Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5599/19.5T9MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CASTELA RIO
Descritores: ARMA PROIBIDA
POSSE DE ARMA
DETENÇÃO DE ARMA
DETENÇÃO DE MUNIÇÕES
CONCURSO APARENTE DE CRIMES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
PENALIDADE COMPÓSITA
CÚMULO JURÍDICO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO
PERDA DE INSTRUMENTA
PERDA DE PRODUCTA SCELERIS
TRIBUTAÇÃO
Nº do Documento: RP202402075599/19.5T9MTS.P1
Data do Acordão: 02/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - O facto do «direito de propriedade» e o «direito de posse como tal» de revólver e munições - armamento .32 - pertencerem ao pai, não preclude que seu filho seja autor material de dolosa «detenção de arma proibida» por «a detenção de arma» (consistir n)o facto de ter em seu poder ou disponível para uso imediato pelo detentor» in casu revólver e apropriadas munições .32 dentro de um balde sito no local usado pelo agente daquela conduta.
II - O crime doloso de «detenção de arma proibida» (as 60 munições .32) p.p. pelo art 86-1-c da LAM encontra-se numa relação de «concurso aparente» com o crime doloso de «detenção de arma proibida» (revolver .32) p.p. pelo art 86-1-c, ambos da LAM, por ocorrer «unidade resolutiva» mais «identidade de bem jurídico protegido» mais «idêntico contexto espácio-temporal».
III - Constitui crime doloso de «tráfico de menor gravidade» p.p. pelo art 25-a e anexa Tabela I-C da LEP a detenção de porções diferentes de canabis (folhas e sumidades) mais porção de canabis (resina), parte não especificada de cada uma delas ao consumo próprio do agente e parte não especificada de cada uma daquelas produtos à venda a terceiros, conforme «imagem global da conduta».
IV - Tendo o Arguido de ser punido com 1 a 5 anos de prisão pela autoria material de doloso «tráfico de menor gravidade» e sendo a autoria material da dolosa «detenção de arma proibida» p.p. com 1 mês a 5 anos de prisão ou 10 a 600 dias de multa, em sede de «escolha da pena» a aplicar deve-se optar pela pena de prisão em conformidade com o programa político criminal / penal advindo em 01-10-1995 da eliminação das penas compósitas ou mistas de prisão e multa mercê dos seus inconvenientes.
V - No caso de «concurso de crimes» e correlativo «concurso de penas» da «mesma natureza», na quantificação da pena única de duas penas parcelares deve-se seguir o critério da pena mais grave - in casu pelo doloso «tráfico de menor gravidade» - mais metade da pena parcelar menos grave - in casu pela dolosa «detenção de arma proibida» - para aquela quantificação bem expressar o desvalor ético-jurídico da «detenção de armamento» sob pena da Ordem Jurídica renunciar à satisfação das exigências de punição em benefício de todos: o Condena(n)do e a Comunidade.
VI - A suspensão por três anos, da execução de pena única de dois anos nove meses de prisão, deve ser acompanhada de «Regime de Prova» para precludir o enganoso sentimento de liberdade que inevitavelmente desperta no Condena(n)do que pode ser contraproducente para sua reinserção social e até converter-se em «factor criminogéneo».
VII - O prazo de suspensão não deve ser muito superior ao tempus da pena de prisão fixada sob pena do absurdo jurídico do tempus de ameaça de cumprimento efectivo da pena de prisão principal contínua e ininterrupta em Estabelecimento Prisional constituir «excesso punitivo» potenciador do risco da revogação da «Suspensão da Execução da Pena de Prisão».
VIII - Sob pena de violação da «vertente material» do «princípio do acusatório» e dele decorrente «princípio do contraditório», é rejeitar o conhecimento do pedido da decretação ad quem do perdimento de pecuniae no caso de «insuficiência de alegação» na Acusação pública d «juízo de facto» que tal pecuniae era produto de anteriores cedências onerosas a terceiros de tipos diversos de canabinóides».
IX - Mercê do imperativo constitucional do art 18-2 da CRP, a perda de producta sceleris ao abrigo do art 35-1 da LEP, na redacção da Lei 45/96 de 3-9, deve ser interpretado e aplicado no respeito do «critério da causalidade» e do «critério da essencialidade» e do «critério da proporcionalidade» ínsitos ao art 109-1 do CP de 15-9-2007.
X - O Arguido recorrido, ainda que tenha decaído em oposição à procedência do Recurso doutrem, não está sujeito a tributação processual penal, por inexistência de «incidência subjectiva» e de «incidência objectiva» de tributação, atento o art 513-1 do CPP desde 20-4-2019.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Na Secção Judicial/Criminal do TRP acordam em Conferência o Colectivo de Juízes
no Recurso Penal 5599/19.5T9MTS.P1 vindo do Juiz Central Criminal de Vila do Conde




PARTE I   -   RELATÓRIO

Submetido o Arguido AA [1] a JULGAMENTO em Processo COMUM por Tribunal COLECTIVO, a AUDIÊNCIA culminou no ACÓRDÃO 444 626 043 que decidiu:

«1. Absolver o arguido AA do cometimento, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1 alíneas q) e aad) e n.º 3 alínea c), 3.º, n.º 4 alínea b) e 86.º, n.º 1 alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições em concurso aparente com um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 3 alíneas p) e ac), 3.º, n.º 4 alínea b) e 86.º, n.º 1 alínea e) do Regime Jurídico das Armas e Munições.
2. Absolver o arguido AA do cometimento, em autoria material, de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, p.p. pelo artigo 21º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01
3. Condenar o arguido AA pelo cometimento, em autoria material, de um crime de consumo de substâncias estupefacientes, p.p. pelo artigo 40º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, numa pena de 6 (seis) meses de prisão.
4. Suspender a execução da pena de prisão fixada por um período de 1 (um) ano sujeito a regime de prova nos moldes acima assinalados.
5. Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, que se fixam em 2 UC´s, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário de que beneficie (artigo 513º do CPP).
Destino dos objectos
1. Declaram-se perdidos a favor do Estado os produtos estupefacientes apreendidos à ordem destes autos e, consequentemente determina-se a subsequente destruição, bem assim das amostras cofre (cfr. artigo 35.º, 2 e 62.º, n.º 6 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro).
2. No que concerne à arma e munições apreendidas:
Uma vez que se mostra atribuída a BB Autorização de detenção no domicílio (permanente) com o n.º ...75/06, referente à arma referida em nos autos, 4., determina-se o levantamento da apreensão da mesma, respectivo estojo, bem como das respectivas munições e a sua entrega àquele.
Caso o identificado BB não proceda ao levantamento de tais objectos, no prazo no prazo de um ano a contar da data do trânsito em julgado do presente Acórdão, para o que deverá ser notificado, serão tais arma e munições declaradas perdidas a favor do Estado – artigo 186º, n.º 4 do CPP.
Comunique à PSP para o efeito.
3. Determina-se o levantamento da apreensão da balança visível no fotograma n.º 7 de fls. 79 (A1), e a notificação da testemunha CC para proceder ao levantamento da mesma no prazo de um ano a contar da data do trânsito em julgado do presente Acordão, com a cominação de que não o fazendo será a mesma declarada perdida a favor do Estado – artigo 186º, n.º 4 do CPP.
4. Por não se ter apurado que o arguido tenha utilizado o telemóvel e respectivo cartão apreendidos (B1), bem assim o bloco de notas (A2), para o cometimento dos factos objecto dos autos, determina-se o levantamento da respectiva apreensão e a notificação do arguido para proceder ao levantamento dos mesmos no prazo de um ano a contar da data do trânsito em julgado do presente Acordão, com a cominação de que não o fazendo serão tais objectos declarados perdidos a favor do Estado – artigo 186º, n.º 4 do CPP.
5. Em relação ao dinheiro apreendido, num total de 599,00 €, não se mostrando imputado, nem provado, que o mesmo é proveniente da actividade ilícita pelo qual foi o arguido sujeito a julgamento, determina-se o levantamento da apreensão (artigo 36.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a contrario), mais se determinando a notificação do arguido para proceder ao levantamento do mesmo no prazo de um ano a contar da data do trânsito em julgado do presente Acordão, devendo para o efeito indicar o respectivo NIB e IBAN, com a cominação de que não o fazendo será tal quantia declarada perdido a favor do Estado – artigo 186º, n.º 4 do CPP.
Nos termos do artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, pela sua natureza e sério risco de serem utilizados para a prática de novos factos ilícitos típicos, declaram-se perdidos a favor do Estado os seguintes objectos:
- balança digital visível no fotograma n.º 23, fls. 82 (C1);
- caixas pretas utilizadas para acondicionamento de canábis (C2);
- 3 frascos de fertilizante (C3);
- 2 garrafas termos (A3 e C3) e 2 latas de vácuo (A5) utilizadas para acondicionamento de canábis.
Oportunamente, determina-se se proceda a sumária avaliação de tais objectos e, caso os mesmos apresentem valor venal, deverá ser aberta vista ao MP para os fins tidos por convenientes.
[…] Deposite.
Remeta boletins ao Registo Criminal.»

Inconformado com o decidido, em tempo o MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs o RECURSO 77 396 / 34 855 104 pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO rematada com os sgs §§ de CONCLUSÕES mais PETITÓRIO que se transcrevem:

1. Nos presentes autos foi o arguido AA, acusado da prática, em autoria material e em concurso real, de factos susceptíveis de, em abstracto e na sua objectividade, integrarem a prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1 alíneas q) e ad) e n.º 3 alínea c), n.º 4 alínea b) e 86.º, n.º 1 alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições.

2. Contudo, pelo douto Acórdão proferido nos autos de que agora se recorre, foi o arguido AA absolvido do crime de detenção de arma proibida por que vinha acusado.

3. Foi igualmente absolvido do crime de tráfico de estupefacientes por que vinha acusado.

4. Tendo sido condenado pela prática, em autoria material, de um crime de consumo de substâncias estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 40.º, n.º 2 do Decreto Lei n.º 15/93, numa pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano.

5. Mais se decidiu no douto Acórdão de que agora se recorre:

6. Determinar o levantamento da apreensão da balança visível no fotograma n.º 7 de fls. 79 (A1), com a consequente notificação da testemunha CC para proceder ao levantamento da mesma.

7. Bem como determinar o levantamento da apreensão em relação ao dinheiro apreendido, num total de € 599,00 e sua entrega ao arguido AA.

8. No modesto entendimento do Ministério Público e sempre com o devido respeito, que é muito, o Acórdão de que ora se recorre padece de erro de julgamento e ainda de erro notório na apreciação da prova.

Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-1 do CPP:
O erro de julgamento, consagrado no artigo 412.º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o Tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
No caso vertente, temos para nós que a prova produzida impunha que se tivesse dado como provado o facto constante do ponto 4.º da acusação pública, ou seja: | - O arguido destinava as substâncias apreendidas à venda a terceiros;
Mais impunha que se tivesse dado como provado que: | - O arguido AA sabia que não lhe era permitido deter o revolver e as munições apreendidas mas, mesmo assim, quis deter tal revolver e munições.
Não se olvida que, de harmonia com o disposto no artigo127.º do Código de Processo Penal, “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.
Por regras da experiência pode entender-se, tal como ensina Cavaleiro Ferreira, tratarem-se de definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub Júdice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes de casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além das quais têm validade.
E quanto à livre convicção da entidade competente importa referir que esta livre apreciação da prova, não se consubstancia num livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, realizada pelo julgador, mas sim numa apreciação que, liberta de jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza em geral, de acordo com critérios lógicos e objectivos e, dessa forma determina uma convicção racional, logo também ela, em geral, objectivável e motivável.
A livre apreciação da prova não se materializa num livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, efectuada pelo julgador. Pelo contrário, realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos e, dessa forma determina uma convicção racional, que é objectivável e motivável. »]

9. No que concerne ao erro de julgamento, consideramos como erradamente julgada a factualidade constante do ponto 10 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, devendo ser excluído da matéria dada como provada a intenção exclusiva de consumo das substâncias apreendidas por parte do arguido AA.

10. Em contrapartida, o ponto i) da factualidade dada como não provada pelo Tribunal a quo deverá passar a constar da matéria dada como provada, de tal forma que deverá constar da matéria de facto dada como provada que as substâncias estupefacientes apreendidas destinavam-se à venda pelo arguido a terceiros.

11. Consideramos igualmente como erradamente julgada a factualidade constante do ponto 12 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, na parte em que se diz «(…) que a havia deixado, por esquecimento, em casa do arguido em data anterior à referida em 1

12. Este segmento, em razão das declarações prestadas pelo arguido, deverá ser excluído da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, o ponto ii) da factualidade dada como não provada pelo Tribunal a quo deverá passar a constar da matéria dada como provada,

13. de tal forma que deverá constar da matéria de facto dada como provada que o arguido sabia que não lhe era permitido, mas ainda assim quis deter o aludido revólver e munições.

[Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-1 do CPP:

« Salvo sempre o devido respeito, entende o Ministério Público que as Meritíssimas Juízas do Tribunal a quo apreciaram de forma errada a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, sobrevalorizando as declarações prestadas pelo arguido AA na parte em que declarou que destinava todo o produto que foi apreendido nos autos ao seu consumo e não tirando as ilações devidas dessas mesmas declarações na parte em que reconheceu que sabia que não era titular de uso e porte de arma e que detinha a arma e munições apreendidas nos autos desde o Verão de 2020.»]

14. Temos para nós que a prova produzida não permite a conclusão de que o arguido AA detinha o produto estupefaciente apreendido nos autos com intenção exclusiva de consumo.

15. A detenção de 465,66 g de cannabis/folhas, 13,27 g de cannabis/folhas, 7,563 g de cannabis/folhas, 81, 062 g de canabis (resina) e 9,061 g de cannabis/folhas que permitiam obter 1172 daquela substância é incompatível com uma detenção para consumo.

[Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-3-a-b-4 do CPP:
« Convidamos a atentar no teor das declarações prestadas pelo arguido AA (gravadas no sistema Citius Media Studio, por reporte à data de 11 de Janeiro de 2023, tendo por referência aos minutos 02:04 a 35:34 ) na parte que consideramos mais relevantes.
Minuto 02:04 – Meritíssima Juíza Presidente: - O senhor sabe porque é que está aqui? Está aqui a ser julgado, o Ministério Público deduziu acusação e em sede de instrução, o senhor juiz de instrução entendeu que os factos que constam da acusação têm indícios suficientes à excepção do constante do artigo 1.º, ou seja, vem aqui apenas acusado de factualidade referente ao dia 26.11.2020 em que terá sido feita uma busca à residência do senhor e, num determinado anexo, foram encontradas várias quantidades de substâncias estupefacientes que, devidamente analisadas, se concluiu tratar-se de canabis, num total de 1172 doses e, bem assim, dinheiro, € 599,00 em notas e vário material aqui referido (…) mais se diz aqui que tinha 60 munições de calibre 32 e um revolver de calibre 32, sabendo que não podia deter. Vem assim acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de detenção de arma proibida. Quanto a isto quer prestar declarações?
Arguido AA (03:48): Sim, sim. Olhe, em relação ao estupefaciente, eu sou consumidor há muitos anos. Na altura, tinha um bocado de erva que eu fiz em casa e comprei uma placa de 100 gramas de haxixe, também para o meu consumo, porque na altura a erva não estava pronta. Foi uma altura de pandemia e quase não andava ninguém na rua e isso causou-se alguma preocupação e prontos eu quis assegurar o meu consumo (…imperceptível). Em relação à arma, é do meu pai. É uma arma legal, ele já tem há muito anos e houve uma certa altura em que o meu pai veio a minha casa (,,,,,,,,,e então ele pediu-me para ver se eu conseguia abrir a mala e eu, na altura, não consegui e o meu pai pediu-me para arranjar um chapeiro ou amigo que conseguisse abrir a mala e eu tentei mas também não consegui e, entretanto, estronquei a mala e pronto, tirei o revolver e as munições. Entretanto nesse dia fui jantar com o meu pai, bebemos uns copos e aquilo acabou por ficar em minha casa por esquecimento e eu depois guardei aquilo num balde de tinta que tinha e prontos, ficou lá em casa. Prontos e foi isso. (negrito e sublinhado nossos)
Meritíssima Juiz Presidente (05:38): Então vamos por partes. Então quando o senhor diz que a arma é legal, esta arma que é do senhor seu pai, está devidamente manifestada e registada?
Arguido AA : Sim, sim.
(…) Meritíssima Juiz Presidente (09:36): Mas o senhor sabia que não tinha licença de uso e porte de arma?
Arguido AA (09:43) Sim senhora Dra mas também nunca utilizei a arma.
Meritíssima Juiz Presidente (09:48): O senhor não tinha licença de uso e porte de arma, certo?
Arguido: Certo.
Meritíssima Juiz Presidente (09:54): Por isso se chama licença de uso e porte, ou seja, não basta a licença, não é só para usar, é para ser portador. Por isso é que é licença de uso e porte. Senão seria só licença de uso não é?
Arguido: Sim.
Meritíssima Juiz Presidente (10.15): E porque é que o senhor tem de ter uma licença de uso e porte? As polícias, as autoridades, têm de saber quem é que tem uma determinada arma (…) se ela é depois utilizada para qualquer circunstância, para os devidos efeitos, há que saber quem a usou e como.
Arguido: Certo.
Meritíssima Juiz Presidente: Para lhe seguir o rasto, não é?
Arguido: Certo.
Meritíssima Juiz Presidente (10H35): O senhor sabe disso tudo não é?
Arguido (10:38): Sim, sim.
Meritíssima Juiz Presidente (10:40): E portanto, ficou lá por esquecimento, não foi tanto assim esquecida porque o senhor até a pôs aqui dissimulada num balde de tinta. Dissimuladamente porque não é habitual uma pessoa guardar uma arma num balde de tinta, pergunto eu?
Arguido (10:50): Pois, naquela altura…
(…) Meritíssima Juiz Presidente (10:58): Então e se a arma é do senhor seu pai, porque não a devolveu?
Arguido (10:59): O meu pai mora em Braga e na altura deixou ficar por lá e depois foi o esquecimento e deixou ficar por lá.
Meritíssima Juiz Presidente (11:09): E há quanto tempo é que o senhor tem lá esta arma lá em casa?
Arguido (11:11): Olhe, eu recordo-me que isso foi na altura do verão, que o meu pai lá foi e, portanto, tive a posse até à datada busca
Meritíssima Juiz Presidente (11:25): Foi em Novembro não é? Novembro de 2020. O senhor refere-se ao verão de 2020? Certo?
Arguido (11:32): Sim senhora Dra.
Meritíssima Juiz Presidente (11:44): Olhe e agora aqui quanto ao canabis? Foi-lhe apreendido, não percebi muito bem o que disse. O senhor tinha 1172 doses para o seu consumo?
Arguido (12:00): Senhora Dra, por doses eu não consigo dizer.
Meritíssima Juiz Presidente (12:04): Então vamos por gramas 465, 13, 7, 81, isto a falar em números redondos e mais 9 gramas.
Arguido (12:15): Olhe eu já não consigo explicar. Vou explicar. Eu tinha um frasco que, segundo as autoridades, tinha 500 gr de haxixe em processo de secagem.
Meritíssima Juiz Presidente: 465 gramas
Arguido (12:28): Aproximadamente 500 gr certo?
Meritíssima Juiz Presidente (12:32): Dará mais ou menos para 828 doses diárias.
Arguido (12:35): Eu não faço bem essas contas. O que é certo é que tinha aproximadamente 500 gr que estava num processo de secagem, ainda não estava pronto para consumo, dava para fumar mas ainda estava húmido, tinha até um saquinho de humidade que estava guardado, e, na mesma altura, eu comprei uma placa de 100 gr de haxixe para o meu consumo, enquanto aquilo não estava pronto.
Meritíssima Juiz Presidente (12:57): Esta é que foi a tal que o senhor cultivou?
Arguido: Em relação à casa
Meritíssima Juiz Presidente (13.03): Desculpe interromper.
Estes 465 gr foi de algo que o senhor cultivou?
Arguido (13:07): Sim, duas plantas.
Meritíssima Juiz Presidente (13:12): Olhe, o senhor não sabe que não se pode cultivar, fora alguma autorização especial para o efeito?
Arguido (13:20): Senhora doutora, eu sei mas isto foi tudo, veio-me à cabeça por causa da pandemia, pronto. Porque a gente saía à rua, não estava ninguém
Meritíssima Juiz Presidente (13:25): Oh senhor AA, mas isto não é como fazer pão em casa (…)
Arguido (13:35): Tem toda a razão e estou aqui para assumir.
Meritíssima Juiz Presidente (13:39): A explicação que o senhor dá é esta: tudo isto era para o seu consumo? Certo?
Arguido (13:43): Certo.
Meritíssima Juiz Presidente (13:51): Pronto. Muito bem. E portanto, todos os outros pedaços que foram encontrados
Arguido (13:58): Eu posso falar sobre isso? Dá-me licença?
Tinha esse frasco com a erva, tinha uma placa de 100 gramas de haxixe dentro desta casa que eu estava a fazer, que é a minha casa actual, mas na casa da DD, no armazém, junto ao computador, tinha uns resíduos, aquilo estava lá por esquecimento e, que eu me recorde, não dava para 9 gramas nem coisa do género.
Meritíssima Juiz Presidente (14:23): Olhe, diz-se aqui que uma placa de 13 gr daria para 23 doses, uma placa de 7 gr para11 doses e uma placa de 81 gramas para 295 doses.
Arguido (14:35): Olhe, eu desconheço. Desconheço isso.
Meritíssima Juiz Presidente (14:40): Então o senhor tem lá em casa esta riqueza toda em haxixe como consumidor e está a dizer que não dava para nada?
Arguido (14:44): Desculpe?
Meritíssima Juiz Presidente: Então o senhor tem lá esta quantidade toda e, como consumidor, dizia que eram só umas migalhas, que não dava para nada?
Arguido (14:51): A senhora doutora percebeu mal. Fala-mede 3 ou 4 quantidades. Correcto?
Meritíssima Juiz Presidente (14:56): É o que está aqui.
Arguido: Quantas quantidades me falou, desculpe?
Meritíssima Juiz Presidente (15:00): 13,27 gr dava para 23doses; 7,563 para 11; 81,062 para 295 doses e depois na sua residência 9,061 gr para mais 15 doses.
Arguido (15:20): Sra Doutora. Da minha consciência, o que eu me recordo, eu tinha um frasco aproximadamente 500 gr dentro do meu anexo, tinha 2 ou 3 saquinhos pequeninos com aproximadamente 1 gr e tinha um frasco que devia ter umas 4 ou5 gr. Na outra casa, na parte de baixo onde eu tinha o meu computador e tinha a placa de haxixe, não estou a ver mais estupefaciente que foi encontrado em casa.
Meritíssima Juiz Presidente (15:52): Olhe, mas todo o que estava lá o senhor diz que era para o seu consumo?
Arguido (15:55): Exactamente.
Meritíssima Juiz Presidente (15:58): Mas olhe, o senhor sabe que não podia ter esta quantidade toda para o seu consumo.
Arguido (16:00): Sei sim senhora doutora. Estou arrependido mas foi mesmo por causa da pandemia.
Meritíssima Juiz Presidente (16:09): Olhe, antes da pandemia nós tínhamos aqui uns arguidos que invocavam que tinham colesterol ou diabetes e agora, depois da pandemia, quase toda a gente justifica os comportamentos contra a lei por causa da pandemia
Arguido: (imperceptível) e decidi fazer até porque o meu dinheiro já estava a ficar pouco.
Meritíssima Juiz Presidente (16:36): Olhe, por falar em dinheiro. Estes €599,00 em dinheiro que foi encontrado, de quem eram, de onde vieram, porque estavam lá?
Arguido (16:45): 99,00 € eram meus. 500,00 € foi o senhor EE que me emprestou na noite anterior à busca. O meu amigo, meu colega, já fizemos negócios juntos de motas e até de viaturas. Já mandou pintar o carro dele, é meu amigo, prontos, desenrasca-me. Desenrasca-me de vez em quando e, nessa altura, eu estava afazer
Meritíssima Juiz Presidente (17:07): E porque precisava dos 500,00 € em dinheiro?
Arguido (17:10): Na altura eu estava a fazer uma casa e a drogaria fiava-me até 500,00€. Na altura, se bem me recordo, foi por causa disso. Eu já tinha comprado a minha placa para fumar.
Só pode ter sido por causa disso que me emprestou.
Meritíssima Juiz Presidente (17:24): Para quê? Para o senhor pagar
Arguido (17:27): Para pagar as obras e para poder mandar vir mais material que veio da drogaria do EE.
Meritíssima Juiz Presidente (17:40): Já tem relatório social…
(…) Meritíssima Juiz Presidente (23:11) Senhora Procuradora, por favor.
Procuradora: Directamente?
Meritíssima Juiz Presidente: Sim. Sim.
Procuradora (23:16): Muito boa tarde sr AA. Só uns esclarecimentos. No tal anexo onde foi a busca, tinha lá duas balanças digitais. Como é que explica?
Arguido (23:30): Sim, sim. Uma das balanças, a mais pequenina, era minha, que eu tinha. A outra balança grande foi uma balança que um amigo me pediu para eu vender que é uma balança de cozinha digital.
Procuradora (23:44): Era uma balança digital?
Arguido (23:45): Uma pequenininha minha que eu tinha era digital e a outra era maior e também digital.
Procuradora (23:55): E que amigo era esse?
Arguido (23:57): É o sr CC (…imperceptível).
Procuradora (24:06): E quando é que lhe entregou essa balança?
Arguido (24:10): Olhe, foi no verão. Devia ter um mês ou dois antes da busca, foi mais ou menos por aí, não sei precisar.
Procuradora (24:18): Mas era para vender?
Arguido (24:23): Sim, eu dedico-me à venda de artigos usados, máquinas, ferramentas, coisas que vou arranjando
Procuradora (24:33): E como é que o senhor explica que haja vestígios de canabis nestas balanças?
Arguido (24:36): Sim, na pequenina. Talvez já tivesse pesado alguma coisa para mim
Procuradora (24:42): Mas pesava para si?
Arguido (24:44): Eu lembro-me que pesava para confirmar o que tinha comprado mas também não pode ter sido muitos vestígios porque eu poucas vezes a utilizei.
Procuradora: E a outra?
Arguido (25:00): A outra estava como uma balança de cozinha, uma balança grande
Procuradora (25:10): Outra questão. Pretendia que o arguido fosse confrontado com o escrito que se mostra a fls. 103.
Meritíssima Juiz Presidente (25:34): Está aqui uma anotação FF 350, GG 130 e por aí fora. Que papel é este, quem é que o escreveu, de quem é esta letra?
Arguido (26:10): Senhora doutora, isso são contas minhas, de trabalho, dívidas (…) Aliás, refere-se aqui um portão (…).
Procuradora (26:38): O senhor disse que € 99,00 eram seus.
Arguido: Sim.
Procuradora (26:46): Quanto é que o seu amigo, o tal senhor EE lhe emprestou? € 500,00?
Arguido: 500,00. Na noite anterior à busca.
Procuradora: E ele emprestou-lhe isso em vários notas, como é que foi isso?
Arguido: Ora bem, eu não me recordo bem, sei que era € 500,00 em dinheiro, em notas.
Procuradora (27:12): E isso quando é que aconteceu?
Arguido: Olhe, aconteceu na noite anterior à busca, ou seja, o senhor EE foi a minha casa nessa noite, deixou-se esses € 500,00 e às seis e meia da manhã entram-me pela casa adentro.
Procuradora (27:28): A busca foi em 26 de Novembro. Isto foi na noite de 25?
Arguido: (27:33) Sim, sim, não era de madrugada, deviam ser umas dez horas.
Procuradora: Por volta das 10 da noite
Arguido: Sim, sim.
Procuradora (27:42): E depois como é que acordaram?
Como é que esta quantia ia ser devolvida?
Arguido (27:48): Era mal eu pudesse. Eu e o EE já fizemos negócios, já recuperamos uma mota e vendemos e ganhamos os dois algum. Já havia uma confiança entre os dois e, prontos, é um vizinho.
Procuradora: (28:02) E ele empresta dinheiro assim?
Arguido: Não empresta assim, empresta-me a mim porque confia em mim senhora Dra e porque eu também nunca o deixei ficar mal.
Procuradora: Olhe, o sr diz que tinha comprado uma placa.
Arguido: Sim
Procuradora: Há quanto tempo tinha comprado essa placa?
Arguido: Olhe, era há pouco tempo. Devia ter sido um dia em antes. Sim, porque a placa estava praticamente inteira.»

16. Conforme decorre da motivação do douto Acórdão agora posto em crise, o Tribunal a quo deu relevância às declarações prestadas pelo arguido AA na parte em que declarou que todo o estupefaciente apreendido se destinava a seu consumo.

[Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-1 do CPP:
«Relembre-se o que se diz na motivação «(…) Já em sede de1º interrogatório judicial de arguido detido – vide Auto de fls. 147-, o arguido havia prestado declarações em tudo coincidentes comas que trouxe agora a julga mento: a substância estupefaciente apreendida destinava-se, toda ela, exclusivamente para o seu consumo. E tal mostrou-se credível atentas, não apenas as justificações dadas pelo arguido quanto aos vários objectos /quantias monetárias apreendidas, habitualmente relacionadas com a actividade de tráfico/cedência a terceiros (…)» (sublinhado nosso).
Tal relevância manifesta-se no teor do ponto 10 da matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada, a saber «o arguido destinava a substância estupefaciente apreendida exclusivamente para o seu consumo».»]

17. No entanto, entende o Ministério Público que, as declarações prestadas pelo arguido AA, no que concerne à detenção do produto estupefaciente que foi apreendido, são inconciliáveis com a demais prova junta aos autos, com enfoque para os autos de apreensão juntos aos autos, para o escrito que se mostra a fls. 103 e o relatório de perícia toxicológica de fls 206, de onde resulta o número de doses diárias que os produtos apreendidos propiciariam.

[Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo mais consubstanciou ut art 412-1 do CPP:
«No caso concreto, foi dado como provado que
«1 - No dia 26 de Novembro de 2020, cerca das 07:10 horas o arguido detinha no anexo sito na Rua ..., ..., Matosinhos:
- 465,66 gramas/L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 8,9 (THC) a que corresponde 828 doses médias diárias individuais;
- 13,27 gramas /L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 9,0 (THC) a que corresponde 23 doses médias diárias individuais;
- 7,563 gramas/L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 7,7 (THC) a que corresponde 11 doses médias diárias individuais;
- 81,062 gramas/L de canabis (resina), com um grau de pureza de 18,2 (THC) a que corresponde 295 doses médias diárias individuais;
- bolsas de plástico com fecho hermético (…)»
A quantidade de produto estupefaciente detida pelo arguido AA no dia 26 de Novembro de 2020 no interior do anexo sita na Rua ..., permitiam obter 1157 doses diárias de canabis.
Com o devido respeito, parece-nos que, no caso dos autos, as circunstâncias objectivamente apuradas que são, no fundo, aquelas que resultam dos autos de busca e apreensão, não permitem, no quadro das regras da experiência comum, razoavelmente concluir, como fez o Tribunal a quo que os produtos estupefacientes apreendidos, destinavam-se exclusivamente a consumo do arguido AA.
A detenção de 1157 doses diárias é incongruente com uma detenção para exclusivo consumo.
Atente-se para as declarações do arguido AA em sede de audiência de discussão e julgamento neste conspecto:
Meritíssima Juiz Presidente(15:58): Mas olhe, o senhor sabe que não podia ter esta quantidade toda para o seu consumo.
Arguido (16:00): Sei sim senhora doutora. Estou arrependido mas foi mesmo por causa da pandemia.»]

18. Salvo sempre o devido respeito, entendemos que a pandemia não pode servir de argumento para credibilizar a detenção para consumo exclusivo por parte do arguido AA de tão elevada quantidade de produto estupefaciente.

19. Desde logo porque, quando os factos ocorreram, em Novembro de 2020, altura em que, ainda que estivessem em vigor algumas medidas restritivas da liberdade de movimentos, já havia alguma abertura na sociedade.

Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo mais consubstanciou ut art 412-1 do CPP:
«… e não estávamos naquele período crítico que vigorou entre sensivelmente 16 de Março de 2020 até Maio de 2020 onde aí, sim, foi imposto um dever de recolhimento obrigatório na residência mercê da situação de calamidade instalada.
Isto para concluir que, em nosso modesto entender, o contexto de pandemia de per si não pode servir para credibilizar aversão dos factos apresentada pelo arguido AA de que detinha todo o produto estupefaciente que foi encontrado e apreendido para seu consumo exclusivo.»]

20. Impunha-se que o Tribunal a quo ponderasse e apreciasse criticamente as declarações do arguido AA à luz e no conjunto da demais prova que consta dos autos e fazendo apelo às regras da lógica e experiência comum.

21. Na verdade, foi dado como provado no douto Acórdão de que agora se recorre que o arguido detinha no interior do anexo dos autos duas balanças digitais de precisão que continham vestígios de canabis.

Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-1 do CPP:
«1 - No dia 26 de Novembro de 2020, cerca das 07:10 horas o arguido detinha no anexo sito na Rua ..., ..., Matosinhos:
- 465,66 gramas/L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 8,9 (THC) a que corresponde 828 doses médias diárias individuais;
- 13,27 gramas /L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 9,0 (THC) a que corresponde 23 doses médias diárias individuais;
- 7,563 gramas/L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 7,7 (THC) a que corresponde 11 doses médias diárias individuais;
- 81,062 gramas/L de canabis (resina), com um grau de pureza de 18,2 (THC) a que corresponde 295 doses médias diárias individuais;
- bolsas de plástico com fecho hermético;
- duas balanças digitais de precisão com vestígios de canabis (…)» sublinhado e negrito nossos»]

22. O arguido, nas declarações que prestou em sede de audiência de discussão e julgamento, confirmou a detenção destas duas balanças.

Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-3-a-b-4 do CPP:
«Procuradora (23:16): Muito boa tarde sr AA. Só uns esclarecimentos. No tal anexo onde foi a busca, tinha lá duas balanças. Como é que explica?
Arguido (23:30): Sim, sim. Uma das balanças, a mais pequenina, era minha, que eu tinha. A outra balança grande foi uma balança que um amigo me pediu para eu vender que é uma balança de cozinha digital.
Procuradora (23:44): Era uma balança digital?
Arguido (23:45): Uma pequenininha minha que eu tinha era digital e a outra era maior e também digital.»]

23. Pelo mesmo foi dito que a balança digital mais pequena que foi apreendida era de sua pertença.

24. A outra balança, de maior dimensão, como declarou e nisso acreditou o Tribunal a quo, foi o seu conhecido CC que lá deixou no anexo para que a vendesse.

25. O Tribunal a quo deu credibilidade a esta versão do arguido pois que, na motivação do douto Acórdão de que agora se recorre diz-se «(…) justificou igualmente o arguido a posse da balança visível no fotograma n.º 7 de fls. 79, o que foi corroborado pela testemunha CC».

26. Mas, se a balança digital visível no fotograma n.º 7 de fls. 79 foi, como declarou o arguido AA e nisso acreditou o Tribunal a quo, entregue pelo seu conhecido CC para que a vendesse, como se explica que nesta balança que estava, segundo o arguido, na sua casa para ser vendida, também existissem vestígios de canábis ?

27. Entende o Ministério Público que o Tribunal a quo sobrevalorizou as declarações do arguido AA e não tirou as ilações que se impunham dentro das boas regras da lógica e experiência comum.

28. Para além desta balança digital que o arguido AA declarou que lhe havia sido entregue pelo seu conhecido CC para que a vendesse, foi ainda encontrada e apreendida uma outra balança digital no anexo dos autos que o arguido reconheceu como sua, onde também foram encontrados vestígios de canabis.

29. Trata-se da balança digital que se mostra no fotograma n.º 23 de fls. 82.

30. Ora, sobre esta balança o Tribunal a quo nada disse.

31. Na motivação do douto Acórdão agora posto em crise, em nenhum momento se aflora a detenção desta balança digital.

32. Nem se extrai qualquer conclusão de ter sido dado como provado que o arguido detinha duas balanças digitais com vestígios de canabis.

33. Como pode ser dado como assente a existência de uma intenção exclusiva de consumo próprio na detenção dos estupefacientes apreendidos nos autos quando se se dá como provado que o arguido tem na sua posse duas balanças digitais de precisão com vestígios de canábis ?

34. Para além da detenção de duas balanças digitais de precisão com vestígios de canabis, foi ainda encontrado por ocasião da busca realizada no anexo dos autos o escrito que se mostra a fls. 103 com anotações de nomes e quantias monetárias;

[ Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-1 do CPP:




« O arguido AA, nas declarações que prestou em sede de audiência de discussão e julgamento, a propósito do escrito em questão disse:
Meritíssima Juiz Presidente: Está aqui uma anotação FF 350, GG 130 e por aí fora. Que papel é este, quem é que o escreveu, de quem é esta letra?
Arguido: Senhora doutora, isso são contas minhas, de trabalho, dívidas (…) Aliás, refere-se aqui um portão (…).
Este escrito foi encontrado, conforme promana do relatório de busca de fls. 73, junto da placa de vidrocerâmica e, junto dele, a quantia de € 85,00 em dinheiro.»]

35. Sobre este escrito, o Tribunal a quo nada disse ou ponderou na motivação do douto Acórdão de que agora se recorre.

36. Para além das duas balanças digitais de precisão com vestígios de canabis, do escrito de fls. 103, foi ainda encontrada e apreendida na sequência da busca realizada ao anexo dos autos, a quantia global de € 599,00 em notas.

37. A quantia de € 85,00 encontrava-se junto ao escrito de fls. 103 e, numa garrafa térmica também ali ao lado, foi constatado e apreendida uma placa de canabis com o peso bruto aproximado de 82,1gr e quinhentos euros em dinheiro (vd relatório de busca de fls. 73).

38. O arguido declarou que a quantia de € 500,00 foi-lhe emprestada por um vizinho e conhecido seu na noite anterior à busca dos autos.

[ Neste ponto do corpo da Motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-3-a-b-4 do CPP:
« Meritíssima Juiz Presidente: Olhe, por falar em dinheiro. Estes € 599,00 em dinheiro que foi encontrado, de quem eram, de onde vieram, porque estavam lá ?
Arguido: 99,00 € eram meus. 500,00 € foi o senhor EE que me emprestou na noite anterior à busca. O meu amigo, meu colega, já fizemos negócios juntos de motas e até de viaturas. Já mandou pintar o carro dele, é meu amigo, prontos, desenrasca-me. Desenrasca-me de vez em quando e, nessa altura, eu estava a fazer Meritíssima Juiz Presidente: E porque precisava dos 500,00 € em dinheiro ?
Arguido: Na altura eu estava a fazer uma casa e a drogaria fiava-me até 500,00 €. Na altura, se bem me recordo, foi por causa disso. Eu já tinha comprado a minha placa para fumar. Só pode ter sido por causa disso que me emprestou.»]

39. O Tribunal a quo valorou positivamente o declarado pelo arguido no que concerne à justificação dada para o dinheiro que foi encontrado no interior do anexo dos autos.

[ Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-1 do CPP:
« Com efeito, pode ler-se na motivação do Acórdão posto em crise:
«(…) O arguido apresentou justificação para a quantia de dinheiro apreendida – vide nota discriminativa de fls. 83 – o que veio a ser corroborado pela testemunha EE. E a circunstância da quantia de 500,00 € se encontrar acondicionada dentro de uma garrafa térmica (onde igualmente se encontrava a placa de canábis (resina) apreendida (vide Auto de busca de fls. 73 e fotogramas de fls. 79 e 93) não permite concluir pela proveniência ilícita de tal dinheiro (sem prejuízo de, ademais, tal não se mostrar imputado na acusação).
Ora, o arguido declarou que alguns dias antes da busca ocorrida nos autos comprou uma placa de haxixe para o seu consumo.
Ou seja, dias antes da busca o arguido teve disponibilidade financeira para comprar uma placa de haxixe mas, teve de pedir emprestados € 500,00 a um amigo para fazer obras e guarda esse dinheiro na garrafa térmica onde tinha a placa de haxixe que diz que comprou dias antes ! »]

40. São demasiadas coincidências: um amigo deixa uma balança de precisão digital em sua casa; na noite anterior à busca, um amigo empresta-lhe € 500,00 que guarda numa garrafa onde está produto estupefaciente e dias antes da busca o arguido compra uma placa de haxixe.

41. As provas têm de ser apreciadas, não pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas elas, ponto este que nos parece de superior importância para a formulação daquele raciocínio lógico, coerente e sequencial que se impõe na apreciação da prova.

42. No caso concreto, a apreciação crítica de todos os elementos probatórios constantes dos autos deveria ter levado o Tribunal a quo a reputar as declarações do arguido AA como inverosímeis.

43. No quadro das boas regras da lógica e da experiência comum, não tinha o Tribunal a quo qualquer razão para acreditar numa versão de que o arguido AA destinava todo o estupefaciente apreendido ao seu consumo pessoal.

44. É irrazoável admitir como verosímil uma versão da realidade, de acordo com a qual alguém detém no interior da sua residência canabis em quantidade suficiente para 1172 doses para seu consumo exclusivo quando detém duas balanças digitais de precisão onde foram encontrados vestígios de canabis.

45. É igualmente irrazoável admitir como verosímil uma versão da realidade, de acordo com a qual alguém tem capacidade económica dias antes para comprar uma placa de haxixe mas logo a seguir pede emprestado a um amigo € 500,00 para fazer obras, quantia essa que, por coincidência, foi entregue ao arguido na noite anterior à busca.

46. Ao valorar positivamente as declarações prestadas pelo arguido AA quanto ao destino do produto estupefaciente apreendido incorreu o Tribunal a quo em flagrante erro de julgamento.

47. Fazendo uma ponderação crítica de toda a prova constante dos autos, afigura-se-nos que o Tribunal a quo estava dotado de factualidade suficiente para ter dado como provado que o arguido AA detinha as substâncias estupefacientes apreendidas nos autos para a venda a terceiros.

48. Ao não decidir assim, ofendeu o tribunal a quo as regras da experiência, assentes na razoabilidade e na normalidade da vida.

[ Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-1 do CPP:
«  Em razão de tudo o exposto e do conjunto da prova produzida, consideramos como erradamente julgada a factualidade constante do ponto 10 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, devendo ser excluído da matéria dada como provada a intenção exclusiva de consumo das substâncias apreendidas por parte do arguido AA.
Em contrapartida, o ponto i) da factualidade dada como não provada pelo Tribunal a quo deverá passar a constar da matéria dada como provada, de tal forma que deverá constar da matéria de facto dada como provada que as substâncias estupefacientes apreendidas destinavam-se à venda pelo arguido a terceiros.»]

49. Considera-se que, no presente caso, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação das normas previstas nos artigos 127.º do Código de Processo Penal e nos artigos 21.º, 25.º e 40.º do DL n.º 15/93.

[ Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-1 do CPP:

« Caso seja considerada procedente a impugnação da matéria de facto supra exposta, deverá o arguido AA ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 25.º do DL n.º 15/93, de 22/01, atenta a natureza do produto apreendido.

Crime este que deve justificar a condenação do arguido AA numa pena de prisão, em medida nunca inferior a 2 anos, suspensa na sua execução, que tenha em consideração as elevadas exigências de prevenção geral e reflita a ausência de qualquer assunção de culpa e consequente arrependimento por parte do arguido.

Por outro lado, ao abrigo do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, deve ser declarada perdida a favor do Estado a balança digital de precisão contendo vestígios de cabanis visível no fotograma n.º 7 de fls. 79, pois que, tal balança serviu para a prática da actividade delituosa de tráfico.

Bem como deve ser declarado perdido a favor do Estado o dinheiro apreendido ao arguido AA nos termos do artigo 36.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
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O Tribunal a quo absolveu igualmente o arguido AA da prática do crime de detenção de arma proibida por que vinha acusado.»]

50. Entende o Ministério Público que se fez prova dos elementos que corporizam o tipo legal de crime de detenção de arma proibida de que o arguido vinha acusado, tendo o Tribunal a quo errado na decisão da matéria de facto dada como não provada.

51. Com efeito, nas declarações que prestou em sede de audiência de discussão e julgamento, o próprio arguido AA assume que detinha o revólver e munições apreendidos nos autos desde data não apurada do verão de 2020 até à data da busca, isto apesar de saber que não era detentor de qualquer licença de uso e porte de arma.

[ Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-3-a-b-4 do CPP:
Relembre-se o que disse o próprio arguido AA em sede de audiência de discussão e julgamento a instâncias da Meritíssima Juiz Presidente:
Arguido (03:48) (…) Em relação à arma, é do meu pai. É uma arma legal, ele já tem há muito anos e houve uma certa altura em que o meu pai veio a minha casa que é onde eu resido (…) e então ele pediu-me para ver se eu conseguia abrir a mala e eu, na altura, não consegui e o meu pai pediu-me para arranjar um chapeiro ou amigo que conseguisse abrir a mala e eu tentei mas também não consegui e, entretanto, estronquei a mala e pronto, tirei o revolver e as munições. Entretanto nesse dia fui jantar com o meu pai, bebemos uns copos e aquilo acabou por ficar em minha casa por esquecimento e eu depois guardei aquilo num balde de tinta que tinha e prontos, ficou lá em casa. Prontos e foi isso.
Meritíssima Juiz Presidente (05.38): Então vamos por partes. Então quando o senhor diz que a arma é legal, esta arma que é do senhor seu pai, está devidamente manifestada e registada?
Arguido AA : Sim, sim.
(…) Meritíssima Juiz Presidente (09:36): Mas o senhor sabia que não tinha licença de uso e porte de arma?
Arguido AA (09:43): Sim senhora Dra mas também nunca utilizei a arma.
Meritíssima Juiz Presidente (09:48): O senhor não tinha licença de uso e porte de arma, certo?
Arguido: Certo.
Meritíssima Juiz Presidente (09:54): Por isso se chama licença de uso e porte, ou seja, não basta a licença, não é só para usar, é para ser portador. Por isso é que é licença de uso e porte. Senão seria só licença de uso não é?
Arguido: Sim.
(…) Meritíssima Juiz Presidente (10:35): O senhor sabe disso tudo não é?
Arguido: Sim, sim.
Meritíssima Juiz Presidente (10:40): E portanto, ficou lá por esquecimento, não foi tanto assim esquecida porque o senhor até a pôs aqui dissimulada num balde de tinta. Dissimuladamente porque não é habitual uma pessoa guardar uma arma num balde de tinta, pergunto eu ?
Arguido (10:50): Pois, naquela altura…
Meritíssima Juiz Presidente (10:58): Então e se a arma é do senhor seu pai, porque não a devolveu?
Arguido (10:59): O meu pai mora em Braga e na altura deixou ficar por lá e depois foi o esquecimento e deixou ficar por lá.
Meritíssima Juiz Presidente: E há quanto tempo é que o senhor tem lá esta arma lá em casa?
Arguido (11:11): Olhe, eu recordo-me que isso foi na altura do verão, que o meu pai lá foi e, portanto, tive a posse até à data da busca
Meritíssima Juiz Presidente (11:25): Foi em Novembro não é? Novembro de 2020. O senhor refere-se ao verão de 2020 ? Certo ?
Arguido: Sim senhora Dra.»]

52. Não obstante o arguido AA ter declarado que detinha o revólver e munições apreendidas no anexo dos autos desde o Verão de 2020, incompreensivelmente, o Tribunal a quo deu como provado no ponto 12 dos factos dados como provados que foi o pai do arguido, BB que deixou, por esquecimento, a arma apreendida em casa do arguido seu filho AA.

53. No entanto, salvo sempre o devido respeito por entendimento contrário, não foi isso que resultou da prova produzida.

54. O arguido AA declarou que o pai deixou em sua casa uma mala contendo o revolver dos autos e munições para que abrisse essa mala. Como não conseguiu abrir a mala, estroncou-a e retirou de lá o revólver e as munições que acabou por colocar no balde onde depois foram encontradas por ocasião da busca.

55. Das declarações do arguido podemos concluir sem qualquer margem para dúvida que o mesmo sabia que detinha o revólver e as munições apreendidas no seu anexo.

56. Mais sabia que não era titular de qualquer licença para a detenção desse revólver e munições.

57. Em face destas declarações, não se concebe como pode o Tribunal a quo dar como não provado que «o arguido sabia que não lhe era permitido, mas ainda assim, quis deter o aludido revólver e munições».

58. Pois que, a prova produzida em sede de audiência e julgamento, corporizada nas declarações do arguido AA, declarações essas que consubstanciam uma confissão dos factos, é de molde a concluir que o arguido sabia que não era detentor de qualquer licença de uso e porte de arma mas, ainda assim, detinha o revolver e munições no interior do seu anexo desde o verão de 2020.

59. Não valorando esta confissão do arguido, violou o Tribunal a quo o artigo 127.º do CPP e os artigos 2.º, n.º 1 alínea aad), 3.º, n.º 4 alínea b) e 86.º, n.º 1 alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições.

60. Termos em que consideramos como erradamente julgada a factualidade constante do ponto 12 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, na parte em que se diz «(…) que a havia deixado, por esquecimento, em casa do arguido em data anterior à referida em 1.»

61. Este segmento, em razão das declarações prestadas pelo arguido, deverá ser excluído da matéria de facto dada como provada.

62. Em contrapartida, o ponto ii) da factualidade dada como não provada pelo Tribunal a quo deverá passar a constar da matéria dada como provada, de tal forma que deverá constar da matéria de facto dada como provada que o arguido sabia que não lhe era permitido, mas ainda assim quis deter o aludido revólver e munições.

63. Condenando-se o arguido AA pelo crime de detenção de arma proibida nos exactos termos em que vinha acusado.

64. Em nosso entender, o douto Acórdão proferido nos autos enferma ainda de erro notório na apreciação da prova, na medida em que a mera leitura da decisão recorrida evidencia uma incongruência entre a matéria que resultou provada e não provada e a fundamentação que a sustenta.

65. Afigura-se-nos que a matéria de facto provada, designadamente a que resulta do ponto 1 e 2 é inconciliável com o ponto 10 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.

66. Dar como provado que o arguido detinha 465,66 g de cannabis/folhas, 13,27 g de cannabis/folhas, 7,563 g de cannabis/folhas, 81, 062 g de canabis (resina) e 9,061 g de cannabis/folhas e duas balanças digitais de precisão com vestígios de canabis e que estas substâncias se destinavam exclusivamente ao seu consumo é ilógico e irrazoável, à luz das regras da experiência comum.

67. O Tribunal a quo valorou positivamente as declarações prestadas pelo arguido AA na parte em que declarou que todo o produto estupefaciente apreendido nos autos era para seu consumo e que a balança visível no fotograma de fls. 7 de fls. 79 estava na sua posse porque tal balança lhe havia sido entregue pelo seu conhecido CC para que a vendesse.

68. Sucede que, no ponto 1 da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo deu como provado que o arguido detinha no anexo dos autos duas balanças digitais de precisão com vestígios de canabis.

69. Ora, pergunta-se: se a balança digital visível no fotograma n.º 7 de fls. 79 foi, como declarou o arguido AA e nisso acreditou o Tribunal a quo, entregue pelo seu conhecido CC para que a vendesse, como se explica que nesta balança que estava, segundo o arguido, na sua casa para ser vendida, também existissem vestígios de canábis ?

70. O Tribunal a quo dá como provado que o arguido detinha duas balanças digitais de precisão com vestígios de canabis mas, na fundamentação, menciona que o arguido AA justifica a posse da balança retratada no fotograma 7 de fls. 79.

71. Olvidando, por completo, que nesta balança que o arguido declarou que estava na sua posse porque o conhecido CC lha entregou para que vendesse, foram encontrados vestígios de canabis.

72. E olvidando ainda que, para além desta balança retratada no fotograma n.º 7 de fls. 79, foi ainda apreendida uma outra balança onde também existiam vestígios de canabis, balança cuja detenção foi dada como provada no ponto 1. da matéria assente mas, em relação à qual, na fundamentação, nenhuma referência a ela se faz, nem nenhuma conclusão se extraí relativamente ao facto de conter igualmente vestígios de canabis.

73. É irrazoável admitir como verosímil uma versão da realidade, de acordo com a qual alguém detém no interior da sua residência 465,66 g de cannabis/folhas, 13,27 g de cannabis/folhas, 7,563 g de cannabis/folhas, 81,062 g de canabis (resina) e 9,061 g de cannabis/folhas e duas balanças digitais de precisão com vestígios de canabis e que todo este produto estupefaciente seja para o seu consumo.

74. A apreciação conjunta da prova que resulta dos autos de busca e apreensão no anexo pertencente ao Arguido AA não permite, a nosso ver, dentro das boas regras da lógica e experiência comum, concluir que o produto estupefaciente detido pelo arguido se destinava exclusivamente ao seu consumo.

75. Impunha-se que o Tribunal a quo fizesse esse esforço de análise conjunta e não se limitasse a ponderar isoladamente cada prova.

[ Neste ponto do corpo da motivação a MGT do MP a quo consubstanciou ut art 412-1 do CPP:
« No anexo dos autos foi encontrado e apreendido no interior de uma garrafa térmica, uma placa de canabis
(resina) com 81,062 g e junto dessa placa a quantia de € 500,00 em numerário.
Na fundamentação da convicção, pode ler-se que «O arguido apresentou justificação para a quantia de dinheiro apreendida – vide nota discriminativa de fls. 83 – o que veio a ser corroborado pela testemunha EE. E a circunstância da quantia de 500,00 € se encontrar acondicionada dentro de uma garrafa térmica (onde igualmente se encontrava a placa de canábis (resina) apreendida (vide Auto de busca de fls. 73 e fotogramas de fls. 79 e 93) não permite concluir pela proveniência ilícita de tal dinheiro (sem prejuízo de, ademais, tal não se mostrar imputado na acusação)
Em nosso entender, as regras da experiência de vida comum permitem concluir com toda a legitimidade que, quem detém tamanha quantidade de produto estupefaciente, como acontece na situação dos autos, duas balanças de precisão digitais, um bloco de papel contendo manuscritos nomes seguidos de números, € 500,00 que estavam acondicionados numa garrafa térmica onde também foi encontrada a placa de canabis (resina) com 81,062 g, só pode querer destinar a substância estupefaciente apreendida a actividade de venda.»]

76. Parece-nos de meridiana clareza que a quantidade de produto estupefaciente detido pelo arguido AA, dinheiro apreendido e demais objectos apreendidos, são incongruentes com a conclusão de que o arguido destinava tal produto estupefaciente ao seu consumo exclusivo.

77. Impunha-se, assim, que o Tribunal a quo tirasse ilações da globalidade da prova carreada para os autos com recurso às regras da experiência comum.

78. E, consequentemente, condenasse o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade nos termos do artigo 25.º, n.º 1 do DL 15/93.

79. Ao decidir da forma, já analisada supra, o Tribunal a quo recorrido incorreu no vício de erro notório na apreciação da prova e violou o artigo 127.º do CPP, bem como os artigos 21.º, 25.º e 40.º do DL n.º 15/93

80. Caso seja dado provimento ao presente recurso, deverá o arguido AA ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 25.ºdo DL n.º 15/93, de 22/01, atenta a natureza do produto apreendido.

81. Condenação essa numa pena de prisão que não deverá ser inferior a 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, reflectindo as elevadas exigências de prevenção geral e a ausência de qualquer assunção de culpa e consequente arrependimento por parte do arguido.

82. Por outro lado, ao abrigo do disposto no artigo 109.º, n.º1 do Código Penal, deve ser declarada per dida a favor do Estado a balança digital de precisão contendo vestígios de cabanis visível no fotograma n.º 7 de fls. 79, pois que, tal balança serviu para a prática da actividade delituosa de tráfico.

83. Bem como deve ser declarado perdido a favor do Estado o dinheiro apreendido ao arguido AA nos termos do artigo 36.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Ø Assim, deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida e substitui-la por outra que, de harmonia com as conclusões expostas, considere não provada a intenção exclusiva de consumo das substâncias apreendidas ao arguido AA conforme vertido no ponto 10 dos factos provados e, em consequência, condene o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, declarando-se perdida a favor do Estado a balança visível no fotograma n.º 7 de fls. 79 contendo vestígios de canabis, bem como deverá ser declarada perdida a favor do Estado a quantia apreendida de € 599,00.

Ø Deve ainda o arguido AA ser condenado pela prática do crime de detenção de arma proibida, nos exactos termos em que vinha acusado

ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo para este TRP ut arts 399, 401-1-a, 406-1, 407-2-a, 408-1-a e 427 do CPP pelo DESPACHO 445 920 269 que foi NOTIFICADO a Sujeitos Processuais inclusive nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP, o Arguido NÃO apresentou Resposta.

Em VISTA ut art 416-1 do CPP o Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto emitiu o PARECER nº 105/2013 [2] sob a refª 16 905 843:

«Por serem completas e exaustivas adiro às considerações e motivos constantes das proficientes alegações apresentadas pela Digníssima magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância [3], que aqui se convocam, para as quais se remete e cujo conteúdo factual, descritivo e narrativo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e que desta peça faz parte integrante e incindível, devendo, por conseguinte, julgar-se o recurso procedente e revogar-se o Acórdão recorrido nos termos impetrados.
Sempre me permitirei, no entanto, em total sintonia com os argumentos e razões lucidamente defendidas nas doutíssimas alegações do Ministério Público apresentadas em 1.ª instância, dizer ainda o seguinte num brevíssimo, lacunar e curto opusculo, evitando-se assim fastidiosas e inúteis repetições.
O Acórdão recorrido é portador de um clamoroso erro de enfoque e num erro-vicio que minou toda a apreciação da prova, suscetível de integrar o erro notório na apreciação da prova delineado no artigo 410.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal – C.P.P. que resulta do seu texto de forma patente e ostensiva.
Com o respeito devido, que para além de sincero é superlativo, recorrendo ao exagero consentido pelas fábulas que unicamente servem para enfatizar uma ideação, o tribunal recorrido acreditou na rena Rodolfo e no coelhinho Alba. Ora, estas figuras são realidades imaginadas e não existem no mundo das coisas concretas isto é – id est - no universo vivente do nosso quotidiano. Também isto de ter um amigo começa a ser muito conveniente (e preocupante) pois ameaça tornar-se numa desculpa recorrente, à qual os tribunais não deviam atribuir credibilidade, assistindo-se à germinação de estratégias de defesa que contrariam fortemente as regras da experiencia comum.
Como bem assinalou a Digníssima magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância «São demasiadas coincidências: um amigo deixa uma balança de precisão digital em sua casa; na noite anterior à busca, um amigo empresta-lhe €500,00 que guarda numa garrafa onde está produto estupefaciente e dias antes da busca o arguido compra uma placa de haxixe».
E estas inusitadas coincidências, na cor das minhas lentes, retiram plausibilidade e racionalidade ao processo que serviu de formação da convicção adquirida pelo tribunal recorrido.
Ora, tal vício decisório do ERRO NOTORIO verifica-se quando o tribunal valora a prova em violação e contra as regras da experiência comum, de modo a que um homem (ou juiz) médio, pela simples leitura da sentença, facilmente se apercebe da existência de um juízo valorativo manifestamente incorreto, ilógico, contraditório ou arbitrário (GERMANO MARQUES DA SILVA, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª, Edição, pág. 341). Em suma, trata-se de um evidente vício de raciocínio na apreciação das provas, que consiste, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (SIMAS SANTOS E LEAL HENRIQUES, “Recursos em Processo Penal”, 6ª Edição, pág. 74.». Verifica-se ainda quando o tribunal viola as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis (SIMAS SANTOS, LEAL HENRIQUE E BORGES DE PINHO, “Código de Processo Penal”, 2º Vol., 1996, pág. 515».
No erro notório na apreciação da prova estão incluídas as hipóteses de erro evidente ou escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta.
A fim de obstar a que o preceito perca grande parte do seu interesse prático também vem sendo entendido, que integrará o erro notório aquele erro que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista ou juiz, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada.
E para assegurar a notoriedade do erro basta que ela ressalte do texto da decisão recorrida ainda que devidamente escrutinada e sopesada à luz das regras da experiência. Por outro lado, vem sendo entendido que não configura um erro claro e patente uma apreciação da prova que se traduza numa leitura possível, aceitável, razoável, da mesma prova”- Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 15/10/2014, proferida no âmbito do proc. nº 469/11.8JPRT.
Também tal vício só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos – Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/1999 – C.J.A.C.S.T.J., VII. T.III, p. 184. Em suma, “a incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço. De tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da experiência comum” – Acs. do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/1999 e de 16/06/1999 (B.M.J. 488-262), sendo certo que tal vício, tal como o previsto na al. a) do nº 2 da citada norma, “não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127.º do Código de Processo Penal – C.P.P. … sendo irrelevante a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos”.
- Também como se disse no Acórdão do T.R.C. - Tribunal da Relação de Coimbra de 10/07/2018 in www.dgsi.pt:
«I – O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
II - Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 21/03/2023 in www.dgsi.pt:
«V–Verifica-se «erro notório» quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 08/02/2023 in www.dgsi.pt (parte narrativa): «….ocorre quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância do erro não passar despercebido ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, por ser grosseiro, ostensivo ou evidente. É um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir à revelia das provas produzidas ou ser dado como provado facto não pode ter ocorrido…».
Acórdão do T.R.C. - Tribunal da Relação de Coimbra de 03/06/2015 in www.dgsi.pt :
«III - No que respeita ao erro notório na apreciação da prova, tal vício verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
IV - O apontado vício é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, só podendo relevar se for ostensivo, inquestionável e perceptível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do “homem médio”».
Acórdão do T.R.C. - Tribunal da Relação de Coimbra de 06/02/2019 in www.dgsi.pt:
«I – O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos juntos aos autos.
II – O erro notório na apreciação da prova tem de ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média, e nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida em audiência de julgamento».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 13/09/2022 in www.dgsi.pt:
«III. Há erro notório na apreciação da prova (410.º, § 2.º, al. c) CPP) quando da simples leitura do texto da sentença, se constata erro de raciocínio na apreciação das provas. Nomeadamente quando da conjugação das provas se retiram ilações que se revelam racional e logicamente arbitrárias, contraditórias ou patentemente violadoras das regras da experiência comum».
Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 29/09/2022 in www.dgsi.pt:
«I – O erro notório é a falha grosseira percetível pelo juiz em concreto pressuposto pela ordem jurídica. Não se julga justificável a interpretação de tal erro como aquele de tal modo evidente que o homem médio deteta com facilidade. É que, pode ser «notório» apenas para o julgador com a especial formação e experiência de um juiz. É o caso do desrespeito das leges artis, v.g., violação do princípio in dubio pro reo. Este desrespeito e violação, comummente apontados como exemplo de erro notório na apreciação da prova, é detetado com facilidade pelo o juiz pressuposto pela ordem jurídica para julgar o recurso, o que já não acontece com o cidadão comum».
Sabido que o conhecimento dos vícios previstos no artigo 410.º n.º 2 Código de Processo Penal – C.P.P., deverá resultar do texto da decisão, só por si ou atendendo às regras da experiência comum, haverá que desatender na apreciarão destes vícios, por inoperantes para este efeito, as referências a qualquer outro elemento de prova que conste do processo, máxime, v.g., às declarações e depoimentos prestados em audiência, bem como a demais prova de natureza documental, relevantes apenas no âmbito da avaliação do erro de julgamento. Vem esgrimida a totalidade dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, a saber, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a), a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b) e o erro notório na apreciação da prova (al. c).
Assim, no que para o efeito releva, a decisão recorrida é portadora da evidência de que a prova foi erradamente interpretada, originando uma valoração, fixação e arrumação de factos contrária ao senso comum e às regras da experiencia.
Na verdade, analisando o teor da decisão recorrida, é evidente que dela resulta a existência de um clamoroso erro grosseiro ou ostensivo, como doutamente demonstrou a Digníssima magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância nas alegações de recurso.
Desta forma, não obstante a penhorada deferência e elevadíssimo respeito que devemos sempre assumir por opinião diferente e do qual os nossos adversários opinativos são seguramente credores, o recurso merece provimento.
Tal é o teor do meu parecer [qu]e ora se dá à estampa.»

NOTIFICADO ut art 417-2 do CPP o Recorrido NÃO apresentou RESPOSTA.

Na oportunidade efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA.

Como FACTOS PROVADOS o Tribunal a quo enumerou que:

1. No dia 26 de Novembro de 2020, cerca das 07:10 horas o arguido detinha no anexo sito na Rua ..., ..., Matosinhos:
- 465,66 gramas/L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 8,9 (THC) a que corresponde 828 doses médias diárias individuais;
- 13,27 gramas /L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 9,0 (THC) a que corresponde 23 doses médias diárias individuais;
- 7,563 gramas/L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 7,7 (THC) a que corresponde 11 doses médias diárias individuais;
- 81,062 gramas/L de canabis (resina), com um grau de pureza de 18,2 (THC) a que corresponde 295 doses médias diárias individuais;
- bolsas de plástico com fecho hermético;
- duas balanças digitais de precisão com vestígios de canabis;
- 599,00 € em numerário, dos quais 19 notas de €. 20;
- um bloco de papel contendo manuscritos nomes seguidos de números;

2. Naquelas mesmas circunstâncias de tempo, AA detinha, desta feita na sua também residência sita na Rua ..., ..., Matosinhos:
- 9,061 gramas/L de canabis (folhas/sumidades), com um grau de pureza de 8,6 (THC) a que corresponde 15 doses médias diárias individuais.

3. Aquando da realização da busca na data e hora referidas em 1., foi encontrado no local aí referido:
- sessenta munições de calibre 32 S&W Long;
- um revólver marca Smith & Wesson de calibre 32mm, com o número ...57.

4. O arguido AA conhecia a natureza estupefaciente das substâncias que detinha, bem sabendo que a sua detenção e cedência a terceiros eram proibidas e punidas por lei.

5. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Factos provados constantes da contestação apresentada
6. O arguido é conhecido e reconhecido por toda a gente como sendo uma pessoa de bem, respeitadora, honesta, humilde e considerada no seu meio.

7. O arguido sempre pautou a sua vida por critérios de rectidão, e por valores e princípios de honestidade e seriedade.

8. O arguido encontra-se laboralmente activo.
Mais se provou
9. Da quantia monetária referida em 1., 500,00 € (em notas) foram encontrados no interior de uma garrafa térmica.

10. O arguido destinava a substância estupefaciente apreendida exclusivamente para o seu consumo.

11. À data dos factos verificava-se uma situação de pandemia (Covid 19), com limitação de circulação de pessoas.

12. A arma apreendida é propriedade do pai do arguido, BB, que a havia deixado, por esquecimento, em casa do arguido em data anterior à referida em 1.

13. O pai do arguido é titular da Autorização de detenção no domicílio (permanente) da arma referida em 3., com o n.º ...75/06, emitida a 11.07.2006.

14. Ao pai do arguido foi concedida a 06.09.2007 a licença trienal para uso e porte de arma de defesa n.º 130/07, válida até 05.09.2010.
*
15. Antecedentes criminais

Por Acordão transitado em julgado a 22.02.2018, proferido nos autos de PCC n.º 3909/16.6T9MTS, JCC de Vila do Conde, J8, comarca do Porto, foi condenado na pena única de 250 dias de multa à taxa diária de 6,50 €, pela prática de três crimes de ofensa à integridade física, um crime de injúrias e um crime de dano, cometidos todos na data de 06.06.2013. Tal pena foi declarada extinta, pelo pagamento, na data de 25.03.2019.

16. Condições pessoais do arguido

16.1. O processo de desenvolvimento psicossocial do arguido – o mais novo de um conjunto de dois irmãos - ocorreu no seio de um contexto familiar caracterizado pela instabilidade da relação conjugal dos pais, que culminou no divórcio ocorrido aos seus oito anos. Sem registo de particulares constrangimentos de natureza económica, a orientação educativa do arguido foi essencialmente assumida pelos avós maternos, atenta a diminuta disponibilidade dos progenitores. Ambos se dedicavam à confecção e comercialização de artigos têxteis, quer em estabelecimentos próprios, quer através da venda para múltiplos estabelecimentos em todo o país.

16.2. O arguido apresenta um percurso escolar irregular, marcado por várias retenções, coincidentes com a sua transição do sistema privado de ensino para o sistema público, ocorrida no segundo ciclo do ensino básico. O elevado absentismo, a irreverência do comportamento, a integração em grupos de pares com idades mais velhas no seio dos quais se iniciou no consumo de canabinóides, o desinteresse por grande parte das matérias curriculares, motivaram o seu encaminhamento para acompanhamento psicológico, mas sem resultados satisfatórios. Abandonou a sua formação aos quinze anos de idade, habilitado com o 9º ano de escolaridade, época em que se mudou da cidade do Porto para a freguesia ..., Matosinhos.

16.3. Passou por diversas experiências laborais (empregado de armazém, empregado de mesa); entre os dezassete e os vinte anos, trabalhou em estabelecimento de diversão nocturna, relevando tratar-se de uma ocupação economicamente vantajosa.

16.4. Cumpriu o serviço militar obrigatório, dedicando-se posteriormente, em associação com o pai, à revenda de têxteis. Em virtude das tensões relacionais com aquele, abandonou esta actividade, a explorar um bar de praia em .... De acordo com o arguido, as queixas sucessivas por ruído, com intervenções policiais frequentes, determinaram o fecho daquele estabelecimento, ao que se seguiu um período de inactividade. Descreve-o como uma fase de desmotivação e ausência de objectivos, sendo o seu quotidiano organizado em torno de momentos de ociosidade: idas à praia, convívio com amigos. Assume ter incrementado o seu consumo de canabinóides atento o contexto descrito.

16.5. Em 2005 o arguido criou o seu próprio negócio, ocupando-se com a lavagem de viaturas automóveis, utilizado para o efeito uma área exterior do seu espaço domiciliário. Mais tarde viria a explorar um bar, em ..., que também encerrou, alegadamente por não ser lucrativo.

16.6. O arguido tem um filho com 20 anos, fruto de uma relação afectiva que sustentou ao longo de quatro anos.

16.7. Em 2007 residiu com a progenitora que se constituía como o principal suporte económico do agregado familiar, conservando situação de desemprego. Aquela decidiu adquirir um prédio rústico na freguesia ..., actualmente propriedade da irmã, que AA cultivava e onde criava animais domésticos, que posteriormente comercializava.

16.8. Em 2016 estabeleceu um relacionamento afectivo que perdura à data de hoje.

16.9. O arguido conserva idêntico enquadramento familiar e habitacional ao verificado à data dos factos. Reside sozinho, em habitação tipo anexo que integra dois pisos, de tipologia 1 e que aparenta reunir condições adequadas de habitabilidade. Insere-se em meio rural, algo isolado do demais edificado. A namorada, não integrando formalmente o agregado, vai alternando as pernoitas entre domicílios, em função da permanência dos seus dois filhos menores, sendo que o arguido se encontrará judicialmente impedido de conviver com o seu filho mais novo devido a conflitos entre o ex-cônjuge e aquele.

16.10. Referindo desenvolver actividade de carácter informal como comissionista – compra e venda de artigos diversos (têxteis, viaturas automóveis, brinquedos), nota ter permanecido, entre Novem bro de 2020 e Agosto de 2021, a trabalhar na empresa A..., como estafeta. Assume dificuldades no desenvolvimento de uma rotina laboral, optando, genericamente, por actividades que lhe permitam uma gestão flexível do seu quotidiano, não dispondo, por tal, de um rendimento fixo. Enuncia despesas fixas mensais que rondam os 100,00 €, exceptuando alimentação, combustível e tabaco e referenciou também possuir dívidas à Autoridade Tributária e Segurança Social.

16.11. O arguido assume persistir no consumo diário de canabinóides, considerando-o uma estratégia de gestão da ansiedade e impulsividade, não revelando qualquer motivação para o seu abandono, por não considerar este hábito disruptivo do seu quotidiano.

16.12. A sua rede de sociabilidade, para além da namorada (38 anos, desempregada) e do filho, é constituída pela mãe e alguns amigos, sendo-nos referido um distanciamento de ambientes de diversão nocturna desde há dois anos a esta parte.

16.13. No meio de residência não recolhemos informação desabonatória relativamente à conduta do arguido.

16.14. O arguido considera que o seu estatuto processual se repercutiu negativamente no meio sócio-residencial, atentas as diligências policiais de que foi objecto o seu espaço domiciliário. No seu discurso integra verbalizações que sugerem algum juízo crítico e de censurabilidade, pese embora considere que a origem dos autos em apreço se reporta ao relacionamento conflituoso que existe com o ex-cônjuge da namorada.»

Como FACTOS NÃO PROVADOS o Tribunal a quo exarou que:

«i) As substâncias estupefacientes apreendidas destinavam-se à venda pelo arguido a terceiros.
ii) O arguido sabia que não lhe era permitido, mas ainda assim quis deter o aludido revólver e as munições.»

Como MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO o Tribunal a quo exarou que:

«Da “pen” de fls. 7 e respectivo auto de transcrição de fls. 36 e dos relatórios de vigilância de fls. 28, 39-40, 43, 45 nada em concreto resulta que permita julgar provada a factualidade constante do artigo 4º da acusação, acrescendo a tal a resposta negativa quanto a tal dada pela testemunha HH, militar da GNR, a instâncias da defesa. Também as explicações dadas pelo arguido quanto manus crito de fls. 103, à quantidade da substância estupefaciente apreendida, à forma como a mesma se mostrava acondicionada e bem assim a quantidade que diariamente disse fumar, permitiram colocar grandes dúvidas quanto ao destino que o arguido pretendia dar a tal substância, nomeadamente que a mesma se destinaria a ser vendida a terceiros.

Para prova dos factos descritos em 1º e 2º ateve-se este colectivo ao auto de busca e apreensão de fls. 75-77, respectivo relatório fotográfico de fls. 78-82 e relatório de fls. 72, bem assim ao auto de busca e apreensão de fls. 108-109.

Quanto à natureza toxicológica das apreendidas substâncias e ao número de doses que as mesmas permitiriam alcançar, olhou-se para o relatório técnico de inspecção judiciária de fls. 199-204, ao relatório de exame toxicológico de fls. 206-208, não tendo este último suscitado quaisquer dúvidas, sem embargo do que o arguido declarou a propósito do seu consumo diário.

O arguido apresentou justificação para a quantia de dinheiro apreendida – vide nota discriminativa de fls. 83 – o que veio a ser corroborado pela testemunha EE. E a circunstância da quantia de 500,00 € se encontrar acondicionada dentro de uma garrafa térmica (onde igualmente se encontrava a placa de canábis (resina) apreendida (vide Auto de busca de fls. 73 e fotogramas de fls. 79 e 93) não permite concluir pela proveniência ilícita de tal dinheiro (sem prejuízo de, ademais, tal não se mostrar imputado na acusação). Justificou igualmente o arguido a posse da balança visível no fotograma n.º 7 de fls. 79, o que foi corroborado pela testemunha CC.

Já em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido – vide Auto de fls. 147 -, o arguido havia prestado declarações em tudo coincidentes com as que trouxe agora a julgamento: a substância estupefaciente apreendida destinava-se, toda ela, exclusivamente para o seu consumo. E tal mostrou-se credível atentas, não apenas as justificações dadas pelo arguido quanto aos vários objectos /quantias monetárias apreendidas, habitualmente relacionadas com a actividade de tráfico/cedência a terceiros, mas igualmente atento o afirmado pelo militar da GNR: o arguido não é (nunca foi) relacionado com a actividade de tráfico, sendo apenas conhecido como consumidor. Mais: o contexto de pandemia que na data dos factos se sentia, com limitações/constrangimentos relativos à movimentação das pessoas (como é do conhecimento geral), a dependência de substâncias estupefacientes, nomeadamente canábis, de que o arguido padecia e padece, justificadoras de um declarado consumo diário superior ao que resulta da perícia toxicológica, os resultados inócuos das vigilâncias realizadas, tudo conjugado não nos permite concluir de forma diversa daquela apregoada pelo arguido em audiência. Por tal julgou-se provado o que consta nos pontos 11..

Quanto às características da arma apreendida atentou-se no relatório do NAE da PSP de fls. 213-217. Olhou-se ainda ao teor das comunicações aos autos constantes de fls. 132 e 212, confirmadas em audiência pelo depoimento do pai do arguido, BB, que juntou documentos atinentes à arma em causa, assumindo ainda a propriedade e posse da mesma, relatando, de forma coincidente com as declarações prestadas pelo arguido, as circunstâncias em que a mesma se encontrava na residência do seu filho.»

PARTE II   -   APRECIANDO O RECURSO

A 1ª questão - oficiosa - firmação de poderes de cognição e poderes de decisão ad quem

Os 83 §§ de conclusões supra citadas no RELATÓRIO Deste ACÓRDÃO - em condensação de §§ do corpo da Motivação de Recurso para consubstanciação daquelas - são delimitadoras de «objecto de Recurso» e «poderes de cognição» e «poderes de decisão» deste TRP ut consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores e Doutrina processual civil e penal [4] porque «A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido» ut art 412 1 do CPP sendo que, «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação» [5] pelo que se distingue o «ónus de alegar» do «ónus de concluir» na Motivação de Recurso.

Mais incisivamente: «As conclusões da motivação de recurso são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado". […] "As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas  que hão de ser objeto de decisão.  As conclusões resumem a motivação e, por isso, que todas as conclusões devem ser antes objeto da motivação. É frequente, na prática, o desfasamento entre a motivação e as correspondentes conclusões ou porque as conclusões vão além da motivação ou ficam aquém. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal só poderá considerar as conclusões; se vão além também não devem ser consideradas porque as conclusões são o resumo da motivação e esta falta» [6].

Porém, sem ter cabimento exigências processuais penais verbi gratiae recursivas de preciosismos científicos e ou técnicos na Motivação ou na Resposta sob pena a final da «inconstitucionalidade material» por real negação do «direito ao Recurso» como único modo processual penal, posto que constitucional, de realização de «Justiça Material» querida pelo Sujeito Processual - seja Assistente ou Arguido ou Autor Civil ou Demandado Civil - de modo que um cumprimento não satisfatório do «ónus de alegar» e ou do «ónus de concluir» - que não «arrazoar» no consabido dizer tradicional civil processual civil - imporá ao Tribunal Superior a única opção remanescente que é «tomar conhecimento do Recurso, tal como o vê», como formulação geral e abstracta de Jurisprudência do STJ [7].

Disse-se «conclusões delimitadoras» e não «conclusões limitativas» por serem oficiosamente cognoscíveis ad quem: (1) uma «nulidade não sanada» ut art 410-3 do CPP conforme o qual «O recurso pode ter ainda por fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada»; (2) um dos três «vícios típicos de confecção lógica da «Decisão Final» recorrida» ut ACD do Plenário da Secção Criminal do STJ 7/95 de 19-10-1995 conforme o qual «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [8].

Trata-se de Jurisprudência ainda actual ut ACD do STJ de 18-6-2009 conforme o qual «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [9].

As questões a enunciar/apreciar/ decidir são as que seguidamente se explanam a se.

A 2ª questão - recursiva - o julgamento ad quem «não provado» do § 12 in fine provado
A 3ª questão - recursiva - o julgamento ad quem «provado» do § ii) de factos não provados

Para subsunção como dolosa «detenção de arma proibida» (o revolver .32) ut arts 2-1-q-aad-3-c | 3-4b | 86-1-c do RJAM - em concurso aparente com um crime doloso de «detenção de arma proibida» (50 + 10 = 60 munições) ut arts 2-3-p-ac | 3-4-b | 86-1-e do RJAM-  o Arguido ora Recorrido foi pronunciado, como acusado, em 2 «No dia 26 de Novembro de 2020, cerca das 07:10 horas o arguido detinha no anexo sito na Rua ..., ..., Matosinhos: … - sessenta munições de calibre 32 S&W Long; - um revólver marca Smith & Wesson de calibre 32mm, com o número ...57», em 6 «O arguido sabia que não lhe era permitido mas, ainda assim, quis deter o aludido revolver e as munições» e em 7 «O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei

Ora o Tribunal a quo julgou PROVADO em 3 «Aquando da realização da busca na data e hora referidas em 1., foi encontrado no local aí referido: | - sessenta munições de calibre 32 S&W Long; | - um revólver marca Smith & Wesson de calibre 32mm, com o número ...57», em 12 «A arma apreendida é propriedade do pai do arguido, BB, que a havia deixado, por esquecimento, em casa do arguido em data anterior à referida em 1.», em 13 «O pai do arguido é titular da Autorização de detenção no domicílio (permanente) da arma referida em 3., com o n.º ...75/06, emitida a 11.07.2006» e em 14 «O arguido sabia que não lhe era permitido, mas ainda assim quis deter o aludido revólver e as munições» e julgou NÃO PROVADO em ii «O arguido sabia que não lhe era permitido, mas ainda assim quis deter o aludido revólver e as munições», com a seguinte motivação:

1. E-mail das 10:44 de 27-11-2020 a fls 132 do Núcleo de Armas e Explosivos da Área Operacional do Comando Metropolitano do Porto da PSP infra NAE tout court - com a informação « AA … consultada toda a informação disponível Não consta que lhe tenha sido emitida Licença de Uso e Porte de Arma por este Comando. Não existe registo de armas em nome do mesmo»

2. Segmento «Objectos apreendidos Na sala/ cozinha No quarto sinalizado com o alfa numérico B2, um (1) revolver com respectivo coldre, de marca Smith & Wesson, de calibre .32, com o número de arma H-...87 e o respectivo manifesto», que aqui ressuma do AUTO DE BUSCA E APREENSÃO de 26-11-2020 a fls 75-77 com instrumentais fotografias a cores 17 a 19 dentre as 27 do SUPORTE FOTOGRÁFICO a fls 78-82 integrante daquele AUTO;

3. O Relatório de 25-2-2021 a fls 213-215 do NAE contendo 5 instrumentais fotos do bem objecto do EXAME técnico PERICIAL 234/2021 a «arma de fogo, portátil, com cano, concebida e apta a disparar projétil, através da ação de uma carga propulsora combustível, de acordo com a subalínea i), alínea p), n.º 1, artigo 2.º do RJAM» como sendo «Arma de fogo curta, revolver, de percurssão central, conforme alínea q), aad do n.º 1, e alínea ac), do n.º 3, todos do artigo 2.º da RJAM» o «revolver de marca “Smith & Wesson”, modelo “31-1”, fabricada nos E.U.A..» que «Apresenta o número com o número ...57, e é de calibre .32 Smith & Wesson Long» pelo que «a arma examinada é de Classe B1, por ser um revolver com o calibre denominado .32 S&W Long, prevista e classificada no artigo 3.º, n.º, alínea b) do RJAM» e «Possui todos os seus mecanismos em bom funcionamento, apresentando condições mecânicas para efectuar disparos»;

4. Segmento «Objectos apreendidos Na sala/ cozinha No quarto sinalizado com o alfa numérico B2, no interior de um balde de tinta uma caixa com cinquenta (50) munições de calibre.325 S&W long, uma caixa com dez (10) munições de calibre .325 S&W long» que aqui ressuma do AUTO DE BUSCA E APREENSÃO de 26-11-2020 a fls 75-77 com instrumentais fotografias a cores 17 a 19 dentre as 27 do SUPORTE FOTOGRÁFICO a fls 78-82 integrante daquele AUTO;

5. O Relatório de 25-2-2021 a fls 216-217 do NAE contendo 3 instrumentais fotos do bem tipo objecto do EXAME técnico PERICIAL 235/2021 as «sessenta munições de arma de fogo, definidas como o invólucro, contendo o conjunto de componentes que permitem o disparo do projéctil, quando introduzidas numa arma de fogo, conforme alínea p), n.º 3, art.º 2.º do RJAM» tratando-se de «Munições de calibre .32 Smith & Wesson Long, constituídas por invólucro metálico, fulminantes, carga propulsora e projétil em chumbo» «Todas de marca “Hirtenberger Partronen (HP), fabricadas na Áustria», «De percussão central, sendo o seu sistema de ignição a atuação do percutor sobre o ful minante aplicado no centro de base do invólucro, conforme alínea ac) do n.º 3 do art. 2.º da RJAM»; «Munições de Classe B1, por se destinarem a revolveres com o calibre denominado .32 S&W Long, previstas e classificadas no artigo 3.º, n.º 4, alínea b) do RJAM» e que «Encontram-se em bom estado de conservação e aparentemente em condições para serem utilizados em armas que utilizam este calibre» como aqui ressuma;

6. O Ofício de 340/NAE/2021 de 10-3-2021 a fls 212 - que capeou o envio ao INQ 5599/… do AUTO DE EXAME 234/2021 e 235/2021 - com a informação «consultada toda a informação disponível acerca da arma de fogo alvo do exame 234/2021, Revolver da marca Smith & Wesson, nº ...87, manifestado pelo livrete G...81, a mesma consta registada em nome de BB, portador do BI/CC ...39» como aqui ressuma;

7. Cópia da «Licença trienal para uso e porte de arma de defesa» ...30/2007 emitida em 06-10-2007 pela DN da PSP com validade até 05-09-2010 em benefício de BB atinente a … Classe B1 … .32 … Smith& Wesson … H-...87;

8. O «teor das comunicações de fls. 132 e 212, confirmadas em audiência pelo depoimento do pai do arguido, BB, que juntou documentos atinentes à arma em causa, assumindo ainda a propriedade e posse da mesma, relatando, de forma coincidente com as declarações prestadas pelo arguido, as circunstâncias em que a mesma se encontrava na residência do seu filho».

Ora o Tribunal a quo absolveu o Arguido Recorrido da acusada e pronunciada autoria mate rial até às buscas em 26-11-2020 de um crime doloso de «detenção de arma proibida» da p.p. dos arts 2-1-q-aad-3-c, 3-4-b e 86-1-c da LAM - em concurso aparente com um crime doloso de «detenção de arma proibida» da p.p. dos arts 2-3-p-ac- 3-4-b e 86-1-e da LAM - por ter valorado que:

« Vejamos então este quadro legal:
Artigo 2º, n.º 1:
al. q): “Arma de fogo curta” a arma de fogo cujo cano não exceda 30 cm ou cujo comprimento total não exceda 60 cm;
al. aad): “Revólver” a arma de fogo curta, de repetição, com depósito constituído por tambor contendo várias câmaras;
Artigo 2º: “Para efeitos do disposto na presente lei e sua regulamentação, entende-se por:
n.º 3:Munições das armas de fogo e seus componentes:
c) «Calibre do cano» o diâmetro interior do cano, expresso em milímetros ou polegadas, correspondendo, nos canos de alma estriada, ao diâmetro de brocagem antes de abertas as estrias, ou equivalente a este diâmetro no caso de outros processos de fabrico;
p) «Munição de arma de fogo» o cartucho ou invólucro ou outro dispositivo contendo o conjunto de componentes que permitem o disparo do projétil ou de múltiplos projéteis, quando introduzidos numa arma de fogo;
ac) «Percussão central» o sistema de ignição de uma munição em que o percutor atua sobre a escorva ou fulminante aplicado no centro da base do invólucro.
Artigo 3º, n.º 4:
São armas da classe B1:
b) Os revólveres com os calibres denominados .32 S & W, .32 S & W Long, .32 H & R Magnum e .327 Federal Magnum;
Artigo 86º:
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objeto, arma de fogo fabricada sem autorização ou arma de fogo transformada ou modificada, bem como as armas previstas nas alíneas ae) a ai) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
e) (…), bem como munições de armas de fogo não constantes na alínea anterior, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

São elementos objectivos deste tipo legal de crime:
- a detenção, uso, transporte ou qualquer outras das diversas condutas descritas;
- de arma ou engenho que se inclua num dos três tipos genéricos previstos, de que, no caso concreto, apenas nos interessam as armas das classes C previstas sob a alínea c) e as munições previstas na al. d);
- fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente.
No que ao elemento subjectivo respeita, o agente do crime em apreço deverá actuar dolosamente, em qualquer das modalidades legalmente previstas.

No caso em apreço, dúvidas não restam de que a arma apreendida – um revólver marca Smith & Wesson, de calibre 32 mm – é uma arma da classe B1, caindo no campo de protecção da norma legal em apreço. Nesse mesmo campo delimitativo se encontram as munições apreendidas, porque integradoras do conceito “munições”, sendo a sua detenção punida pelo referido artigo 86º, n.º 1, al. e) da mesma Lei.

No entanto, não se mostra possível imputar ao arguido a autoria dos factos ilícitos acusados, porquanto não se apurou que o arguido tivesse algum domínio sobre a dita arma e munições e/ou que estas estivessem à respectiva guarda ou sobre as mesmas exercesse o arguido alguma das acções previstas no citado artigo 86º da RJAM. Com efeito, não é suficiente para que o ilícito em causa se preencha (ou sequer se provem os respectivos factos típicos), que os objectos sejam encontrados na casa onde o arguido reside. É necessário que desse contexto factual e do seu reflexo subjectivo, devidamente sustentado, se perceba claramente a relação típica do agente com a arma e munições em causa, para se lhe imputar o crime de perigo agora em apreço.»

Ora para lograr condenação ad quem do Arguido ora Recorrido pela acusada e pronunciada autoria material até às buscas em 26-11-2020 de um crime doloso de «detenção de arma proibida» da p.p. dos arts 2-1-q-aad-3-c, 3-4-b e 86-1-c da LAM - em concurso aparente com um crime doloso de «detenção de arma proibida» da p.p. dos arts 2-3-p-ac- 3-4-b e 86-1-e da LAM,

O MP a quo - sufragado pelo MP ad quem - pediu o julgamento ad quem PROVADO que «O arguido AA sabia que não lhe era permitido deter o revolver e as munições apreendidas mas, mesmo assim, quis deter aludidos revolver e munições» correspondente ao teor do § 6 - e não o invocado § 4 - da Acusação pública e pediu o julgamento ad quem NÃO PROVADO o segmento final «que a havia deixado, por esquecimento, em casa do arguido em data anterior à referida em 1» do § 12 do rol de factos a quo julgados provados com o teor integral «A arma apreendida é propriedade do pai do arguido, BB, que a havia deixado, por esquecimento, em casa do arguido em data anterior à referida em 1»,

Que o Tribunal a quo teve por bem aditar em cumprimento do «dever funcional» do art 368-2-a do CPP - epigrafado «Questão da culpabilidade» e - conforme o qual «se a apreciação de mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para a questão de saber: Se se verificam os elementos constitutivos do tipo de crime» - negritos do Relator.

Pois bem: tende em mente o teor das conclusões 11 a 13, mais as passagens extractadas pelo MP a quo nos termos e para os efeitos do art 412-3-a-b-4 do CPP quanto à «detenção de arma proibida» revolver e munições que se citaram entre as conclusões 15 e 16, mais o teor das conclusões 50 a 63, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos para simplificação de exposição, salvo o devido respeito é evidente que:

O PEDIDO do julgamento ad quem NÃO PROVADO do segmento final «que a havia deixado, por esquecimento, em casa do arguido em data anterior à referida em 1» do § 12 do rol de factos a quo julgados provados, é IMPROCEDENTE por esbarrar-se sem necessidade de lucubrações analíticas e ou exegéticas no mix das proposições convergentes declaradas pelo Argui do e depostas por Sr seu pai BB, desde logo sob pena de se firmar ad quem decisão de «pontos de facto» contrária aos meios de prova pessoal produzidos em Audiência além de se ter olvidado a questão infra da distinção «propriedade» / «posse» / «detenção».

O PEDIDO do julgamento ad quem PROVADO que «O arguido AA sabia que não lhe era permitido deter o revolver e as munições apreendidas mas, mesmo assim, quis deter tal revolver e munições» é PROCEDENTE por ter por objecto – não o inquestionável «direito de propriedade,» nem a inquestionável «posse», do pai do Arguido mas - apenas a mera «detenção» - do revolver .32 e das munições .32 - pelo Arguido já que tais «conceitos normativos» não se excluem mútua e reciprocamente como é «ideia chave ou mestra» da compreensão de cada um deles mas à qual não se atentou na «instância declarativa» nem na «discussão recursiva».

Apesar da LAM conter «definições específicas» de «Detenção de arma» o facto de ter em seu poder ou disponível para uso imediato pelo seu detentor» no art 2-5-g, de «Porte de arma» o ato de trazer consigo uma arma municiada ou carregada ou em condições de o ser para uso imediato, ou uma arma branca, arma elétrica, aerossóis de defesa ou bastão extensível» no art 2-5-p e de «Uso de arma» o ato de empunhar, apontar ou disparar uma arma» no art 2-5-s, não se podem olvidar «conceitos gerais» advindas de «Direitos Reais» como as seguintes:

A «propriedade» como «um direito real pleno e exclusivo, o que é dizer, a permissão normativa, plena e exclusiva, de aproveitamento de uma coisa corpórea» conforme as duas «características da propriedade» que são «a plenitude e a exclusividade» das quais emerge a terceira característica que é a «elasticidade» conforme a qual «O direito de propriedade estende-se atè às fronteiras do juridicamente possível» pelo que «o direito comprime-se, na medida do necessário», e «o direito distende-se» quando desaparecem as «excepções à permissão» [10];

A «posse» como «controlo material de uma coisa corpórea» que «Em regra … é exercido pelo titular de um direito real equivalente» mas sendo possíveis «dois desfasamentos: (1) nem todo o controlo material dá lugar a posse: o Direito intervêm, em certos casos, fixando o tipo de controlo necessário para fazer agir o instituto possessório; (2) nem sempre o controlo possessório é exercido pelo titular legítimo: o próprio ladrão pode ser havido como possuidor» [11];

A «detenção» como «controlo material não reconhecido, pelo Direito, como possessório … sendo detentor o agente que o exerça» [12] num dos «casos típicos» previstos no art 1253 do Código Civil conforme o qual «São havidos como detentores ou possuidores precários: a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem».

Ora perante as fotos 17 a 19 a fls 81 dentre as 27 do SUPORTE FOTOGRÁFICO a fls 78-82 instrumental do AUTO DE BUSCA E APREENSÃO a fls 75-77 não sendo congeminável que o Arguido ora Recorrido pudesse sequer ser em 26-11-2020 singelo «Colecionador» a pessoa singular ou coletiva que se dedique à recolha e conservação de armas de fogo, componentes essenciais, munições e armas brancas para fins históricos, culturais, científicos, técnicos, educativos, recreativos ou patrimoniais, reconhecido como tal na legislação em vigor» ut art 2-5-as da LAM,

Face aos sobreditos conceitos básicos de «propriedade» e de «posse» e de mera «detenção», salvo o devido respeito afigura-se evidente que o Arguido ora Recorrido teve até à busca de 26-11-2020 a «detenção» enquanto seu pai tinha e tem o «direito de propriedade» e assim o correlativo «direito de posse» civis do revólver .32 e das apropriadas 60 munições .32 [13] sob pena de carecer de lógica material o declarado pelo Arguido e o deposto pelo seu pai.

Assim, ao abrigo do art 431-a-b do CPP conforme o qual «Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º», e,

De molde a prevenir-se a ocorrência neste Acórdão dalgum dos vícios de confecção lógica da «Decisão final» nomen «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» e «contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão» e «erro notório na apreciação da prova» prevenidos no art 410-2-a-b-c do CPP,

Ao rol de factos a quo julgados provados adita-se «O arguido AA sabia que não lhe era permitido deter o revolver e as munições apreendidas mas, mesmo assim, quis deter aludidos revolver e munições», sob 4A para ordem lógica material dos §§ sem ter de os renumerar.

Como o Tribunal a quo julgou provado em 5 a versão pronunciada como acusada no § 7 «O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei», ora já não há que «fazer o plural» que competiria caso o Tribunal a quo tivesse julgado provado apenas que «O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei» como devia ter feito congruentemente com o julgamento a quo não provado em ii que «O arguido sabia que não lhe era permitido, mas ainda assim quis deter o aludido revólver e as munições» mas não fez por clamoroso lapsus de processamento informático evidente.

A 4ª questão - oficiosa - da subsunção dos factos que ficam ad quem provados 3 4A 5 e 11 a 14 como dolosa «detenção de arma proibida»

Ora tendo como «premissa maior» do «silogismo judicial» que «Quem, [com dolo] sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver Arma da… classe … B1 [14], é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa [de 10] até 600 dias» em condensação do art 86-1-c da LAM com os arts 13, 14-1-2-3 e 47-1 do CP desde 01-10-1995,

E mais tendo como «premissa maior» que «Quem, [com dolo] sem se encontrar autoriza do, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver …: munições de armas de fogo não constantes na alínea anterior [15], é punido com pena de prisão [de 1 mês] até 2 anos ou com pena de multa [de 10] até 240 dias» em condensação do art 86-1-e da LAM com os arts 13, 14-1-2-3, 41-1 e 47-1 do CP desde 01-10-1995, e,

Ora tendo como «premissas menores» do «silogismo judicial» os sgs factos provados:
« 3. Aquando da realização da busca na data e hora referidas em 1. 26 de Novembro de 2020, cerca das 07:10 horas], foi encontrado no local aí referido: - sessenta munições de calibre 32 S&W Long; - um revólver marca Smith & Wesson de calibre 32mm, com o número ...57.
4A. O arguido AA sabia que não lhe era permitido deter o revolver e as munições apreendidas mas, mesmo assim, quis deter tal revolver e munições
5. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
12. A arma apreendida é propriedade do pai do arguido, BB, que a havia deixado, por esquecimento, em casa do arguido em data anterior à referida em 1.
13. O pai do arguido é titular da Autorização de detenção no domicílio (permanente) da arma referida em 3., com o n.º ...75/06, emitida a 11.07.2006.
14. Ao pai do arguido foi concedida a 06.09.2007 a licença trienal para uso e porte de arma de defesa n.º 130/07, válida até 05.09.2010»,

Sem necessidade de lucubrações analíticas ou exegéticas conclui-se que o Arguido ora Recorrido foi autor material até às buscas de 26-11-2020 do acusado crime doloso de «detenção de arma proibida» [o revolver .32] p.p. pelos arts 2-1-q-aad-3-ac, 3-4-b e 86-1-c da LAM - em concurso aparente com um crime doloso de «detenção de arma proibida» [as 60 munições .32] da p.p. dos arts 2-3-p-ac- 3-4-b e 86-1-e da LAM pelo que infra se procederá à concretização - por escolha e quantificação - da pena parcelar que compete.

A 5ª questão - oficiosa - da fundamentação doutrinal e jurisprudencial do «concurso aparente»

Disse-se «concurso aparente» tendo presente o critério «identidade do bem jurídico protegido» que é a tutela da «segurança de pessoas e bens» e o critério da «unidade de resolução criminosa» como se apreende da Jurisprudência dos Tribunais Superiores verbi gratiae:

1. O ARC de 16-5-2012 de Luís Teixeira com Calvário Antunes no processo 562/09.7JAAVR.C1 in www.dgsi.pt com o sumário:

«1 - O crime de detenção de arma proibida previsto no artº 86°, n° 1, al. d), da Lei n° 5/2006, de 23/2, só ocorre quando essa detenção não for justificada;
2- A justificação da posse a que se refere o legislador visa outra finalidade que não a sua utilização como arma de agressão. Se assim for, ou seja, se a posse estiver justificada, não existirá crime. Mas se essa posse visar a sua utilização como “arma de agressão”, então a posse já constituirá indubitavelmente o dito crime;
3 - Integra a prática desse crime a detenção de um chicote constituído por material de ór-gãos genitais de animal bovino, com o punho revestido em napa de cor preta, com uma pega de 17 cm e de um galho de sobreiro, com 82 cm de comprimento e 15 cm de diâmetro, transportados pelo arguido na bagageira do seu automóvel, os quais destinava a serem utilizados como arma de agressão;
4.- Estando em causa dois tipos de armas, integrando-se uma delas na previsão da alínea c) e duas delas na alínea d), do citado artigo 86º, havendo unidade resolutiva criminosa e identidade do bem jurídico protegido, deve o recorrente ser condenado por um crime de detenção de arma proibida do artigo 86.°, n° 1, alínea c), ( disposição mais grave), funcionando as outras armas como agravantes na determinação da medida concreta da pena»;

2. O ARC de 16-3-2016 de Maria José Nogueira com Isabel e Presidente Alberto Mira no processo 9/13.4PELRA.C1 in www.dgsi.pt com o sumário:

«I - Perante uma única conduta do agente, traduzida na detenção, nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, de mais do que uma arma, ocorre uma unidade de acção, uma só resolução criminosa, a que corresponde uma única violação do bem jurídico tutelado e, portanto, um único preenchimento do tipo de crime de detenção de arma proibida, ainda que a detenção tenha por objecto uma pluralidade de armas - da mesma classe ou de diferentes classes, com distintas previsões legais - e/ou munições.
II - De igual modo, existe concurso aparente, de consunção, punindo-se a conduta no quadro do respectivo crime, quando estão em causa, em relação ao mesmo agente, a detenção, no âmbito da mesma resolução criminosa, de armas que subsumem a conduta no tipo de crime do artigo 86.º do Regime Jurídico das Armas e Munições e outras armas que, dada a sua tipologia, integram a acção no tipo contraordenacional do artigo 97.º do dito regime.
III - Nas descritas situações, a detenção de uma pluralidade de armas proibidas, preenchendo, embora, um único crime de detenção de arma proibida, por que configura um agravamento da ilicitude, repercute-se na medida concreta da pena»;

3. O ARP de 21-02-2018 de Francisco Mota Ribeiro com Elsa Paixão no processo 5/17.2PEMTS .P1 in www.dgsi.pt com o sumário:

«I - É teleológico, e não meramente lógico-subsuntivo, o critério legalmente adotado para a determinação do concurso efetivo de crimes.
II - Ainda que os factos sejam formalmente subsumíveis a uma pluralidade de ilícitos típicos, não estaremos perante uma pluralidade de crimes efetivamente cometidos sempre que esses mesmos factos se encontrem entre si numa relação de inclusão material e traduzam por isso um “comportamento ilícito global” apenas subsumível ao tipo “absolutamente dominante, preponderante ou principal”, devendo uma tal pluralidade relevar somente no âmbito da ponderação da existência de uma maior gravidade da ilicitude e da culpa, para efeitos de escolha e determinação da pena.
III - Comete um único crime de detenção de arma proibida - situação de concurso ideal homogéneo ou heterógeneo, em que a punição do facto mais grave consome ou esgota o ilícito globalmente cometido - quem, sob o teto da mesma resolução criminosa e num mesmo período espácio - temporal, detém ilicitamente mais do que uma arma»;

4. O ARL de 12-11-2019 de Anabela Simões Cardoso com Cid Geraldo no processo 100/18.0PC PDL.L1-5 in www.dgsi.pt com o sumário:

«Havendo unidade resolutiva criminosa e identidade do bem jurídico protegido e ocorrendo os factos incriminadores no mesmo contexto espácio-temporal, é irrelevante que se trate de armas de diversa natureza, termos em que o arguido deveria ter sido condenado apenas por um crime de detenção de arma proibida do art. 86º al. c) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, em concurso aparente (especialidade) com o da alínea d) do mesmo artigo, por referência ao artigo 2º, nº 1, alínea v) e ad), nº 2 e nº 3 al. g) e art. 3º nº 1 e nº 2 al. l), do mesmo diploma legal» tirado em caso de detenção «uma arma de fogo longa de repetição, com sistema pump, calibre 12, com a marca e o número de fabrico rasurados, de sua pertença» e de «26 (vinte e seis) cartuchos de calibre 12, carregados, igualmente de sua pertença», vale dizer, detenção de arma e munições como o caso sub judice por isso bem acusado de Direito.

Nos lugares próprios infra se concretizarão as penas parcelar e única que competem mercê da condenação supra pela autoria material do crime doloso de «detenção de arma proibida».

A 6ª questão - recorrida - o julgamento ad quem «provado» do § i) do FNP a quo
A 7ª questão - recorrida - o julgamento ad quem «não provado» do § 10 dos FPV a quo

Para subsunção como doloso «tráfico simples de estupefacientes» do art 21-1 e anexa tabela I-C da LEP [16] o Arguido ora Recorrido foi pronunciado de parte do acusado [17]:

1. «No dia 26 de Novembro de 2020, cerca das 07:10 horas o arguido detinha no anexo sito na Rua ..., ..., Matosinhos:
- 465,66 gramas/L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 8,9 (THC) a que corresponde 828 doses médias diárias individuais;
- 13,27 gramas /L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 9,0 (THC) a que corresponde 23 doses médias diárias individuais;
- 7,563 gramas/L de canabis (folhas/sumidades) com um grau de pureza de 7,7 (THC) a que corresponde 11 doses médias diárias individuais;
- 81,062 gramas/L de canabis (resina), com um grau de pureza de 18,2 (THC) a que corresponde 295 doses médias diárias individuais;
- bolsas de plástico com fecho hermético;
- duas balanças digitais de precisão com vestígios de canabis;
- 599,00 € em numerário, dos quais 19 notas de €. 20;
- um bloco de papel contendo manuscritos nomes seguidos de números;
[…]
2. Naquelas mesmas circunstâncias de tempo, AA detinha, desta feita na sua também residência sita na Rua ..., ..., Matosinhos:
- 9,061 gramas/L de canabis (folhas/sumidades), com um grau de pureza de 8,6 (THC) a que corresponde 15 doses médias diárias individuais.
3. As substâncias apreendidas destinavam-se à venda a terceiros.
[…]
4. O arguido AA conhecia a natureza estupefaciente das substâncias que detinha, bem sabendo que a sua detenção e cedência a terceiros eram proibidas e punidas por lei.
[…]
5. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a… sua… conduta… eram proibida… e punida… por lei

O Tribunal a quo julgou NÃO PROVADO em i) que «As substâncias estupefacientes apreendidas destinavam-se à venda pelo arguido a terceiros» e PROVADO em 10 que «O arguido destinava a substância estupefaciente apreendida exclusivamente para o seu consumo» porque:

« O arguido apresentou justificação para a quantia de dinheiro apreendida – vide nota discriminativa de fls. 83 – o que veio a ser corroborado pela testemunha EE. E a circunstância da quantia de 500,00 € se encontrar acondicionada dentro de uma garrafa térmica (onde igualmente se encontrava a placa de canábis (resina) apreendida (vide Auto de busca de fls. 73 e fotogramas de fls. 79 e 93) não permite concluir pela proveniência ilícita de tal dinheiro (sem prejuízo de, ademais, tal não se mostrar imputado na acusação). Justificou igualmente o arguido a posse da balança visível no fotograma n.º 7 de fls. 79, o que foi corroborado pela testemunha CC.

Já em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido vide Auto de fls. 147 -, o ar- guido havia prestado declarações em tudo coincidentes com as que trouxe agora a julgamento: a substância estupefaciente apreendida destinava-se, toda ela, exclusivamente para o seu consumo. E tal mostrou-se credível atentas, não apenas as justificações dadas pelo arguido quanto aos vários objectos /quantias monetárias apreendidas, habitualmente relacionadas com a actividade de tráfico/cedência a terceiros, mas igualmente atento o afirmado pelo militar da GNR: o arguido não é (nunca foi) relacionado com a actividade de tráfico, sendo apenas conhecido como consumidor. Mais: o contexto de pandemia que na data dos factos se sentia, com limitações/constrangimentos relativos à movimentação das pessoas (como é do conhecimento geral), a dependência de substâncias estupefacientes, nomeadamente canábis, de que o arguido padecia e padece, justificadoras de um declarado consumo diário superior ao que resulta da perícia toxicológica, os resultados inócuos das vigilâncias realizadas, tudo conjugado não nos permite concluir de forma diversa daquela apregoada pelo arguido em audiência. Por tal julgou-se provado o que consta nos pontos 11..» que só pode ser o § 11 do rol de factos a quo julgados com o teor «À data dos factos verificava-se uma situação de pandemia (Covid 19), com limitação de circulação de pessoas».

Assim o Tribunal a quo absolveu o Arguido do acusado e pronunciado doloso «tráfico simples de estupefaciente» do art 21-1 e anexa tabela I-C da LEP e o condenou pelo doloso «consumo de estupefacientes» p.p. pelo art 40-2 e anexa tabela I-C da LEP por ter valorado que:

«De acordo como disposto no artigo 21º, n.º 1 do referido diploma legal, sob a epígrafe “tráfico e outras actividades ilícitas”: | Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos pre visto pelo artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos.”
O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto ou presumido que não exige para a sua consumação a verificação de um dano real e efectivo do bem jurídico que protege – a saúde pública na dupla vertente física e moral – bastando-se com a simples criação de perigo ou risco de lesão consubstanciada nas várias condutas previstas pelo referido art.º 21º (cultivar, produzir, fabricar, comprar, vender, ceder, oferecer ou deter). Assim, não se exige que a detenção se destine à venda, bastando a simples detenção ilícita ou proporcioná-la a outrem, ainda que a título gratuito, desde que a substância não se destine, na sua totalidade, ao consumo do próprio (neste sentido, entre outros, os vetustos, mas sempre actuais Acs. da Rel. Lisboa de 04.12.2002 e da Rel. Évora de 18.02.2003, respectivamente, in CJ, tomo V, pág. 136 e ss. e CJ, tomo I, pág. 261).
Como se constata do teor do preceito em apreço, a prática de qualquer uma das acções aí exaustivamente descritas é proibida e punida, desde que:
- a substância se encontre prevista nas tabelas I a III (ou na tabela IV, caso em que será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, nos termos do n.º 4 do artigo em apreço);
- o arguido para tal não disponha de autorização;
- os factos extravasarem do âmbito do disposto no artigo 2º da Lei n.º 30/2000 de 29 de Novembro (que actualmente sanciona, como contra-ordenação, o consumo ou a detenção para consumo de substâncias estupefacientes - em quantidade que não exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias -, caso em que será aplicada a coima prevista neste regime legal especial) e o disposto no artigo 40º (quanto ao cultivo das substâncias e preparações aí previstas) e 40º, n.º 2, ambos do citado Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, quando em conjugação com a jurisprudência obrigatória fixada pelo Acordão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008, publicado no DR, 1ª série, n.º 150, de 5 de Agosto de 2008.
Quer isto dizer que estamos, na previsão ínsita no citado artigo 21º, perante um crime “exaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, em que o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge por regra como realização inicial do “iter criminis”, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo substância estupefaciente que não se destine exclusivamente a consumo do próprio agente. Neste sentido se escreveu no Ac. do STJ de 16.04.2009, Proc. n.º 08P3375, sendo Relator Juiz Conselheiro Souto de Moura, in www.dgsi.pt: “A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita. E por isso se tem defendido não ser configurável neste tipo de crime, que é de perigo abstracto, a figura da tentativa ou da desistência desta (cfr. v.g. Fernando Gama Lobo, in “Droga legislação Notas doutrinárias e jurisprudência”, pág. 47 e jurisprudência aí citada).
Aceita-se que a natureza do crime do artigo 21º citado, de perigo abstracto (e não de perigo concreto ou de dano), se traduza numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros actos de execução do agente. E, de facto, para preenchimento do tipo, não se exige o desenvolvimento da acção projectada por esse mesmo agente.
Por outro lado, só pode considerar-se o crime consumado tendo ocorrido o preenchimento do tipo, numa das suas modalidades, não bastando que o agente tenha iniciado um qualquer processo executivo para cometimento do crime, mas inócuo do ponto de vista do preenchimento do tipo. A consumação exige, pois, que se dê por provada, pelo menos, umas das ocorrências ali referidas: “cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver” produto estupefaciente.
Ora, da matéria de facto provada resulta que o arguido, com a sua conduta, preencheu os elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico de substâncias estupefacientes, p.p. no artigo 21º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01.?
Relembremos que provado ficou que o arguido detinha canábis (sumidades) em quantidade que permitia alcançar 877 (oitocentos e setenta e sete) doses individuais, mais ainda 295 (duzentas e noventa e cinco) doses de canábis (resina), tinha perfeito conhecimento das características estupefacientes do produto que detinha e sabia que não lhe era permitido legalmente deter tal produto mas, não obstante, agiu do modo descrito, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua actuação. O invocado pelo arguido em sede de declarações prestadas em audiência (bem assim já em sede de 1º interrogatório judicial), foi julgado provado: o arguido destinava tal substância, exclusivamente ao seu consumo próprio.
Ora, tal factualidade não pode deixar de ser vista como relevante, porquanto a fronteira que separa o ilícito previsto no artigo 21º em análise (seja ainda na figura menos grave do crime de tráfico de substâncias estupefacientes prevista e punida pelo artigo 25º) de um outro ilícito previsto no mesmo diploma legal, mormente o artigo 40º, n.º 2, que se mantém ainda em vigor, por força da citada jurisprudência obrigatória fixada pelo Ac. do STJ n.º 8/2008, assenta, desde logo, em dois critérios: a) o fim da actuação do agente: a intenção de destinar a droga ao seu consumo próprio; b) a quantidade de droga em causa exceder o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
Dito de outra forma: quem consumir ou, com intenção de consumir, detiver ou adquirir drogas ilícitas em quantidade que exceda a necessária para o seu consumo médio individual durante o período de 10 dias, cometerá não o crime previsto no artigo 21º, nem ainda o previsto no artigo 25º, mas antes o crime previsto no n.º 2 do artigo 40º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, conjugado com o artigo 28º da Lei n.º 30/2000, de 29.11., atenta a jurisprudência obrigatória fixada pelo STJ no Ac. n.º 8/2008.
Com efeito, a Lei n.º 30/2000, de 29.11 que veio definir o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem sem prescrição médica (artigo 1º, n.º 1), determinou que passassem a constituir contra-ordenação “o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior” (artigo 2º). Sem embargo da redacção dada ao artigo 28º ínsito em tal diploma (que revogou o artigo 40º do citado Dec. Lei n.º 15/93, excepto quanto ao cultivo), entendeu o STJ, no citado Ac. n.º 8/2008, que não deveria ser punido com recurso à figura do tráfico de pequena gravidade previsto no artigo 25º do citado Dec. Lei n.º 15/93, quem adquirisse ou detivesse para consumo pessoal durante mais de 10 dias (leia-se, onze ou mais), as apontadas substâncias ou preparações. Com efeito, não seria razoável pensar que uma lei descriminalizada, como a Lei n.º 30/2000, benfazeja para o consumidor, pretenda que umas gramas de droga transformem um “doente” a proteger num autêntico traficante, esquecendo-se de salvaguardar situações que a velha lei acautelava. Onde, as palavras do artigo 28º do diploma de 2000, devem entender-se que se mantém incólume a ideia segundo a qual a quantidade de droga nunca transforma o consumidor em traficante: tráfico e consumo são, agora, também, tipos alternativos. O artigo 40º, parcialmente revogado, mantém intacta a sua função de delimitar negativamente – através do elemento subjectivo que o caracteriza – o crime de tráfico. Mais ressalvou o Ac. do STJ em apreço que esta proposta de solução, por conduzir a um regime mais favorável ao arguido – a pena não pode ir além de 1 ano de prisão ou multa até 120 dias (artigo 40º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 15/93) – em nada bole com o princípio da legalidade e o seu papel garantístico.
Sem querermos parecer fastidiosas, importa sublinhar a razão, apontada em tal Acordão do STJ, que levou o legislador a querer continuar a punir como crime, em função de um critério puramente quantitativo uma conduta que, com fundamentos vários, decidiu despenalizar: o perigo da droga adquirida para consumo próprio, quando superior às necessidades pessoais mais urgentes (as dos 10 primeiros dias), vir a ser “oferecida”, “posta à venda”, “vendida”, “distribuída”, “cedida”, “exportada”, ou por qualquer título, “proporcionada a outrem”.
Por tudo o exposto, e atenta a factualidade provada, entende-se dever subsumir a conduta do arguido AA não ao crime de tráfico de substâncias estupefacientes p.p. pelo artigo 21º do Dec. Lei n.º 15/93, conforme lhe é imputado nos autos, nem tão pouco ao tipo legal menos grave previsto no artigo 25º do mesmo diploma legal, mas antes ao crime de consumo, aquisição ou detenção para consumo próprio de drogas ilícitas em pequenas quantidades, p.p. pelo artigo 40º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22.01.»

Ora para lograr condenação ad quem do Arguido Recorrido pela autoria material do crime doloso apenas de «tráfico de menor gravidade» do art 25-a e anexa tabela I-C da LEP, o MP a quo - sufragado pelo MP ad quem - pediu o julgamento ad quem NÃO PROVADO que «O arguido destinava a substância estupefaciente apreendida exclusivamente para o seu consumo» e PROVADO que «O arguido destinava as substâncias apreendidas à venda a terceiros» pelo expendido nas conclusões 8 a 10 e 14 a 49 e 64 a 79, mais as passagens extratadas pelo MP a quo nos termos e para os efeitos do art 412-3-a-b-4 do CPP que se citaram entre as conclusões 15 e 16 e na conclusão 22, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais para simplificação de exposição.

Tendo presente que o MAPA anexo da Portaria 94/96 de 26-3 objecto da Rectificação 11-H/96 de 29-6) - distingue claramente o produto estupefaciente canabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas) do produto estupefaciente canabis (resina) do produto estupefaciente canabis (óleo) que se tratam de quid tão diversos que o «limite quantitativo máximo» referência é 2,5 referente «À dose média diária com base na variação do conteúdo médio do TIIC existente nos produtos da Canabis» e «A uma concentração média de 2 % de A9TIIC» no caso de canabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), 0,5 referente «À dose média diária com base na variação do conteúdo médio do TIIC existente nos produtos da Canabis» e «A uma concentração média de 2 % de A9TIIC» no caso de canabis (resina) e 0,25 a uma concentração média de 20 % de A9TIIC no caso de canabis (óleo),

Tudo em execução da LEP cuja Tabela anexada I-C distingue claramente «Canabis - folhas e sumidades floridas ou frutificadas da planta Cannabis sativa L. da qual não se tenha extraído a resina, qualquer que seja a designação que se lhe dê», da «Canabis, resina de - resina separada, em bruto ou purificada, obtida a partir da planta Cannabis», da «Canabis, óleo de - óleo separado, em bruto ou purificado, obtido a partir da planta Cannabis», da «Cannabis - sementes não destinadas a sementeira da planta Canabis sativa L» e de «todos os sais destes compostos, desde que a sua existência seja possível»,

Os sobreditos PEDIDOS recursivos do MP são PARCIALMENTE procedentes por cumprir julgar ad quem provado em 10 para precludir renumeração da grande parte do rol de factos a quo julgados provados – que «O Arguido destinava os produtos estupefacientes canabis (folhas/sumidades) e canabis (resina), parte não especificada de cada um deles ao consumo próprio dele Arguido e parte não especificada de cada um daqueles produtos estupefacientes à venda a terceiros» por ser esta a «imagem global da conduta» do Arguido ora Recorrido que é apreensível por qualquer «homem médio» no caso de adopção da curial calibração da altitude adequada a perspectivar – no dizer do Povo em nome do qual se administra Justiça ut art 202-1 da CRP - «cada uma das árvores na floresta» que in casu são as seguintes:

Logrou-se precisar que a pessoa do Arguido é «consumidor diário de canabinóides como estratégia de gestão da ansiedade e da impulsividade» que é para um «homem médio» um «quadro clínico» compatível com a idade do Arguido ao tempo da conduta – 39 anos 3 meses 9 dias em 26-11-2020 - e a «experiência comum» de um «homem médio» não consegue lobrigar causa / circunstância / facto / motivo / razão determinante da pessoa do Arguido se afoitar a consumir – ele próprio quanto antes possível - a quantidade global 567,555 gramas de dois diferentes tipos de produtos estupefacientes de base canabinóides – antes que eles perdessem tais qualidades bioquímicas por acção dos elementos como a variação do nível de temperatura e ou a variação do grau de humidade – e as 4 porções de canabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas) e a porção única de canabis (resina) eram diversas umas das outras - pelas quantidades e pelos modos de acondicionamento e pelos locais em que foram encontradas ex vi os impressivos suportes fotográficos instrumentais dos Autos de Busca e Apreensão valorados pelo Tribunal a quo por que oram se ponderam – e foram apreendidas 3 notas de 50 € + 19 notas de 20€ + 5 notas de 10€ + 2 moedas de 2€ + 5 moedas de 1€ perfazendo 599€ - dos quais 85 € em cima do balcão e ao lado de placa de vitrocerâmica, 500 € dentro de garrafa térmica mais contendo bloco de canabis e 14 € em 2 caixas pretas contendo canabis.

Assim, ao abrigo do art 431-a-b do CPP conforme o qual «Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º», confere-se ao § 10 do rol de factos que pelo supra exposto ficam ad quem provados a redacção «O Arguido destinava os produtos estupefacientes canabis (folhas/sumidades) e canabis (resina), parte não especificada de cada um deles ao consumo próprio dele Arguido e parte não especificada de cada um daqueles produtos estupefacientes à venda a terceiros».

De molde a prevenir-se a ocorrência neste Acórdão dalgum dos vícios de confecção lógica da «Decisão final» nomen «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» e «contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão» e «erro notório na apreciação da prova» prevenidos no art 410-2-a-b-c do CPP, elimina-se a redacção do § 10 «O arguido destinava a substância estupefaciente apreendida exclusivamente para o seu consumo» do rol de FPV a quo, bem como se elimina o § i) «As substâncias estupefacientes apreendidas destinavam-se à venda pelo arguido a terceiros» do rol de FNP a quo.

Como o Tribunal a quo julgou provado em 4 a versão pronunciada como acusada no § 5 «O arguido AA conhecia a natureza estupefaciente das substâncias que detinha, bem sabendo que a sua detenção e cedência a terceiros eram proibidas e punidas por lei», ora já não há que aditar «e cedência a terceiros» que competiria caso o Tribunal a quo tivesse julgado provado apenas que «O arguido AA conhecia a natureza estupefaciente das substâncias que detinha, bem sabendo que a sua detenção era proibida e punida por lei» como devia ter feito congruentemente com o julgamento a quo não provado em i) que «As substâncias estupefacientes apreendidas destinavam-se à venda pelo arguido a terceiros» mas não fez por clamoroso lapsus de processamento informático evidente.

A 8ª questão - recorrida - da subsunção dos FPV 1  2  4  5  10 como «tráfico de menor gravidade»

Já tendo o Tribunal a quo ponderado que «da conduta do arguido, impõe-se ainda excluir a aplicação da disposição do artigo 26º do Dec. Lei n.º 15/93, onde se encontra prevista a situa ção do traficante consumidor nos seguintes termos: | 1. Quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de…» por considerar que «…no caso vertente … nada resultou no sentido do arguido tivesse procedido à venda de produto estupefaciente e que viesse a destinar as receitas de tal actividade exclusivamente à aquisição de substâncias estupefacientes para seu uso pessoal» que não merecem reparo sequer censura ad quem,

Tendo presente - quanto à perspectiva relacional entre o tipo legal fundamental (art 21) e os tipos legais derivados agravados (art 24) ou privilegiados (arts 25 e 26) da LEP - que:

« O artigo 21°, n° 1 , do Decreto-Lei n° 15/93 contém, pois, a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo.

A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.

A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto- concreto) para os bens jurídicos protegidos.

De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas. Por isso, a fragmentação por escala dos crimes de tráfico (mais fragmentação dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistentes à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21 ° e 22° do Decreto-Lei nº 15/93) , para os pequenos e médios traficantes (artigo 25°) e para os traficantes-consumidores (artigo 26°). (Cfr v.g., LOURENÇO MARTINS, “Droga e Direito”, ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2001, na “Colectânea de Jurisprudência”, ano lX, tomo l, pág. 234, e de 14 de Maio de 2003, proc. n° 1215/03).

O artigo 25° do Decreto-Lei n° 15/93, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, (…) Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina (v.g., o acórdão deste Supremo Tribunal, cit. de 1 de Março de 2001, com extensa indicação de referências jurisprudenciais, e LOURENÇO MARTINS, cit., pág. 145 e segs.) de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21.

Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde.

Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».

Por seu lado, o artigo 26° do mesmo diploma prevê uma outra modalidade de crime de tráfico privilegiado. No n° 1 estabelece a moldura penal para os casos em que o fere, com a prática de alguns dos factos referidos no artigo 21°, «tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal», enquanto dispõe no n° 3 que «não é aplicável o disposto no n° 1 quando o agente detiver plantas, substâncias ou preparações em quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias».

A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferencia das que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico.

Mas estas são noções que, antes de se constituírem em categorias normativas, surgem como categorias empíricas susceptíveis de apreensão directa da realidade das coisas.

A justeza da intervenção, para a adequada prossecução também de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º)» [18];

Mais tendo presente a condensação doutrinal e jurisprudencial - para a qual se remete para simplificação de exposição - in ACD do STJ de 27-5-2009 no processo 09P0484 quanto ao art 25 da LEP - da qual ressuma seu progressivo uso a partir da década de 2000 - pois que:

«XI - O art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; depende de um juízo positivo sobre a ilicitude do facto que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito.

XII - Os pressupostos da disposição respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo. Com efeito, a aplicação do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, depende da constatação, face à específica forma e grau de realização do facto, de que o caso se situa forçosamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, reclamando uma substancial diminuição desta.

XIII - Os índices, exemplos padrão, ou Regelbeispiel, enumerados no preceito, a par de outros, são atinentes, uns, à própria acção típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da acção), outros, ao objecto da acção típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), ou seja, pertinem todos estes factores ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em acção qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, ao juízo sobre a culpa.

XIV - Para avaliar da verificação, ou não, do tipo privilegiado do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, haverá que proceder à valorização global do episódio, não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias.

XV - O critério a seguir será a avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstracto) do bem jurídico protegido (saúde pública). Valerá o tipo privilegiado ou atenuado para os casos menos graves, sendo de assinalar a similitude e paralelismo com os pressupostos gerais da atenuação especial da pena, mas quedando-se aqui a “atenuação” em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente e da necessidade de pena, presentes no art. 72.º do CP, pois o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é o da diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.

XVI - O art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, possibilita a aplicação de uma pena cujo limite máximo fica aquém da aplicação à moldura penal do tráfico base das regras da atenuação modificativa da pena do art. 73.º do CP» [19],

A conduta que fica ad quem provada nos §§ 1  2  4  5  10 constitui o Arguido ora Recorrido em autor material até 26-11-2020 de um crime doloso de «tráfico de menor gravidade» p.p. pelo art 25-a e anexa Tabela I-C da LEP conforme o qual «Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI» como querido pelo MP a quo sufragado pelo MP ad quem - sem oposições a quo e ad quem do Arguido – e bem ex vi a sobredita distinção «tráfico agravado» versus «tráfico simples» versus «tráfico de menor gravidade» e ainda por não ter cabimento sequer hipotético in casu:

O «traficante consumidor» mercê da não verificação do segmento «finalidade exclusiva» do art 26-1 da LEP e da verificação do art 26-3 da LEP conforme o qual «Não é aplicável o disposto no n.º 1 quando o agente detiver plantas, substâncias ou preparações em quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias»;

O «consumo» mercê da não verificação do segmento «para o seu consumo» do art 40-1 da LEP, nem da previsão / estatuição «Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias» do art 40-2 da LEP na redacção da Lei 30/2000 de 29-11.

A final: a condenação do Arguido ora Recorrido pelo doloso «tráfico simples de estupefaciente» do art 21-1 da LEP sempre se mostraria precludida pela «questão de Direito» que o conceito normativo «consideravelmente diminuída» do corpo do art 25 da LEP não poder ser interpretado literalmente de modo a abstractamente se inutilizar na praxis a existência do - e concretamente se inviabilizar a condenação pordoloso «tráfico de menor gravidade».

A 9ª questão – oficiosa – da escolha da pena a aplicar à «detenção de arma proibida»

Como o crime de «detenção de arma proibida» é p.p. pelos arts 86-1-c da LAM, 41-1 e 47-1 do CP desde 01-10-95, com a «pena compósita alternativa» 1 mês a 5 anos de prisão ou 10 a 600 dias de multa, cumpre atender ao art 70 do CP conforme o qual «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» que assim «acrescenta, ou dele se deduz o menor valor das penas privativas da liberdade; não é o critério geral do n.º 1 do art.72.º [71 desde 01-10-1995] que é posto em causa; aquele menor valor que a lei quer afirmar deve ser tomado em conta, sem prejuízo da regra geral do n.º do art 72º» [20], conforme «unidade do sistema jurídico» ut art 9-1 do Código Civil pelo que os arts 71 e 72-a-b-c-d-e-f-g-3 até 30-9-95, desde 01-10-95 arts 70 e 71-1-2-a-b-c-d-e-f-3, complementam-se como critérios de concretização escolha e ou quantificação - da pena.

Mas a problemática não se queda por aqui por importar ter presente a evolução legislativa consistente no programa político-criminal introduzido pelo CP de 01-10-1995 advindo com a vigência naquela data do DL 48/95 que foi o princípio geral - que não uma regra prescritiva formalizada – de evitação da condenação cumulativa em penas de natureza diversa como são a pena de prisão e a pena de multa, tendo presente [21] que:

Legislativamente, para execução do art 2-c da Lei de Autorização Legislativa 35/94 de 15/9 com o teor «Valorizar a pena de multa e outras reacções não detentivas na punição da pequena e média-baixa criminalidade, de modo a optimizar vias de reinserção social do delinquente», a revisão operada em 01-10-1995 eliminou a previsão de penas mistas ou compósitas de prisão e multa que proliferavam no Código Penal de 01-01-1983, qual «abandono da indesejável prescrição cumulativa das penas de prisão e multa na parte especial, por uma solução de alternatividade, [opção legislativa que] levou a um agravamento do limite máximo geral fixado para a pena de multa de 360 para 600 dias, correspondentes a 5 anos de prisão, de modo a responder à pequena e média criminalidade » [§ 4 do item 4 do Preâmbulo do DL 48/95];

Doutrinalmente, «Tanto a PE do CP como a legislação penal secundária fazem ainda um uso liberal da multa como pena complementar da pena de prisão; punindo, pois, uma larga quanti dade de crimes com prisão até x meses ou anos e multa até y dias. Por mais que esta espécie de pena possua sólida tradição no nosso direito, trata-se nela de uma solução político-criminalmente indefensável e contraditória com os pressupostos de que partiu o legislador de 1982» [22] pois « o CP, ao usar com enorme frequência, na PE, da pena de multa complementar (pena de prisão e multa), em detrimento da verdadeira função político-criminal da multa como alternativa à prisão, para além de cometer gravíssimo erro político-criminal, revela patente infidelidade ao suposto básico de que arranca. A pena «mista» de prisão e de multa é, na verdade, condenável do ponto de vista político-criminal: quer enquanto patenteia inadmissível desconfiança na eficácia penal da multa simples e vacilação na convicção de que a multa é primordialmente uma alternativa à prisão; quer enquanto implica o pagamento de uma percentagem dos rendimentos do condenado ao mesmo tempo que, privando-o de liberdade, lhe retira a possibilidade de os angariar! Uma tal pena «mista» é, numa palavra, profundamente dessociali zadora”, além de contraditória com o sis tema dos dias de multa: este quer colocar o condena do próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando com a pena «mista» aquele já as perde na prisão! O desaparecimento da pena complementar de multa (e portanto da pena mista de prisão e multa) impõe-se, pois, numa futura revisão do CP, como forma de restituir à pena pecuniária o seu sentido político-criminal mais profundo e de aumentar a sua eficácia penal» [23].

Assim, «III - Pelos mesmos motivos por que na vigência do Código Penal anterior eram visíveis os inconvenientes das chamadas penas mistas de prisão e multa, na vigência do actual, em caso de cúmulo jurídico, é de evitar, na medida do possível, a aplicação de pena parcelar de multa com pena de prisão efectiva a cumprir pelo condenado, devendo em tal caso, salvo razões ponderáveis, dar-se preferência a uma pena única de prisão com recurso possível à alternativa da pena pecuniária» [24], mais, « I - Se na pena única conjunta importa incluir necessariamente uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa » [25].

Ora em conformidade com a evolução político-criminal doutrinal objecto de concretização jurisprudencial, cumpre optar pela condenação do Arguido ora Recorrido na pena de prisão uma vez que o doloso «tráfico de menor gravidade» é punível com 1 a 5 anos de prisão.

A 10ª questão - oficiosa - quantificação da pena do «tráfico de menor gravidade»
A 11ª questão - oficiosa - quantificação da pena da «detenção de arma proibida»

«A aplicação de penas [principal ou de substituição e acessória]…visa a protecção de bens jurídicos [fim-último do Direito Criminal-Penal mediant]e [aquelas como fim-meio d]a reintegração do agente na sociedade» (art 40-1) [26] sem «Em caso algum a pena pode[r] ultrapassar a medida da culpa» (art 40-2) quais vectores da «determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, … em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» (art 71-1) às quais se reconhecem as funções não só de retribuição do crime (por expiação da pena) [27] mas também e decisivamente de prevenção especial positiva (de ressocialização por prevenção da reincidência do agente) [28], prevenção especial negativa (de dissuasão por intimidação do agente) [29], prevenção geral positiva ou de integração [por (aprofundamento da) interiorização dos bens jus penais [30] e restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual] [31] e prevenção geral negativa de intimidação (por dissuasão de potenciais criminosos) [32].

Ora no art 71-2-a-b-c-d-e-f do CP «Os factores de medida da pena vêm exemplificativamen te enumerados. E FIGUEIREDO DIAS separa-os em três grupos: relativos à execução do facto, relativos à personalidade do agente e relativos à conduta do agente anterior ou posterior ao facto (ibidem, 245). | Nos factores relativos à execução do facto se encontram o grau da violação ou do perigo de violação (tentativa e crimes de perigo), o dano causado ou posto em causa, a natureza, os meios, a forma e a eficácia da perpetração, a dimensão do conhecimento e da vontade, a medida da lesão do dever de cuidado e da violação dos deveres impostos ao agente (estes, para além daquele, ao nível das relações do mesmo com o bem jurídico ofendido, a vítima, o objecto da acção), os sentimentos manifestados, os motivos e os fins, o próprio comportamento da vítima. Nos factores relativos à personalidade do agente pesam as condições pessoais e económicas, a sensibilidade à pena e a susceptibilidade de por ela ser influenciado, as qualidades pessoais manifestadas. Nos factores relativos à conduta do agente se perfilam a vida anterior, o passado criminal, alguns serviços relevantes, a reparação (com efeito conseguido ou objecto de esforço) das consequências do crime (em particular o dano causado), o comportamento processual (que não seja apenas táctico)» [33].

Como circunstâncias agravadoras atinentes aos crimes pondera-se verbi gratiae -> a intensidade do dolo pois o Arguido agiu com a forma mais intensa de vontade criminosa como é o «dolo intencional» ou, se se preferir, o «doloso directo», tipificado no art 14-1 do CP desde 01-10-1988; a quantidade global 567,555 g de variados produtos estupefacientes que detinha em vários pontos do domínio dele para consumo dele e de terceiros por cedência.

Como circunstâncias atenuantes pertinentes aos crimes pondera-se verbi gratiae -> dentre as condutas jurígenas de responsabilidade por «detenção de arma proibida e «tráfico de menor gravidade», as sub judice não se podem ter como das mais graves, antes pelo contrário visto tratar-se da detenção de revolver e 60 munições .32 subsumível no art 86-1-c-e da LAM onde se inclui armamento com maior potencial de lesão, e da detenção de «droga (reputada) leve» diversamente da «heroína» e da «cocaína» comummente reputadas «drogas duras» aquela mais «destrutiva» do psicossomatismo humano do que esta tida como «assaz gulosa».

Como circunstâncias agravadoras pertinentes à pessoa do agente deles pondera-se verbi gratiae -> os antecedentes criminais provados em 15 do respectivo rol que se afiguram expressivos de personalidade do Arguido em ter tido dificuldade em se conformar com proibições dir-se-ão básicas ou primárias da vida em Comunidade ou Sociedade por se tratarem de 3 «crimes contra a integridade física» mais 1 «crime contra a honra» mais 1 «crime contra a propriedade».

Como circunstâncias atenuativas atinentes à pessoa do agente deles pondera-se verbi gratiae -> o reduzido valor da confissão por ter tido por objecto factos objectivos demonstráveis pelos meios de prova produzidos em Audiência e já não a fundamental qualidade de mero detentor de revolver .32 e apropriadas 60 munições .32, nem a fundamental destinação de parte não especificada de variados produtos estupefacientes à venda a terceiros; a inserção que vem beneficiando ex vi FPV 16 a 16.14 e, mormente, 6 a 8 «O arguido é conhecido e reconhecido por toda a gente como sendo uma pessoa de bem, respeitadora, honesta, humilde e considerada no seu meio. | O arguido sempre pautou a sua vida por critérios de rectidão, e por valores e princípios de honestidade e seriedade. | O arguido encontra-se laboralmente activo.»

Pelo que tudo revisto e reponderado à satisfação das exigências irrenunciáveis da Ordem Jurídica não só de retribuição mas também, e decisivamente, de prevenção especial positiva e de prevenção especial negativa e ainda de prevenção geral positiva ou de integração e prevenção geral negativa de intimidação, na sensibilidade sócio-jurídica destes Juízes afigura-se adequada a aplicação à autoria material até 26-11-2020 da dolosa «detenção de arma proibida» de 1 ano 6 meses de prisão e à autoria material até 26-11-2020 do doloso «tráfico de menor gravidade» de 2 anos de prisão pelo que se prossegue com:

A 12ª questão - oficiosa - da quantificação da pena única do concurso de crimes e penas

Enquanto a previsão e a estatuição do art 77-1-3 do CP impõe ao Julgador a realização de cúmulo jurídico ex vi o comando imperativo «é condenado numa única pena» sempre que houver concurso de crimes e correlativo concurso de 2 ou mais penas de prisão e ou concurso de 2 ou mais penas de multa, a fim de o Arguido cumprir única pena e não várias penas autónomas enquanto distintas ou parcelares, umas a seguir a outras quando não for possível cumprimento coevo como se releva ex vi a fundamentação do ATC 3/2006 de 03-01-2006 no DR II Série 27 de 07-02-2006 renovada no ATC 341/2013 de 17-6-2013 in www.tribunalconstitucional.pt,

Diversamente o binómio previsão / estatuição do art 50-1 não se apresenta formulado ao Julgador directamente de cumprimento imperativo enquanto imediato como as referidas previsão e estatuição do art 77-1-3 na medida em que o binómio previsão/estatuição do art 50-1 inculca, por consubstanciar, um poder dever condicionado à verificação não só do pressuposto formal «... suspende[r] a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos …» mas também do requisito material que é «… se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Assim, numa ordem lógico-cronológica, há que proceder sempre a cúmulo jurídico de duas ou mais penas de prisão e ou de duas ou mais penas de multa principais - que são as previstas nas normas cominadoras correlativas das normas incriminadoras violadas - se entre os respecti vos crimes não se interpuser condenação por algum dele/s e as correlativas penas não se mostrarem todas extintas a se ao tempo da Decisão Final cumulatória e só posteriormente é que a apurada pena única de prisão, se quantificada em não mais de 5 anos, é que pode ser suspensa, ou não, a sua execução se se reputar, ou não, preenchido o respectivo requisito material.

Consabido que «Dentro dos limites máximo e mínimo da penalidade, simples ou compósita [34], do concurso o juiz deverá determinar em obediência ao critério legal constante do artigo 72º [35] a pena aplicada; deverá atender em conjunto à gravidade dos diferentes factos ilícitos e ao grau de culpa do agente» [36] para a quantificação da pena única reflectir apropriadamente o desvalor ético-jurídico objectivo e subjectivo que pode ser crescente ou decrescente ou não do complexo das actuações parcelarmente punidas considerando o fornecimento pelo «conjun to dos factos … [d]a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva a avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização» [37],

Consabido que a teorização do Conselheiro CARMONA DA MOTA, A determinação da Pena em Concurso de Crimes, Colóquio no STJ em 3.6.2009, [38] foi sufragada pelo Conselheiro SIMAS SANTOS com as reservas que expressou na Conferência no CEJ em 03FEV e 06MAI 2010 no Curso de Especialização (formação contínua) sobre «Temas de Direito Penal e Processo Penal», para um maior rigor na utilização de um factor de compressão como indiciado no seu Acórdão de 14-01-2009 com Santos Carvalho no processo 08P3856 in www.dgsi.pt [39] mas também que a utilização da teorização do Conselheiro CARMONA DA MOTA foi recentemente criticada pelo Conselheiro ARTUR RODRIGUES DA COSTA, O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ, Revista Julgar 21 SET-DEZ 2013, pgs 171-201, maxime pgs 180-181 [40],

A final na sensibilidade sócio-jurídica destes Juízes posicionados como um «homem médio» perante os factos ad quem julgados provados 1 2 4 5 10 atinentes ao doloso «tráfico de menor gravidade», 3 4A 5 e 11 a 14 pertinentes da dolosa «detenção de arma proibida» e 6 a 8 e 15 a 16.14. quanto a história e condição criminal e pessoal da pessoa do Arguido ora Recorrido,

Concretiza-se a quantificação da pena única em 2 anos 9 meses de prisão em cúmulo jurídico ut art 77-1-2 do CP desde 01-10-1995 das penas parcelares de 2 anos de prisão supra aplicada pelo doloso «tráfico de menor gravidade» 567,555 gramas de canábis folhas/sumidades e resina mais parafernália mais dinheiro, e de 1 ano 6 meses de prisão supra aplicada pela dolosa «detenção de arma proibida» o revólver .32 mais as 60 munições .32 apropriadas a ele,

Por se dever seguir o critério da pena concreta mais grave (2 anos) mais ½ da pena menos grave (1a 6m), por a pena única não poder deixar de bem expressar o desvalor ético-jurídico da detenção do armamento supra descrito, apto a se a lesar, assim que aprouvesse ao Arguido ora Recorrido detentor daquele, bem assim de 567,555 gramas de canábis folhas/sumidades e resina mais parafernália mais dinheiro, pelo menos a integridade física, se não a vida, doutrem, sob pena da Ordem Jurídica renunciar à satisfação das sobreditas exigências de punição.

A 13ª questão - oficiosa - da «Suspensão da Execução da Pena (única) de Prisão»

O Tribunal suspendeu por 1 ano a execução da pena de 6 meses de prisão - que aplicou pelo crime doloso de consumo de estupefacientes da p.p. do art 40-2 da LEP – com «Regime de Prova», por ter valorado – após citação do art 50-1-2-5 do CP desde 01-10-1995 - que:

«Já acima frisámos as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir.
Considerando que a jurisprudência tem vindo a sublinhar que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado, devendo ter sempre na sua base um juízo de prognose favorável ao agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo envolvente da infracção (neste sentido veja-se Ac. STJ de 09.01.2002, Proc. n.º 3026/01, in www.dgsi.pt), cremos que in casu, existem fundamentos que permitem apostar na suspensão da execução da pena de prisão vinda de concretamente determinar. Se não, vejamos:
- o arguido cometeu os factos aqui em apreço no contexto do actual quadro pandémico que se faz sentir,  tendo sido as exigências sanitárias  de recolhimento domiciliário  que rodearam o cometimento dos factos;
- o arguido conta com um estável enquadramento familiar e social.
Resulta assim desta resenha factual atinente às condições pessoais do arguido, que este irá envidar esforços para um franco processo de manutenção da vida em sociedade de acordo com as regras vigentes
Regime de prova
Sem embargo, e considerando as fragilidades pessoais e sociais que o arguido evidencia, impõe-se sujeitar o arguido a um regime de prova, com vista a uma coerente e concreta inserção social do mesmo, seja no mercado/formação profissional, seja na vivência social em regime de liberdade, o que se determina (vide artigo 53º, n.ºs 1 e 2 do CP).»

Como supra se quantificou a pena única de 2 anos 9 meses de prisão em cúmulo jurídico ut art 77-1-2, apoditicamente mostra-se verificado o pressuposto formal «pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos» do art 50-1-I por que cumpre apreciar da verificação ou não do requisito substancial «se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» do art 50-2-II de aplicação da «Suspensão da Execução da Pena de Prisão».

Consabido que «o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação» [41], que «o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária, ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas» [42] e que «desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias»[43],

Consabido que «A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. E em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» » [44] pela «… esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda …» por que «… o tribunal deve estar disposto a correr um certo risco – digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade» pelo que «Havendo sérias razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crime, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada» [45],

Como «A escolha de uma pena não detentiva não pode ser encarada pela comunidade nem ao jeito de uma clemência que o próprio legislador previu, nem enquanto um verdadeiro perdão judicial» [46], visto que «Pressuposto material é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua na sentença por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente no domínio das normas penais: uma prognose legal. Não bastam considerações ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto. O prognóstico favorável vai exclusivamente ao encontro da ideia de socialização em liberdade (prevenção especial de socialização), de afastar o delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. A suspensão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as finalidades da punição, portanto, de defesa do ordenamento jurídico. Não é necessário alcançar uma certeza isenta de dúvidas ou mesmo exigir um alto grau de probabilidade de que a socialização em liberdade pode ser alcançada; há que aceitar um certo risco (“damit wird ein gewisses Risiko unter Umständen bewusst in Kauf genommen”), mas se houver razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, caso seja deixado em liberdade, o juízo de prognose deverá ser desfavorável» [47],

Sabido que «La suspensión condicional de la pena de prisión, cuando está basada en un pronós tico favorable respecto al comportamento futuro del sujeto y se imponen a éste las tareas u obligaciones que, dentro de las previstas legalmente, parecen más convenientes para evitar la recaída en el delito, debe cumplir las expectativas preventivo-especiales que se le asignan, sin mesma del necesario efecto preventivo-general. Pero el engañoso sentimento de sentirse libre que despierta inevitablemente en el sujeto al que se le concede (después de todo no va tener que ir a la cárcel, que es lo que ha estado temiendo durante toda la tramitación y celebración del juicio) puede ser contraproducente para su reinserción definitiva y convertirse incluso en un factor criminógeno. Sin embargo, este sentimiento de liberación puede ser compensado si se imponen al sujeto determinadas obligaciones y tareas (idóneas desde el punto de vista preventivo individual) y se le ayuda durante el período de prueba (y esta ayuda no se convierte en puro formulismo, bien por exceso de trabajo de la persona encargada de prestarla, bien porque realmente no se disponen de medios o personal capacitado para llevar a cabo esa ayuda, que no sólo puede ser material, sino psicológica, educativa, etc.). Pero si se concede de forma puramente automática y sin ningún tipo de control o seguimiento durante el período de prueba, éste se convierte realmente en un tiempo vacío, cuyo efecto preventivo individual sólo está en la amenaza abstracta que representa la revocación, lo que obviamente no ayuda a solucionar los problemas que pudieron llevarlo a delinquir» [48],

Decide-se manter ad quem o juízo a quo de condenação do Arguido ora Recorrido na «pena de substituição» em sentido próprio nomen «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» com «Regime de Prova» prevista nos arts 50 sgs do CP desde 01-10-1995 para almejar «coerente e concreta inserção social do mesmo, seja no mercado/formação profissional, seja na vivência social em regime de liberdade» sic a locução feliz do Tribunal a quo,

Por a conjugação dos factos provados 15 quanto a história e condição criminal penal, com os factos provados 6 a 8 e 16 a 16.14. quanto a história e condição pessoal do Arguido, apontarem no sentido dele vir alcançando a inserção possível pelos limitados instrumentos ao seu dispor em liberdade mas que se podem e devem dinamizar em sentido positivo.

Assim se firma juízo de prognose favorável de que a ameaça real do cumprimento efectivo da pena única de 3 anos de reclusão com deveres/injunções/obrigações/proibições/regras de conduta insertos no «Plano de Reinserção Social» oportunamente a elaborar pela competente Equipa da DGRSP e a homologar pelo Tribunal a quo e a notificar ao Condena(n)do, se afigura necessário, posto que adequado e bastante, para o Arguido ora Recorrido prosseguir consolida ção em liberdade de comportamento fiel ao Direito em geral e ao Penal em especial,

Por meio do cumprimento pontual dos conteúdos do sobredito «Plano de Reinserção Social » para satisfação das sobreditas exigências de retribuição mas também, e decisivamente, de prevenção especial positiva e de prevenção especial negativa, a final também de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção geral negativa de intimidação como desideratos irrenunciáveis da Ordem Jurídica em benefício de todos: o Condena(n)do e a Comunidade.

A 14ª questão - oficiosa – do prazo de «Suspensão da Execução da Pena (única) de Prisão»

Tendo presente o princípio geral de aplicação da Lei Penal no tempo de que «As penas são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem» ut art 2-1 do CP desde 01-10-1983, dir-se-á que:

Com a vigência do DL 400/82 de 23/9 emitido ao abrigo da Lei de Autorização Legislativa - infra LAL - 24/82 de 23/8, o art 48-4 do CP desde 01-01-1983 – ex vi art 2 do articulado daquele DL – passou a estatuir que «O período de suspensão será fixado entre 1 e 5 anos, a contar do dia em que a decisão transitar em julgado

Depois, com a vigência do DL 48/95 de 15/3 emitido ao abrigo da LAL 35/94 de 15/9, o art 50-5 do CP desde 01-10-1995 - ex vi art 13 do articulado daquele DL - passou a estipular que «O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão».

Seguidamente, com a vigência da Lei 59/2007 de 4/9, o art 50-5 do CP desde 15-09-2007 - ex vi art 13 do articulado daquela Lei - passou a prescrever que «O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão».

Posterior e presentemente, com a vigência da Lei 94/2017 de 23/8, o art 50-5 do CP de 22-11-2017 - ex vi art 14 do articulado daquela Lei - passou a estatuir apenas que «O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos».

A eliminação do segmento «a contar do trânsito em julgado da decisão» é penal processual penalmente irrelevante porque o «Recurso Ordinário» da «Decisão Final» - seja «Sentença» ut art 97-1-a ou «Acórdão» ut art 97-2 do CPP - pode ser interposto informática ou telematicamen te [49] até às 23:59:59 do último dia do prazo de 30 dias do art 411-1 do CPP sem prejuízo da prática do acto processual nos 1º, 2º ou 3º dias úteis com multa ut art 107-A-a-b-c-do CPP.

Assim, só às 00:00 do dia seguinte a «Decisão Final» constitui «título executivo» a cumprir ex vi art 467-1 do CPP conforme o qual «As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, as convenções e regras de direito internacional».

Destarte, pela prática de crime cometido entre 01-01-1983 e 14-9-2007 inclusive o Tribunal Penal podia discricionariamente quantificar tempus do período de «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» idêntico, maior ou menor que o tempus da pena principal de prisão fixada.

Diversamente, pela prática de crime cometido entre 15-9-2007 e 21-11-2017 inclusive o Tribunal Penal não podia tergiversar por ter de aplicar tempus do período de «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» idêntico ao tempus da pena principal de prisão fixada.

Assim se coarctou a praxis de anos de condenação de agentes de crimes, em tempus do período de «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» muito inferior – in extremis o máximo de uma pena ou pena única de 5 anos de prisão suspensa sua execução pelo mínimo legal de 1 ano - ou muito superior – in extremis uma pena ou pena única por ex de 1 ano de prisão suspensa a execução pelo limite máximo 5 anos - ao tempus da pena principal de prisão fixada.

Tal «interregno» cessou com o regresso ao estalão anteriormente vigente durante 24 anos 8 meses 14 dias de modo que o período de «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» voltou a poder ser idêntico, maior ou menor que o tempus da pena principal de prisão fixada.

Porém, da inexistência no CP de uma prescrição positiva ou negativa quanto a correlação entre o tempus do período de «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» e o tempus da pena principal de prisão fixada não permite fixação arbitrária mas apenas discricionária daquele.

O tempus do período de «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» formalmente pode ser mas materialmente não deve ser inferior ao tempus da pena principal de prisão fixada sob pena do absurdo jurídico do tempus de ameaça de cumprimento efectivo da prisão contínua e ininterrupta em Estabelecimento Prisional - qual «Espada de Dâmocles» sobre o Condena(n)do - a final não cumprir a função «prevenção especial positiva» de reincidência do crime.

O tempus do período de «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» formalmente pode ser mas materialmente não deve ser muito superior ao tempus da pena principal de prisão fixada sob pena do absurdo jurídico do tempus de ameaça de cumprimento efectivo da prisão contínua e ininterrupta em Estabelecimento Prisional constituir «excesso punitivo» já que um tempus maior potencia o risco in extremis de revogação da «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» com o cumprimento da prisão fixada ut art 56-1-a-b-2 do CP de 01-10-1995.

Assim a praxis corrente da condenação em tempus do período de «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» verbi gratiae cerca de 3 / 6 / 9 / 12 meses além do tempus da pena principal de prisão fixada – tempus aquele maior quanto maior for o tempus da prisão fixada - para se lograr uma realização calibrada de todas as «finalidades da punição» supra elencadas.

A acuidade de adequação, necessidade e proporcionalidade daqueles tempus é mais incisiva quando o Tribunal Penal mais tem de fixar o tempus do cumprimento dos possíveis «dever de indemnizar» ut art 51-1-a do CP e ou de «dever de prestar» ut art 51-1-c do CP, de 01-10-1995, ou do obrigatório «dever de indemnizar» ut art 14-1 do RGIT de 05-7-2001.

Assim se viabiliza condenação em tempus de satisfação de «dever de indemnizar» ou «dever de prestar» alargado até ao tempus do período de «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» mas não mais do que este visto que «Não é sustentável o entendimento de que, no âmbito dos crimes previstos no RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão corresponda ao tempo da prisão cominada e, simultaneamente, se estenda para além deste limite temporal, até aos cinco anos, a condição de pagamento da prestação tributária e acréscimos legais» [50].

«Com efeito, o período de suspensão não pode situar-se aquém do prazo fixado para o cumprimento da condição a que se encontra subordinada, pois se assim não for, poderá conduzir a que a pena seja declarada extinta sem que se mostre cumprida a condição, cujo prazo ainda não se haja esgotado» [51], o que constitui ilegalidade objectiva ex vi a norma prescritiva do art 57-1 do CP desde 01-10-1995 conforme o qual «A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação».

Com o desiderato da realização das «finalidades da punição» segundo o «princípio de concordância prática ou de harmonização» [52] do «direito à vida em liberdade» com tutela constitucional ut arts 24-1 e 27-1 da CRP- que uma reclusão sempre temporalmente limitada sacrifica em parte - e do «direito ao património» com tutela constitucional ut art 62-1 da CRP – que é parcialmente sacrificado com o cumprimento de «dever de indemnizar» no caso do art 51-1-a e ou de «dever de prestar» no caso do art 51-1-c todos do CP de 01-10-1995,

Concretiza-se in casu que a fixada pena de 2 anos 9 meses de prisão - na sensibilidade sócio-jurídica destes Juízes - pode e deve ser suspensa sua execução pelo período qb de 3 anos como período de tempo adequado e necessário e proporcional ao cumprimento de deveres / injunções / obrigações / proibições / regras de conduta a integrar o «Plano de Reinserção Social» do «Regime de Prova» indispensável a

A 15ª questão - recorrida - da decretação ad quem do perdimento dos 599 €

Quanto a «confisco dos instrumenta ou producta sceleris decorrente de sentença penal condenatória» JOÃO CONDE CORREIA teve ensejo de explicar em JUN 2012 que:

«O Ministério Público deverá descrever na acusação os instrumenta utilizados no cometimento do crime e ou os productas dele resultantes [artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP] e, depois, deverá requerer a sua perda a favor do Estado [artigo 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP e artigos 109º e 110º do CP], indicando as circunstâncias que o justificam. Desta forma, enunciados os «factos» e o «direito», cumpre as três funções inerente[s] à estrutura acusatória do processo: informa o arguido do que lhe é imputado, delimita o objecto do processo e promove-o para a fase seguinte. «Através da narração dos factos e da indicação das disposições legais aplicáveis, na acusação […] é fornecido ao arguido um modelo determinado de subsunção constituído por aqueles factos entendidos como correspondendo a um específico crime. Tal modelo serve de referência à fase do julgamento – destinando-se estas, aliás à sua comprovação – e é em função dele que o arguido organiza a sua defesa. [ut ATC 279/95 de 31-5]» » [53].

E adiante «Na prática, não é isso que sucede na generalidade dos casos. A acusação, embora válida e eficaz, é, muitas vezes, omissa quanto aos instrumenta e ou producta sceleris ou, pelo menos, quanto às normas penais que permitem o seu confisco. Centrado nas questões da culpabilidade e da determinação da sanção, o Ministério Público esquece, com demasiado frequência, a questão patrimonial (também ela, hoje em dia, uma parcela substancial da «sanção» e um momento essencial do próprio restabelecimento da paz jurídica violada com a prática do facto ilícito típico). Para alguns tipos de criminalidade, insensíveis às penas, será até o momento fundamental» [54].

E adiante «Este erro flagrante (que desresponsabiliza o juiz do destino dos objectos apreendidos) não tem impedido o seu confisco, mas torna mais incerto e muito inseguro o resultado final. O arguido pode utilizar este pretexto formal como uma oportunidade soberana de defesa, esgrimida até às mais altas instâncias e consequências. A acusação deverá assim, a fim de evitar querelas jurídicas inúteis e dispendiosas, conter a descrição [artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP] dos objectos que serviram ou estavam destinados a servir (no caso da tentativa) a prática de um facto ilícito típico ou que foram produzidos por ele, bem como os factos que demonstrem que pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso põem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas ou oferecerem sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos (artigo 109.º, n.º 1, do CP) e, ainda, as normas jurídicas aplicáveis [artigo 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP]» [55] pela singela mas decisiva razão de Direito Constitucional que o Ministério Público - e não o JIC nem o Tribunal de Julgamento nem o Tribunal de Recurso - é que é o único titular da «acção penal» ut art 219-1 da CRP.

Ora com respaldo nos ensinamentos do Doutor JOÃO CONDE CORREIA e como o MP a quo do INQ 5599/… nunca imputou ao Arguido «as circunstâncias que justificam» a declaração ut arts 35-1 in fine da LEP e 109-1 do CP de perda a favor do Estado dos 599 € como producta sce leris, em cumprimento da vertente material do «princípio do acusatório» fundamentador do exercício do «princípio do contraditório», rejeita-se logo o conhecimento, via disso preclude-se ulterior decisão de mérito, da sobredita questão recorrida, com fundamento na conjugação do art 420-1-a do CPP conforme o qual «O recurso é rejeitado sempre que: For manifesta a sua improcedência», com o argumento lógico «maioria de razão» quem pode o mais – rejeitar todo um Recurso – pode o menos – rejeitar o conhecimento de uma questão recorrida,

Por se afigurar insofismável que a querida decretação ad quem da perda a favor do Estado dos 599 € supõe o prévio julgamento «provado» verbi gratiae que «Os 599 € são produto de anteriores cedências onerosas a terceiros de tipos diversos de produtos estupefacientes canabinóides como os apreendidos» como exemplo de «enunciado fáctico» que, podendo-o e devendo-o, nunca foi atempadamente acusado ao Arguido para ter oportunidade de defesa ut art 32-1 da CRP como vem sendo olvidado pelo MP desde o INQ 5599/…

Pelo supra exposto não pode este TRP censurar o segmento decisório a quo « 5. Em relação ao dinheiro apreendido, num total de 599,00 €, não se mostrando imputado, nem provado, que o mesmo é proveniente da actividade ilícita pelo qual foi o arguido sujeito a julgamento, determina-se o levantamento da apreensão (artigo 36.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a contrario), mais se determinando a notificação do arguido para proceder ao levantamento do mesmo no prazo de um ano a contar da data do trânsito em julgado do presente Acordão, devendo para o efeito indicar o respectivo NIB e IBAN, com a cominação de que não o fazendo será tal quantia declarada perdido a favor do Estado – artigo 186º, n.º 4 do CPP.»

A 16ª questão - recorrida - da decretação ad quem da perda da balança digital id A1 na foto 7

No item 3 do «DISPOSITIVO» o Tribunal a quo decidiu «Determina[r]-se o levantamento da apreensão da balança visível no fotograma n.º 7 de fls. 79 (A1), e a notificação da testemunha CC para proceder ao levantamento da mesma no prazo de um ano a contar da data do trânsito em julgado do presente Acordão, com a cominação de que não o fazendo será a mesma declarada perdida a favor do Estado – artigo 186º, n.º 4 do CPP.»

O MP a quo - sufragado pelo MP ad quem - pediu a decretação ad quem do perdimento de tal bem a favor do Estado pelo expendido nas conclusões 21 a 33 e 67 a 71 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais para simplificação de exposição mas da Motivação ressuma a conclusão 82 conforme a qual « ao abrigo do disposto no artigo 109.º, n.º1 do Código Penal, deve ser declarada perdida a favor do Estado a balança digital de precisão contendo vestígios de cabanis visível no fotograma n.º 7 de fls. 79, pois que, tal balança serviu para a prática da actividade delituosa de tráfico».

Ora ao tempo da prática do crime, coeva da apreensão do sobredito bem, vigorava não só a norma especial do art 35-1 do DL 15/93 conforme o qual «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos» mas também a norma geral do art 109-1 do CP de 31-5-2017 – data da vigência da Lei 30/2017 de 30-5 - conforme o qual «São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática» e o art 110-1 que «São declarados perdidos a favor do Estado: a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objectos que tiverem sido produzidos pela sua prática; b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem».

Feita esta nótula legislativa claro está que ao perdimento a favor do Estado de «objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos» apreendidos no processo por crime incluído no âmbito do DL 15/93 - como é o doloso tráfico de menor gravidade - é aplicável - não a norma geral do art 109-1 do CP mas - a norma especial do art 35-1 daquele DL que dei xou de exigir a verificação do requisito material «perigosidade» do art 109-1 do CP «… quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos» mercê da sua supressão pela Lei 45/96 de 3-9 em obediência a um desígnio de reforço da reacção penal relativa ao tráfico de estupefacientes.

Ora, «A alteração em relação à redacção inicial, que seguia o teor do artigo 109º do Código Penal, poderia conduzir à perda de qualquer objecto que tenha servido para a prática do crime independentemente das circunstâncias dessa utilização. No entanto, como se acentua no Ac. do TRP de 5.11.08, proc. Nº 0814979, in www.dgsi.pt, com invocação dos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 176/2000 e 202/2000, seria inconstitucional a privação automática de direitos independentemente da formulação de um concreto juízo jurisdicional de ponderação das circunstâncias do caso e das características do objecto em causa.

Assim, a jurisprudência vem limitando, com razoabilidade, o possível alcance da alteração efectuada, apelando a critérios de causalidade e proporcionalidade. De acordo com uma orientação jurisprudencial constante, para declaração de perda a favor do Estado, é necessário que o crime não tivesse sido praticado (ou tivesse sido praticado de uma forma diferente, sendo essa diferença penalmente relevante) sem o objecto em causa. É necessário, por outro lado (também de acordo com alguma jurisprudência), que o malefício correspondente à perda represente uma medida justa e proporcional à gravidade do crime.» [56]

«Há que apurar do carácter essencial, ou não essencial, do objecto em causa para a prática do crime. Para a declaração de perda, há que concluir que o crime não seria praticado sem a utilização desse objecto. A utilização do objecto seria, assim, condição sine qua non da prática do crime. Alguma jurisprudência alude, também, a situações em que o crime não seria praticado nos moldes em que o foi, mas seria praticado de outra forma. Importa, porém, restringir o alcance desta afirmação. A diferença entre a forma como o crime é praticado com ou sem o objecto há-de ser significativa. Se o crime poderia ser praticado de outra forma sem a utilização do objecto e se essa prática não se tornava significativamente mais fácil sem essa utilização, não pode dizer-se que o objecto é instrumento essencial. Por exemplo, se a droga poderia, sem particular esforço e sem prejuízo para a dimensão do negócio, ser transportada a pé, não se justifica a perda do veículo em que ela possa ter sido, casualmente, transportada.

«Há que distinguir a utilização episódica ou ocasional da utilização regular. Se o próprio crime não se traduzir numa actuação isolada, mas consistir numa actuação reiterada e prolongada no tempo, não pode dizer-se que um veículo utilizado de forma ocasional é instrumento essencial para a prática do crime.»

Por exemplo, «Em regra, um veículo será instrumento essencial quando for utilizado para transportar droga que, pelas suas dimensões, não poderia ser transportada à mão ou num objecto de menores dimensões. Quando a droga poderia ser transportada desta outra forma, o veículo não será, quanto a este aspecto essencial. Poderá sê-lo por transportar não tanto a droga, mas o agente, ou agentes, do crime. Nesta perspectiva, será essencial se esse transporte se tornar possível a venda de estupefacientes com as dimensões e alcance e alcance de que esta se reveste em concreto.

«A jurisprudênciatambém tem feito apelo a um critério de proporcionalidade como orientador da decisão de perda de bens instrumento do crime de tráfico de estupefacientes. Na verdade, e apesar do propósito do legislador de reforço da reacção penal relativa ao tráfico de estupefacientes que subjaz à alteração da redacção do art 35.º em apreço, há-de entender-se imperioso, à luz dos princípios gerais do Direito Penal, o respeito pelo princípio da proporcionalidade entre a gravidade do crime e a gravidade da reacção penal, nesta se incluindo não só a pena principal, como todas as penas, sanções acessórias e consequências da condenação. Não fará sentido que a gravidade das consequências da perda de instrumentos do crime supere a gravidade do crime, ou a gravidade da própria pena. Mas também não pode ignorar-se, nesse juízo de apreciação de gravidade, a severidade com que o legislador encara o crime de tráfico de estupefacientes em geral. » [57]

Flui do exposto que a aplicação do art 35-1 do DL 15/93 não é susceptível de uma aplicação dir-se-á automática como a querida pelo MP a quo, considerando a literalidade da norma e a objectividade da apreensão, antes supõe, por perpassar por, um concreto juízo de causalidade e de proporcionalidade dalgum modo ínsito aos três segmentos previstos naquele normativo: «objectos que tiverem servidopara a prática de uma infracção prevista no presente diploma»; «objectos queestivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma …»; «objectosque por esta [«prática de uma infracção prevista no presente diploma »] tiverem sido produzidos», para precludir uma «inconstitucional privação automática de direitos» inadmissível face à tutela constitucional do «direito de propriedade» ut art .

Como o Tribunal a quo julgou provado, como acusado apenas, o facto histórico instantâneo que «No dia 26 de Novembro de 2020, cerca das 07:10 horas o arguido detinha no anexo sito na Rua ..., ... duas balanças digitais de precisão com vestígios de canabis»,

Evidencia-se a verificação in casu do «critério da causalidade» e do «critério da essencialida de» e do «critério da proporcionalidade» tende em mente que o Arguido ora Recorrido - apesar de ter a sua balança digital dele na qual foram encontrados de resíduos de canábis - pelo menos num dado momento do iter criminis do doloso «tráfico de menor de gravidade» pelo menos de canabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas) e de canabis (resina), efectivamente careceu mesmo de utilizar - por específica causa / circunstância / facto / motivo / razão - a balança digital do amigo CC [58] na qual também foram encontrados resíduos de canábis.

Ora compreendido o art 428 - conforme o qual «As relações conhecem…de direito» - ex vi as «hipóteses típicas» do art 412-2-a-b-c – «As normas jurídicas violadas» e «O sentido em que ela [«cada norma»] devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada» e «Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que deve ser aplicada»:

Revoga-se o conteúdo a quo do ponto decisório 3 «Determina-se o levantamento da apreensão da balança visível no fotograma n.º 7 de fls. 79 (A1), e a notificação da testemunha CC para proceder ao levantamento da mesma no prazo de um ano a contar da data do trânsito em julgado do presente Acordão, com a cominação de que não o fazendo será a mesma declarada perdida a favor do Estado – artigo 186º, n.º 4 do CPP» do DISPOSITIVO do Acórdão;

Em sua substituição confere-se ao ponto decisório 3 a redacção «Ao abrigo do segmento «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servidopara a prática de uma infracção prevista no presente diploma...» do art 35-1 da LEP ut Lei 45/96 de 3-9, teleologicamente modelado pelo segmento «São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico [como «… todos os objetos que tiverem servido para a sua prática»], quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, … oferecerem sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos…» do art 109-1 do CP interpretados no respeito do art 18-2 da CRP, declara-se PERDIDA a favor do Estado a balança digital - visível sob A1 na foto 7 a fls 79 - com vestígios de canabis apreendida em 26-11-2020 ao seu detentor o aqui Arguido - mas propriedade e posse como tal de CC - e para ulterior DESTRUIÇÃO por não se descortinar que valor venal possa ter no comércio jurídico tal utensílio assaz fungível e usado, conforme art 109-4 do CP desde a Lei 30/2017 de 30-5.»

A 17ª e última questão - oficiosa - da realização ou não de condenação acessória da penal

No caso sub judice resta firmar a inexistência de previsão tributária processual penal crime.

Além do MP recorrente beneficiar da isenção tributária subjectiva do art 4-1-a do RCP, o Recurso por si interposto logra provimento in totum pelo que nunca existiria por este ponto de Direito campo algum possível de «incidência objectiva» daquele tipo de tributação.

Apesar do Arguido ora Recorrido ter decaído in totum, desde a vigência do RCP anexo do DL 34/2008 de 26-2 que inexiste campo possível de «incidência objectiva» daquele tipo de tributação crime porque ao art 513-1 do CPP de 01-01-1988 sucedeu o diverso art 513-1 do CPP de 20-4-2009 ut arts 6 e 16 do articulado do sobredito DL 34/2008 porquanto:

O art 513-1 do CPP de 01-01-1988 previa e estatuía que «É devido imposto de justiça pelo arguido quando for condenado em primeira instância, decair, total ou parcialmente, em qualquer recurso ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição»;

O art 513-1 do CPP desde 20-4-2009 passou a prever e a estatuir que «Só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso» dele Arguido que nunca interpôs Recurso no caso sub judice.

SALVADOR DA COSTA explicitou há mais de 14 anos que «A referida alteração consistiu ... no seguinte: - quanto ao n.º 1, na desresponsabilização do arguido do pagamento de taxa de justiça no caso de decaimento parcial em recurso e de vencimento em incidente por ele requerido ou a que deduzisse oposição» e adiante que «Prevê o n.º 1 deste artigo a condenação dos arguidos nos tribunais da primeira instância e o seu decaimento total em qualquer recurso, e estatui haver lugar ao pagamento de taxa de justiça. | Trata-se, pois, da sua condenação na acção penal propriamente dita e no recurso que interponha e em que decaia. | Deixou, assim, este normativo de impor a condenação do arguido quando decaísse parcialmente em recurso ou ficasse vencido em incidente por ele implementado ou a que deduzisse oposição» [59]

PARTE III   -   DECIDINDO

1. No provimento do Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO condena-se AA:

1.1 Em UM ano SEIS meses de PRISÃO pela autoria material até 26-11-2020 de um crime doloso de «detenção de arma proibida» o revolver .32 S&W mais as 60 munições .32 S&W p.p. pela conjugação dos arts 2-1-q-aad-3-c, 3-4-b e 86-1-c da LAM – em concurso aparente com a dolosa «detenção de arma proibida» dos arts 2-3-p-ac, 3-4-b e 86-1-e da LAM [60];

1.2 Em DOIS anos de PRISÃO pela autoria material até 26-11-2020 de um crime doloso de «tráfico de menor gravidade» p.p. pelo art 25-a e tabela I-C anexa da LEP [61];

1.3 Na pena única de DOIS anos NOVE meses de prisão SUSPENSA sua execução por TRÊS anos com «Regime de Prova» integrado por «Plano de Reinserção Social» contendo deveres / injunções / obrigações / proibições / regras de conduta a concretizar a quo para « coerente e concreta inserção social do mesmo, seja no mercado/formação profissional, seja na vivência social em regime de liberdade » [62];

1.4 Confere-se ao ponto decisório a quo 3 a redacção «Ao abrigo do segmento «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servidopara a prática de uma infracção prevista no presente diploma...» do art 35-1 da LEP ut Lei 45/96 de 3-9, teleologicamente modelado pelo segmento «São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico [como «… todos os objetos que tiverem servido para a sua prática»], quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, … oferecerem sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos…» do art 109-1 do CP interpretados no respeito do art 18-2 da CRP, declara-se PERDIDA a favor do Estado a balança digital - sob alfanumérico A1» na foto 7 a fls 79 - com vestígios de canabis apreendida em 26-11-2020 ao seu detentor o aqui Arguido - mas propriedade e posse como tal de CC - e para ulterior DESTRUIÇÃO, conforme art 109-4 do CP desde a Lei 30/2017 de 30-5.»

1.5 Mantém-se o mais decidido no Acórdão a quo 444 626 043 de 26-01-2023, designadamente o segmento decisório «Absolver o arguido AA do cometimento, em autoria material, de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, p.p. pelo artigo 21º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01».

2. Sem tributação por inexistência de «incidência subjectiva» nem de «incidência objectiva».

3. Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme art 425-6 do CPP.

4. Transitado, para execução a quo do decidido remetam-se o processo físico e o processo informático a título definitivo a Juiz 3 do Juízo Central Criminal de Vila do Conde para realização das diligências que competiram in casu, designadamente a notificação ao Arguido deste Acórdão e do ulterior Despacho homologatório do «Plano de Reinserção Social» do «Regime de Prova», com entrega de cópia dos arts 55 a 57 do CP desde 01-10-1995 mais a advertência de que o não cumprimento pontual dalgum dos deveres / injunções / obrigações / proibições / regras de conduta fixados poderá determinar a revogação da «Suspensão da Execução da Pena de Prisão» e assim o cumprimento de TRÊS anos de reclusão.

Nos termos e para os efeitos dos arts 94-2-3 do CPP, 19-1-2 e 20-b da Portaria 280/2013 de 26-8  - o art 19-1-2 alterado pela Portaria 267/2018 de 20-9  - consigna-se que o antecedente ACÓRDÃO foi processado informaticamente pelo Relator que o reviu tal como seus Exmos Adjuntas e por tal ordem mandaram o sistema informático apor suas «assinaturas electrónicas qualificadas» insertas informaticamente no canto superior esquerdo da primeira folha página em substituição de suas «assinaturas autógrafas», na Sessão de Conferências de 07-02-2024.



Porto, 07-02-2024
Relator Castela Rio
I Adjunto Pedro Afonso Lucas
II Adjunto Paulo Costa
Presidente da Secção José Carreto

___________________
[1] Nascido a ../../1981 no Porto, solteiro e residente em ... - Matosinhos.
[2] «Os sublinhados, negrito, itálico e qualquer outro destaque que conste da parte descritiva e gramatical dos arestos e/ou obras doutrinárias citadas, bem como da decisão recorrida, documentos e de todas as outras peças processuais, foram acrescentados e por mim efectuados com a finalidade de enfatizar ou realçar a ideação que se destinam a transmitir, o mesmo ocorrendo em relação aos destaques que constem da narrativa ou excurso do presente parecer.»
[3] «Com efeito, atentei e louvo-me na posição assumida pela Digna magistrada do Ministério Público em 1.ª instância, em cujas alegações me arrimo e aqui dou por reproduzidas para todos os legais efeitos, não por falta de avaliação própria e ponderação autónoma das questões decidendas, mas por simples economia processual e redundância na explanação de mais aturadas considerações, evitando-se assim fastidiosas e inúteis repetições (remissão admitida pelo próprio Tribunal Constitucional - T.C. – Vide, entre outros, o Acórdão do T.C. de 30/07/2003, proferido no Pº 485/03, publicado no D.R. II.ª Série de 04/02/2004 e pelos tribunais superiores da Relação. Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/10/2004, proferido no P.º n.º 5558/04-3), bem como, o Acórdão do T.C. de 30/07/2003, proferido no Pº n.º 485/03, publicado no D.R. II.ª Série de 04/02/2004; Acórdão do Tribunal Constitucional – T.C. n.º 147/2000. O Tribunal Constitucional – T.C. neste particular, veio a manter este entendimento, no Ac. 391/2015 - Diário da República n.º 224/2015, Série II de 2015-11-16, assim como no nº 684/15 - Diário da República n.º 42/2016, Série II de 2016-03-01. De igual forma foi entendido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 189/2003, de 30/07/2003, proferido no P.º 485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004, e n.º 223/98. No mesmo sentido o Acórdão do T.R.C. de 25/03/2010 in C.J. 2010/II,54 e seguintes; Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 09/12/2021 in www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/02/2016 in www.dgsi.pt. No mesmo sentido PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE in “Comentário ao Código de Processo Penal”, pág. 97. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2002, proc. nº 02P3615, e os acórdãos da Relação do Porto de 30 de Novembro de 2011, proc. nº 278/09.4PRPRT, e de 24 de Outubro de 2012, proc. nº 291/10.9PAVFR; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/10/2004, proferido no P.º 5558/04-3. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/03/2015 in www.dgsi.pt.; Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 09/10/2013 in www.dgsi.pt.; Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/2021 in www.dgsi.pt. Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 22/02/2023 in www.dgsi.pt..
A analise efectuada neste parecer assentará essencialmente num breve reforço enfático dos argumentos já desenvolvidos e selecionarei cirurgicamente apenas algumas das questões que o recurso suscita, não porque tenham sido deficientemente debatidas ou omitidas, mas sim para ensaiar a tentativa de apresentar uma perspectiva diferente da focalização analítica utilizada em primeira instancia no enquadramento policromático de um espectro opinativo plurissignificativo, uma vez que todas as outras que não abordarei foram exemplar e exaustivamente tratadas nas alegações da Digníssima magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância, para as quais remeto. Com efeito, esta il. Magistrada apresentou umas alegações onde rebateu exaustiva e fundamentadamente a retorica argumentativa do despacho revidendo, elencando ainda com rigor e assertividade as razões pelas quais a pretensão recursiva só pode e deve proceder.»
[4] JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pgs 362-363, ACD do STJ de 17-9-1997 in CJS 3/97, ACD do STJ de 13-5-1998 in BMJ 477 pág 263, ACD do STJ de 25-6-1998 in BMJ 478 pág 242, ACD do STJ de 03-02-1999 in BMJ 484 pág 271, ACD do STJ de 28-4-1999 in CJS 2/99 pág 196, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347, ACD do STJ de 01-11-2001 no processo 3408/00-5, SIMAS SANTOS, LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, Maio de 2008, pág 107, Recursos Penais, 9ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, Agosto de 2020, pgs 113-114.
[5] JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, reimpressão, CBR, 1984, pág 359.
[6] GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, pág 347.
[7] ACD do STJ de 06-12-2007 de Simas Santos com Santos Carvalho e Rodrigues da Costa no processo 07P3316 in www.dgsi.pt.
[8] ACD do Plenário da Secção Criminal do STJ 7/95 de 19-10-1995 no processo 46580 da 3ª Secção in DR I Série A de 28-12-1995 e BMJ 450 pgs 71 sgs.
[9] ACD do STJ de 18-6-2009 de Filipe Fróis com Henriques Gaspar no processo 1248/07.2PAALM.S1 in www.dgsi.pt/jstj.
[10] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, XIV, Direitos Reais, 2ª parte, Propriedade …, Almedina, Coimbra, NOV 2022, pgs 92-94 e sgs com os desenvolvimentos que competem.
[11] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, XIII, Direitos Reais, 1ª parte, Dogmática Geral. Posse …, Almedina, Coimbra, FEV 2022, pág 521, sendo que a parte «III A POSSE» abre com o «§ 42 PROBLEMÁTICA GERAL» e encerra como o «§ 60 AS AÇÕES POSSESSÓRIAS» pgs 519-734 para o qual se remete para simplificação de exposição.
[12] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, XIII, Direitos Reais, 1ª parte, Dogmática Geral. Posse …, Almedina, Coimbra, FEV 2022, pág 521.
[13] Sem prejuízo da questão da actualidade do cumprimento ou não por AA de «autorizações» e «condições legais» e «prescrições da autoridade competente» para detenção do sobredito armamento que é matéria não objecto deste processo penal.
[14] «Os revólveres com os calibres denominados .32 S & W, .32 S & W Long» ut art 3-4-b da LAM.
[15] «as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º» ut art 86-1-d da LAM como «São armas, munições e acessórios da classe A: q) As munições com bala perfurante, explosiva, incendiária ou tracejante, que não estejam integradas em coleções ou sejam destinadas a esse fim;
r) As munições expansivas, exceto se destinadas a práticas venatórias ou coleção quando autorizadas e as constantes da alínea d) do n.º 3» que não se verificam in casu.
[16] Sigla infra identificadora de «Lei de Estupefacientes e Psicotrópicos» in DL 15/93 de 22-1 aprovado ao abrigo da LAL 27/92 de 31-8 e que no interim sofreu in totum 31 alterações legislativas: a última delas - antes da prática em 26-11-2020 da conduta sub judice - foi feita pela Lei 58/2020 de 31-8.
[17] O Mmo Juiz 2 do JIC de MTS não pronunciou o Arguido pelo § 1 acusado que tinha o teor «Pelo menos desde novembro de 2019 até 26 de novembro de 2020, o arguido AA dedicou-se à venda de produtos estupefacientes a terceiro a partir de sua residência sita na Rua ..., ... e de um anexo situado nas traseiras daquela com entrada pela Rua ..., ...».
[18] Elucidativa explicitação da perspectiva relacional entre o tipo legal fundamental (art 21) e os tipos le- gais derivados agravados (art 24) ou privilegiados (arts 25 e 26) no ACD do STJ de 26-11-2004 de Henriques Gaspar com Antunes Grancho e Silva Flor no processo 00P2438 in www.dgsi.pt e CJS III / 2003 pgs 245-246.
[19] Elucidativos pontos do sumário do ACD de STJ de 27-5-2009 de Raul Borges com Fernando Fróis e Pereira Madeira no processo 09P0484 in www.dgsi.pt.
[20] MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Lições de Direito Penal, II Penas e Medidas de Segurança, Almedina, Coimbra, reimpressão em MAI 2010 da edição de JAN 1989, pgs 95-96 – sublinhados do Relator.
[21] Como se relevou nos ARP do ora Relator com Lígia Figueiredo de 28-5-2014 no processo 211/12.6 GA MDB.P1, de 28-10-2014 no processo 13/12.0GBOBR.P1, de 10-02-2016 no processo 312/14.7PBAVR.P1 e de 27-4-2016 no processo 14/14.3GFPRT.P1, por exemplo.
[22] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, reimpressão em set 2005 do original de Junho de 1993, § 138, pág 124.
[23] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, reimpressão em Setembro de 2005 do original de Junho de 1993, § 192, pág 154.
[24] Sumário do ASTJ de 05.02.2004 de Pereira Madeira com Santos Carvalho e Costa Mortágua no processo 04P151 in www.dgsi.pt.
[25] Sumário do ASTJ de 29.06.2004, Pereira Madeira com Simas Santos e Santos Carvalho no processo 05P2106 in www.dgsi.pt.
[26] Sequentemente, « A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes» (art 42-1), congruentemente, «A execução das penas…visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade” (art 2-1),«A execução, na medida do possível, evita as consequências nocivas da privação da liberdade e aproxima-se das condições benéficas da vida em comunidade » (art 2-5) e «…promove o sentido de responsabilidade do recluso, estimulando-o a participar no planeamento e na execução do seu tratamento prisional [segundo «… os princípios da especialização e da individualização…»] e no seu processo de reinserção social, nomeadamente através de ensino, formação, trabalho e programas» (art 2-6-5, estes do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade).
[27] Lembram-se os arts 54 [“Para prevenção e repressão dos crimes haverá penas”] e 84 [cuja “aplicação…, entre os limites fixados na lei para cada uma, depende da culpabilidade do delinquente, tendo-se em atenção a gravidade do facto criminoso, os seus resultados, a intensidade do dolo, os motivos do crime e a personalidade do delinquente”] do CP de 1886 revisto pelo DL 39 688 de 05-6-1954 claramente fazendo depender a medida da pena da medida da culpa do infractor a reprimir.
[28] Que «…não significa uma espécie de “lavagem ao cérebro”, i.é, uma substituição da “mundividência” do condenado pela “mundividência” dominante na sociedade, mas, sim e apenas, uma tentativa de interpelação e consequente auto-adesão do delinquente à indispensabilidade social dos valores essenciais (bens jurídico-penais) para a possibilitação da realização pessoal de todos e de cada um dos membros da sociedade. Em síntese, significa uma prevenção da reincidência. Esta função da pena implica, como é evidente, profundas alterações das condições físicas e pessoais (como a estrutura arquitectónica dos estabelecimentos prisionais, e a ocupação do tempo em actividades profissionais e culturais) em que, geralmente, é cumprida a pena de prisão; caso contrário, esta finalidade - que, repetida e nomeadamente no caso português, tem sido considerada essencial para que a pena seja verdadeiramente um meio de protecção dos bens jurídicos - não se cumprirá, tomando-se, pelo contrário, a prisão em meio de dessocialização ou de agravamento da desintegração social do delinquente» (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal. Parte Geral, Coimbra Editora, 2ª edição, SET 2008, § 97, pgs 63-64).
[29] «… conatural à pena, e constitui também uma função da pena, que em nada é incompatível com a referida função positiva de ressocialização. É que não se trata de intimidar por intimidar, mas sim de uma dissuasão (através do sofrimento que a pena naturalmente contém) humanamente necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir. E, no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial » (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, obra citada, § 98).
[30] Pela pena como «… um meio de interpelar, a sociedade e cada um dos seus membros, para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente; …função da pena [que] começa por se realizar com a criação da lei criminal-penal (interpelação legal) e consuma-se com a aplicação judicial da pena e sua execução (interpelação judicial e fáctica). | Naturalmente que quanto mais importante for o bem jurídico, mais intensa deve ser a interpelação. E, por isto, necessariamente que quanto mais grave for o crime (mais valioso o bem jurídico a proteger) mais grave terá de ser a pena legal, e, no geral, também maior a pena judicial. | Esta dimensão de interiorização torna-se mais necessária relativamente às condutas lesivas de bens jurídicos que, embora merecedores da tutela penal, a consciencialização da sua importância, para a vida da sociedade e das pessoas, ainda não é suficientemente profunda e generalizada. Tal é o caso de muitos dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal secundário ou económico-social» (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, obra citada, § 102, pgs 65-66).
[31] «… mensagem de confiança e de pacificação social…dada, especialmente, através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da importância do bem jurídico lesado » com «… a dimensão ou objectivo da pacificação social » (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal, § 102, pgs 65-66).
[32] Por ser tão «… irrealista considerar que a dissuasão individual não é uma função (um “fim”) da pena” como «… afirmar que a dissuasão geral não é um dos sentidos ou funções da pena, mas somente um seu efeito lateral» (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal, § 103, pág 66).
[33] VICTOR DE SÁ PEREIRA, ALEXANDRE LAFAYETTE, Código Penal. Anotado e Comentado, Quid Juris, Lisboa, 1ª edição, 2008, anotações 11 e 12 ao art 71, pgs 218-219.

[34] Mercê do art 77-3 conforme o qual «Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores».
[35] Do Código Penal de 01-01-1983, artigo 71 do Código Penal desde 01-10-1995.
[36] MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Lições de Direito Penal, II, Penas e medidas de Segurança, Almedina, Coimbra, reimpressão em Maio de 2010 da edição de Janeiro de 1999, pág 161.
[37] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português. Parte Geral. II. As Consequências Jurídicas do Crime, reimpressão em Setembro de 2005 do original de Junho de 1993, pgs 291-292.
[38] Disponível in www.stj.pt/?idm=433&sid=28 do qual ressuma verbi gratiae que:
«… a pena conjunta, no quadro das penas singulares, é uma pena pré-definida pelo jogo de forças das próprias penas singulares, que, esgotantemente, representam (numericamente) todos os factores legal mente atendíveis.
Se as penas singulares esgotaram (ou deviam ter esgotado) todos os factores legalmente atendíveis, sobrará para a pena conjunta, simplesmente, a reordenação cronológica dos factos (julgados, nos processos singulares, fora da sua sequência histórica) e a actualização da história pessoal do agente dos crimes. Esse, para mim, o entendimento (residual) que deve ser dado - por força da proibição da «dupla valoração» - ao «conjunto dos factos» e à «personalidade» a que alude o art. 77.1 do CP.
Se os números (representativos do valor das penas singulares) - no seu jogo de forças contrárias (umas de expansão e outras de contracção) no quadro (numérico) traçado pelos limites legais - haverão de convergir num determinado ponto (igualmente numérico) do espaço que os medeia, há-de ser a ciência dos números a indicar-nos a forma de o alcançar.
Ao jurista competirá apenas fornecer - ao operador matemático - quais os factores ponderáveis (parâmetros) e o seu valor relativo.
Para mim, esses parâmetros serão - entre outros (menos significativos) – os seguintes (já acima assinalados):
I) A representação das penas singulares na pena conjunta é, em regra, parcial, só se justificando que esta se aproxime ou atinja a sua soma material nos casos em que todas as penas singulares co-envolvidas correspondam a crimes de gravidade similar (puníveis, por exemplo, com penas de 1 a 5 anos de prisão) e a sua soma material se contenha dentro da moldura penal abstracta dos crimes concorrentes (no exemplo, 5 anos de prisão);
II) A pena conjunta só deverá conter-se no seu limite mínimo ou na sua vizinhança em casos de grande disparidade entre a gravidade do crime mais grave (representada por uma pena, por exemplo, de 15 anos de prisão) e a gravidade dos demais (representadas por penas que, somadas, não excedam, por exemplo, um ano);
III) Nos demais casos (em que os limites mínimo e máximo da pena conjunta distem significativamente), a representação das penas menores na pena conjunta não deve exceder um terço do seu peso quantitativo conjunto (acquis jurisprudencial conciliatório da tendência da jurisprudência mais «permissiva» – na procura desse terceiro termo de referência - em somar à «maior» ¼ ou menos das demais com a jurisprudência mais «repressiva» que àquela usa – com o mesmo objectivo - adicionar metade ou mais das outras);
IV) O tratamento, no quadro da pena conjunta, da pequena criminalidade deve divergir do tratamento devido à média criminalidade e o desta do imposto pelo tratamento da criminalidade muito grave, de tal modo que a pena conjunta de um concurso (ainda que nume roso) de crimes de menor gravidade não se confunda com a atribuída a um concurso (ainda que menos numeroso) de crimes de maior gravidade: E daí, por exemplo, que um somatório de penas até 2 anos de prisão – ainda que materialmente o ultrapasse em muito - não deva exceder, juridicamente, 8 anos, por exemplo; que um somatório de penas até 4 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 10 anos, que um somatório de penas até 6 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 12 anos; que um somatório de penas até 10 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 16 anos, etc.;
V) A medida da pena conjunta só deverá atingir o seu limite máximo absoluto em casos extremos (quatro penas de 20 anos de prisão, por exemplo), devendo por isso o efeito repulsivo/compressor desse limite máximo ser, proporcionalmente, tanto maior quanto maior o limite mínimo imposto pela pena parcelar mais grave e maior o somatório das demais penas parcelares.
Sendo assim, poder-se-ão atingir - na enumeração dos parâmetros atendíveis e na ponderação relativa de cada um deles na sua relação dos demais - algoritmos diferentes.
(…) Dir-se-á, enfim, que o critério proposto não é, propriamente, um critério «matemático» mas um critério jurídico, que, na sua operacionalidade, recorre ao auxílio da ciência matemática».
[39] Do qual ressuma verbi gratiae que:
«5 – A pena única é determinada atendendo à soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares.
6 – Frequentemente, no escopo de obstar a disparidades injustificadas da medida da pena, essa “agravação” da pena mais grave é obtida pela adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5. Se anteriormente foram efectuados cúmulos anteriores cúmulos, como era o caso, deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas, apesar de tais cúmulos serem desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia».
[40] Do qual ressuma verbi gratiae que:
«… o uso de tais fórmulas vem a traduzir-se na adição à pena parcelar mais grave de uma determinada fracção aritmética das restantes penas para, assim, se determinar a pena única, segundo um princípio de exasperação, que não corresponde ao critério da lei, chegando a considerar-se, pelo menos numa dessas fórmulas, que existe um acquis jurisprudencial de adição à pena parcelar mais alta de um terço das demais penas e reconduzindo toda a tarefa de determinação da pena única a uma função residual em que só haveria que proceder a uma reordenação cronológica dos factos e a uma actualização da história pessoal do agente dos crimes.
Daí que, desse ponto de vista, não haja que interligar os factos e conexioná-los uns com os outros, de modo a obter-se um sentido do conjunto em termos de ilicitude global e de culpa referida ao todo, conjugando-os com a personalidade única e unitária do agente. Em nome da igualdade das penas, prescinde-se de saber quais são, em concreto, os factos come tidos e as circunstâncias em que foram praticados, tudo se reconduzindo a apurar quais os crimes em jogo, por referência às disposições legais atinentes e as penas aplicadas, para efeitos de se somarem, segundo uma dada proporção / compressão, à pena parcelar mais elevada.
Por outro lado, também se faz praticamente tábua rasa das características da personalidade do agente, em termos de revelar ou não tendência para a prática de crimes ou de determinado tipo de crime, devendo a pena única reflectir essa diferença em termos substanciais. Ainda que a fórmula possa fornecer um mínimo, um máximo e uma média, a variação entre eles é muito pequena (para não dizer diminuta) e, para além disso, os dados fornecidos são sempre produto de um cálculo matemático, incompatível com a avaliação complexa da personalidade de um determinado agente.
A verdade é que a situação não é equiparável àquelas em que o legislador usa fórmulas aritméticas, quando agrava determinadas penas ou quando estipula, por exemplo, que o condenado possa beneficiar da liberdade condicional a meio ou a 2/3 da pena — situações essas, de resto, muito heterogéneas.
Diga-se, porém, em abono da verdade, que as penas fixadas em cúmulos jurídicos, nas instâncias, são frequentemente desproporcionadas, atingindo muitas vezes o limite legal máximo permitido, mesmo em casos em que estão em causa crimes de carácter patrimonial e cuja valoração penal orça pela média, senão mesmo pequena criminalidade. Isto, porque, a meu ver, o critério usado é fundamentalmente um critério de adição de penas, sem consideração pelo tipo de criminalidade em causa e sem uma conveniente avaliação da totalidade dos factos como unidade de sentido, enquanto reportada a um determinado contexto social, familiar e económico e a uma determinada personalidade.
Ora, o uso de fórmulas como as referidas em que intervém o tal algoritmo quase sempre conduz a penas conjuntas muito inferiores e aparentemente mais adequadas e mais conformes a um princípio de humanidade, mas, repito, não me parecem ter a suficiente solvabilidade jurídica, sobretudo em atenção à teleologia que enforma as regras da punição do concurso de crimes. Assim, por isso mesmo, têm sido repudiadas por certa doutrina, sobretudo em comentários tecidos a alguns acórdãos do STJ ».
[41] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, II, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, reimpressão em SET 2005 do original de JUN 93, § 497 a pág 331 – sublinhado do Relator.
[42] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, II, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, reimpressão em SET 2005 do original de JUN 93, § 500 a pág 333 – sublinhado do Relator.
[43] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, II, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, reimpressão em SET 2005 do original de JUN 93, § 501 a pág 333 – sublinhado do Relator.
[44] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português. Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, reimpressão em SET 2005 do original de JUN 1993, pág 343.
[45] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português. Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, reimpressão em SET 2005 do original de JUN 1993, pág 344.
[46] M MIGUEZ GARCIA / J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e parte especial. Com notas e comentários, Almedina, Coimbra, 1ª edição, MAR 2014, pág 367, 2ª edição, SET 2015, pág 386, 3ª edição, SET 2018, pág 423 – sublinhados do Relator.
[47] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal …, Almedina, Coimbra, 1ª edição, MAR 2014, pág 322, 2ª edição, SET 2015 pág 334, 3ª edição SET 2018, pág 369 – sublinhados do Relator.
[48] WINFRED HASSEMER / FRANCISCO MUÑOZ CONDE, Introducción a La Criminologia, tirant lo blanch, Valência, 2001, pgs 281-282 – sublinhados do Relator.
[49] A este respeito lembra-se o AUJ 3/2014 de 06-3-2014 conforme o qual «Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal» in DR I S 74 de 15-04-2014.
[50] ARP de 23-3-2011 de Álvaro Melo com Deolinda Dionísio no proc 748/07.9TAMCN.P1 in www.dgsi.pt.
[51] ARP de 10-3-2021 de Eduarda Lobo com Castela Rio no processo 5544/11.6TAVNG.P2 inédito.
[52] Sobre o «campo de eleição» deste princípio - a «colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos» - J J GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, CBR, 7ª edição, SET 2003, pág 1225.
[53] JOÃO CONDE CORREIA, Da Proibição do Confisco à Perda Alargada, INCM, Lisboa, JUN 2012, pág 128.
[54] JOÃO CONDE CORREIA, Da Proibição do Confisco à Perda Alargada, INCM, Lisboa, JUN 2012, pág 128.
[55] JOÃO CONDE CORREIA, Da Proibição do Confisco à Perda Alargada, INCM, JUN 2012, pgs 128-129.
[56] PEDRO PATTO, anotação 3 ao art 35 do DL 15/93, Leis Penais Extravagantes, volume 2, Universidade Católica Editora, Lisboa, Janeiro de 2011, pág 531.
[57] PEDRO PATTO, anotação 5 ao art 35 do DL 15/93, Leis Penais Extravagantes, volume 2, Universidade Católica Editora, Lisboa, Janeiro de 2011, pgs 532-533.
[58] Não se pode ignorar que: o prato desta balança digital sinalizada sob «alfanumérico A1» na instrumental fotografia 7 a fls 79 é bem maior que o prato da balança digital do Arguido sinalizada sob o «alfanumérico C1» na instrumental fotografia a fls 82; e que aquela balança digital encontra-se «em pleno funcionamento» ao lado de dois potes de vidro incolor.
[59] SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais, Almedina, Coimbra, 2ª edição, OUT 2009, pgs 103-104 – sublinhados do Relator.
[60] Pelo que fica revogado ad quem o segmento decisório do Acórdão recorrido -> «Absolver o arguido AA do cometimento, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1 alíneas q) e aad) e n.º 3 alínea c), 3.º, n.º 4 alínea b) e 86.º, n.º 1 alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições em concurso aparente com um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 3 alíneas p) e ac), 3.º, n.º 4 alínea b) e 86.º, n.º 1 alínea e) do Regime Jurídico das Armas e Munições».
[61] Pelo que fica revogado ad quem o segmento decisório do Acórdão recorrido -> «Condenar o arguido AA pelo cometimento, em autoria material, de um crime de consumo de substâncias estupefacientes, p.p. pelo artigo 40º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, numa pena de 6 (seis) meses de prisão».
[62] Pelo que fica revogado ad quem o segmento decisório do Acórdão recorrido -> «Suspender a execução da pena de prisão fixada por um período de 1 (um) ano sujeito a regime de prova nos moldes acima assinalados».