo nº 2 pressupõe que podiam sair e seriam multadas se se atrasassem.
Sempre se dirá que não se verifica essa contradição. O que decorre dessa alínea l) é que as vítimas não podiam abandonar definitivamente o estabelecimento, não que dele nunca pudesse sair.
Assim, deverá ser negado provimento a este recurso quanto a este aspeto.

3. Vem o arguido B....... alegar, por outro lado, que a factualidade provada não integra a prática de crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, do Código Penal, por que foi condenado, nem crimes de lenocínio agravado, p. e p. pelo artigo 169º, nº 2, do mesmo Código, mas apenas a prática de crimes de lenocínio simples, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 do mesmo Código. Alega que o acórdão recorrido alude a “especial vulnerabilidade” sem especificar os factos concretos que possam subsumir-se a esse conceito indeterminado, que a decisão das mulheres supostas vítimas no sentido do exercício da prostituição ocorreu em momento anterior a qualquer relação laboral com qualquer dos arguidos ou a qualquer atividade dos arguidos (quando se exige que o agente fomente, favoreça ou facilite o exercício da prostituição através de algum dos meios indicados nos referidos nº 1 do artigo 160º e nº 2 do artigo 169º) e que não se verificou qualquer processo enganoso.
Vejamos.
Não está em causa o recurso, pelos arguidos, a qualquer meio enganoso (alínea b) do nº 1 do artigo 160º), ou a qualquer abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou familiar (alínea c) do mesmo número), mas a um aproveitamento de uma situação de “especial vulnerabilidade” da vítima (alínea d) do mesmo número). Esta situação não está descrita no acórdão recorrido através da mera reprodução desse termo, que configura um conceito indeterminado. Esse conceito é concretizado através da menção da «total dependência económica, fragilidade emocional, pressão permanente que sobre as mesmas era exercida, completa desintegração sociocultural e limitação de movimentos (nos termos acima expostos)» (nº 24 do elenco dos factos provados). Essa concretização também consta, pois, da descrição que antecede esse nº 24.
Para se excluir a ocorrência do aproveitamento de uma situação de “especial vulnerabilidade”, não basta alegar que as vítimas já exerciam a prostituição antes de qualquer intervenção de algum dos ora arguidos. Não está em causa apenas o exercício da prostituição, mas o exercício da prostituição nas condições em que o faziam as vítimas no contexto descrito no acórdão recorrido.
É certo que o acórdão recorrido (certamente por a prova produzida não permitir que assim não fosse) é omisso em relação a muitos aspetos das condições de recrutamento das vítimas no Brasil, aspetos que permitiriam aferir da existência de aproveitamento de uma situação de “especial vulnerabilidade” já nesse recrutamento. O acórdão recorrido pressupõe que as vítimas, quando recrutadas, se encontravam em situações de extrema pobreza (como sucede quase sempre com as pessoas que exercem a prostituição, e também pelo facto de elas serem provenientes do Brasil, país marcado por tais situações). São pressuposto razoáveis, mas que não suficientes, por si só, para configurarem uma situação de “especial vulnerabilidade” (sob pena de retirar conteúdo prática ao próprio tipo de lenocínio simples). O conceito de “especial vulnerabilidade” é mais preciso, como decorre do que a este respeito se afirma no acórdão recorrido.
Mas o crime de tráfico de pessoas não é praticado apenas no momento do recrutamento. O alojamento e acolhimento da vítima (que também integra a prática do crime, como decorre do nº 1 do artigo 160º do Código Penal) pode prolongar-se no tempo e foi isso que se verificou no caso em apreço. E pode o recrutamento dar-se sem aproveitamento de uma situação de especial vulnerabilidade da vítima e já esse o acolhimento e alojamento posterior se verificar com aproveitamento de uma situação de especial vulnerabilidade entretanto gerada. Com frequência sucede, em situação de tráfico de pessoas, que a vítima aceita o recrutamento em liberdade e sem engano, mas, uma vez deslocada e numa situação de isolamento e desintegração sociocultural (e eventual ilegalidade) própria de quem está longe do seu país de origem, assim como de eventual dependência económica, já não tem possibilidade de voltar atrás e de desistir de uma atividade que já não quer continuar a exercer. E terá sido isso que se verificou no caso em apreço. A situação de “especial vulnerabilidade” que o acórdão recorrido teve em conta foi a que se gerou quando as vítimas já estavam deslocadas do seu país de origem e, numa situação de isolamento, ilegalidade, completa desintegração sociocultural e completa dependência económica, quando não lhes restava “alternativa real e possível” (conceito utlizado nos trabalhos preparatórios do Protocolo de Palermo e outras convenções internacionais que estão na génese da redação dos artigos do Código Penal em questão, como se expõe na fundamentação do acórdão recorrido) ao exercício da prostituição nas condições em que o faziam.
Estamos, pois, perante uma situação de aproveitamento de situação de “especial vulnerabilidade das vítimas”.
Pode, mesmo assim, suscitar-se a dúvida de saber se estamos perante crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal, ou crimes de lenocínio agravado, p. e p. pelo artigo 169º, nº 2, d), do mesmo Código.
Baseando-se num estudo da autoria do juiz que, por coincidência, é também relator deste acórdão (Pedro Vaz Patto, «O crime de tráfico de pessoas no Código Penal revisto – análise de algumas questões», in Revista do CEJ, nº 8 (especial), 1º semestre de 2008, pgs. 179 e segs.), o acórdão recorrido considera que o critério de distinção entre estes dois tipos de crime liga-se ao grau de instrumentalização (coisificação) da vítima; o tráfico de pessoas aproxima-se do ápice da instrumentalização da pessoa que representa a escravatura e vai para além do que já é próprio da exploração da prostituição, na privação da liberdade e na ofensa à dignidade da pessoa (pessoa que deve ser, na visão kantiana, fim em si mesmo, e não meio ou instrumento em prol de outros fins).
Baseando-se também nesse estudo, o Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância, na resposta à motivação deste e de outros recursos, alega que a factualidade provada integra a prática de crimes de lenocínio agravado, não de crimes de tráfico de pessoas. Alega que as vítimas em questão não se encontravam numa situação próxima da escravatura e que não se verificavam, quanto a elas, várias das situações indicadas (a partir da experiência policial de vários países) no referido estudo (e também no acórdão recorrido) como indícios de tráfico: as vítimas deram o seu consentimento, quando foram recrutadas sabiam o que as esperava, os horários de trabalho não eram desumanos, os castigos eram apenas pecuniários, a retribuição não era particularmente injusta (metade do preço dos serviços cabia à mulher), havia liberdade na escolha do ato sexual a praticar, a atividade era praticada em condições de higiene, não se verificava violência física ou psicológica.
Vejamos.
Afirmar que o tráfico de pessoas se distingue do lenocínio agravado por se aproximar do ápice de instrumentalização da pessoa que representa a escravatura não significa que todas as situações de tráfico configurem uma quase-escravatura. Se fossemos tão exigentes, não poderíamos considerar que o fenómeno assume as dimensões que habitualmente lhe são dadas e que levam à especial mobilização de Estados e comunidade internacional no sentido da sua erradicação (veja-se, por exemplo, os I, II e III Planos Nacionais de Luta contra o Tráfico Humano, aprovados pelas Resoluções do Conselho de Ministros nºs 81/2007, de 22 de junho, 94/2010, de 29 de novembro, e 101/2013, de 31 de dezembro). Para considerarmos que estamos perante uma situação de tráfico de pessoas (neste caso, com aproveitamento de situação de especial vulnerabilidade da vítima), no confronto com o lenocínio agravado, basta que as condições do exercício da prostituição vão para além, na privação da liberdade da vítima e na ofensa à dignidade da pessoa da vítima, das que já são próprias da exploração da prostituição (neste caso, com aproveitamento de situação de especial vulnerabilidade da vítima).
Também não é necessário, para que consideremos estarmos perante uma situação de tráfico de pessoas (neste caso, com aproveitamento de situação de especial vulnerabilidade da vítima), que se verifiquem todas as situações, ou a maior parte das situações, indicadas (a partir da experiência policial de vários países) no referido estudo, e no acórdão recorrido, como indícios de prática desse crime. Podem uma ou várias dessas situações ser suficientes para caraterizar a “imagem global” (conceito normalmente utilizado na jurisprudência para caraterizar o tráfico de estupefacientes de menor gravidade que também aqui poderá ser utlizado) dos factos em questão.
No caso em apreço, o acórdão recorrido destacou em especial, entre essas situações, a que nele se verifica e que pode ser considerada como de debt bondage. Esta é, na verdade, uma situação característica do tráfico de pessoas. Nela, o trabalho (ou a prestação sexual), na sua totalidade (não numa parcela maior ou menor), serve de forma de pagamento de uma dívida, como se a pessoa servisse de “garantia” desse pagamento, sendo que normalmente o valor dessa dívida é sobrevalorizado. Afirma-se nesse acórdão que a situação «equivalia na prática ao investimento que o arguido fazia na vítima esperando um retorno líquido equivalente ao valor que ia além das despesas e encargos com o seu transporte e/ou acolhimento».
Tara-se de uma situação que vai muito para além do habitual numa normal relação de trabalho dependente. É nítida, aqui, a acentuada coisificação da pessoa: a pessoa objeto de um investimento rentável. O valor a pagar pela vítima (que rondava os 3500€) era muito superior ao do custo efetivo de qualquer viagem, como normalmente se verifica nos casos de debt bondage. E quaisquer faltas dariam origem a multas que fariam aumentar tal valor. Só depois de assegurada a rendibilidade do investimento, uma rendibilidade rápida e substancial, é que a vítima passaria a receber alguma retribuição pela sua atividade.
A aproximação à escravatura também decorre de a atividade se prolongar durante períodos consideráveis (uma testemunha referida na fundamentação do acórdão recorrido falou no período de um ano) sem qualquer retribuição, com o que isso implica de dependência económica e psicológica. Dizer que as vítimas deram o seu consentimento inicial, ou não estavam privadas da liberdade de movimentos, é, neste contexto, pouco relevante. Sem quaisquer recursos económicos, com permanência ilegal, com total desinserção sociocultural, não lhes restava senão sujeitar-se ao exercício da prostituição nos termos que lhe eram propostos.
A expressão inglesa usada para designar esta prática também é significativa: bondage- servidão, sujeição, dependência. Não deixa de vir a propósito evocar a prática romana da escravatura por dívidas.
É verdade que há situações mais graves, de debt bondage e de tráfico em geral. Há situações em que o pagamento da dívida, de tão elevada que esta é, se prolonga indefinidamente no tempo. Não era isso que se verificava no caso em apreço. Como há casos de uso de violência física ou de privação absoluta de movimentos, que aqui não se verificam. Mas essas diferenças de gravidade são apenas de grau, hão de refletir-se na medida da pena, sem que se deva considerar-se que só os casos de mais extrema gravidade configuram a prática de crimes de tráfico de pessoas.
A prática de debt bondage é, pois, suficiente para caracterizar o caso em apreço como de prática de crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal.
Assim, o douto acórdão recorrido não merece reparo quanto a estes aspetos.
Deverá ser negado provimento ao recurso quanto a estes aspetos.

4. Vem o arguido B....... alegar, por outro lado, que a factualidade provada não integra a prática, por ele, do crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal, por que foi condenado. Alega que a conta bancária por ele titulada a que se faz referência no acórdão recorrido era destinada ao depósito dos seus salários e ao pagamento de contas dos estabelecimentos onde trabalhava, não tendo sido provado que agiu com intenção de ocultar a origem ilícita de outras quantias nela depositadas, ou de evitar que o proprietário dessas quantias fosse perseguido criminalmente.
No entanto, essa intenção foi considerada provada no douto acórdão recorrido (ver nº 44 do elenco dos factos provados). Para impugnar tal decisão, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ao recorrente cabia o ónus de cumprimento do disposto nesse nº 3 e no nº 4 desse artigo 412º. Não o fez minimamente, como acima se salientou quanto à impugnação da decisão de prova de factos relativos à prática dos crimes de tráfico e pessoas por que este arguido foi condenado.
Deve, pois, ser negado provimento a este recurso também quanto a este aspeto.

5. Vem o arguido B....... alegar, por último, que as penas em foi condenado devem ser reduzidas e suspensas na sua execução, face aos critérios legais. Alega que está socialmente inserido, que não tem antecedentes criminais e que no próprio relatório da D.G.R.S. se pugna pela sua condenação em pena não privativa da liberdade.
Antes de mais, convém sublinhar que não é, de modo algum, função desse relatório dar parecer sobre a pena adequada à luz dos critérios legais, nem nesse sentido devem ser entendidas as considerações nele tecidas.
Mas debrucemo-nos sobre estas questões suscitadas por este recorrente.
O crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal é punível com pena de três a dez anos de prisão.
O crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal, é punível com pena de dois a doze anos de prisão (neste caso, o limite máximo será de dez anos, por força do nº 10 do mesmo artigo).
Na determinação da medida das penas a aplicar ao arguido, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal.
De acordo com o artigo 40º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
Nos termos do nº 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Nos termos do artigo 77º, nº 1 e nº 2, do Código Penal, em caso de concurso de crimes, o agente é punido numa única pena, que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sendo que na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A pena correspondente a cada um dos crimes de tráfico de pessoas por que este arguido foi condenado (três anos e dois meses de prisão) situa-se já muito perto do mínimo legal. Não pode tal pena considerar-se, pois, excessivamente severa, tendo em conta o grau de envolvimento do arguido na prática dos factos (menor do que o do arguido H......., mas, mesmo assim, não despiciendo), o grau de violação da liberdade e dignidade das vítimas (não extremo, mas não despiciendo) e o grau de exploração económica destas.
Quanto ao crime de branqueamento de capitais, a pena em que o arguido foi condenado (três anos e dois meses de prisão) também não se situa longe do mínimo legal e não deve ser considerada excessivamente severa, tendo em conta as quantias envolvidas e a gravidade e número de crimes dissimulados.
O cúmulo jurídico efetuado também não será merecedor de reparo, considerando e significativo número de crimes de tráfico de pessoas em questão (correspondente a outras tantas vítimas).
No entanto, não poderão ser considerados quatro dos crimes de tráfico de pessoas englobados nesse cúmulo, sobre que recai a acima apontada nulidade da sentença.
Assim, a pena decorrente desse cúmulo deverá ser reduzida para seis anos e seis meses de prisão.
Nesta medida, deverá ser dado provimento a este recurso.
Tal pena, por ser superior a cinco anos, nunca poderia ser suspensa na sua execução (ver artigo 50º, nº 1, do Código Penal). Não se ignoram os inconvenientes da pena de prisão na perspetiva da inserção social do arguido. Mas também não podem ignorar-se as particulares exigências de prevenção geral que suscita a prática do crime de tráfico de pessoas, de que são reflexo, por exemplo, os I, II e II Planos Nacionais de Combate ao Tráfico Humano, acima mencionados.

V
Recurso interposto pelo arguido F.......:

1. Vem o arguido F....... alegar que se verifica nulidade da acusação (a qual se repercute na pronúncia e no acórdão recorrido) por inexistência da narração dos factos integradores do crime de branqueamento de capitais, com o que se verifica violação do princípio acusatório. Alega que não são para tal suficientes os artigos 34,35 e 51 da acusação, pois neles não se concretiza o “plano” a que se faz referência, não se indicam as “instruções” a que se faz referência e não se esclarece a proveniência, e em que consistia a ilicitude dessa proveniência, dos movimentos bancários a que se faz referência.
Nos termos do artigo 283º, nº 3, b), do Código de Processo Penal, a acusação contem, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. Trata-se de uma exigência do princípio acusatório e das garantias de defesa do arguido.
Não se verifica, porém, a pontada omissão de descrição de factos.
O “plano” a que se faz referência nos artigos da acusação mencionados vem descrito nos artigos que antecedem, tal como vem descrita nesses artigos a proveniência dos movimentos bancários em questão e os factos que integram a respetiva ilicitude. As “instruções” são as necessárias para encobrir ou dissimular tal proveniência, como se afirma nesses artigos da acusação.
Não se nos afigura exigível um maior grau de precisão ou concretização para que sejam satisfeitas cabalmente as exigências do princípio acusatório e das garantias de defesa do arguido.
Deve, pois, ser negado provimento a este recurso quanto a este aspeto.

2. Vem o arguido F....... alegar, por outro lado, que o acórdão recorrido é, nos termos dos artigos 379º, nº 1, a), e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, nulo, por falta de fundamentação, uma vez que não concretiza as razões que o levam a concluir, com base nas escutas telefónicas (na ausência de qualquer outro meio probatório) que ela praticou o crime de branqueamento de capitais por que foi condenado.
Não assiste, porém, qualquer razão a este recorrente quento a este aspeto.
Basta reproduzir o que, a seu respeito, se afirma na fundamentação do douto acórdão recorrido:
«No que diz respeito ao arguido F......., estamos perante prova que se consolida essencialmente com as reveladoras escutas telefónicas, em que o arguido é ouvido em várias conversas que denotam a sua prestável e efetiva colaboração com o arguido H....... G., com o arguido I....... e até com o arguido B….., no sentido de desenhar um esquema de filtragem dos dinheiros que eram diariamente angariados por aquele nos estabelecimentos em causa, a dada altura com recurso a TPAs que diretamente levavam o dinheiro para a anotada conta titulada em nome de terceiro, o arguido I......, e depois para outras contas geridas pelo H....... G. (no G.......) ou terceiros, nomeadamente o arguido B…. (na conta do BES) (todas documentadas nos autos, nomeadamente no apenso AC). É até caricato, se não fosse revelador do que se apurou, a constante referência do arguido H....... G. a essa conta como “sua” mas também o total e regular controle, da mesma que este tem através dos arguidos F....... e I......, em clara violação das normas do sigilo bancário e outras, se algo de mais grave não estivesse aqui em causa. No entanto, essas escutas são só espelho daquilo que se percebe na movimentação das contas, pelos documentos acima anotados, inclusive no cruzamento com dados da conta titulado pelo arguido B…. referida na acusação. Inexiste assim dúvidas sobre esse envolvimento do arguido F….. e bem assim da sua consciência da ilicitude das quantias movimentadas, que se deve presumir do senso comum, pela análise do teor das conversas que tem com o arguido H....... G., em que está implícita ou pressuposta essa má origem do dinheiro e bem assim pelas incursões que o mesmo afirma ir fazendo ao estabelecimento desse H........ As testemunhas que trouxe a julgamento para abonar o seu comportamento, porventura iludidas pela amizade ou relação de parentesco, não têm razão de ciência ou discurso que ponha em causa essa prova e a prova documental que apresenta não põe em causa o que resulta dos registos cronológicos das escutas e o que resulta do documento fornecido pelo Montepio que informa de um período de laboração que se prolongou até 26.11.2008.»
Impõe-se, até, dizer que o douto acórdão recorrido é exaustivo (muito mais do que é habitual) na reprodução dos elementos decorrentes das provas produzidas e da sua análise crítica.
Deve, assim, ser negado provimento a este recurso quanto a este aspeto.

3. Vem o arguido F....... alegar, por outro lado, que a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido (ou este padece de erro notório na apreciação da prova, ou insuficiência da matéria de facto provada para a decisão), impondo-se a sua absolvição, também ao abrigo do princípio in dubio pro reo. Alega, para assim concluir, que a única prova em que se baseia a sua condenação decorre das escutas telefónicas realizadas e esta não poderá ser considerada, por se tratar do único meio de prova e por o resultado dessas escutas não lhe ter sido notificado, nem ter sido reproduzido, transcrito, lido e/ou examinado no decurso da audiência de julgamento.
Vejamos.
Antes de mais, importa salientar que não há nenhuma disposição constitucional ou legal, nem nenhum princípio constitucional ou legal que impeça que a prova decorrente de escutas telefónicas seja a única em que se baseia uma condenação. Se assim fosse, em muito seria reduzido o alcance e utilidade desse meio de prova Podem ver-se, neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de maio de 2006, proc. nº 06P1175, relatado por Sousa Fonte, e da relação de Coimbra de 13 de dezembro de 2011, proc nº 41/10.0JACBR.C1, relatado por Paulo Guerra (ambos acessíveis in www.dgsi.pt.).
O recorrente invoca o princípio da imediação, consignado no artigo 355º, nº 1, do Código de Processo Penal («não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência»), e também o princípio do contraditório, para sustentar que só valeriam para eventual condenação as escutas telefónicas cujas transcrições tenham sido notificadas ao arguido, reproduzidas, lidas e/ou examinadas em audiência.
Esta tese tem sido, porém, desde há muito e de forma unânime, rejeitada pela jurisprudência.
O sentido unânime da jurisprudência, a este respeito, pode sintetizar-se, como faz, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2007, proc. nº 06P4092, relatado por Rodrigues da Costa (acessível in www.dgsi.pt):
«A exigência do art. 355.º prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação daquela convicção provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório, e não que tenham de ser reproduzidas na audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais todas as provas documentais dele constantes. Basta que existam no processo com pleno conhecimento dos sujeitos processuais, que puderam inteirar-se da sua natureza, da sua importância e do seu conteúdo, bem como do seu valor probatório, para que qualquer desses sujeitos possa, em audiência, requerer o que se lhe afigurar sobre elas, examiná-las, contraditá-las e realçar o que, do seu ponto de vista, valem em termos probatórios. Neste sentido, tais provas são examinadas em audiência, sob a presidência dos princípios da imediação e do contraditório, podendo concorrer sem reservas para a convicção do tribunal. (…)
«Em matéria de escutas telefónicas, tem acentuado este Tribunal que “as escutas telefónicas, regularmente efectuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental, que o tribunal de julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência; essa prova documental não carece de ser lida em audiência e, no caso de o tribunal dela se socorrer, não é necessário que tal fique a constar da acta” (Acórdãos de 20/11/2002, Proc. n.º 3173/02, da 3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos das Secções Criminais, Edição anual de 2002, p. 340 e de 18/5/2005, Proc. n.º 4189/02, da 3.ª Secção, Sumários… n.º 91, p. 130).»
Podem ver-se, neste sentido, entre outros e além dos acórdãos já citados, os acórdãos desta Relação de 28 de março de 2012, proc. nº 86/08.0GBOVR.P1, relatado por Eduarda Lobo, e de 18 de setembro de 2013, proc. nº 305/09.5GAVFR.P1, relatado por Maria Dolores Silva e Sousa; e o acórdão da Relação de Coimbra de 29 de fevereiro de 2012, proc. nº 1109/09.0JACBR.C1, relatado por Orlando Gonçalves (todos acessíveis in www.dgsi.pt).
O Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 87/99 (acessível in www.tribunalconstitucional.pt) considerou que não era inconstitucional esta interpretação do artigo 355º, nº 1 do Código de Processo Penal
A decisão do acórdão recorrido quanto à prova dos factos imputados a este arguido e recorrente não é, pois, merecedora de reparo. É irrelevante que essa prova não decorre do depoimento de alguma testemunha inquirida em audiência, ou de outra prova documental.
E não se verifica alguma violação do princípio in dubio pro reo. Essa decisão assenta num juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), não segundo um juízo de mera suspeita ou de maior ou menor probabilidade.
Assim, deverá ser negado provimento a este recurso também quanto a este aspeto.

4. Vem o arguido F....... alegar, por último, que a factualidade considerada provada no acórdão recorrido não integra a prática do crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal, por que foi condenado. Alega que dessa factualidade não resulta a existência de um nexo de causalidade entre as vantagens e bens provenientes da prática do crime de tráfico de pessoas e a conduta do arguido, não resulta qualquer das modalidades da ação integradoras desse tipo e não resulta que ele conhecesse a proveniência ilícita dessas vantagens e bens.
A factualidade considerada provada no acórdão recorrido e diretamente respeitante a este arguido é a seguinte:
«29. Simultaneamente, por forma a facilitar a exploração da prostituição nos aludidos estabelecimentos, o arguido H....... decidiu ocultar a sua atividade, fazendo, para o efeito, uso de nomes de outros indivíduos, os quais ficariam como titulares de toda a documentação necessária para a manutenção da atividade comercial, quer na Residencial C......., quer no L......., pese embora a atividade continuasse a ser por si exercida.
30. Assim, no período compreendido entre 2007 a 8.1.2009, solicitou a O......., I….., B....... e P....... que figurassem como titulares dos contratos necessários ao giro comercial, nomeadamente e entre outros, arrendamento, trespasse e conta bancárias (e terminais de pagamento automático).
31. A partir de pelo menos, Janeiro de 2008, H....... utilizou a conta titulada por B......., domiciliada no Banco Espírito Santo, com o NIB 0007.0690.0001.1590.0028.7, na qual fez depósitos em numerário e de cheques, em quantias compreendidas, em regra, entre os €100,00 e os €6.500,00, e da qual efetuava outros pagamentos.
32. De igual modo, durante, pelo menos o ano de 2008, utilizou a conta titulada por I......., domiciliada no G....... (atualmente Montepio - cfr. fls. 321 do apenso AC), na qual eram efetuados depósitos de quantias cujos valores rondavam os €1.200,00 e os €16.690,00, bem como os fechos do Multibanco dos terminais de pagamento automático dos seus estabelecimentos e de onde efetuava outros pagamentos, em quantias compreendidas, em regra, entre os €100,00 e os €2.800,00.
33. Para o auxiliar no seu plano, contou com F......., funcionário da instituição bancária G........
34. F......., no período compreendido entre, pelo menos, Junho de 2008 e Setembro de 2008 de 2009, prestou as informações necessárias a H......., instruindo-o do modo como efetuar os movimentos bancários sem criar suspeitas junto do Banco, tudo em ordem a que o mesmo pudesse os dissimular ou encobrir, cuja proveniência não ignorava, nomeadamente na concreta gestão dos movimentos que esse fazia nas contas bancárias então criadas na instituição referida supra em 2.1.32., entre as quais se encontrava essa formalmente titulada pelo arguido I…..
(…)
45. F......., utilizando os conhecimentos que lhe advinham da sua atividade profissional proporcionou a H....... indicações sobre as metodologias a utilizar, bem sabendo que assim, conseguiria iludir a fiscalizar e deste modo, obviar a que aquele fosse criminalmente perseguido.»
Ora, dos pontos 29, 33, 34 e 45 resulta claramente que este arguido auxiliou e facilitou a conversão e transferência de vantagens, obtidas pelo arguido H....... e decorrentes da prática de crime de tráfico de pessoas para exploração da prostituição por que este foi condenado, com o fim de evitar que este fosse criminalmente perseguido. Está, assim, preenchida uma das modalidades da ação relativas ao tipo de crime de branqueamento de capitais, tal como vem descrito no artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal.
Desses pontos resulta, pois, claramente o nexo de causalidade entre a conduta do arguido F....... e as vantagens e bens provenientes para o arguido H....... da prática do crime de tráfico de pessoas para exploração da prostituição por que este foi condenado.
E dos pontos 34 e 45 resulta claramente que o arguido F....... tinha conhecimento da proveniência das quantias monetárias em questão.
Assim, deve ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto.

VI
Recurso interposto pela arguida K.......:

1. Vem a arguida K....... alegar que o acórdão recorrido é, nos termos dos artigos 379º, nº 1, e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, nulo, por falta de fundamentação, quanto à escolha da pena em que foi condenada, e determinação da respetiva medida.
Não assiste, porém, razão a esta recorrente quanto a este aspeto. A determinação da medida das penas em que esta arguida e recorrente foi condenada está fundamentada nos seguintes termos:
«No que concerne à arguida K......, estamos perante fatores comportamentais revelados pela conduta apurada que exigem um grau de censura similar, embora mitigada pela redução significativa do seu tempo de envolvimento nos factos, se comparado com os dois arguidos que acima se referem. Igualmente no seu caso, não vemos que entretanto tenha ocorrido uma verdadeira modificação da sua personalidade, aquela que admitiu traficar pessoas que eram suas conterrâneas e contribuir para a sua exploração sexual nos termos apurados, formando no seu período de atuação uma próxima ligação, que atingiu o patamar do matrimónio, com o principal arguido e mentor desses crimes. Como se lê no seu relatório social e se percebe do seu discurso parco em audiência de julgamento, a arguida persiste numa atitude de desresponsabilização total, encontrando argumentos num desaguisado que entretanto gerou rutura na sua relação com o arguido H....... mas que só serviu e serve na prática para sinalizar o termo involuntário e desgosto da sua conduta criminosa, como se percebe da prova recolhida. Tal como em relação aos restantes arguidos acima mencionados, não vemos em alguma da sua atitude ou verbalização perante o IRS, qualquer arrependimento sincero mas sim a persistência de um comportamento que é substancialmente documentado pela prova produzida, nomeadamente pelas escutas que revelam bem a espontânea e verdadeira personalidade da arguida, insensível e enganosa.
(…)
O grau da ilicitude é agravado, no caso dos arguidos em que se percebeu um dolo que se concretizou em relação a cada um das vítimas identificadas, pelo forma como foram traficadas e acolhidas as vítimas, relevando-se que o seu destino era a degradante exploração sexual nas condições apuradas, onde se percebem as várias circunstâncias que geraram a ilicitude prevenida na citada al. d), do nº 1, do art. 160º, do Código Penal.
(…)
No plano da prevenção especial, de acordo com postura que todos os arguidos decidiram tomar em julgamento, perante os factos, essencialmente de desresponsabilização, como se percebe dos relatórios do IRS, os cuidados a ter são muito elevados pois transparece dessa atitude que é preciso algo mais para reeducar e reprimir personalidades tão insensíveis.
(…)
No plano da prevenção geral, a frequência com que se praticam este tipo de factos, como é público, terá de merecer cuidado acrescido. Nesta comarca este crime e as atividades conexas são abundantes e reincidentes, num aparente clima de impunidade que é patente na investigação realizada neste processo em que se nota a contínua laboração das casas em questão com diversos exploradores, ainda depois de terem sido apreendidas e seladas!
Ora, as normas incriminadoras preveem a aplicação de uma pena de prisão entre 3 a 10 anos, para cada crime de tráfico de pessoas do art. 160º, nº 1, al. d), do Código Penal, (…)
Face ao exposto, julgamos serem justas e adequadas as seguintes penas: (…) para a arguida K......, 3 anos e 2 meses de prisão para cada um dos crimes de tráfico de pessoas (igualmente no seu caso não vemos nos factos provados fatores que permitem sancionar de forma diversa alguma das condutas) (…)
Encontradas as penas concretas dos crimes cometidos pelos arguidos (…) K...... (…), em concurso real, situação enquadrável no disposto no art. 30º, nº 1, do C. Penal, há que fixar agora a pena unitária desta pluralidade de infrações.
O limite máximo desta penalidade única será a resultante da regra do art. 77º, nº 2, também do Cód. Penal, ou seja, a soma das penas parcelares concretamente aplicadas àqueles crimes.
O respetivo limite mínimo, deve ser graduado em medida superior à mais grave das penas parcelares aplicadas.
Desta forma caberão aos factos imputados aos arguidos a seguinte moldura penal: (…) no caso da arguida K...... entre 3 anos e 2 meses e 25 anos e 4 meses de prisão (efetivamente 25 anos, atento o limite do art. 77º, nº 2, do Código Penal) (…); Na determinação concreta da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente" - diz o citado art. 78º, nº 1, in fine. Esta reapreciação não implica uma dupla valoração dos factos já que a sua análise é global e não especial.
Pelos motivos largamente discutidos supra, considerados agora globalmente, somos da opinião de que a presente pluralidade de crimes traduz uma acentuada tendência da personalidade dos arguidos para o crime, que aparenta não ter mudado a não ser pela aparente inserção social e profissional que na altura dos factos também aparentavam.
Nesse contexto, não se deve esquecer que o limite da pena aplicável é o acima indicado e que, embora possa parecer demasiado, não pode ser completamente apagado, sob pena de se estar a produzir uma decisão que é um incentivo, maior, à reincidência – um verdadeiro prémio. Esse é, de facto, o limite encontrado com as molduras e penas que o legislador, e antes disso, o povo que o elegeu, entenderam serem as devidas.
O regime do art. 77º procura humanizar o sistema, corrigir anormalidades que poderiam resultar do simples somatório das penas aplicadas mas não pode, servir exageradamente como recompensa das múltiplas ações que foram protagonizadas pelo arguido, nem como discriminação positiva ou favorecimento em relação àqueles que, em devido tempo e de forma consentânea com os valores que o arguido repetidamente violou, até ser encarcerado, emendaram a mão e não insistiram no seu comportamento delituoso.
É preciso que a pena aplicada lembre, ao arguido (prevenção especial) e a quem a conhece, após ser tornada pública (prevenção geral) que, apesar da previsão do art. 77º, não compensa, assim tanto, insistir em comportamentos criminosos.
Neste enquadramento, renovamos aqui os fatores que acima notámos em sede de censura, ilicitude, prevenção especial e geral, para considerar que são adequadas a seguintes penas unitárias para os autores dos concursos de crimes acima assinalados: (…) 6 anos de prisão para a arguida K...... (…)»
Pode discordar-se do teor desta fundamentação, o que não pode é dizer-se, como faz a arguida e recorrente, que o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação quanto a este aspeto.
É de salientar que, uma vez apurada a pena de seis anos de prisão como a pena resultante do cúmulo efetuado, não se justificaria ponderar a aplicação de qualquer pena de substituição, pois o Código Penal não o permite.
Assim, deve ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

2. Vem a arguida K....... alegar, por outro lado, que a factualidade considerada provada não integra a prática, no que a si diz respeito, de crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, do Código Penal, mas apenas de crimes de lenocínio. Invocando o estudo em que se baseia o acórdão recorrido, alega que não se verifica o grau particularmente acentuado de instrumentalização da pessoa que é caraterístico (de acordo com esse estudo) do crime de tráfico de pessoas, pois não se provou que a quantia que as vítimas tinham que restituir fosse sobrevalorizada, que estas não tivessem dado o seu consentimento em relação ao pagamento desse dívida, que estas estivessem sujeitas a alguma obrigação de rendimento diário ou à prática de determinados atos sexuais, que estivessem sujeitas a isolamento social, ameaças de violência física, chantagens, atitudes servis, retenção de documentos, atividades sem horários, janelas com barras, desconhecimento da língua do país de destino, ou fecho de entradas e saídas.
No sentido de que estaremos perante crimes de lenocínio agravado, p. e p. pelo artigo 169º, nº 2, d), do Código Penal, e não crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do mesmo Código, pronunciou-se o Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância (já não assim, porém, o Ministério Público junto desta instância).
Tem aqui pela aplicação o que acima (em IV-3.) se afirmou a respeito do recurso interposto pelo arguido B........ Para lá se remete. Pelas razões aí expendidas, deve entender-se que a prática de debt bondage é suficiente para caracterizar o caso em apreço como de prática de crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal.
Deve, pois, ser negado provimento a este recurso quanto a este aspeto.

3. Vem a arguida K....... alegar, por último, que as penas em que foi condenada deverão ser reduzidas e suspensas na sua execução, face aos critérios legais. Alega que não exercia funções de chefia, atuou a mando do arguido H......., com quem era casada, de quem tem uma filha menor e de quem depende financeiramente, e que este exercia sobre si violência física, tendo sido até condenado por violência doméstica. Alega que o Código Penal dá preferência a penas não privativas da liberdade e ao objetivo de reinserção social do agente do crime, o que é contrariado pela sua condenação na pena de seis meses de prisão. E invoca as circunstâncias de não ter antecedentes criminais, estar perfeitamente integrada socialmente e ter dois filhos menores a seu cargo.
Vejamos.
Convém salientar que da factualidade provada (e para este efeito são irrelevantes eventuais declarações desta arguida referidas no relatório social que é reproduzido no acórdão recorrido) não resulta que esta arguida tivesse atuado com alguma limitação das suas faculdades volitivas devido a pressões, ameaças ou violência do arguido H......., com quem era casada. Este foi condenado por violência doméstica, mas não se provou que esta violência tivesse alguma relação com a prática dos factos ora em apreço. Da factualidade provada resulta, inequivocamente, que era o arguido H....... quem dirigia a atividade em apreço, não esta arguida. Mas também resulta que esta desempenhava nessa atividade um papel ativo e decisivo no recrutamento, marcação e pagamento das viagens, acolhimento das mulheres junto dos estabelecimentos e controlo do cumprimento dos atos de prostituição (ver o ponto 25 c) do elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido).
O crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal é punível com pena de três a dez anos de prisão.
Na determinação da medida das penas a aplicar à arguida, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal.
De acordo com o artigo 40º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
Nos termos do nº 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Nos termos do artigo 77º, nº 1 e nº 2, do Código Penal, em caso de concurso de crimes, o agente é punido numa única pena, que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sendo que na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A pena correspondente a cada um dos crimes de tráfico de pessoas por que esta arguida foi condenada (três anos e dois meses de prisão) situa-se já muito perto do mínimo legal. Não pode tal pena considerar-se, pois, excessivamente severa, tendo em conta o grau de envolvimento da arguida na prática dos factos (menor do que o do arguido H......., mas, mesmo assim, não despiciendo), o grau de violação da liberdade e dignidade das vítimas (não extremo, mas não despiciendo) e o grau de exploração económica destas.
O cúmulo jurídico efetuado também não será merecedor de reparo, considerando e significativo número de crimes de tráfico de pessoas em questão (correspondente a outras tantas vítimas).
Há que considerar, porém, o que acima se disse (em IV- 1,) a respeito da nulidade do acórdão recorrido por alteração substancial dos factos. Esta arguida foi condenada por oito crimes de tráfico de pessoas. As vítimas de seis destes crimes estão como tal identificadas na acusação e na pronúncia: Z......, BB......, BC….., BD......, BE….. e BF....... Mas tal não se verifica em relação às vítimas de dois desses crimes, que não eram identificadas como vítimas desses crimes na acusação e na pronúncia (embora nestas fossem mencionadas): BM...... e BU...... Quanto à condenação pela prática de crime de tráfico de pessoas relativos a estas duas vítimas, o acórdão recorrido é nulo, devendo ser dado cumprimento, no Tribunal da primeira instância, ao disposto no artigo 359º do Código de Processo Penal. Esta arguida só poderá ser condenada pela prática de seis crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal
Assim, a pena decorrente desse cúmulo deverá ser reduzida a cinco anos de prisão.
Uma vez que a arguida não tem antecedentes criminais e cessou o relacionamento com o arguido H....... que terá estado na origem da prática dos crimes, pode considerar-se que a censura dos factos e a ameaça da pena, conjugados com o regime de prova, serão suficientes para a afastar da criminalidade, sendo que a aplicação desse regime também satisfará as exigências de prevenção geral (que não deixam de ser significativas). Assim, a pena de cinco anos de prisão em que esta arguida vai condenada deverá, nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 2, do Código Penal ser suspensa na sua execução, com regime de prova, nos mesmos termos dos restantes arguidos nestes autos condenados em penas de prisão suspensa na sua execução.
Nesta medida, deverá ser dado provimento a este recurso.

VII
Recurso interposto pelo arguido I.......

1. Vem o arguido I....... alegar que a no acórdão recorrido se verifica, também à luz do princípio in dubio pro reo, erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, c), do Código de Processo Penal, quanto ao crime de tráfico de pessoas, por que foi condenado Alega que todas as referências das testemunhas inquiridas, em que se baseia o acórdão recorrido e que neste são mencionadas, aludem a um “Paulo” sem especificar que seja ele próprio a pessoa mencionada, e sem que tenha havido algum seu reconhecimento presencial.
Vejamos.
Constitui erro notório de apreciação da prova a violação de regras da lógica e da experiência comum que não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (ver, neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do S.T.J. de 9 de fevereiro de 2005, proc nº 04P4721, relatado por Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt).
O erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 1, c), há de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum
É verdade que há referências das testemunhas inquiridas, que são mencionadas no acórdão recorrido, a pessoas de nome Paulo em relação às quais pode haver dúvidas se serão relativas ao arguido I.......; mas há também outras em relação às quais não se suscita essa dúvida. Assim por exemplo, o depoimento da testemunha CC......, mencionado nesse acórdão, alude a uma pessoa de nome “Paulo” que seria “dono”, o que aponta no sentido do desempenho de funções de gerência, ou próximas da gerência, do estabelecimento em causa. Isso mesmo também resulta das escutas telefónicas de onde se retira a participação deste arguido no esquema de dissimulação dos rendimentos obtidos com a atividade de tráfico de pessoas. Essa participação também denota o exercício de funções próximas da gerência. E esse exercício supõe não apenas o conhecimento da atividade de tráfico, mas também a participação nesse atividade, como consta do ponto 25. d) do elenco doa factos provados constante do acórdão recorrido.
Não pode assim, dizer-se que o acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova.
E é assim mesmo à luz do princípio in dubio pro reo. O acórdão recorrido assenta num juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), não de mera suspeita ou de maior ou menor probabilidade.
Assim, deve ser negado provimento a este recurso quanto a este aspeto.

2. Vem o arguido I....... alegar, por outro lado, que a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido quanto ao crime de branqueamento de capitais por que foi condenado. Alega que não se provou que as contas tituladas e as transações efetuadas mencionadas nesse acórdão estivessem relacionadas com a atividade de exploração de prostituição, sendo certo que os estabelecimentos em causa também funcionavam como bares, com consumo de bebidas e produtos alimentares, não sendo possível distinguir rendimentos provenientes de uma e outra dessas atividades.
Deve considerar-se que este arguido e recorrente impugna a matéria de facto provada, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal,
Como já acima salientámos a propósito do recurso interposto pelo arguido B......., nos termos do referido número 3, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados (alínea a)); as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (alínea b)); e as provas que devem ser renovadas (alínea c)). Nos termos do número 4 deste mesmo artigo, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nestas alíneas b) e c) fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no número 2 do artigo 364º do mesmo Código, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Ora, este arguido e recorrente, manifestamente, não procede a esta indicação.
Porque essa necessária indicação não é feita nem nas conclusões, nem na própria motivação do recurso, e como também já acima salientámos, não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal, impondo-se a rejeição do recurso. Esse convite ao aperfeiçoamento contrariaria o disposto no nº 4 deste artigo, que impede que por essa via se modifique o âmbito do recurso fixado na motivação.
De qualquer modo, sempre se dirá que não se compreenderia a evidente intenção de dissimulação da origem dos rendimentos em questão se estes fossem provenientes de uma normal exploração de um estabelecimento de bar.
Deve, assim, ser negado provimento a este recurso também quanto a este aspeto.

3. Vem o arguido I....... alegar, por último, que as penas em que foi condenado deverão ser reduzidas, face aos critérios legais. Invoca a sua idade (trinta anos), o facto de não ter antecedentes criminais e estar socialmente inserido.
Este arguido foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão; pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do mesmo Código, na pena de três anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.
O crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal é punível com pena de três a dez anos de prisão.
O crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal, é punível com pena de dois a doze anos de prisão (neste caso, o limite máximo será de dez anos, por força do nº 10 do mesmo artigo).
Na determinação da medida das penas a aplicar ao arguido, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal.
De acordo com o artigo 40º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
Nos termos do nº 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Nos termos do artigo 77º, nº 1 e nº 2, do Código Penal, em caso de concurso de crimes, o agente é punido numa única pena, que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sendo que na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A pena correspondente ao crime de tráfico de pessoas por que este arguido foi condenado (quatro anos de prisão) situa-se já perto do mínimo legal. Não pode tal pena considerar-se, pois, excessivamente severa, tendo em conta o grau de envolvimento do arguido na prática dos factos (certamente menor do que o dos arguidos H....... e B........, mas, mesmo assim, não despiciendo), o grau de violação da liberdade e dignidade das vítimas (não extremo, mas não despiciendo) e o grau de exploração económica destas.
Quanto ao crime de branqueamento de capitais, a pena em que este arguido foi condenado (três anos de prisão) também não se situa longe do mínimo legal e não deve ser considerada excessivamente severa, tendo em conta as quantias envolvidas e a gravidade e número de crimes dissimulados.
O cúmulo jurídico efetuado (cinco anos de prisão, também não distante do mínimo da moldura) também não será merecedor de reparo, considerando a personalidade do arguido revelada através da prática dos dois crimes em questão.
Tal pena foi suspensa na sua execução, com o que são satisfeitas as exigências de prevenção especial positiva (não desinserção social do condenado) invocadas por este arguido e recorrente.
A determinação das penas aplicadas a este arguido não é, assim, merecedora de reparo.
Deve, pois, ser negado provimento a este recurso, também quanto a este aspeto.

VIII
Recurso interposto pelo arguido H.......:

1. Vem o arguido H....... alegar que o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 379º, nº 1, a), e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, por nele não se encontrar devidamente explicitado que as vítimas dos supostos crimes de tráfico de pessoas estavam numa situação de especial vulnerabilidade.
Não assiste razão a este arguido e recorrente quanto a este aspeto.
O ponto 24 do elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido é bem explícito a este respeito: as mulheres em questão estavam em situação de especial vulnerabilidade «devido à sua condição de total dependência económica, fragilidade emocional, pressão permanente que sobre as mesmas era exercida, completa desintegração sociocultural e limitação nos movimentos (nos termos acima expostos)».
Pode questionar-se se estes factos correspondem à prova que foi produzida. Ou pode questionar-se, noutra perspetiva, se integram o conceito de “especial vulnerabilidade” a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 160º do Código Penal na definição do tipo de crime de tráfico de pessoas. Mas não pode dizer-se que o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação.
Assim, deverá ser negado provimento a este recurso quanto a este aspeto.

2. Vem o arguido H....... alegar, por outro lado, que o acórdão recorrido padece de insanável contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410º, nº 2, b), do Código de Processo Penal. Alega que essa contradição consiste na divergência entre os elementos de prova carreados para os autos e a conclusão de que ele se aproveitou de uma situação de especial vulnerabilidade das supostas vítimas dos crimes de tráfico de pessoas por que foi condenado.
No entanto, o vício a que se reporta o artigo 410º, nº 2, b), do Código de Processo Penal, tal como os restantes vícios a que se reporta esse nº 2 do artigo 410º, hão de decorrer do próprio texto da decisão recorrida (não do confronto entre este e a prova produzida), por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Não é isso que alega este arguido e recorrente.
Deve, assim, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

3. Vem o arguido H....... alegar, por outro lado, que o acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, c), do Código de Processo Penal, ou a prova produzida impõe decisão diferente da tomada no acórdão recorrido, tudo no que se refere à conclusão de que ele se aproveitou de uma situação de especial vulnerabilidade das supostas vítimas dos crimes de tráfico de pessoas por que foi condenado.
No entanto, a leitura atenta da motivação deste recurso revela que, verdadeiramente, este recorrente não põe em causa a decisão do acórdão recorrido em matéria de factos provados e não provados. O que ele põe em causa é que dos factos considerados provados nesse acórdão possa retirar-se a conclusão de que ele se aproveitou de uma situação de especial vulnerabilidade das supostas vítimas dos crimes de tráfico de pessoas por que foi condenado, ou seja, que se verifique a previsão do artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal.
Tal questão será apreciada de seguida.
Quanto a este aspeto, deverá também ser negado provimento a este recurso.

4. Vem o arguido H....... alegar, por outro lado, que a factualidade considerada provada não integra a prática, no que a si diz respeito, de crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, do Código Penal, mas apenas de crimes de lenocínio. Alega que não foi utilizada qualquer manobra ardilosa ou fraudulenta suscetível de induzir as supostas vítima em erro, nem um aproveitamento de qualquer situação de vulnerabilidade destas, designadamente pobreza extrema ou impossibilidade de prover ao sustento próprio ou da família, sendo que elas já se dedicavam à prostituição no país de origem. Invoca também as circunstâncias de nenhuma das supostas vítimas ter sido coagida, sujeita a violência física ou limitada na sua liberdade de locomoção; de cada uma delas saber as condições em que iria exercer a sua atividade e ter dado o seu consentimento com essa informação; e de elas poderem trabalhar onde quisessem depois de pago o preço acordado pela viagem.
No sentido de que estaremos perante crimes de lenocínio agravado, p. e p. pelo artigo 169º, nº 2, d), do Código Penal, e não crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do mesmo Código, pronunciou-se o Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância (já não assim, porém, o Ministério Público junto desta instância).
Tem aqui pela aplicação o que acima (em IV-3.) se afirmou a respeito do recurso interposto pelo arguido B........ Para lá se remete. Pelas razões aí expendidas, deve entender-se que estamos perante um aproveitamento de uma situação de “especial vulnerabilidade” das vítimas e que a prática de debt bondage é suficiente para caraterizar o caso em apreço como de prática de crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal.
Deve, pois, ser negado provimento a este recurso quanto a este aspeto.

5. Vem o arguido H....... alegar, por outro lado, que a factualidade provada não integra a prática, por ele, do crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal, por que foi condenado. Invoca o facto de se desconhecer que parcela das quantias referidas nos pontos 31 e 32 do elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido era proveniente da exploração da prostituição, sendo que nos estabelecimentos por si explorados também se exercia o serviço de bar de forma lícita. Alega que não basta a prova de um depósito bancário, ou de uma transferência bancária, para que se verifique a prática do crime de branqueamento de capitais; impõe-se a prova de que esses atos eram finalizados a ocultar ou dissimular a origem ilícita das quantias em causa. No caso em apreço, estamos perante simples depósitos e transferências, facilmente reconstituídos documentalmente, sem que tenha havido alguma disseminação das quantias respetivas em diversas aplicações financeiras que impedissem a reconstituição de todos os movimentos financeiros efetuados.
Vejamos.
O facto de uma parcela dos rendimentos provenientes dos estabelecimentos explorados por este arguido ser proveniente da exploração lícita de um serviço de bar não afasta a prática do crime de branqueamento de capitais. Mesmo que as quantias a que se reportam os pontos 31 e 32 do elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido não fossem integralmente provenientes da exploração da prostituição (e também o fossem da exploração lícita de serviços de bar), não há qualquer dúvida de que também eram provenientes dessa exploração (até em grande medida, como decorre da dimensão económica desse exploração que resulta com nitidez de toda a prova produzida). Isso é suficiente para se considerar que era essa proveniência da exploração (ilícita) da prostituição que se pretendia ocultar.
Por outro lado, o simples depósito dessas quantias em contas diferentes das do seu proprietário denota (mesmo que não se verifique uma posterior disseminação das mesmas em diversas aplicações financeiras) um propósito de ocultação e dissimulação da origem ilícita das mesmas. Nem de outro modo se justificaria tal procedimento. Que a dissimulação fosse mais difícil ou mais facilmente detetável não é relevante para a qualificação dos factos como branqueamento de capitais, podendo sê-lo para aferir o grau de gravidade deste, com reflexos na medida da pena.
Assim, o acórdão recorrido não é merecedor de reparo quanto a este aspeto.
Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto

6. Vem o arguido H....... alegar, por último, que as penas em que foi condenado deverão ser reduzidas e suspensas na sua execução, face aos critérios legais. Alega que não fomentou o exercício da prostituição (pois as supostas vítimas já exerciam a prostituição no seu país de origem), mas apenas a favoreceu ou facilitou. Alega que as penas em que foi condenado são exageradas, não têm em conta todas as circunstâncias a que se reporta o artigo 71º do Código Penal e não têm em conta a finalidade de reinserção social do condenado.
Vejamos.
O crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal é punível com pena de três a dez anos de prisão.
O crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do mesmo Código, é punível com pena de dois a doze anos de prisão (neste caso, o limite máximo será de dez anos, por força do nº 10 do mesmo artigo).
Na determinação da medida das penas a aplicar ao arguido, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal.
De acordo com o artigo 40º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
Nos termos do nº 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Nos termos do artigo 77º, nº 1 e nº 2, do Código Penal, em caso de concurso de crimes, o agente é punido numa única pena, que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sendo que na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A pena correspondente a cada um dos crimes de tráfico de pessoas por que este arguido foi condenado (quatro anos de prisão) não se situa muito longe do mínimo legal. Não pode tal pena considerar-se, pois, excessivamente severa, tendo em conta o grau de envolvimento do arguido na prática dos factos (era ele o responsável máximo de todo o sistema e dele obtinha elevados proveitos), o grau de violação da liberdade e dignidade das vítimas (não extremo, mas não despiciendo) e o grau de exploração económica destas.
Quanto ao crime de branqueamento de capitais, a pena em que este arguido foi condenado (cinco anos de prisão) também não se situa muito longe do mínimo legal e não deve ser considerada excessivamente severa, tendo em conta as quantias envolvidas e a gravidade e número de crimes dissimulados.
O cúmulo jurídico efetuado também não será merecedor de reparo, considerando e significativo número de crimes de tráfico de pessoas em questão (correspondente a outras tantas vítimas).
No entanto, não poderão ser considerados quatro dos crimes de tráfico de pessoas englobados nesse cúmulo, sobre que recai a acima apontada nulidade da sentença.
Assim, a pena decorrente desse cúmulo deverá ser reduzida para nove anos de prisão.
Nesta medida, deverá ser dado provimento a este recurso.
Tal pena, por ser superior a cinco anos, nunca poderia ser suspensa na sua execução (ver artigo 50º, nº 1, do Código Penal). Não se ignoram os inconvenientes da pena de prisão na perspetiva da inserção social do arguido. Mas também não podem ignorar-se as particulares exigências de prevenção geral que suscita a prática do crime de tráfico de pessoas, de que são reflexo, por exemplo, os I, II e II Planos Nacionais de Combate ao Tráfico Humano, acima mencionados.

Os arguidos F....... e I....... deverão ser condenados em taxa de justiça (artigo 513º, nº 1, do Código Penal e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

IX – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial aos recursos interpostos pelos arguidos B......., K....... e H......., declarando nulo o acórdão recorrido no que se refere à condenação do primeiro e do terceiro pela prática de quatro dos crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal (aqueles de que terão sido vítimas BM......, BN......, BU...... e CC......), por que estes foram condenados, e no que se refere à condenação da segunda pela prática de dois desses crimes (aqueles de que terão sido vítimas BM...... e BU......) por que esta foi também condenada
Quanto à eventual prática desses crimes, deverá ser dado cumprimento, no Tribunal da primeira instância, ao disposto no artigo 359º do Código de Processo Penal.
Em consequência, acordam em reduzir a pena única, resultante de cúmulo jurídico, em que o arguido B....... foi condenado, para seis (6) anos e seis (6) meses de prisão; em reduzir a pena única, resultante de cúmulo jurídico, em que a arguida K....... foi condenada, para cinco (5) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, nos mesmos termos dos restantes arguidos condenados em penas de prisão suspensas na sua execução; e em reduzir a pena única, resultante de cúmulo jurídico, em que o arguido H....... foi condenado, para nove (9) anos de prisão.
Acordam em manter, no restante, o acórdão recorrido, negando provimento aos recursos interpostos pelos arguidos F....... e I........

Condenam cada um destes dois últimos arguidos e recorrentes em quatro (4) U.C.s de taxa de justiça.

Notifique

Porto, 08/07/2015
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo