Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5027/17.0T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO
BENEFICIÁRIO DO PRAZO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
DEDUZIR OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RP201809255027/17.0T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 09/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º847, FLS.125-132)
Área Temática: .
Sumário: Nada impede que o executado, a quem foi concedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, possa deduzir oposição à execução através de advogado a quem conferiu mandato forense aproveitando para o efeito a interrupção do prazo prevista no art. 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29.7.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 5027/17.0 T8MAI-A.P1
Comarca do Porto – Juízo de Execução da Maia – Juiz 1
Apelação
Recorrentes: B… e mulher C…
Recorrida: “D…, S.A.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Por apenso aos autos principais de execução ordinária para pagamento de quantia certa que “D…, S.A.” intentou contra B… e C…, vieram os executados deduzir os presentes embargos de executado, através de petição inicial subscrita por mandatária judicial constituída através de procurações outorgadas em 6.10.2016 (cfr. fls. 26 e 27), tendo a petição inicial dado entrada em juízo através de meios eletrónicos em 7.3.2018 (cfr. certificação eletrónica de fls. 29).
Sobre a petição de embargos incidiu o seguinte despacho judicial com data de 18.4.2018 (fls. 32 a 37):
“ (…)
Compulsados os autos principais, verifica-se que o executado B… foi citado para deduzir embargos de executado, querendo, através de carta registada enviada para a Urbanização …, nº .., Santo Tirso, recebida em 19 de Outubro de 2017, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado por terceiro (cfr. fls. 72, 73 e 91), pelo que o prazo de vinte [dias] para deduzir embargos de executado, previsto no art. 728º, nº 1, do Código de Processo Civil, acrescido da dilação de cinco dias a que alude o art. 245º, nº 1, a), do mesmo diploma, terminava no dia 13 de Novembro de 2017.
Mais se verifica que apesar de o executado ter recorrido à protecção jurídica, solicitando a nomeação de patrono e tendo procedido à junção aos autos principais do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o respectivo procedimento administrativo em 7 de Novembro de 2017 (cfr. registo postal de fls. 89), acabou por deduzir os embargos de executado através de petição inicial apresentada em juízo em 7 de Março de 2018, subscrita pela sua ilustre mandatária já anteriormente constituído nos autos.
E verifica-se que na sequência do referido pedido acabou por ser concedido o apoio judiciário e nomeado patrono ao executado a ilustre advogada Exm.ª Sr.ª Dr.ª E…, tendo a designação sido comunicada por ofício ao ilustre patrono em 6 de Abril de 2018, a fls. 105, dos autos principais.
Por outro lado, verifica-se que a executada C… foi citada para deduzir embargos de executado, querendo, através de carta registada enviada para a Urbanização …, nº .., Santo Tirso, recebida em 19 de Outubro de 2017, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado pela própria (cfr. fls. 70, 71 e 92), pelo que o prazo de vinte [dias] para deduzir embargos de executado, previsto no art. 728º, nº 1, do Código de Processo Civil, terminava no dia 8 de Novembro de 2017.
Mais se verifica que apesar de a executada ter recorrido à protecção jurídica, solicitando a nomeação de patrono e tendo procedido à junção aos autos principais do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o respectivo procedimento administrativo em 7 de Novembro de 2017 (cfr. registo postal de fls. 81), acabou por deduzir os embargos de executado através de petição inicial apresentada em juízo em 7 de Março de 2018, subscrita pela sua ilustre mandatária já anteriormente constituído nos autos.
E verifica-se que na sequência do referido pedido acabou por ser concedido o apoio judiciário e nomeado patrono à executada a ilustre advogada Exm.ª Sr.ª Dr.ª E…, tendo a designação sido comunicada por ofício ao ilustre patrono em 9 de Fevereiro de 2018, a fls. 95, dos autos principais.
Ora, de acordo com o disposto no art. 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.”
E de acordo com o disposto no art. 24º, nº 5, a), daquele diploma, o prazo interrompido inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.
Deste modo, o prazo de vinte dias para a dedução dos embargos de executado pelo embargante B…, representado pelo seu patrono, terminaria aparentemente em 4 de Maio de 2018.
E o prazo de vinte dias para a dedução de embargos de executado pela embargante C…, representada pelo seu patrono, teria terminado m 5 de Março de 2018.
Não obstante, como já se referiu, in casu, os executados apresentaram petição inicial de embargos de executado no dia 7 de Março de 2018 (cfr. fls. 29, deste apenso), através de mandatária judicial constituída em data anterior, através de procurações outorgadas em 6 de Outubro de 2016 (cfr. fls. 26 e 27).
Ora, a constituição de mandatário, quer em data anterior, quer posterior à nomeação do patrono equivale a uma desistência da pretensão formulada no âmbito do apoio judiciário, no que concerne à modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono.
Na verdade, se na pendência da causa a parte que solicitou a nomeação de patrono, antes ou depois de este lhe ser nomeado, opta por constituir mandatário, é porque já não pretende a nomeação de patrono e porque entendeu por bem confiar a sua representação a um mandatário constituído.
O mesmo se dirá quando o executado constitui mandatário na pendência da causa, solicita entretanto o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e depois, antes de lhe ser nomeado o patrono, apresenta a petição inicial de embargos de executado subscrita pelo mandatário que havia já constituído anteriormente e que nunca deixou de o patrocinar nos autos.
Assim sendo, tendo os executados constituído mandatário e tendo apresentado a petição inicial subscrita pelo mandatário, não podem agora beneficiar da interrupção do prazo, sob pena de fraude à lei.
A não se entender assim, estava encontrado um modo ilícito para a obtenção da prorrogação do prazo em curso.
Na verdade, para tal bastava constituir mandatário judicial, formular entretanto o pedido de nomeação de patrono junto dos Serviços da Segurança Social, e apresentar depois, aquando lhes aprouvesse, antes ou depois da nomeação daquele, embargos de executado, beneficiando desse modo da interrupção do prazo ou do início do prazo interrompido após a notificação ao patrono nomeado da sua designação.
E por isso, “Na medida em que a recorrente não fez uso do apoio judiciário que lhe foi concedido e apresentou contestação subscrita por advogado, não pode a mesma fazer-se prevalecer da interrupção do prazo previsto no artº 4º (por lapso consta do sumário do Acórdão art.º 4º, quando se pretendia fazer referência ao art. 24º, nº 4) da L. 34/2004 de 29.07.” (Acórdão da Relação do Porto, de 13 de Setembro de 2011, proferido no processo nº 5665/09.5TBVNG.P1, http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf)
Na verdade, neste Acórdão teceram-se os seguintes considerandos, a propósito do âmbito de aplicação do art. 24º, nºs 4 e 5 da Lei 34/2004 de 29 de Julho, que vamos transcrever:
“Determina-se, no preceito em causa:
“4 – Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 – O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono”.
Perante este preceito parece-nos seguro que a razão de ser da sua estatuição, interrupção do prazo em curso para contestar e inicio de um novo prazo, é a de permitir que a pessoa demandada – que invocou não ter condições económicas para suportar os custos da constituição de mandatário – não seja prejudicada por não ter efectivamente tais condições económicas e possa, ainda assim, fazer valer o seu direito. Ou possa, também, exercer o seu direito quando a sua pretensão a litigar com apoio judiciário não lhe for reconhecida.
Daí o demandado ter um novo prazo para contestar, quer a partir da nomeação do patrono nomeado, quer a partir da notificação da decisão que lhe indefere o pedido de patrocínio.
Ora, não é esta realidade que temos no caso sub judicio.
Na verdade, a recorrente pediu o apoio judiciário, que lhe foi concedido e depois decide não o usar e apresentar contestação subscrita por advogado, quando anteriormente tinha alegado, para requerer o apoio judiciário, que não tinha condições económicas para constituir mandatário.
Assim, na medida em que a recorrente não fez uso do apoio judiciário nem o mesmo lhe foi indeferido, não pode a mesma fazer-se prevalecer da interrupção do prazo previsto naquele preceito, que só prevê tal “benefício”, rectius, possibilidade, para aquelas situações.
Não tem pois razão a recorrente quando diz que o despacho em causa não tem qualquer sustentabilidade legal e não tem o mínimo de correspondência na letra da lei e a que o julgador está obrigado. Muito pelo contrário, o que não tem qualquer apoio na lei é a pretensão da R. de beneficiar da interrupção do prazo e de uma nova contagem do mesmo para uma situação que não está contemplada na lei.
Temos assim por seguro que a razão de ser do preceito em causa não é aplicável ao caso da recorrente pois esta, constituindo mandatário, não tem direito a apresentar contestação no mesmo prazo que teria se não tivesse condições económicas para o constituir, ou visse indeferida essa pretensão. Por outro lado, não pode o demandado usar o direito de requerer apoio judiciário apenas como forma de conseguir mais tempo para contestar, que seria o resultado prático do caso em análise.” (…)
Face ao exposto, porque in casu os executados não aproveitam do prazo interrompido, é de concluir que quando o executado B… apresentou a petição inicial, o prazo de vinte dias para deduzir embargos de executado, a que alude o art. 728º, nº 1, do Código de Processo Civil, acrescido da dilação de cinco dias a que alude o art. 245º, nº 1, a), do mesmo diploma, havia expirado há cerca de três meses e três semanas.
Por outro lado, quando a executada C… apresentou a petição inicial, o prazo de vinte dias para deduzir embargos de executado, a que alude o art. 728º, nº 1, do Código de Processo Civil, havia expirado há cerca de quatro meses.
Deverá por isso concluir-se que os presentes embargos de executado foram deduzidos fora de prazo, devendo em consequência ser liminarmente indeferidos por manifesta extemporaneidade, nos termos do disposto no art. 732, nº 1, a), do Código de Processo Civil.
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Pelo exposto:
- Indefiro liminarmente os presentes embargos de executado por manifesta extemporaneidade.
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Custas pelos executados embargantes, nos termos do disposto no art. 527, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
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Fixo à causa o valor de €61.814,50 (sessenta e um mil e oitocentos e catorze euros e cinquenta cêntimos), nos termos do disposto nos arts. 297º, nº 1 e 306º, nº 2, do Código de Processo Civil.
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Registe e notifique.”
Os executados, inconformados com este despacho, dele interpuseram recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 - Os executados, quando citados para a Execução, não dispunham efetivamente de condições económicas que lhes permitissem constituir Mandatário a quem desejassem confiar a sua representação.
2 - Daí socorrerem - se dos meios que o Estado disponibiliza a todos os cidadãos, assegurando o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
3 - O requerimento apresentado ao Tribunal pelos executados, manifestando pretensão de deduzirem Oposição á Execução, informando os autos do requerimento apresentado junto do ISS, solicitando apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e nomeação de patrono, e juntando documentos comprovativos, requerendo ao Exmo. Senhor Juiz se dignasse ordenar a interrupção do prazo em curso, a fim de poder apresentar o seu articulado, deveria ter sido objeto de Despacho Judicial, sob pena de Omissão de Pronuncia.
4 - O prazo interrompeu-se, em 7 de Novembro de 2017 sem condições, o benefício da interrupção mantém-se sem restrições, mesmo no caso de o ato processual vir a ser praticado por mandatário constituído.
5 - Não existindo norma expressa a afastar a possibilidade desse benefício abranger quem venha a praticar o ato através de advogado constituído, deve admitir-se que a parte o possa praticar.
6 - Achando-se interrompido o prazo para Petição Inicial de Embargos, por haver sido requerido Apoio Judiciário com dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação a patrono, podem os executados, no decurso da interrupção, aproveitando os efeitos desta, apresentar Petição Inicial de Embargos por mandatário constituído por procuração outorgada em data anterior á entrada da Execução da qual os embargos são apensos.
7 - Nada impede que o mandato forense conferido com uma determinada intenção seja modificado, desde que autorizado pelos mandantes.
8 - A Sentença Recorrida viola o disposto no artigo 20° da CRP, do CPC e o artigo 24° da Lei 34/2004 de 29.07.
Pretendem assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue tempestiva a petição de embargos apresentada pelos executados.
A exequente apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se os executados, ora recorrentes, que não fizeram uso do apoio judiciário que lhes foi concedido na modalidade de nomeação de patrono, podem deduzir oposição através de mandatário judicial beneficiando da interrupção do prazo prevista no art. 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29.7.
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Para além do que consta do antecedente relatório, os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso são os seguintes:
1. O executado B… foi citado para deduzir oposição à execução através de carta registada recebida em 19.10.2017, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado por terceiro.
2. A executada C… foi citada para deduzir oposição à execução através de carta registada recebida em 19.10.2017, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado pela própria.
3. Os executados, em 7.11.2017, requereram junto da Segurança Social a concessão de apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo e de nomeação de patrono.
4. Em 9.2.2018 foi junto aos autos ofício proveniente da Ordem dos Advogados, do qual resultava o deferimento do pedido de apoio judiciário relativamente à executada C… e a nomeação como sua patrona da Sr.ª Dr.ª E….
5. Em 22.2.2018, o executado B…, com vista à apreciação do seu pedido de apoio judiciário, foi notificado pela Segurança Social para, no prazo de 10 dias úteis, apresentar diversos documentos (recibos de vencimento emitidos pela entidade patronal; extratos bancários) e prestar alguns esclarecimentos.
6. Os executados em 7.3.2018 deduziram oposição à execução através da Sr.ª Dr.ª F…, mandatária judicial por eles constituída mediante procurações emitidas por B… em 6.10.2016 e por C… em 22.2.2016, sem indicação de número de processo e que só naquela data foram juntas aos autos.
7. Em 9.4.2018 foi junto aos autos ofício proveniente da Ordem dos Advogados, do qual resultava o deferimento, em 6.4.2018, do pedido de apoio judiciário relativamente ao executado B… e a nomeação como seu patrono da Sr.ª Dr.ª E….
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Passemos à apreciação jurídica.
O art. 24º da Lei nº 34/2004, de 29.7 dispõe o seguinte nos seus nºs 4 e 5:
“4 – Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 – O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono”.
Na decisão recorrida considerou o Mmº Juiz “a quo” que a constituição de mandatário por parte dos executados, através do qual deduziram oposição à execução em 7.3.2018, significou desistência da pretensão por eles formulada no âmbito do pedido de apoio judiciário e no que concerne à modalidade de nomeação de patrono.
Assim, entendeu-se que os executados, ao apresentarem uma petição de embargos subscrita por mandatário, não podem beneficiar, para efeitos da sua tempestividade, da interrupção do prazo decorrente da formulação de pedido de nomeação de patrono.
Ou seja, a interrupção do prazo desaparece e como sua consequência inevitável a oposição à execução torna-se intempestiva, o que determinou o seu indeferimento liminar.
O Mmº Juiz “a quo” no caminho que seguiu encontrou respaldo no Acórdão da Relação do Porto de 13.9.2011 (proc. nº 5665/09.5 TBVNG.P1 disponível in www.dgsi.pt) que largamente citou e cujo sumário é o seguinte:
“Na medida em que a recorrente não fez uso do apoio judiciário que lhe foi concedido e apresentou contestação subscrita por advogado, não pode a mesma fazer-se prevalecer da interrupção do prazo previsto no art. 24º da Lei 34/2004, de 29.07.”
Em sentido idêntico, se pronunciou o Acórdão da Relação de Coimbra de 1.10.2013 (proc. 4550/11.5 T2AGD.C1, disponível em www.dgsi.pt), que tem o seguinte sumário:
I – A interrupção do prazo para contestar decorrente da apresentação de requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, prevista no artigo 24º, nº 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, só se torna efectiva como interrupção desse prazo, no caso de ao requerente ser nomeado mandatário, pela apresentação da contestação por esse mandatário;
II – Assim, se os requerentes dessa nomeação, dela fazendo descaso, constituem paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.”[1]
Não concordamos, porém, com o caminho trilhado pela 1ª Instância e que acha apoio nos arestos que se deixaram referenciados. Significaria este caminho que o requerente de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, estaria impedido, por via da formulação desse pedido, de constituir mandatário, de tal modo que se o fizesse perderia de imediato o benefício da interrupção do prazo e em situações, como a presente, estando transcorrido o prazo para praticar o ato, tal implicaria a sua intempestividade.
Só poderia assim constituir mandatário em caso de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Ora, a razão de ser da interrupção do prazo em curso para contestar e início de um novo prazo, a partir, conforme os casos, da nomeação do patrono nomeado, ou da notificação da decisão que lhe indefere o pedido de patrocínio será a de possibilitar que o demandado que invocou não ter condições económicas para suportar os custos da constituição de mandatário não seja prejudicado por efetivamente não as ter ou, quando não veja reconhecida a sua pretensão a litigar com apoio judiciário, possa, ainda assim, fazer valer o seu direito.
A questão que se discute no âmbito do presente recurso reconduz-se assim a saber se essa interrupção do prazo para contestar ou deduzir oposição pode subsistir mesmo nos casos em que a parte, em vez de contestar através do patrono nomeado ao abrigo do apoio judiciário, decide fazê-lo através de mandatário entretanto constituído.
Conforme se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.11.2011 (proc. 222/10.6 TBVRL.P1, disponível in www.dgsi.pt) “… o texto do mencionado n.º 4 do artº 24º da Lei 34/2004 consagra a interrupção, tout court, do prazo em curso, e não uma interrupção sob condição resolutiva de o acto ser praticado através do patrono nomeado. O efeito da interrupção produz-se no momento do facto interruptivo, independentemente de ocorrências posteriores. A tese da interrupção sob condição resolutiva ofende a confiança dos sujeitos processuais, introduzindo uma preclusão processual que o legislador não consagrou de modo especificado na lei e, como não, não poderiam contar com ela.”
Regressando ao caso dos autos, verifica-se que os pedidos de apoio judiciário formulados por ambos os executados, em 7.11.2017, obtiveram provimento, de tal modo que a ambos foi nomeado patrono – a Sr.ª Dr.ª E…. À executada C… em 9.2.2018 e ao executado B… em 6.4.2018.
Constata-se pois que a pretensão formulada pelos dois executados com vista à nomeação de patrono se revelou fundada, face à sua comprovada insuficiência económica, donde a interrupção do prazo para deduzir oposição à execução de que beneficiaram por efeito do disposto no art. 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004 se revelou inteiramente justificada.
Por isso, a sua conduta ao deduzirem oposição não através do patrono que lhes fora nomeado, mas sim através de mandatário por eles constituído, beneficiando daquela interrupção de prazo, não deve ser encarada como fraude à lei e assim como uma forma, iníqua, de obter uma prorrogação de prazo a que não teriam direito.
Não se escamoteia que, neste caso, exista um desvio à finalidade para a qual a lei concedeu a interrupção do prazo, uma vez que se tudo corresse do modo ideal a dedução à oposição teria sido feita pela patrona nomeada, mas esse desvio não é seguramente mais abusivo do que aquele que se verifica quando o requerente, sabendo à partida que não reúne as condições mínimas para beneficiar de apoio judiciário, não hesita em requerer a nomeação de patrono com o único objetivo de ver prolongado o prazo que tinha para contestar.
E, nesta hipótese, tal como se refere no já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.11.2011, mesmo que menos merecedora da tutela do direito, pela maior reprovabilidade da conduta do requerente, está fora do alcance do aplicador do direito a imposição de qualquer preclusão processual. Donde o requerente, que bem sabia do infundamentado da sua pretensão, acaba por beneficiar da interrupção do prazo, sem que haja possibilidade de lhe cercear esse benefício.
Não se ignora que muitas razões podem estar na base de uma atuação como a presente em que o requerente, ignorando o patrono que lhe fora nomeado por comprovada insuficiência de meios económicos, opta por praticar o ato com recurso a mandatário por si constituído.
Poderá pensar-se em situações em que o patrono nomeado evidencie falta de interesse ou falta de preparação técnica e não se disponha a pedir escusa do patrocínio. Poderá pensar-se em situações em que entre o requerente e o patrono nomeado não surgiu a desejável relação de confiança.
De qualquer forma, seja qual for a razão de tal opção, entendemos que ao requerente de apoio judiciário a quem foi nomeado patrono não deve ser coartada a possibilidade de recorrer aos serviços de mandatário constituído, mantendo-se a interrupção do prazo de que beneficiara por efeito do disposto no art. 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004.
Aliás, os ora recorrentes B… e C… poderão ter querido confiar a sua representação a profissional forense que já conheciam, como o demonstra o facto de as procurações terem sido emitidas, sem indicação de processo, respetivamente em 6.10.2016 e 22.2.2016, datas anteriores ao início dos presentes autos, perante alguma incongruência que para eles poderia resultar do facto de, em 9.2.2018, o pedido formulado no sentido da nomeação de patrono estar deferido no tocante a C…, mas não a B…, tendo a mandatária constituída optado, desde logo, pela apresentação da oposição à execução com referência àquela data.
Ora, como o pedido de nomeação de patrono formulado por B… foi deferido apenas em 6.4.2018 e como pode ser deduzida oposição até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar[2], foi esta apresentada quando ainda se encontrava interrompido o respetivo prazo.
E à circunstância de os requerentes, pessoas de modestos recursos económicos, terem enveredado pela constituição de mandatário em aparente contradição com o que alegaram e comprovaram em sede de pedido de apoio judiciário, pouco relevo se deverá dar, atendendo a que estes sempre poderão pagar os respetivos honorários com recurso à ajuda de familiares, sem embargo de tais honorários, por iniciativa do mandatário, se poderem objetivar em quantias módicas.
Assim, na linha de tudo o que se está a expor, discorda-se da posição assumida pela 1ª Instância, pois não se vê fundamento para indeferir liminarmente, por intempestividade, a oposição à execução apresentada pelos executados em 7.3.2018, quando o prazo para a sua dedução se encontrava interrompido, usando-se como argumento apenas o facto da oposição se achar subscrita por mandatário por eles constituído.
Negar aos executados a possibilidade da nas circunstâncias descritas deduzirem oposição à execução significaria na prática denegação do direito de acesso aos tribunais e de defesa, o que não é consentido pela nossa Lei Fundamental, tal como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 30.1.2014 (proc. 5346/12.2 TBMTS.P1, disponível in www.dgsi.pt.).
Em sentido idêntico ao decidido, para além dos já mencionados, referem-se ainda os seguintes acórdãos: Acórdão da Relação do Porto de 18.2.2014, proc. 3252/11.7 TBGDM-B.P1; Acórdão da Relação do Porto de 14.12.2017, proc. 4502/16.9 T8LOU-A.P1; Acórdão da Relação de Lisboa de 9.7.2014, proc. 97/12.0 TBVPV.L1-2; Acórdão da Relação de Lisboa de 30.4.2015, proc. 393/11.4 TBVPV-A.L1-8; Acórdão da Relação de Guimarães de 22.9.2016, proc. 1428/12.9 TBBCL-D.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Por conseguinte, há que julgar procedente o recurso interposto pelos executados, considerando-se tempestiva a oposição à execução que por eles foi deduzida.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos executados B… e C… e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que se substitui por outra que considera tempestiva a dedução pelos executados de oposição à execução.
Custas a cargo da recorrida.
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Porto, 25.9.2018
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Em idêntico sentido refira-se também o Acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2008 (proc. 9829/2008-6, disponível in www.dgsi.pt), com voto de vencido.
[2] Cfr. art. 569º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.