Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6340/19.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA OLÍVIA LOUREIRO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: RP202402056340/19.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/05/2024
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A lesada, com 37 anos de idade à data do sinistro, que ficou portadora de sequelas avaliadas em 6 pontos de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (TNI), teve período de repercussã o temporária na Atividade Profissional Total fixável num período de 132 dias e um período de repercussão temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período de 124, que tem de empregar esforços acrescidos para exercício da sua atividade profissional, não tendo perda de capacidade de ganho e cujo quantum doloris foi fixado no grau 4 e o dano estético no grau 2 de acordo com a TNI, é adequada a fixação de indemnização global de 55.000 € de acordo com a equidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 6340/19.8T8.PRT.P1 – Juízo Central Cível do Porto, Juiz 4.

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeiro adjunto: Jorge Martins Ribeiro

Segunda adjunta: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:
1. Em 18-03-2019, AA intentou ação a seguir a forma de processo comum contra A... – Companhia de Seguros, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de indemnização no valor de 246.213,40 € pelos danos que sofreu em consequência de acidente de viação cuja ocorrência imputa a condutor de veículo seguro na Ré.
2. Esta contestou, em 29-04-2019, alegando que a Autora seguia como passageira de veículo automóvel interveniente no acidente sem usar o cinto de segurança, o que contribuiu para os danos pelos quais quer ser ressarcida. Impugnou parte dos referidos danos e defendeu ser excessiva a indemnização pedida para a sua reparação. Pediu a intervenção acessória de BB condutor do veículo seguro, alegando ter contra ele direito de regresso por conduzir, no momento do acidente, com taxa de alcoolemia de 0,89 g/l.
3. Por despacho de 21-06-2019 foi tal intervenção admitida e foi citado o chamado que não apresentou contestação:
4. A 17-06-2019 o Instituto de Segurança Social, Instituto Público apresentou articulado pelo qual pediu o reembolso de 1.199,92 €, valor que afirmou ter pagado à Autora a título de subsídio de doença em consequência do acidente descrito nos autos.
5. A Ré “A...” contestou tal pedido, uma vez mais imputando à Autora a culpa pela produção do dano sofrido e impugnando parte dos factos alegados pelo Instituto de Segurança Social, Instituto Público.
6. A 13-01-2020 foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador em que se fixou o valor da causa, se afirmou a validade e a regularidade da instância e se fixaram o objeto do litígio e os temas da prova. Foram admitidos os requerimentos instrutórios, entre eles a realização de prova pericial ao dano corporal da Autora.
7. Esta apresentou reclamação à seleção dos temas da prova que foi indeferida por despacho de 07-03-2020.
8. Apresentado o relatório pericial em 21-07-2022, a Autora reclamou do mesmo, manifestando a sua discordância e pedindo que sobre ela se pronunciassem os peritos.
9. Tal pretensão foi indeferida por despacho, de 09-11-2022, pelo qual se designou data para a audiência de julgamento que veio a realizar-se em 01 e 12 de junho de 2023.
10. A 30-08-2023 foi proferida sentença que condenou a Ré a pagar à Autora indemnização de 60.150 € pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por ela em consequência do acidente dos autos, quantia essa sobre a qual incidem juros, bem como a pagar ao Instituto de Segurança Social o valor por ele peticionado.

II - O recurso:

É desta sentença que recorrem a Autora e a Ré, pretendendo a primeira alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação com a consequente condenação da Ré no pagamento de indemnização no valor de 105.848,78 € e a segunda a redução do valor da indemnização por danos não patrimoniais para a quantia de 15.000 €.

Para tanto, alegam o que sumariam da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:

A Autora:

“1 - Vem o presente Recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente provado o pedido formulado pela A. na Petição Inicial, condenando a Ré ao pagamento de uma indemnização à A. no montante total de 60.150,00€ (sessenta mil cento e cinquenta euros).

(…).

4. De modo que, independentemente do acerto intrínseco que a douta decisão, em si mesma, encerra, a mesma padece, porém, de erro e contradição notória na apreciação

da prova produzida, como a reapreciação que ora se pretende da prova gravada e de mais prova constante dos autos, se crê, o permitirá concluir.

5. Deu como provado a Mm.ª Juiz a quo, que à data da ocorrência do sinistro a A. auferia o vencimento mensal de 700,00€ (setecentos euros);

6. Considerou a Mm.ª Juiz a quo ser de valorar a “assertividade do depoimento” da testemunha CC, àquela data, marido da Autora, no que especificamente

se refere ao rendimento auferido pela Autora àquela data. DD

7. No entanto note-se, num breve excerto da transcrição de uma mera frase da citada testemunha, o que realmente diz: (Testemunha CC): Eu acho que levava um pouco mais do que o mínimo, na ordem dos 700 euros e setecentos e poucos euros. (min. 00:04:16 a 00:04:23) – Negrito e sublinhado nossos.

8. Não se encontra compreensão para o citado testemunho ser prova cabal e suficiente para formar a convicção da Mmª Juiz a quo, quanto à fixação do montante base do vencimento da A, tanto mais que, contende diretamente com a prova documental junta aos autos pela Autora, mais concretamente, com o Doc. n.º 12 junto com a Petição Inicial, fls. (…), que corresponde a um recibo de vencimento da Autora.

9. Não obstante, a Mm.ª Juiz a quo, acaba por ignorar simplesmente, os documentos juntos aos autos pela Autora, nomeadamente, um recibo de vencimento, que demonstra a quantia de 850,00€ (oitocentos e cinquenta euros), que era auferida pela A. a título de remuneração.

10. Mas, mais relevante ainda, a Segurança Social em 27.01.2020 junta a fls (...) dos autos, o extrato das remunerações auferidas pela A., assim se comprovando, inelutavelmente, que a mesma auferia àquela data uma remuneração base de 850,00€ (oitocentos e cinquenta euros) e não de 700,00€ (setecentos euros), como veio a Mm.ª Juiz a quo, erradamente, a fixar!

11. Pelo que, para efeitos de cálculo indemnizatório, o montante base de vencimento da A. A ser considerado deve ser de 850,00€ (oitocentos e cinquenta euros).

12. Porém, a A. não auferia somente o salário base, a mesma tinha, igualmente, direito ao subsídio de alimentação no montante diário de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos), abono para falhas no montante mensal de 42,50€ (quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) e ajudas de custos-quilómetros, no montante mensal de cerca de 209,52€ (duzentos e nove euros e cinquenta e dois cêntimos).

13. A soma de todas as rubricas constantes do recibo de vencimento da A. perfaz um total entender, deve ser o montante da média mensal a considerar para apurar o rendimento que a A. deixou de auferir mensalmente por conta do sinistro de que foi vítima.

14. Assim, considerado o montante de 1.195,96€ x 12 meses + 850,00€ (oitocentos e cinquenta euros) x 2 (subsídio de férias e de natal) = 16.051,52 : 14 meses = média mensal de 1.146,53€ (mil cento e quarenta e seis euros e cinquenta e três euros).

15. A este respeito, e de modo bastante preciso e claro, a Autora nas suas declarações de parte, (devidamente transcritas no presente recurso), explicou as suas condições de trabalho, que aliás, são corroboradas pelo teor do recibo de vencimento junto aos autos com a Petição Inicial, sob Documento n.º 12, ou seja, que recebia abono para falhas porque lidava com os “caixas”, ajudas de custo para compensar os quilómetros que percorria e subsídio de alimentação, acrescentando ainda que, estava a quinze dias do término do seu período experimental de seis meses e que por estar prestes, em simultâneo a concluir a sua licenciatura, seria aumentada seguramente para o dobro do salário base até então auferido.

16. Isto posto, partilhamos do entendimento, aliás com profundo acolhimento jurisprudencial, de que a quantia a considerar para efeitos de cálculo de indemnização deve ser a correspondente à média mensal do montante auferido pela A. e não somente o vencimento base, que, foi até erradamente fixado na douta sentença da qual se recorre.

17. Concomitantemente, apurado o valor médio mensal auferido pela A. ao serviço da Entidade Empregadora, na altura no montante de 1.146,53€ (mil cento e quarenta e seis euros e cinquenta e três euros) e;

18. Considerando-se que o sinistro ocorreu no dia 13 de Maio de 2016 e a mesma manteve-se incapacitada para o trabalho até Janeiro de 2017, (132 dias de Incapacidade Total e Absoluta e 124 dias de Atividade Profissional Parcial), então o valor total que deveria ter auferido é de ITA 132 dias = 1.146,53€ x 4 meses + (1.146,53€ : 22 dias) x 12 dias = 5.211,50€ (cinco mil duzentos e onze euros e cinquenta cêntimos); (+) APP 124 dias = 1.146,53€ : 2 (50%) = 573,26€ (quinhentos e setenta e três euros e vinte seis cêntimos) x 4 meses = 2.293,06 : 22 dias x 4 dias = 104,22€, num total de = 7.608,78€ (sete mil seiscentos e oito euros e setenta e oito cêntimos);

19. Sendo certo que, àquele montante, devem acrescer os montantes do subsídio de férias e de natal, ou seja, 850,00€ (oitocentos e cinquenta euros) x 2 = 1.700,00€ (mil e setecentos euros), tudo num total de (7.608,78€ + 1.700,00€) = 9.308,78€ (nove mil trezentos e oito euros e setenta e oito cêntimos).

20. Além disso, apurou-se em sede de sentença, que a Ré já terá pago à Autora a quantia global de 5.835,00€ (cinco mil oitocentos e trinta e cinco mil euros) e que teria a mesma pago os salários à A. até 30 de Setembro de 2016!?

21. No entanto, note-se que a Ré, não obstante ter efetuado transferências para a A. Até àquela data de 30 de Setembro de 2016, no descritivo de transferências, cujos comprovativos junta com o seu requerimento probatório, constante de fls. (...) dos autos, identifica-as como “pagamento de indemnização”, pois como veio a própria A. a esclarecer no seu depoimento, as quantias transferidas pela Ré não serviram apenas para pagamento de eventuais salários, mas igualmente para reembolso de despesas de saúde que foi reportando nesse período.

22. Em boa verdade, na própria sentença a quo, não se consegue apurar a que título foi aquela quantia paga pela Ré à Autora!

23. Daí, resultar da decisão a conclusão de que terá de se apurar (presume-se, em sede de execução de sentença), a que título a Ré terá pago aquela quantia à A. e deduzir ao valor indemnizatório, as quantias que tenham sido transferidas a título de pagamento de salários.

24. Todavia, como se defende, para que tal apuro seja feito, é antes de mais necessário que se reconheça à A. o valor exato a que tem direito a esse título, pois como vem de se demonstrar, o montante que resulta da sentença (700,00€), além de não ser o montante base a que comprovadamente a A. tinha direito e que efetivamente auferia, não engloba todas as rubricas do rendimento mensal, a que a mesma tinha direito no exercício da sua profissão.

25. Até porque, vem sendo unânime a Jurisprudência ao entender que o montante indemnizatório a ser considerado deve abarcar a quantia média mensal que a Trabalhadora auferia, aí calculados os montantes de subsídio de alimentação, abonos para falhas e ajudas de custo e não somente o salário base!

26. É do entendimento da melhor Jurisprudência que, “As regras da responsabilidade civil visam a reposição do status quo ante e a reparação integral dos danos, a fim de tornar indemne o lesado.” e ainda que, “Neste domínio aplica-se um conceito amplo de retribuição, semelhante ao fixado no regime de reparação dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais, que inclui «todas as prestações recebidas pelo sinistrado com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios» (artigo 71.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro)” – cfr. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.03.2022, proc. n.º 959/15.3T8ALM.L1.S1. 27. Sendo ainda possível, do mesmo Acórdão do STJ, é possível retirar que: “Uma prestação mensal média de (...), regular e periódica, auferida de forma permanente, ainda que formalmente classificada como “despesas/ajudas de custo” nos recibos de vencimento, constitui contrapartida da atividade profissional do trabalhador, destinada a compensar o esforço e dispêndio de tempo com viagens semanais no país e no estrangeiro, e não reembolso de despesas.”

28. Além do mais, é incontestável a aceitação de que “... o subsídio de alimentação pago mensalmente por um montante pré-fixado é uma prestação certa e regular e integra-se no conceito de retribuição a atender como base de cálculo para as prestações reparatórias.” – Sublinhado nosso – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08.03.2012, proc. n.º 1370/05.0TBBNV.L1.

29. Não esquecendo, como refere o mencionado Acórdão, que é aplicável ao caso em apreço o regime constante do artigo 71.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais), na redação conferida pela Lei n.º 83/2021, de 06 de Dezembro.

30. Assim, necessariamente, para além de todas as rubricas constantes do recibo de  vencimento da A. deverem ser consideradas para o cálculo do seu vencimento mensal, como se esclareceu anteriormente, também o montante dos subsídios deverá integrar esse cálculo, como melhor se transcreve do n.º 3 do citado artigo: “Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.” – Negrito e sublinhado nossos.

31. Consequentemente, uma vez respeitados os critérios legais para obtenção do montante de retribuição a ser pago à Autora a título de prestação reparatória, dúvidas não podem restar de que o montante a fixar-se como retribuição mensal devida à Autora pela Ré é de 1.146,53€ (mil cento e quarenta e seis euros e cinquenta e três euros), por tudo quanto se expôs já, devendo arbitrar-se a esse título a quantia total de 9.308,78€ (nove mil trezentos e oito euros e setenta e oito cêntimos).

Ademais,

32. Não deu como provado a Mmª Juiz a quo, que por virtude da prolongada ausência do trabalho, não atingiu a A. no ano de 2016 os objetivos propostos, pelo que, perdeu também, o prémio anual de 3.600,00€ (três mil e seiscentos euros);

33. Aliás, a Mm.ª Juiz a quo desvalorizou até o potencial ganho por parte da Autora, bem como a sua expetativa na obtenção do prémio anual, baseando essa consideração exclusivamente no depoimento da testemunha EE. O que de todo o modo

e, salvo o devido respeito, nos parece parco.

34. É que, como se pode verificar do recibo de vencimento da A. junto a fls (...) dos autos, facilmente se pode constatar a inserção de um prémio anual na mencionada quantia.

35. Ainda que pudesse existir dúvida quanto ao montante do prémio a atingir pela Autora, a verdade é que, do depoimento da testemunha EE – que a Mm.ª Juiz a quo

usa para afastar a pretensão da A. – conjugado com o próprio depoimento da Autora, sempre poderia a mesma concluir que era legítima a pretensão da A. em atingir e receber o prémio anual, ainda que o montante a receber pudesse ser inferior ao peticionado.

36. Pelo que, não pôde a A, conformar-se com a posição da Mmª Juiz a quo, dado que, era (à data do acidente de viação de que foi vítima) uma mulher de 36 anos, alegre e escorreita, mãe de um filho de 12 anos, ambiciosa e com objetivos muito definidos a curto prazo para a sua vida profissional.

37. Tudo isto é manifestamente possível de intuir a partir dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, exatamente porque consta dos autos que a Autora trabalhava durante o dia no departamento financeiro de uma empresa e à noite, estudava para conseguir progredir na carreira!

38. Aliás, estava a Autora no último ano da licenciatura em Gestão de Empresas (B...), prestes a terminar, quando se deu o acidente de viação naquele 13 de maio de 2016!

39. A este respeito e com bastante relevância para o facto em análise, a Testemunha FF referiu no seu depoimento, de modo bastante sincero que: “Passou mesmo, passou porque na altura foram muitas contrariedades de volta da AA, o marido estava em Angola e ela estava sozinha, era ela que fazia tudo, levar o filho à escola, enfim, todo o serviço era feito por ela, ir buscar o miúdo para o levar às aventuradas, esperava por ele para o trazer, entretanto ela tinha um emprego foi estudar à noite, para progredir na carreira e não tinha a licenciatura foi estudar à noite e entretanto deu-se o acidente e ela teve de parar de estudar, teve de recorrer a serviços de terceiros para a ajudar com o filho, até na higiene pessoal dela, de familiares e amigos, que a ajudavam bastante e entretanto a progressão na carreira não se concretizou, pelo que ela só voltou às aulas, se não estou em erro um ano, um ano e meio depois...” (min.00:07:46 a 00:08:52) - Negrito e sublinhado nossos.

40. A própria A. nas suas declarações explicou de modo coeso que: (Autora): Tinha, tinha, tinha um prémio anual, em cumprimento de diversos cálculos TIS que tinha a ver com as datas de apresentação dos relatórios, a melhoria da performance da equipa, a melhoria do departamento financeiro, tinha vários (…) (min. 00:10:39 a 00:11:01) (...) (Autora): Ah, o acordado era entre o salário e meio a dois por ano. (min. 00:11:13 a 00:11:18);

41. Facilmente se constata que, de facto, a A. vivia com a legítima expetativa de atingir o prémio anual e ver o seu salário aumentado para o dobro.

42. Aliás, a A. estava a trabalhar e a estudar à noite exatamente para obter o grau de licenciada e com isso, uma vez terminado o período experimental, poder passar a usufruir de melhores condições financeiras, no que à sua retribuição mensal laboral concernia. 43. Da conduta da A. é inequívoca a demonstração de tamanha força de vontade e dedicação ao trabalho e carreira, que só se poderiam refletir na verdadeira expetativa de ganho, de um ganho maior, do alcance do prémio anual, bem como do aumento salarial, que acabou a não auferir de imediato, visto que, devido ao acidente de que foi vítima, não lhe foi possível, em tempo útil, terminar a licenciatura!

44. Assim sendo, transcreve-se um breve excerto do depoimento da testemunha EE, em cuja intervenção se sustenta a Mm.ª Juiz a quo para afastar a legitima expetativa da Autora, no recebimento do prémio anual, Leia-se: (Mandatário da A): Portanto era Diretora administrativa e financeira. Se eu lhe mostrar ali um recibo? Antes

de mais, sabe quanto é que ela ganhava? (min. 00:03:34 a 00:03:44); (Testemunha EE): Não porque eu era do apoio ao cliente, ou seja, eu não tinha acesso aos salários das outras pessoas e depois acho que não faz sentido perguntar pelos salários dos outros (...) (min. 00:03:45 a 00:03:54;

45. Ora, referiu a Mm.ª Juiz a quo, na sua fundamentação, que “...além do exposto pela Testemunha EE, e que apontou que poderia ter um prémio de um salário ou dois, sendo que tinha um ordenado bem mais substancial do que a A, o que retira qualquer credibilidade ao alegado pela A., neste domínio, não sendo as declarações de parte da A. Suficientes, só por si, para ultrapassar o que fica exposto, no sentido de habilitar o Tribunal a decidir noutro sentido.”

46. Todavia, repare-se que a citada testemunha em momento algum do seu depoimento (das 10:39:13 até às 10:49:52), concretizou a quantia que alguma vez havia auferido a título de prémio, mesmo tendo com segurança confirmado que a Entidade Empregadora pagava prémios aos funcionários em função do cumprimento de objetivos anuais e;

47. Além de tudo o mais, a testemunha, ao contrário do que se alega na douta sentença de que se recorre, afirmou desconhecer qual era o salário da A.!

48. Mas, vai mais longe a Mm.ª Juiz a quo e refere até que esta testemunha tinha um ganho bem mais substancial do que a A., por conseguinte, não sendo credível que esta última viesse a receber um prémio maior do que a colega!? Contudo, a própria testemunha EE, além de nunca concretizar qual era o seu vencimento ou o vencimento da A., esclareceu que ela (a testemunha) desempenhava funções no “apoio ao cliente”!

49. Ora, com o devido respeito, como a Mm.ª Juiz a quo veio a concluir não atribuir credibilidade à expetativa no ganho do prémio anual pela A., para tanto alegando que esta testemunha, notoriamente com uma categoria profissional inferior, teria um ganho maior do que a A.?!

50. Salvo douto entendimento, claro está de ver que a Autora tinha objetivos muito definidos e, inclusivamente, já muito próximos de alcançar, para a final, progredir profissionalmente!

51. É, por conseguinte, absolutamente legítima a sua expetativa de ganho, no que concerne ao prémio anual que lhe havia sido prometido e que, como comprovou (recibo de vencimento constante de fls. (...) dos autos), veio no ano posterior a auferir!

52. Nesse sentido, aliás, já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, ao considerar que, “O prémio de desempenho pago pelo empregador, com carácter de regularidade e permanência, constitui prestação, devida por este, a integrar a retribuição do sinistrado, para efeitos de cálculo.” e ainda, “O facto do seu montante ser variável, por depender dos critérios objetivos definidos pelo empregador, é irrelevante, visto nada ter a ver com a regularidade dessa prestação.” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11.05.2015, proc. n.º 883/08.6TTMTS.P1 - Negrito e sublinhado nossos.

53. Tratamento idêntico tem sido dado pela melhor Doutrina, ao entender que: “…ao contrário destas gratificações extraordinárias, há outras que se devem entender como integrando a retribuição: são aquelas que são devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua perceção esteja condicionada a bons serviços, e também aquelas que, pela sua importância e regularidade, devam considerar-se elemento integrante da retribuição (art.261.º, n.ºs 2 e 3 do Código do Trabalho). Na verdade, representam atribuições patrimoniais com que os trabalhadores podem legitimamente contar, quer pela sua previsão no contrato e nas normas que o regem, quer pela regularidade e permanência com que são prestadas, conferindo-lhes justas expectativas quanto ao seu recebimento.”, – cfr. Bernardo Lobo Xavier, “Iniciação ao Direito do Trabalho”, 3.ª edição, pág. 336 – Negrito e sublinhado nossos.

54. Assim, necessariamente, por tudo quanto vem de se expor, julgou erradamente a Mm.ª Juiz a quo, ao retirar credibilidade à pretensão da A. na obtenção do prémio anual que lhe havia sido prometido, porquanto se deixou claro que subsiste nos autos prova documental e testemunhal mais do que suficiente para suportar a expetativa quanto a esse ganho, cuja possibilidade de obtenção perdeu efetivamente por conta do sinistro de que foi vítima.

55. Aliás, ressalve-se que a A. provou, incontestavelmente, que no final do ano de 2017, veio de facto a auferir o montante de 3.600,00€ (três mil e seiscentos euros) a título de prémio anual, tudo como melhor consta do recibo de vencimento constante de fls. (...) dos autos!

56. De modo que, deve considerar-se arbitrar a favor da A. sempre, uma quantia igual a pelo menos o equivalente a um salário, que no caso, e segundo as declarações da A. Supra transcritas, seria, no mínimo, de 1.700,00€ (mil e setecentos euros), dado que estava a 15 (quinze) dias de terminar o período experimental e o seu vencimento seria atualizado para o dobro!

Destarte,

57. A A. peticionou a quantia total 590,00€ (quinhentos e noventa euros), dado que no acidente, objetos pessoais ficaram danificados ou destruídos, a saber: “um relógio no valor de 200,00€; uns óculos de sol no valor de 250,00€; um par de calças no valor de 110,00€; uma camisa no valor de 30€”, o que a Mm.ª Juiz a quo deu como não provado.

58. Foi bastante assertiva a A. na descrição que fez dos mesmos, aquando das suas declarações de parte, uma vez inquirida pelo Mandatário da Ré, declarações essas transcritas no presente recurso e que se dão aqui por reproduzidas, por mera questão de economia processual.

59. Porém, sempre se dirá a esse respeito, que além de ter descrito os bens que tinha consigo, concretizou com segurança o valor pago pela aquisição desses bens (essencialmente roupa) e igualmente, não omitiu que, por exemplo, o relógio (de algum valor), lhe havia sido oferecido de presente de natal.

60. Pelo que, não pode chocar o pedido da A. que, como bem se compreenderá e decorre até do senso comum, viu os seus bens pessoais destruídos.

61. Relembre-se que, a A. teve de ser desencerada da viatura acidentada! Não pôde sair pelo próprio pé, como aliás nos esclarece o depoimento prestado pela testemunha, FF, quando refere que: “Quando vieram os bombeiros eu já estava cá fora e os bombeiros tiveram de a desencarcerar.” (min. 00:02:32 a 00:02:34) – Negrito e sublinhado nossos.

62. Por conseguinte, não pode ter acolhimento a posição de que a A. não conseguiu provar esses danos, tanto mais que resultam inequívocos do sinistro em si e do modo como foi socorrida!

63. Não obstante não ter a ora Recorrente junto aos autos comprovativos do valor pecuniário de cada um dos itens pessoais destruídos, é facto manifesto e notório que a sua roupa ficou inutilizável e o seu relógio ficou partido.

64. No entanto, “A circunstância de não se ter provado o valor das roupas da Autora que ficaram danificadas, não é obstativo à pretensão deduzida porquanto deverá a mesma Autora ser indemnizada através do recurso à equidade – (artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil)”, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23.02.2017, processo n.º 3088/12.8TBLLE.E1 - Negrito e sublinhado nossos.

65. Por conseguinte, deve à A. ser arbitrada a quantia peticionada, no montante de 590,00€ (quinhentos e noventa euros), mesmo considerado, como refere a melhor jurisprudência, um recurso à equidade, vertido sobre o caso em apreço que, como se demonstrou já, resultou num acidente – “embate violento” e no desencarceramento da A. Acresce que,

66. A A. peticionou ainda algumas quantias por conta das despesas que teve de suportar com a sua alimentação, transporte e auxílio e cuidados prestados por terceiros, no montante de cerca de 5.200,00€ (cinco mil e duzentos euros).

67. Porém, julgou a Mm.ª Juiz a quo não ser de considerar os montantes peticionados pela A., para tanto argumentando que a mesma não juntou aos autos comprovativos de pagamento dessas despesas, muito embora tenha admitido que a mesma necessitou e contou com esse apoio de terceiros.

68. Salvo melhor entendimento, mostra-se manifestamente contraditória a convicção formada na sentença de que se recorre, dando como provada a necessidade da A. Se socorrer do auxílio de terceiros, bem como, a efetiva ajuda dessas pessoas terceiras, sem, contudo, valorar, ainda que por recurso a um juízo de equidade, um montante cabal,

o suficiente para a compensar dos eventuais gastos que teve, nessas circunstâncias, de suportar.

69. Isto é, ainda que a A. não tivesse como apresentar documentação comprovativa desses gastos que indicou, deu-se como certo a sua absoluta impossibilidade por um longo prazo na execução das tarefas mais básicas, fossem elas de limpeza do seu lar, como de si mesma e demais cuidados.

70. A este respeito, deveria ser considerado o testemunho de GG, considerado pela Mm. ª Juiz como dos “mais revelantes”, que não só foi capaz de caracterizar as profundas limitações vividas pela A., como esclareceu também que era ela quem transportava a A. para consultas médicas: (Mandatário da A): E ela pagava-lhe? (min. 00:02:55 a 00:02:56); (Testemunha GG): Não monetariamente, mas levava-a às consultas e ela pagava a gasolina, pagava-me o almoço. (min. 00:02:57 a 00:03:06).

71. Igualmente a este respeito, entendemos que não foi devidamente valorado o testemunho de HH, igualmente considerado como “relevante”, na formação da convicção da Mmª Juiz a quo, quando bem descreveu que a A. necessitava de cuidados e fisioterapia e era o mesmo quem assegurava o seu transporte a todas as sessões. – Cfr.

Transcrições ((min. 00:04:04 a 00:04:35);

72. E mais, deixou bem claro esta Testemunha no seu depoimento aqui transcrito (min.00:04:36 a min. 00:04:56), que a A. teve efetivamente de contratar uma senhora para cuidar da limpeza da casa, durante praticamente todo o período em que esteve incapacitada, pois todos os restantes que a ajudavam nas deslocações a tratamentos e consultas, ajudavam com o filho pequeno, não podiam cuidar também da limpeza da sua casa.

73. Consequentemente, deveria a Mm.ª Juiz a quo ter arbitrado quantia idónea pelos encargos e despesas que a Autora efetivamente suportou, em contrapartida pelo auxílio de terceiros, familiares e não familiares, termos em que nos parece incorrer em erro a sentença proferida a quo, na parte em que improcede, totalmente, a quantia peticionada pela Autora a este título.

74. Devendo, ainda que por mero juízo de equidade, ser arbitrada à A. a quantia por si peticionada, no montante total de 5.200,00€ (cinco mil e duzentos euros), visto que permaneceu por 132 (cento e trinta e dois) dias em estado de incapacidade absoluta permanente e por mais 124 (cento e vinte e quatro) dias, em atividade parcial, permanecendo na dependência da ajuda de terceiros ainda que não totalmente.

Do Dano Biológico, em especial,

75. Deu-se como provado, na sentença da qua se recorre, que em 13 de Maio de 2016, na sequência de um violento embate provocado pelo veículo ..-BS-.. no veículo que se encontrava imobilizado, por respeito a um semáforo com sinal vermelho, com a matrícula ..-..-XC, (onde se encontrava a A.), foi este último veículo projetado cerca de 29 metros para a frente. – Negrito e sublinhados nossos.

76. Mais, resultou provado que, a A. sofre de sequelas anátomo-funcionais que lhe conferem um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos em função das sequelas resultantes das fraturas da D12 e S4 e pelas alterações permanentes na coluna cervical.

77. Todavia, não se discordando das lesões e sequelas de que efetivamente a A. sofreu, não se concorda em pleno com o grau de défice funcional permanente que lhe é fixado em 6 pontos.

78. Tanto mais que, para efeitos de fixação do grau de défice funcional permanente, a Mmª Juiz a quo, socorreu-se somente do Relatório Final, emitido pelo IML do Porto, em 18 de Julho de 2022, constante de fls. (...) doas autos, (concluído mais de 6 anos após o acidente), ignorando por completo todos os restantes relatórios de avaliação constantes dos autos e;

79. Mais do que isso, não observou a Mmª Juiz a quo, que o citado Relatório Final do IML do Porto, não havia considerado na sua avaliação final, uma sequela que comprovada e inelutavelmente a A. tem, ou seja, - Lesão na coluna dorsal – D12, lesão esta cuja existência inclusive, resulta provada!

80. Entenda-se que, da sua fundamentação resulta provado que a A. sofre de sequelas e por conseguinte tem o citado défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, em função de fraturas na D12 e S4 e, pelas demais alterações ao nível da coluna cervical.

81. Todavia, mesmo que, salvo melhor entendimento, não estivesse a Mmª Juiz a quo, vinculada ao teor dos relatórios médicos, podendo no seu juízo de ponderação decidir de modo diverso;

82. A verdade é que, existia, entre outros, um Relatório de Avaliação do Dano Corporal, emitido pela UML, em 07 de Dezembro de 2017, constante de fls. (..) das autos, que indicava um défice funcional permanente de 16 pontos.

83. Ora, a este respeito já se ressalvou que, a avaliação no IML do Porto é tardia, pois acontece volvidos anos do acontecimento, portanto, como será compreensível, existindo já alguma recuperação da A. quanto à aceitação física e psíquica dos seus quadros de dor e limitações com as quais aprendeu a viver no dia-a-dia.

84. Mas, mais importante do que isso, é que efetivamente como se pretende demonstrar o Tribunal ad quem, o défice não foi devidamente valorado, pois uma das sequelas de facto permanecentes, não foi considerada para apuro do grau atribuído.

85. Ora, com base no mesmo diploma legal - TNI - Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil - Decreto-Lei n.º 352/07, de 23/10 e Portaria n.º 679/09, de 25/06 – Do Relatório Final de Avaliação do Dano Corporal UML, datado de 01-12-2017, resulta atribuído à A., um défice funcional grau 16;

86. Aquele Instituto baseia a sua pontuação no critério: Md0903 – Com lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas na coluna torácica ou dorsal: dores frequentes com limitação funcional, clinicamente objetivável, implicando terapêutica ocasional – valorável entre 3 a 6 pontos; e,

87. Md0904 – Com lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas na coluna lombar e charneiras toraco-lombar e lombo-sagrada com dores muito frequentes e/ou intensas com acentuada limitação funcional clinicamente objetivável implicando terapêutica continuada, valorável de 8 a 12 pontos.

88. Já o Relatório de Avaliação do Dano Corporal, emitido pelo IML do Porto, a 18-07-2022, para aferir daquele grau 6 de défice funcional, baseou-se no Md0905 – Com lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas na coluna lombar e charneiras toraco-lombar e lombo-sagrada com dores frequentes, com limitação funcional clinicamente objetivável, implicando terapêutica ocasional, valorável de 3 a 7 pontos; e, 89. Md801 – Coluna cervical: sem lesão óssea ou disco-ligamentar documentada (dores intermitentes implicando medicação analgésica e/ou anti-inflamatória com reduzido compromisso da mobilidade), valorável de 1 a 3 pontos.

90. Não devendo ser considerado errado o teor do Relatório do IML, a verdade é que o mesmo é omisso quanto à lesão dorsal que resulta provada (D12)!

91. É do nosso entendimento e, salvo o devido respeito, absolutamente incontestável, que o recurso ao critério de aferição de défice funcional permanente com o código Md0903, teria necessariamente de ser valorado, pois é o critério específico a apontar à lesão dorsal que se dá como provada em sede sentença, permanecer na A.

92. Consequentemente, e porque avaliação diversa dessa lesão não existe, ter-se-ia por conseguinte, a este respeito de considerar a pontuação atribuída no mencionado relatório de 07 de Dezembro de 2017, especificamente quanto à lesão dorsal na D12, isto é, de 6 pontos, o que perfaz em conjugação com o relatório do IML de 18 de Julho de 2022, uma pontuação de 12 pontos.

93. Acrescente-se que, a nosso ver, não foi devidamente ponderado o grau de défice funcional atribuído à A., tanto mais que, a Mmª Juiz a quo, não teve sequer em consideração que os serviços de avaliação médica da própria Ré, portanto, parte interessada na desvalorização do défice, em Relatório próprio junto sob documento n.º 10 com a PI da A, atribuíram um défice funcional de grau 7!

94. Muito embora, nos esclareça a melhor jurisprudência, que, “os elementos fornecidos pela Portaria n.º 377/08, de 26.05, não são vinculativos, pelo que o Tribunal é livre de escolher o melhor critério para determinação do montante dos danos patrimoniais futuros.” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20.12.2012, referente ao processo n.º 853/09.7TBEVR.E1.

95. Em boa verdade, já falhou a análise ao défice funcional efetivamente existente e que deveria ter sido atribuído à A., porque não considerou como devia a lesão dorsal – D12, o que não foi oportunamente detetado pela Mmª Juiz a quo, mas se acredita não ter como escapara à verificação mais atenta deste Tribunal para o qual se recorre.

96. Significando isso que, o seu défice (da A.) é superior ao considerado, não sendo pontuado em 6, mas antes em 12, o que deverá necessariamente ter implicações no aumento da quantia indemnizatória.

97. Logo e, para efeitos meramente orientadores, sempre deverá o Tribunal ad quem, fazendo melhor apreciação, ter em atenção o Anexo IV da Portaria n.º 679/09, de 25.06, que atendendo à valoração de 12 pontos e, mesmo considerando-se aí o valor mínimo da tabela (que, como se disse, não é vinculativo), a A. à data do acidente com 36 anos de idade e face à esperança média de vida calculada àquela data, por mais 47 anos, deveria receber a título de danos patrimoniais (biológicos), quantia não inferior a 52.803,00€ (cinquenta e dois mil oitocentos e três euros).

Mais,

98. Deu a Mm.ª Juiz a quo como provado que, a Autora, em virtude do traumatismo sofrido, apresentava lesões nas seguintes peças dentárias: 14 (fratura da cúspide palatina e fissura de esmalte em vestibular), 13 (fratura da ponta da cúspide), 11 (fissura de esmalte), 21 e 22 (fratura do bordo incisal), 24 (fratura da cúspide palatina e mobilidade com suspeita de fratura radicular), 25 (fratura da coroa – dente endodonciado), 35 (fratura da vertente vestíbulo-distal), 33 (fratura da vertente distal, com mobilidade e dor ao toque), 32 (fissura de esmalte, com mobilidade e imensa dor ao toque), 43 (fratura da ponta da cúspide), 44 (fratura da ponta da cúspide vestibular) e 45 (fratura da parede mesiolingual), tendo sido elaborado um plano de tratamentos que previa ainda, a endodontia dos dentes 21, 25, 32, 34 e 45, com aplicação de implantes, coroas e goteiras.

99. Tais constatações da Mmª Juiz a quo, resultam também dos Relatórios/Orçamentos juntos pela Autora com a sua Petição Inicial, documentos n.º 5 a 8, constantes de fls. (...), dos autos, que fixam a reparação completa dos problema dentários no montante de 6.247,00€ (dois mil e duzentos e quarenta e sete euros).

100. De facto, a Autora apresentava além de várias peças dentárias danificadas, uma sintomatologia dolorosa, tanto à percussão horizontal e vertical, como ao frio e ao calor, e ainda, dor na articulação temporomandibular (ATM), com agudização à direita, o que igualmente foi dado como provado em sede de sentença.

101. Todavia, a Mm.ª Juiz a quo, contrariamente aos factos que dá como provados, acaba a determinar que a Autora só precisa de fazer tratamentos de medicina dentária em relação aos dentes 21, 25 e 45, com aplicação de coroas, para tanto fixando para este efeito uma quantia de 1.650,00€ (mil seiscentos e cinquenta euros)!?

102. Entenda-se que, o Relatório Final de Medicina Dentária, emitido pelo IML, do Porto, de 11 de Setembro de 2021, constante de fls. (..) dos autos, corrobora na totalidade as queixas da A., as peças dentárias que tem danificadas e que necessitam de reparação, que correspondem totalmente às que a Mm.ª Juiz a quo dá como provadas e que estão devidamente orçamentadas, naquele valor total de 6.247,00€ (dois mil e duzentos e quarenta e sete euros).

103. Pelo que, não se vislumbra a razão para a decisão de apenas conferir à A. uma quantia diminuta para reparações (pequenas e superficiais) de alguns dentes (três), quando na verdade subsistem nos próprios autos evidências que comprovam que todas aquelas mencionadas peças dentárias sofreram danos e necessitam de ser reparadas.

104. Consequentemente, estamos em crer que deverá o Tribunal ad quem, repor a favor da A. a quantia orçamentada (6.247,00€ (dois mil e duzentos e quarenta e sete euros), para reparação de todas as peças dentárias que foram danificadas em resultado do acidente de que foi vitima a A.

105. Corrigindo desse modo, o erro na apreciação da prova produzida e constante dos autos, assim, colmatando a contradição existente na própria fundamentação da sentença da qual se recorre.

Do Quantum Doloris,

106. Por fim, mas tão ou mais importante, cremos ainda que, apesar de muito próximo da realidade, pecou ainda a sentença na fixação do “quantum doloris”, visto que, como se pretende demonstrar não teve em consideração todos os fatores necessários a uma correta ponderação.

107. O Tribunal a quo, não teve suficientemente em consideração que, a A. à data do acidente, tinha 36 anos de idade, era mãe de uma criança, o marido encontrava-se ausente a trabalhar noutro país, era diretora financeira, trabalhava de dia e estudava de noite para concluir uma licenciatura em gestão de empresas.

108. Que, na noite de 13 de Maio de 2016, sofreu um grave acidente de viação provocado por um terceiro que embateu violentamente no carro em que seguia a A., sentada no banco atrás da condutora e que projetou o veículo para mais de 29 metros de distância.

109. Teve de ser socorrida pelos bombeiros, desencarcerada e transportada para as Urgências do Hospital ..., no Porto.

110. Na sequência desse acidente, resultaram para a A. traumatismos na coluna e na face, no caso, de peças dentárias.

111. Sofreu lesões na coluna cervical tendo de usar um colete de “jewett”, durante cerca de quatro meses, fraturou a coluna dorsal (mormente, o elo D12) e fraturou, igualmente, a coluna lombar (elo S4).

112. Note-se que, a A. fraturou a coluna em dois pontos distintos!

113. Por cerca de 8 meses viveu praticamente na dependência (absoluta ou parcial que fosse) de terceiros.

114. Fraturou com o embate uma série de peças dentárias.

115. Frequentou inúmeras sessões de fisioterapia e nunca recuperou totalmente do acidente de que foi vítima.

116. A vida da A. alterou-se após o acidente de viação que a vitimizou e tal circunstância não pode ser ignorada ou diminuída!

117. A A. vive com sequelas e limitações resultantes daquele evento, que foi provocado por total (i)responsabilidade de um terceiro!

118. A sua dor, todos os sacríficos pelos quais passou e as limitações com as quais terá de viver pelo resto da sua vida, devem ser devidamente quantificadas e indemnizadas, pois há que repor - ou assim não sendo possível - há que a compensar pela vida que almejou e mais não poderá viver, porque alguém lhe provocou lesões e, com isso, alterou o seu modo de viver, a sua liberdade de ser exata e absolutamente quem era, em momento anterior àquele triste evento.

119. Do depoimento conjugado das diversas testemunhas, bem como, das próprias declarações da A., que se transcreveram neste recurso, facilmente se consegue perceber a pessoa ativa e vaidosa que era, a mulher empenhada, que era mãe, esposa, trabalhadora e estudante, tudo em simultâneo;

120. Consegue-se com base nesses testemunhos perceber todo o drama que viveu, frustrações e dores que passou, pela perda da sua autonomia funcional, por ficar, ainda que por tempo determinado, ao total cuidado de terceiros, completamente imóvel;

121. Pela impotência de ver o tempo a passar e a ficarem para trás as oportunidades profissionais e formativas (ex. a perda do prémio anual e o atraso na conclusão da licenciatura);

122. Por todo o esforço que teve de aplicar para se recuperar, porque não se esqueça, tinha um filho pequeno que precisava que a mãe voltasse a cuidar de si e ainda mais, pelo esforço que permanece até aos dias de hoje para execução de tarefas básicas perante as quais se sente profundamente limitada.

123. A A. vive com limitações e tem de empregar esforços acrescidos para o exercício da sua atividade profissional, uma vez que sente dores na coluna de modo permanente, o que se reconhece na sentença da qual se recorre.

124. A este respeito e ainda que não totalmente desconsiderados, deveriam ter sido acolhidos com maior ímpeto, o testemunho de II, aqui transcritos (min. 00:06:57 a 00:09:17).

125. Especialmente na parte que descreve as limitações e quadro de dor da A.,que se indicam: Mandatário da A: Portanto, continua a sentir dor?! (min. 00:09:03 a min. 00:09:04); Testemunha II: Continua a sentir! (min. 00:09:05 a

00:09:06); Mandatário da A: Dores de coluna de cervical, isso afeta-lhe a condução, no trabalho, estar sentada? (min. 00:09:06 a 00:09:10); Testemunha II: Sim muitas vezes ela se queixa, sim, ela diz “já estou aqui de rastos” e muitas vezes tem que recorrer a terapias (…) (min. 00:09:11 a 00:09:17); Testemunha II: Ela continua se a queixar com muitas dores na coluna, no cóccix, ela aí a cada passo, tem que andar a fazer massagens para poder, porque (…) (min. 00:08:52 a 00:09:02);

126. Mandatário da A: Portanto, continua a sentir dor?! (min. 00:09:03 a min. 00:09:04); Testemunha II: Continua a sentir! (min. 00:09:05 a 00:09:06); Mandatário da A: Dores de coluna de cervical, isso afeta-lhe a condução, no trabalho, estar sentada? (min. 00:09:06 a 00:09:10); Testemunha II: Sim muitas vezes ela se queixa, sim, ela diz “já estou aqui de rastos” e muitas vezes tem que recorrer a terapias (…) (min. 00:09:11 a 00:09:17).

127. Igualmente estamos em crer que não foi devidamente valorado o testemunho de JJ, que depôs com acervo, de modo claro e bastante elucidativo, especificamente nos breves trechos que se indicam, ao longo do recurso mais longos:

128. JJ foi perentório ao afirmar, sobre as lesões sofridas pela A., no cóccix e na cervical: “Não, não é o caso. Eu além de ser muito amigo da AA obviamente, tenho lembrança do acidente, eu estive muito presente na recuperação dela, que eu sei que ela esteve mais ou menos sensivelmente de baixa oito meses, e foi penoso, os primeiros meses dela de baixa foram penosos. (min. 00:01:54 a 00:02:13); (...).

129. Mais disse que: “E digo só e posso até dizer, os primeiros três meses, foram penosos. Depois os seis meses seguintes foram maus, que ela tinha muitas dores na mesma, mas já conseguia conviver. Ela os primeiros 3 meses nem convivia, ela era uma pessoa extrovertida, ria-se por tudo, fazíamos convívios e jantares, almoços, ela é que fazia a festa, ela ia e não transparecia que tinha assim muita dor. Mas nós notamos e conhecemo-la bem, aquele cabelo sempre muito escorrido, os olhos sempre a chorar e depois a maneira dela falar, quase em silêncio, poucas palavras, e nós sempre a dizer, “tens muitas dores AA?” e ela “mais ou menos, mais ou menos”, mas foi assim durante meses, meses, meses, meses”. (min. 00:04:42 a 00:05:23) – Negrito e sublinhados nossos. Ainda hoje ela tem dores. (min. 00:05:24).

130. Mas, além disso, não apenas esta testemunha, mas igualmente, EE, com assertividade descreveu as mudanças notadas na A. após o acidente.

131. De forma bastante lúcida e coerente descreveu esta testemunha, ex-colega de trabalho da A., o que havia mudado no modo como a A. se apresentava, no seu modo de ser e de estar.

132. Referiu a testemunha, em depoimento totalmente transcrito ao longo deste recurso, mas aqui de modo sucinto: Eu metia-me sempre com ela porque achava estranho, pois claro notei que ela deixou de usar saltos, tínhamos que a ajudar. Ah, ela nunca por exemplo, o computador, o portátil ela não podia andar com ele, como nos andávamos para trás e para a frente, ela não. (min. 00:06:54 a 00:07:10) – Negrito e sublinhado nossos.

133. E ainda que: Sim e acho que a nível (..) pois claro que tinha de ver com a coluna, mas eu achei que a AA também mudou a nível emocional, porque eu vou-lhe dizer eu metia-me com ela e ela…. Nós só ficamos assim mais colegas porque eu metia-me com ela e havia resposta, não era daquelas colegas empertigadas. Ela também era assim toda alegre, sorridente, e depois de que ela voltou da baixa não era a mesma pessoa, isto é a minha opinião, não é… (min. 00:07:16 a 00:07:53) – Negrito e sublinhado nossos.

134. Daqui e de tudo o mais, que se expôs já, resulta claro que a A. é uma mulher resiliente, uma mulher batalhadora, esforçada, que teima em não se vergar à dor, mas cujo sofrimento, na realidade, não passa à margem das vistas daqueles que bem a conhecem e de quem tenta, a todo o custo, esconder a vulnerabilidade e a tristeza que sente!

135. Ainda assim, não se pode desconsiderar, para efeito de quantificação do dano não patrimonial, não só o sofrimento e as limitações a que a A. foi e permanece sujeita, bem como, os efeitos desse evento na sua personalidade.

136. As consequências desse evento – que não devia ter acontecido – e que, ao acontecer, lhe “roubou” parte da sua autoestima, na sua feminilidade, do modo como, enquanto MULHER, se apresentava, sempre bem vestida, sempre bem calçada, com o seu salto alto que não mais pôde usar, por conta daquele triste incidente!

137. Claro está, que não foi suficientemente valorada em sede de sentença o fator presentação, a imagem que uma mulher tem de si mesma, pelo modo como é capaz de se apresentar e que impacta diretamente em si e nos outros com quem convive, em todos os ambientes que frequenta, sejam pessoais, sociais e profissionais.

138. A visão da A. sobre sim mesma alterou-se! Não é mais a mesma!

139. Já não pode mais usar os sapatos de salto alto que tanto adorava, todas as roupas naturais do universo feminino que se usam especificamente com esse calçado foram postas de parte.

140. O quadro de dor permaneceu e com ele teve forçosamente de aprender a viver até aos dias de hoje.

141. Não se pode deixar de considerar que a mulher, mãe e profissional daquele período não mais é a que subsiste, porque a sua imagem, a sua força vital, a ideia sobre si mesma e sobre as suas capacidades alteraram-se!

142. A A. vive com dor e recorrentemente tem de tomar medicação, isso mesmo ficou provado em sede de sentença.

143. Provou-se também aí que mesmo para o exercício da sua atividade profissional atual (técnica oficial de contas) – aquela pela qual lutou! – (ao tirar a licenciatura em regime noturno) – a A. tem agora de fazer esforços acrescidos, porque tal como se reconheceu, das fraturas/lesões sofridas na coluna dorsal e lombar, permanecem sequelas que implicam que não possa pegar em pesos, fazer caminhadas prolongadas, estar muito tempo na mesma posição.

144. No meio de toda esta amálgama de “coisas” que lhe aconteceram, esqueceu-se que as consequências daquele evento de 13 de Maio de 2016, implicaram que por um longo período de tempo não pudesse ser MÃE!

145. O que lhe aconteceu naquela noite, não teve meros efeitos físicos, psicológicos, mentais ou emocionais em si; o que lhe aconteceu ali, abalou profundamente o resto da sua vida, o futuro conforme o tinha perspetivado, a queda dos planos de vida que nunca se puderam concretizar porque ali, após aquele evento, tudo mudou, porque ela MUDOU e de outro modo não poderia ser.

146. As diversas Testemunhas, cujos depoimentos vão sendo transcritos ao longo do presente recurso, dão disso mesmo conta, da mudança na personalidade da A., no abandono de um estado permanente de alegria e boa disposição, para queixas permanentes.

147. Como aliás, a mero título exemplificativo, a testemunha, KK, nos relembra:

(Mandatário da A): Ela continua e a queixar-se da coluna? (min. 00:02:21 a 00:02:24) - (Testemunha KK): Sim, sim, acho que há pouco tempo esteve a fazer um tratamento, que andava-se a queixar que teve de recorrer a acupuntura ou não sei quê… (min. 00:02:25 a 00:02:35);

148. Ou até mesmo, com nítida tristeza, a testemunha, HH que refere: Mandatário da A: Queixa-se muito das costas é? Ela tem dificuldades a conduzir automóveis durante viagens longas? (min. 00:03:05 a 00:03:12) - Testemunha HH: Ela conduz mais ou menos, ela tem dificuldades, em viagens longas já não pode.

(min. 00:03:13 a 00:03:16). 149. Termina que, conforme consta do Relatório Final do IML (18-07-2022), à A. é atribuído um dano estético de grau 2 em escala de 7; Dano Sexual de grau 2/7; Quantum Doloris de 4/7 e Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer graduado em 3/7).

150. Ora, em nosso entender, não tendo ficado inteiramente distante, defende-se ainda assim, que a Mmª Juiz a quo, não valorou o suficiente os testemunhos de todas as pessoas que mais ou menos próximas da A. foram unânimes ao descrever todo o sofrimento pelo qual passou, bem como a tristeza profunda que a passou a absorver, ainda que de todos a tivesse tentado esconder!

151. Como não se olhou atenta e humanamente para esses depoimentos, que conjugados com toda a prova documental, necessariamente imporiam o arbitramento de uma quantia superior a título de danos não patrimoniais, necessitamos agora que o Tribunal ad quem, efetivamente olhe para todos estes elementos.

152. Pelo que, importa considerar, como bem fez recentemente, o Tribunal da Relação de Guimarães, em 29.09.2022 (proc. n.º 935/20.4T8VRL.G1), em caso tremendamente semelhante a este em apreço, que:

153. “Tendo em atenção as lesões que a Autora sofreu em consequência do acidente, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, bem como os tratamentos a que teve de se submeter, tendo estado impedida de realizar durante vários meses autonomamente as tarefas normais do dia-a-dia, tais como cuidar da sua higiene e alimentação e do seu filho mais novo (...), tendo estado para tal dependente do auxilio de terceiros, (...), considerando ainda as sequelas de que ficou a padecer, e tendo em atenção que fruto dessas sequelas ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos, Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável entre o grau 1 e o grau 2, e Repercussão Permanente na Atividade Sexual fixável no grau considera-se adequado o montante de €40.000,00 para a compensar dos danos não patrimoniais sofridos.”

154. Além disso, “O dano tem que ser avaliado numa perspetiva tridimensional, considerando o dano corporal como um conjunto de sequelas lesionais, funcionais e situacionais que apresenta o indivíduo em consequência de uma doença, traumatismo ou estado fisiológico, todos estes influenciados por fatores pessoais e do meio”. Exige-se, por isso, “uma avaliação integrada do dano, em constante relação e comunicação entre o dano, o meio envolvente e o indivíduo que o sofreu”, - cfr. Teresa Magalhães, “Estudo Tridimensional do Dano Corporal: lesão, função e situação” vide Cátia Marisa Gaspar e Maria Manuela Ramalho Sousa Chichorro, “A Valoração do Dano Corporal”, 3.ª Edição, Almedina, 2018, págs. 14-15.

155. Consequentemente, feito o devido juízo de razoabilidade não deverá ser considerada, quantia inferior a 30.000,00€ (trinta mil euros), para compensar minimamente a A. por tudo a quanto foi sujeita devido ao acidente de que foi vítima, acolhida a previsão normativa constante do art. 566.º do Código Civil.”


*

A Ré:

“1) O presente recurso destina-se à reapreciação da douta sentença que julgou parcialmente procedente a ação condenando a recorrente no pagamento à ofendida, da quantia de 25.000,00 €.

2) Existem danos não patrimoniais sempre que é ofendido objetivamente um bem imaterial, cujo valor é insuscetível de ser avaliado pecuniariamente. 

3) E o montante da indemnização, nos termos dos artigos 496.º e 494.º do Código Civil, será fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante às demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, bem como aos critérios geralmente aditados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda (ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra, 1991, págs. 484 e 485);

4) Na situação em apreciação provou-se que a recorrida sofreu um conjunto de danos cuja em consequência das fraturas de D12 e S4 e alterações resultantes da coluna cervical, e que se traduz num défice funcional permanente de 6 pontos, um quantum doloris de grau 4 numa escala de 1 a 7 e um dano estético no grau 2, igualmente numa escala de 1 a 7.

5) Sem embargo destas lesões e do sofrimento intrínseco, o dano sofrido não assume a gravidade que é traduzida pelo valor da compensação que lhe foi atribuída.

6) As circunstâncias específicas do caso concreto demandam uma ponderação do montante equivalente a uma compensação digna de todo o sofrimento, sem olvidar que a mesma se dirige, primordialmente, para satisfação do próprio lesado, na perspetiva de minimizar a sua dor e as suas perdas, por isso se impõe que seja séria e que corresponda à dignidade dos valores lesados mas, por outro lado, levando em consideração a relatividade de cada caso e as circunstâncias da vida que evidenciam, quotidianamente, que valores mais elevados são infringidos.

7) Para alcançarmos esta harmonia importa considerar os critérios jurisprudenciais como forma de evitar desigualdade, apelando à dimensão e abrangência dos valores imateriais efetivamente tutelados.

8) Assim sendo, à luz dos critérios jurisprudenciais mais recentes (atente-se nos acórdãos citados no corpo destas alegações), crê-se que a indemnização arbitrada em primeira instância, no montante de € 25.000,00, é excessiva, impondo-se uma alteração, fixando-se a compensação por danos não patrimoniais num valor que não exceda os 15.000,00.

9) Ao decidir diferentemente o tribunal fez errada aplicação e interpretação do disposto no artigo 496.º, do Código Civil.”.


*

A Ré apresentou contra-alegações defendendo a confirmação da matéria de facto constante da sentença e indicando, em relação a cada um dos factos que a Autora quer ver alterados, os meios de prova que contribuem para a sua manutenção.

III – Questões a resolver:
Em face das conclusões dos Recorrentes nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:
1- Apreciar se do elenco de factos constante da sentença devem ser alterados os factos dados por provados nas alíneas 39, 44 e 58 e por não provados nas alíneas E), J) e K); e, em caso afirmativo,
2- Aferir o reflexo dessa alteração na fixação da indemnização por danos patrimoniais sofridos pela Autora;
3- Haja ou não alteração do referido elenco de factos, apurar se deve ser alterada a indemnização fixada à Autora por danos não patrimoniais.

IV – Fundamentação:

Foram os seguintes os factos selecionados pelo tribunal recorrido como relevantes para a decisão da causa (sublinhando-se desde já aqueles que a Autora pretende ver alterados):

Provados:

“1. No dia 13 de maio de 2016, pela 01h40, ocorreu um embate na Avenida ..., sensivelmente em frente ao prédio com o número de polícia ..., na cidade do Porto.

2. Neste dia, hora e local, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..- ..-XC circulava pela referida artéria, no sentido poente – nascente, conduzido por II.

3. A Avenida ... forma ali uma extensa reta, com excelente visibilidade.

4. Seguia a II com precaução e cuidado, atenta ao trânsito e à condução e animada de velocidade moderada, inferior a 50 km/hora.

5. Nestas circunstâncias, foi-se aproximando do local onde existiam uns semáforos, que, na altura, se achavam em normal funcionamento.

6. Apercebeu-se então que a luz dos semáforos mudou para amarelo e, seguidamente, para vermelho.

7. Por isso, travou e reduziu gradualmente a velocidade a que circulava.

8. E acabou por imobilizar o ..-..-XC, em obediência à luz vermelha dos semáforos.

9. Sucede que, quando o ..-..-XC estava parado junto aos semáforos, foi violentamente embatido na sua traseira pela frente do veículo ligeiro de matrícula ..- BS-...

10. O veículo ..-BS-.. circulava também pela Avenida ..., atrás do ..-..-XC e no mesmo sentido de marcha deste.

11. Porém, o condutor do ..-BS-.., BB, ia com velocidade superior a 80 Km/h, e não prestava a devida atenção ao trânsito.

12. Em razão da distração que o possuía, não se apercebeu da paragem do ..-..-XC.

13. Pelo que prosseguiu a sua marcha até embater, com grande violência, na traseira do ..-..-XC, que, na ocasião, permanecia imobilizado.

14. Em virtude do violento embate, o ..-..-XC foi projetado cerca de 29 metros para a frente.

15. O veículo ..-BS-.. pertencia a LL, pessoa esta por conta, no interesse e ao serviço da qual o BB conduzia a aludida viatura, no exercício das funções que esta o incumbira.

16. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-BS-.. havia sido transferida para a A... - Companhia de Seguros S.A., ora R., através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....

17. A A. seguia como passageira transportada no veículo ..-..-XC.

18. Foi assistida, ainda no local, pelos bombeiros, que lhe prestaram os primeiros socorros, a imobilizaram em plano duro, com colar cervical, e a transportaram ao Hospital ... – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

19. Deu entrada nos serviços de urgência da referida unidade hospitalar, queixando-se de dores cervicais, lombares e na região sagrada – cfr. cit. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

20. Apresentava também a A. fraturas dentárias.

21. Ali realizou vários exames, incluindo RX da coluna cervical, dorsal e lombar – cfr. cit. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

22. Posto isto, teve alta hospitalar, medicada com analgésicos e com indicação para recorrer a médico dentista e fazer MFR – cfr. cit. doc. n.º 3 junto com a petição inicial. 23. No dia seguinte ao do acidente, a A. sentiu um agravamento do quadro doloroso, razão pela qual recorreu ao Hospital 1....

24. Neste hospital, a A. foi observada na especialidade de clínica geral e foi orientada para ortopedia.

25. Na consulta de ortopedia, realizou RX da coluna vertebral, que revelou fratura de D12.

26. Nesta mesma consulta foi requerida a realização de TAC da coluna dorso lombar, que confirmou a presença de fratura de D12.

27. Em virtude de manter queixas dolorosas intensas a nível da região sacrococcígea, a A. realizou em 02/07/2016 RMN da coluna sacrococcígea, que revelou a presença de fratura de S4.

28. Fez tratamento conservador das sobreditas fraturas, com utilização de colete de Jewet, que manteve durante quatro meses.

29. Em julho de 2016 iniciou tratamentos de fisioterapia (MFR) na Clínica ....

30. E em princípios de julho de 2016 foi observada pelos serviços clínicos da R., em consulta de clínica geral, no Hospital 2..., que recomendou a observação nas especialidades de ortopedia, psiquiatria, neurologia e estomatologia.

31. Entretanto, em 18/05/2016, a A. recorrera ao Hospital 3..., onde foi observada em consulta de medicina dentária, dado apresentar múltiplas alterações a nível da estrutura dentária - cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial.

32. Manteve o aparelho que anteriormente lhe havia sido aplicado em anterior tratamento de ortodontia.

33. Apresentava várias peças dentárias danificadas, com sintomatologia dolorosa, tanto à percussão horizontal e vertical, como ao frio e calor e, ainda, dor na ATM bilateralmente, com agudização à direita – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial.

34. Em face dos vários exames realizados, verificou-se que a A., em virtude do traumatismo sofrido apresentava lesões nas seguintes peças dentárias: 14 (fratura da cúspide palatina e fissura de esmalte em vestibular), 13 (fratura da ponta da cúspide), 11 (fissura de esmalte), 21 e 22 (fratura do bordo incisal), 24 (fratura da cúspide palatina e mobilidade com suspeita de fratura radicular), 25 (fratura da coroa – dente endodonciado), 35 (fratura da vertente vestíbulo-distal), 33 (fratura da vertente distal, com mobilidade e dor ao toque), 32 (fissura de esmalte, com mobilidade e imensa dor ao toque), 43 (fratura da ponta da cúspide), 44 (fratura da ponta da cúspide vestibular) e 45 (fratura da parede mesiolingual) – cfr. cit. doc. n.º 4 junto com a petição inicial.

35. De modo que foi elaborado um plano de tratamentos que previa, além do mais, a endodontia dos dentes 21, 25, 32, 34 e 45, com aplicação de implantes, coroas e goteira – cfr. docs. nºs 5, 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial.

36. A A. continuou a ser seguida em consultas de vigilância no Hospital 1....

37. E manteve tratamentos de MFR até 23/12/2016.

38. Em 23/01/2017, o estado clínico da A. atingiu a estabilidade, pelo que a mesma teve alta, curada.

39. A A. Sofre de sequelas anátomo-funcionais que lhe conferem um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 6 pontos em função das sequelas resultantes de fraturas de D12 e S4 e pelas alterações resultantes da coluna cervical.

40. Não consegue a A. pegar e transportar objetos pesados.

41. Tem também dificuldade em fazer caminhadas prolongadas e em permanecer muito tempo na mesma posição, sentada ou de pé, por virtude do surgimento de dores na coluna.

42. A A. nasceu em 15 de janeiro de 1980, pelo que tinha 37 anos, à data do acidente – cfr. doc. n.º 11 junto com a petição inicial.

43. Era e é técnica oficial de contas e trabalhava por conta e ao serviço da sociedade C..., S.A., ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo a categoria profissional de diretora administrativa e financeira – cfr. doc. n.º 12 junto com a petição inicial.

44. Na altura do sinistro, a auferia o vencimento mensal de € 700,00.

45. No ano de 2015, a A. auferiu o rendimento global de € 10.526,31, no ano de 2016, auferiu o rendimento global de € 6.775,73 e em 2017 auferiu o rendimento global de € 15.546,64.

46. Em virtude do acidente, existiu um período de repercussão temporária na Atividade Profissional Total fixável num período de 132 dias e um período de repercussão temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período de 124.

47. Durante esse período global, a A. deixou de auferir salários da sua entidade patronal, sendo, porém, que a R. lhe pagou salários até 30 de setembro de 2016.

48. Uma vez que a alegada profissão, de técnica oficial de contas/diretora administrativa e financeira, impõe a permanência na posição de sentada durante longo período de tempo consecutivamente, a A. tem de empregar, esforços acrescidos para exercício desta sua atividade profissional, pois sente dores na coluna quando está a trabalhar.

49. Mas, para além desses factos, acresce que a A. padeceu fortes dores, em virtude das lesões sofridas.

50. Sujeitou-se a prolongados e dolorosos tratamentos, incluindo MFR durante 5 meses. 51. Sofreu grandes incómodos e privações.

52. O quantum doloris é fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7.

53. O dano estético é fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7.

54. Sendo que, durante o período de ITA careceu mesmo do auxílio de terceira pessoa para o exercício dessas tarefas e para a ajudar nas suas atividades pessoais do dia-a-dia, tais como higiene pessoal, confecionar refeições e acompanhar aos tratamentos, dependência esta que foi causa de transtorno e perturbação.

55. Para atenuar as dores que sente, a A. é obrigada a recorrer frequentemente a medicação.

56. Tem igualmente dificuldades da atividade sexual, por sentir dores em determinadas posições.

57. Era uma mulher alegre, saudável e escorreita.

58. Também por virtude do acidente e das lesões nele sofridas, a A. precisa de fazer tratamentos de medicina dentária, em relação aos dentes 21, 25 e 45, com aplicação de coroas, cujo custo importará em € 1.650,00.

59. A A. é beneficiária n.º ... do Instituto da Segurança Social.

60. O ISS,IP pagou à A., a título de subsídio de doença, o montante de € 1.199,82, correspondente ao período de 2016-05-13 a 2016-07-23 - cfr. doc. de fls. 90 dos presentes autos.

61. A R. já pagou à A. a quantia global de € 5.835,74.

62. O condutor do veiculo seguro circulava com uma taxa de álcool no sangue de 0,89 g/lt - doc. 1 junto com a petição inicial.

 Factos não provados, dos alegados com relevância para a decisão da causa: os demais alegados, designadamente:

A. Está também limitada na execução das lides domésticas, tais como limpar a casa, lavar roupa e fazer camas.

B. Tem igualmente dificuldades na condução de veículos automóveis e em entrar e sair da viatura.

C. Por virtude da presença da dor, tem também dificuldades na evacuação.

D. E sente imensas dificuldades e dores na mastigação de alimentos.

E. Para além disso, por virtude da prolongada ausência do trabalho, não atingiu no ano de 2016 os objetivos propostos, pelo que perdeu também o prémio anual, no sobredito montante de € 3.600,00.

F. Teve de deixar de fazer ginástica de manutenção, como tanto gostava.

G. Tem dificuldades no sono, acordando amiudadas vezes com dores.

H. Hoje vê-se fortemente limitada, sente complexos e desgosto em face das sequelas que possui e vê o futuro com muita preocupação.

I. A A. carece ainda de fazer tratamentos de fisioterapia, durante dois anos, à razão de 40 sessões ano, o que, além do dispêndio que implicam, são causa transtornos, incómodos e dores.

J. Também por virtude do acidente e das lesões nele sofridas, a A. precisa de fazer tratamentos de medicina dentária, designadamente de endodontia dos dentes 32 e 34, com aplicação de implantes, coroas e goteira.

K. Por virtude do acidente, ficaram danificados / destruídos os seguintes objetos: -- Um relógio, no valor de € 200,00. -- Uns óculos de sol, no valor de € 250,00. -- Um par de calças, no valor de € 110,00. -- Uma camisa, no valor de € 30,00 - no total de € 590,00.

L. Em transportes, para acorrer a tratamentos, despendeu quantia não inferior a € 800,00.

M. Em refeições, despendeu quantia não inferior a € 400,00.

N. Em função do exposto em 54., com tais auxílio e cuidados despendeu a quantia mensal de € 500,00, no total de € 4.000,00 (€ 500,00 mensais x 8 meses).

O. A A. não usava o cinto de segurança.”


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A Autora pretende que sejam alterados os factos dados por provados nas alíneas 39, 44 e 58 e por não provados nas alíneas E), J), K) e N).

Para tanto, indicou os meios de prova que entende que conduzem a diferente decisão, tendo identificado passagens da gravação dos depoimentos que tem por relevantes, bem como transcreveu parte dos mesmos.

Mais explicou as razões pelas quais entendem que cada um desses meios de prova deve conduzir a decisão diferente da adotada pelo Tribunal a quo.

Também a Ré, enquantoRecorrida, indicou a prova que entende relevante para a manutenção da decisão de facto de primeira instância.

Estão, assim, reunidos os ónus a que estão sujeitos os recorrentes que pretendem a alteração da matéria de facto, tal como previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, pelo que cumpre proceder à reapreciação da prova indicada por Recorrente e Recorrida.

Seguiremos, ao contrário da Autora, a ordem pela qual os factos sob censura foram enumerados na sentença recorrida.

A censura dirigida aos factos dados por provado na alínea 58 e por não provado na alínea J será tratada em conjunto, uma vez que ambos se referem à mesma matéria, tendo a Autora indicado os mesmos meios de prova para sustentação da sua pretensão.


*

A - O primeiro facto sob censura, dado por provado na alínea 39, refere-se à incapacidade fixada à Autora em face da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil. Entende aquela que é portadora de incapacidade a fixar em 16 pontos e não em 6, como resulta da sentença.

Para tanto defende que o tribunal não podia ter formado a sua convicção apenas no relatório pericial do INML, e que ignorou relatórios periciais anteriores, bem como depoimentos prestados sobre as limitações da Autora. Defende que a perícia dos autos terminou mais de seis anos após o acidente, o que, a seu ver, lhe retira credibilidade, enquanto que o que ela mesma juntou aos autos data de dezembro de 2017 e revela a sua real incapacidade. Transcreve parte do seu depoimento e defende que resulta claro que é portadora de lesão dorsal que não foi contemplada na quantificação feita pelo relatório do INML enquanto sequela, que deve ser avaliada em 6 pontos o que, somado à desvalorização considerada na perícia resultaria, a seu ver, em desvalorização de 12 pontos. Finalmente defende que a Ré juntou aos autos relatório de avaliação do dano corporal que fixava à Autora uma incapacidade de 7 pontos pelo que, pelo menos, essa devia ter sido dada por provada.

A Ré desvaloriza o valor probatório do relatório médico particular junto pela Autora e sublinha que esta não pediu segunda perícia, pelo que não há porque pôr em causa a mesma. Afirma, ainda, que o relatório pericial produzido na sequência da perícia determinada nos autos é mais fidedigno também por ter um maior distanciamento temporal da data das lesões, pelo que as mesmas estariam já consolidadas.

Temos, em suma, que aferir se os meios de prova indicados pela Autora - o relatório médico por si junto aos autos, o seu depoimento de parte e o relatório médico junto pela Ré  -, são bastantes para que se conclua que a mesma é portadora de incapacidade de 16, 12 ou, pelo menos 7 pontos, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil.

A fundamentação para a prova da referida alínea foi a seguinte: “Em relação às lesões sofridas e suas consequências, o Tribunal ponderou os elementos elencados no relatório final da perícia de avaliação do dano corporal que consta de fls. 286-293 dos autos, que incorpora a perícia de psiquiatria e de Medicina Dentária, e que atendeu aos registos do Centro Hospitalar ..., Hospital 2... - Porto, Companhia de Seguros A..., Clínica ..., Hospital 3... e Hospital 1... - Porto, sendo que tais relatórios fazem alusão aos registos da assistência prestada à A. pelas entidades apontadas após o sinistro, o que permite apreender as várias situações relacionadas com a evolução clínica do A. ao longo de todo o processo de recuperação, o que também reforçou a convicção do Tribunal em relação ao já apontado em relação à matéria relacionada com a assistência prestada à A., verificando-se que o aludido relatório é inequívoco no que concerne ao descrito em 38. e 39. (…)”.

A Autora defende a relevância de relatório médico de 07-12-2017, por si junto, que lhe reconhecia 16 pontos de incapacidade. Não identificou (fosse pela sua numeração, data de junção ou referência) a que documento se referia, mas é manifesto que se trata do documento número 9 da petição inicial, constituído por duas páginas, de autoria desconhecida (no final tem uma assinatura ilegível sob a menção “o médico”), não se sabendo sequer se foi, de facto, emitido por médico, já que se desconhece a sua identificação e, em caso afirmativo, qual a sua especialidade. Tal documento descreve de forma muito sucinta a avaliação clínica da Autora.

A avaliação feita pelo INML, além de provir de entidade isenta, tem por autores peritos médicos especialistas na avaliação do dano corporal. O INML é, nos termos do previsto nos artigos 467º, número 3 do Código de Processo Civil e 2º, número 1 da Lei 45/2004 de 19 de agosto, a entidade pública com competência legal para a realização da avaliação de dano corporal. O relatório pericial foi antecedido de pedido de pareceres de especialidade, de exames e de pedido de registos clínicos minuciosamente descritos no mesmo.

Não se vê qualquer razão para pôr em causa as suas conclusões.

Desde logo, não dispõe o tribunal de conhecimentos técnicos bastantes à avaliação de ido dano corporal, seja por que critério for. Se assim não fosse, aliás, não se justificaria o recurso à prova pericial.

Tampouco o facto de a Ré ter junto aos autos um relatório médico elaborado pelos seus serviços clínicos importa, como parece defender a Autora, que aquela tenha de alguma forma admitido o confessado um determinado coeficiente de desvalorização, não havendo, uma vez mais, que atribuir maior valor a um relatório particular apresentado por uma das partes ao relatório da perícia judicialmente ordenada e realizada por entidade oficial isenta e cientificamente capacitada.

Acresce que o facto de tal relatório ser temporalmente mais distante das lesões do que outro qualquer feito (não se sabe por quem), a pedido da Autora, não só não contribui para a sua desvalorização, como acentua mesmo o seu bom fundamento, pois o pretendido com a avaliação médico legal do dano corporal é o apuramento das sequelas subsequentes à lesão e não das lesões ainda em via de consolidação. Ou seja, após alta, atingido pelo sinistrado um estádio em que não é de esperar qualquer melhoria, o que se pretende é avaliar o défice funcional com que ficará para o futuro e que o onerará ao longo de toda a sua vida.

Não é correta a afirmação da Recorrente de que não foram ponderadas as lesões por si sofridas na região dorsal. Tais lesões são referidas na história do evento que tal relatório enuncia com detalhe, bem como nos dados documentais ali analisados e na descrição das queixas da sinistrada bem como consta da tabela final a atribuição de 5 pontos pelas sequelas das fraturas em D12 e S4. Não se percebe, aliás, onde sustenta a Autora a alegação de que “os critérios indicados Relatório do IML do Porto, a verdade é que, ignoram completamente a lesão dorsal que resulta provada (D12)”

Quer porque tem interesse direto na demanda quer porque não dispõe de conhecimentos médicos, é irrelevante o depoimento de parte da Autora sobre as referidas lesões e consequentes sequelas na coluna, não podendo o tribunal retirar das suas queixas a conclusão de que tem certas e de terminadas sequelas (não se pondo, obviamente em causa que teve lesões e é portadora de sequelas que lhe provocam dor e limitações físicas), e de qual a pontuação em que a sua avaliação deve ser fixada.

Improcede, assim, a primeira censura dirigida à decisão de facto.


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B - O segundo facto sobre o qual a Autora pretende a reapreciação de prova é o constante da alínea 44 em que o Tribunal a quo julgou provado que à data da ocorrência do sinistro a Autora auferia o vencimento mensal de 700,00€ (setecentos euros).

Entende a Recorrente que o Tribunal assentou a sua convicção apenas no depoimento da testemunha CC, marido da Autora, tendo ignorado recibos de vencimento que juntou aos autos e que demonstram que auferia a quantia de 850 € (oitocentos e cinquenta euros) o que entende estar também comprovado pelo extrato de remunerações juntas pela Segurança Social a 27-10-2020. Afirma que o seu marido, de quem, entretanto, se divorciou estava a residir em Angola à data do acidente e que não partilhava agregado familiar consigo. Acrescenta que do recibo de vencimento junto aos autos resulta que a Autora auferia, além do salário base o montante diário de 4, 27 € de subsídio de alimentação, 42, 50 € por mês de abono para falhas e cerca de 209, 52 € mês de ajudas de custo em razão de quilómetros percorridos, quantias que entende devem ser contabilizadas para efeitos de aferir o seu rendimento médio mensal que afirma ser de 1 156, 53 €.

Sustenta, ainda, a alteração desse facto com base no seu depoimento de parte que transcreve na parte que entente relevante.

A Ré/Recorrida, defende que o referido facto deve permanecer inalterado dado que o recibo de vencimento junto pela Autora datava de dezembro de 2017, quando o acidente dos autos ocorreu a 13-05-2016, não devendo ser valoradas, nesse ponto, as declarações de parte da Autora, por comprometidas e não isentas de que, acresce, resultou que à data do acidente a mesma estava em período experimental pelo que nunca lhe fora pago o prémio que diz fazer parte da sua retribuição.

A sentença recorrida baseou a prova desta alínea (e a não prova da alínea E) da seguinte forma: “(…) em relação ao prémio anual, nada foi apontado no sentido de permitir outra análise por parte do Tribunal, sendo que a testemunha CC, na altura, marido da A., foi assertivo na indicação do vencimento auferido pela A. (facto 44.), tendo referido que a A. estaria ainda numa fase experimental, o que justificava o ordenado próximo do salário mínimo nacional e nada disse sobre esse elemento, o que seria natural face ao aparente peso desse valor no orçamento familiar, além do exposto pela testemunha EE, e que apontou que poderia ter um prémio de um salário ou dois, sendo que tinha um ordenado bem mais substancial do que a A., o que retira qualquer credibilidade ao alegado pela A. neste domínio, não sendo as declarações de parte da A. suficientes, só por si, para ultrapassar o que fica exposto no sentido de habilitar o Tribunal a decidir noutro sentido.”.

A Autora juntou aos autos um único recibo de vencimento, datado de dezembro de 2017, por razões que não se antolham e sequer tentou explicar (cfr. documento número 12 junto com a petição inicial). Donde, não pode tal documento, relativo a retribuição auferida dezanove meses após o acidente, ser tido como relevante para a pretendida prova da sua retribuição.

Todavia, como bem alega a Recorrente, a 27-01-2020 o Instituto de Segurança Social, Instituto Público juntou aos autos certidão de que resulta que desde dezembro de 2015 a abril de 2016 (mês anterior ao do acidente) a Autora auferia a remuneração base de 850 €.

Tal documento, emitido por quem tem competência para certificar a remuneração declarada para efeitos de pagamento de contribuições para a segurança social apenas foi contrariado pelo depoimento do então marido da Autora que se referiu ao valor médio que a sua mulher auferia em termos líquidos e não é bastante para contrariar a força probatória da referida certidão, nos termos do previsto nos artigos 370º e 371º do Código Civil.

Quanto ao alegado recebimento de subsídios de alimentação,  abonos para falhas e ajudas de custo, apenas o depoimento de parte da Autora não é bastante para a sua prova, que a mesma poderia facilmente ter feito pela junção de recibos de vencimento e/ou de comprovativos de pagamentos efetuados nos meses que antecederam o acidente em vez de, como fez, se ter limitado a juntar um único recibo de dezembro de 2017.

Assim, procede neste ponto, em parte, a pretensão em apreço, devendo a alínea 44 dos factos provados passar a ter a seguinte redação:

Na altura do sinistro, a Autora auferia o vencimento mensal de € 850.


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C - Quanto aos factos dados por provados na alínea 58 e por não provado na alínea J, considerou-se apenas que a Autora precisa de fazer tratamentos de medicina dentária em relação aos dentes 21, 25 e 45 cujo custo importará o pagamento de 1650 €. A Recorrente pretende que se julgue provado que também os dentes 11, 13, 14, 22, 24, 31, 32, 33, 35, 43 e 44 sofreram danos que importam tratamento e que o mesmo custará 6 237 €. Mais uma vez entende que devem ser valorizadas as suas queixas que, afirma, o relatório de especialidade de medicina dentária junto aos autos a 11-09-2021 corrobora. Como meio de prova relevante para a sua pretensão indica do relatório de especialidade de medicina dentária, feito pelo INML.

A Ré/Recorrida defende que no que respeita ao tratamento dentário de que a Autora necessita releva a prova pericial, não havendo correspondência entre os tratamentos cujo orçamento a Autora juntou aos autos e os que resultaram como necessários da prova pericial. Sublinha que à data do acidente a Autora estava já a submeter-se a tratamento dentário o que diz ter sido confirmado por testemunhas por ela arroladas que, contudo, não identifica.

A sentença recorrida fundamenta da seguinte forma a sua convicção quanto a tal matéria:

“(…) o Tribunal não dispõe de elementos que permitam uma outra percepção da realidade com referência ao exposto em A. a D. e F. a J., verificando-se que em relação a este último elemento, a perícia médica dentária fala apenas na aplicação de coroas e quanto a um determinado conjunto de dentes, de modo que, em função da alegação da A., importa delimitar pela positiva o referido em 58., considerando ainda o valor referido no doc. 7 junto com a petição inicial (fls. 49) e pela negativa o descrito no apontado ponto J. dos factos não provados.”.

Verifica-se que no relatório preliminar do INML, de 25-11-2020, foi pedida a realização de perícia da especialidade de medicina dentária, que foi realizada e cujo relatório está junto a 18-09-2021. De acordo com as conclusões da referida perícia, “As lesões sofridas atingiram a consolidação médico-legal, mas poderão ser devidamente tratadas se suprir o coeficiente de incapacidade atribuído na situação presente, que poderá implicar a colocação de coroas nos dentes 11, 21, 31 e 41, e eventualmente nos dentes 22, 24, 25 e 45”.

Remetemos aqui, por economia, para o que acima se referiu em A) sobre a relevância e o valor da prova pericial realizada pelo INML. Da mesma resulta desde logo por explicar porque o Tribunal recorrido considerou apenas a necessidade de tratamento de três dentes (21, 25 e 45), quando os Srs. Peritos afirmam a possibilidade de vir a ser necessário o tratamento de oito. A perícia refere-se especificamente aos dentes lesionados por causa do acidente que poderão a vir a necessitar de tratamento, indicando ainda que tratamento será esse.

O Tribunal recorrido, contudo, ficou-se pela afirmação de que poderá vir a ser possível o tratamento dentário para fundar a condenação da Ré no pagamento do custo orçado para o tratamento de três dentes (e, nesta parte, a Ré não recorreu), apesar de na alínea 25 dos factos provados também ter dado por provado que foi elaborado “um plano de tratamentos das lesões dentárias da Autora que previa, além do mais, a endodontia dos dentes 21, 25, 32, 34 e 45, com aplicação de implantes, coroas e goteira.”.

Quanto aos dentes que, segundo o INML poderão necessitar de tratamento, 11, 21, 22, 24, 25, 31, 41 e 45, apenas foram considerados na sentença os dentes números 21, 25 e 45. A Autora apenas requer a alteração da matéria de facto com vista a que se  considere a necessidade de tratamento de todas as peças dentárias que se provou terem ficado lesionadas com o acidente.

Quanto aos dentes 11, 21, 22, 24, 25, 31, 41 e 45, como se viu, o INML previu, de facto,  a possibilidade de ser necessário o seu tratamento por via de colocação de coroas, pelo que, em face do valor dessa prova e recorrendo, como foi feito em sede de sentença, a tal meio de prova pericial, há que dar por provado que são esses oito os dentes cujo custo de tratamento deve ser pago pela Ré.

Já quando aos demais dentes referidos pela Autora não foram considerados como necessitados de tratamento no relatório pericial que a mesma indica como meio de prova a reapreciar no sentido por si pretendido, pelo que apenas em parte procede a sua censura à decisão recorrida, não podendo considerar-se esse documento bastante à prova do valor do tratamento.

Quanto ao custo de tratamento seguiu o tribunal recorrido o critério da sua fixação em função do teor documento (orçamento) número 7 da petição inicial. Não tendo a valoração de tal documento sido posta em causa nos recursos, será esse o critério que continuará a seguir-se.

O orçamento em causa discrimina os seguintes custos relativos ao tratamento de dentes que o INML entendeu como podendo vir a necessitar do mesmo, por causa do acidente:

Dente 25: 90 € + 120 € + 550 €;

Dente 45: 90 € + 120 € + 550 €.

O referido orçamento não contempla o tratamento dos demais dentes que o INML considerou que poderiam de ter de ser tratados, a saber, os dentes números 11, 21, 22, 24, 31 e 41. Sabe-se que o tratamento necessário aos mesmos é, segundo o INML, igual ao dos demais, ou seja, a colocação de coroas, mas nenhum elemento de prova indica que o seu preço seja igual em todos os referidos dentes. Acresce que, como acima referido, estamos perante um dano futuro previsível pelo que apenas tendo lugar o referido tratamento estará a Ré obrigada a custeá-lo.

Pelo que, na falta de prova do valor exato do tratamento de que esses dentes venham a necessitar, apenas pode ser dado por provado que o mesmo custará, pelo menos, 1 520 €.

É manifesto o lapso de cálculo da sentença recorrida quando dá por provado que o custo orçado da reparação dos referidos dentes é de 1 630 € pois tal valor não resulta, de todo, do orçamento que serviu de base à convicção do Tribunal. Tal lapso de cálculo é oficiosamente de retificar nos termos do previsto no artigo 614º, número 1 do Código de Processo Civil.

Quanto ao teor da alínea J dos factos não provados, não resultando do relatório pericial que o tribunal recorrido e a Recorrente invocam como base para a prova desse facto a necessidade, ainda que eventual, de tratamento dos dentes números 32 e 34, não há qualquer razão para a alteração da mesma.

Assim, na procedência parcial da pretensão da Autora será alterada a redação dada à alínea 58 dos factos provados que passará a ser a seguinte:

58 - Também por virtude do acidente e das lesões nele sofridas, a Autora poderá precisar de fazer tratamento de medicina dentária, consistente em colocação de coroas nos dentes 11, 21, 31 e 41 22, 24, 25 e 45 sendo de 1520 € o preço do tratamento dos dois últimos.


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D – Contra o teor da alínea E) dos factos não provados, insurge-se a Autora pela afirmação de que perdeu, de facto, o prémio anual de 3 600 €, em 2016, por não ter atingido os objetivos propostos na decorrência da sua prolongada ausência do trabalho em consequência do acidente.

Entende a Recorrente que o Tribunal recorrido estribou a sua convicção apenas no depoimento da testemunha EE, de que, no seu entendimento, resulta, que era legítima a sua expetativa de vir a receber tal prémio, sobretudo se conjugado com o seu depoimento de parte. Convoca e transcreve nas partes relevantes os depoimentos de FF, da referida EE e o seu próprio depoimento de parte com vista a que se julgue provado que deixou de auferir tal prémio anual por causa do acidente de que foi vítima.

A Ré/Recorrida uma vez mais sublinha a irrelevância do recibo de vencimento junto pela Autora, dada a data do mesmo e o depoimento de parte daquela, dada a sua parcialidade.

A sentença recorrida fundamenta a não prova da alínea E) da seguinte forma: “(…) em relação ao prémio anual, nada foi apontado no sentido de permitir outra análise por parte do Tribunal, sendo que a testemunha CC, na altura, marido da A., foi assertivo na indicação do vencimento auferido pela A. (facto 44.), tendo referido que a A. estaria ainda numa fase experimental, o que justificava o ordenado próximo do salário mínimo nacional e nada disse sobre esse elemento, o que seria natural face ao aparente peso desse valor no orçamento familiar, além do exposto pela testemunha EE, e que apontou que poderia ter um prémio de um salário ou dois, sendo que tinha um ordenado bem mais substancial do que a A., o que retira qualquer credibilidade ao alegado pela A. neste domínio, não sendo as declarações de parte da A. suficientes, só por si, para ultrapassar o que fica exposto no sentido de habilitar o Tribunal a decidir noutro sentido.”.

Remete-se para o que se afirmou em B) sobre a irrelevância do recibo de vencimento junto pela Autora com a petição inicial, por se tratar de documento comprovativo de retribuição auferida 19 meses após o acidente. O que está agora em causa, todavia, é a pretensão da Autora de que se considere que anualmente receberia um prémio, por cumprimento de objetivos, que apenas não recebeu em 2016 dado o grande período de ausência do trabalho.

É óbvio, mas ainda assim necessário afirmar, que o recebimento de um prémio por cumprimento de objetivos não é um acontecimento certo e inelutável, desde logo dada a sujeição do mesmo ao efetivo cumprimento de objetivos que não se sabe e nunca poderia saber-se se seria atingido em 2016 não fosse o acidente.

Todavia, de acordo com o disposto no artigo 564, número 2º do Código Civil o tribunal deve atender, na fixação da indemnização, aos danos futuros, desde que sejam previsíveis. Por essa via, ou enquadrando o dano da Autora à luz da perda de chance, é relevante, na seleção dos factos a atender na decisão de mérito, que se tenham também em conta os danos previsíveis e/ou os resultantes da perda da possibilidade de ganho/perda de chance.

Assim, ainda que ao nível da mera probabilidade, é relevante aferir se era de esperar que a Autora viesse a receber o referido prémio de produtividade no final do ano de 2016, como veio a acontecer em 2017. A Autora pretende que se dê por provado que teria direito a receber 1 700 € em dezembro de 2016 já que, afirma “deve considerar-se arbitrar a favor da A. sempre, uma quantia igual a pelo menos o equivalente a um salário, que no caso, e segundo as declarações da A. supra transcritas, seria, no mínimo, de 1.700,00€ (mil e setecentos euros), dado que estava a 15 (quinze) dias de terminar o período experimental e o seu vencimento seria atualizado para o dobro”. Não se alcança o sentido desta última afirmação estando provado que quer em 2016 quer em 2017 a Autora auferiu o salário base de 850 € por mês.

Do depoimento da testemunha EE resultou a afirmação de que era habitual a sua entidade patronal, comum à Autora, pagar prémios no final do ano, em função de cumprimento de objetivos. Todavia, não foi junto qualquer documento (vg. contrato de trabalho ou qualquer recibo de outros trabalhadores ou declaração da entidade patronal) de que resultasse que já em 2016 houvesse essa prática de pagamento de prémios. A Autora, por sua vez, havia iniciado a sua relação laboral com tal empregadora em dezembro de 2015. Nunca, portanto, antes do acidente, terá recebido qualquer prémio.

Resta saber se a mera prova de que recebeu prémio anual em 2017 é bastante para que se presuma que também o receberia em 2016, não fosse o acidente.

A testemunha EE disse “que a empresa pagava muita coisa por fora” e “o meu prémio foi sempre pago por fora”, querendo significar que não constava do recibo, o que é contrariado pelo recibo de dezembro de 2017 junto pela Autora, de que resulta a menção a tal prémio anual. A referida testemunha disse, ainda, que tal prémio, que ela mesma recebeu, dependia de objetivos, mas que nos “últimos tempos” da sua relação laboral não recebeu prémio, por ter “entrado em desacordo com a administração” o que contradiz que a entidade patronal procedesse ao pagamento apenas com base no referido critério (por objetivos), antes dando a entender que não se tratava de uma verdadeira obrigação contratual, ficando na discricionariedade daquela.

Ora, a referida testemunha disse que começou a trabalhar para tal entidade patronal em 2014 e a Autora em 2015. Mais disse que saiu dessa empresa em junho de 2018, depois da Autora. Assim, a depoente poderá ter recebido o referido prémio anual, no máximo, nos anos de 2014, 2015 e 2016, pois, no final de 2017, pelo menos, já o não terá auferido. Todavia, a mesma também não afirmou em momento algum do seu depoimento (que foi integralmente ouvido), que tinha recebido o referido prémio anual nos referidos três anos. Não pode, de facto, do seu depoimento retirar-se com algum grau de certeza, que a entidade patronal da depoente e da Autora pagasse prémios todos os anos.

Quanto ao depoimento da testemunha FF e da Autora, que esta também convoca a propósito da censura a este ponto dos factos não provados, também não relevaram para o mesmo pois as indicadas passagens são relativas à qualidade de trabalhadora-estudante da Autora, que estava a frequentar licenciatura e que demonstrava grande capacidade pessoal de gestão das diversas obrigações que sobre ela recaíam, conjugando o emprego e o estudo com as tarefas domésticas e de acompanhamento do filho dado o seu marido residir em Angola.

Daqui pretende a Autora retirar a conclusão de que lhe era legítimo esperar que viesse a alcançar os objetivos de que dependia o recebimento de tal prémio. Todavia, nenhum dos meios de prova indicados pela Autora com vista à sua reapreciação, foi de molde a que, sequer, se percebesse quais os objetivos de que dependia a atribuição de tal prémio monetário.

Como tal, não se vê, nas indicadas passagens dos depoimentos das testemunhas FF e EE ou do depoimento de parte, base para a pretendida conclusão de que era provável que a Autora viesse a receber qualquer prémio monetário no final do ano de 2016.

Neste ponto, por tal, improcede a sua pretensão.


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E - Relativamente ao facto dado por não provado na alínea K) entende a Autora que, ainda que não tendo apresentado prova documental do custo dos objetos pessoais que ficaram destruídos no acidente, deve julgar-se provado que os mesmos tinham um valor total de 590 €, o que diz ter resultado do seu depoimento de parte e do depoimento de FF que confirmou que a Autora teve de ser desencarcerada do veículo em que seguia, após o acidente. Entende a Recorrente que pelo menos a destruição dos bens que descreve (relógio, óculos de sol, calças e camisa) deve ser dada por provada.

A Ré/Recorrida defende a insuficiência do depoimento de parte da Autora sustentando que a mesma poderia ter feito prova da deterioração desses objetos através do depoimento das suas companheiras de viagem no momento do acidente.

Na sentença, a não prova dessa alínea está assim fundamentada: “Diga-se ainda que a prova testemunhal referida nada aportou de relevante com referência à matéria dos objetos e roupa danificada, o que implica o mencionado em K., (…)”.

Vejamos, então, se os meios de prova indicado pela Autora, o depoimento da testemunha FF e o seu próprio depoimento de parte conduzem, nas partes indicadas, que foram ouvidas, a diversa conclusão.

É verdade, como afirma a Recorrente, que no seu depoimento de parte respondeu afirmativamente às perguntas feitas pelo seu mandatário sobre se as calças da marca Salsa que vestia custaram 120 € e afirmou apenas ter recibo da compra dos óculos que diz ter perdido no acidente, por ter interesse em declarar fiscalmente tal despesa, bem como disse que o relógio fora uma prenda de Natal.

Também é certo que a testemunha FF afirmou ter a ideia de que a Autora teve de ser desencarcerada para sair do carro pelos bombeiros após o acidente.

Todavia, a referida testemunha não descreveu as roupas e demais peças de uso pessoal que aquela usava no momento do acidente o que, aliás, ressalta a própria Autora nas suas alegações.

A Autora descreveu os objetos que usava e disse mesmo que guardou as calças deterioradas com o acidente, de que, todavia, não juntou, sequer, fotografia. Não disse em que medida tais bens pereceram ou ficaram destruídos nem como ocorreu a sua destruição (rasgaram-se, partiram-se, mancharam-se?).

Ninguém, para além dela, afirmou que a mesma usava umas calças da marca “Salsa” e uma camisa bem como um relógio e uns óculos de sol.

Sendo óbvio concluir que a mesma estava vestida no momento do acidente, a verdade é que também ninguém afirmou que a roupa que vestia ficou deteriorada, o que as lesões que a Autora sofreu (na zona cervical e maxilar) não determinam por si mesmas.

Nenhuma dessas lesões importava que tais peças de roupa e objetos pessoais ficassem deteriorados e a Autora não perdeu a consciência, segundo os elementos clínicos constantes dos autos, nomeadamente o relatório de urgência, pelo que também não pode presumir-se que, estando a mesma consciente tais objetos lhe fossem retirados sem que disso se apercebesse.

Assim, não pode, de facto, com base na indicada prova, afirmar-se que a Autora perdeu tais bens.

Pelo que improcede, neste segmento, a censura feita à matéria de facto.


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F - Por fim, no que tange ao recurso da decisão de facto, pretende a Autora que se julgue provado que necessitou de auxílio de terceira pessoa que contratou para a auxiliar nas tarefas domésticas durante oito meses com o que gastou a quantia mensal de 500 € durante oito meses, facto dado por não provado na alínea N). O que diz resultar dos depoimentos de GG e HH e no seu próprio depoimento, que transcreve nas partes que teve por relevantes.

A Ré/Recorrida, afirma a insuficiência desses depoimentos para a prova de que a Autora contratou terceira pessoa para a auxiliar durante oito meses mediante a retribuição mensal de 500 €, o que devia e podia ter provado por via de junção de contrato de trabalho, recibos, comprovativos de pagamento ou mesmo do depoimento da referida empregada, o que não fez.

Na sentença recorrida a não prova dessa alínea está assim fundamentada:

“Mais relevantes foram os depoimentos das testemunhas HH, pai da A., GG, tia da A. e CC, na altura, marido da A., que deram nota de vários elementos relacionados com a situação do A., a forma como viveu a situação e a sua vivência posterior, sendo que, como já ficou dito, podendo dizer-se que muitos destes elementos são quase intuitivos em função dos elementos documentais presentes nos autos, mostrando-se ainda muito relevantes para afastar alguns dos elementos apontados pela A. no que diz respeito ao trabalho doméstico, assumindo que tratou da A., do mesmo modo que o pai assumiu o transporte da A. para os tratamentos, o que entronca no referido em L., M. e N.”.

Foram ouvidos os depoimentos nos trechos indicados pela Autora.

A Autora disse que noventa por cento das empregadas de limpeza não passam recibo, dando a entender que, por isso, não tinha esse meio de prova, não tendo dito, contudo, porque não tinha uma outra forma de comprovar o pagamento de 500 € mensais. Explicou que não arrolou a referida empregada como testemunha porque a mesma certamente se recusaria a depor pela mesma razão pela qual não quis emitir recibos.

A falta de junção de qualquer meio de prova documental do pagamento, durante oito meses, de uma retribuição de 500 € é difícil de aceitar mediante a explicação oferecida pela Autora, que sempre poderia ter comprovado, pelo menos, o pagamento desse valor, que disse ser mensal, não sendo de presumir que essa quantia fosse paga em dinheiro ao longo de oito meses. O que, de resto, a Autora não afirmou.

Provado, na alínea 54, que a Autora precisou de ajuda de terceiros durante o período de ITA (incapacidade temporária absoluta que na alínea 46 resulta fixada em 132 dias) a referida ajuda destinava-se às “(…) suas atividades pessoais do dia-a-dia, tais como higiene pessoal, confecionar refeições e acompanhar aos tratamentos (…)”. Desconhece-se se a Autora já antes do acidente (tendo em conta que trabalhava, estudava e tratava sozinha do seu filho, dada a ausência do país do pai), tinha ajuda de terceiros para tarefas domésticas.

A testemunha GG, tia da Autora, na parte do depoimento convocada pela Recorrente, descreveu a ajuda que dava àquela, afirmando que quando a acompanhava, transportando-a a consultas, esta pagava a gasolina e lhe oferecia o almoço. Nada disse quanto à contratação de empregada pela Autora após o acidente. À pergunta sobre se a sua sobrinha contratou alguém durante algum tempo para a ajudar em casa respondeu de forma segura e repetida que não, que ela, depoente, estava desempregada tendo-a ajudado sem qualquer contrapartida, sendo segura em afirmar que só “agora, mais recentemente” a Autora contratou uma empregada doméstica. O que confirmou mesmo depois de ser confrontado com a afirmação do pai da Autora de que a sua filha tinha contratado empregada doméstica após o acidente.

Esta testemunha, HH, pai da Autora, afirmou que a sua filha tinha uma empregada, mas, em resposta a pergunta do Ilustre Mandatário da Autora sobre se ela tinha contratado empregada depois do acidente respondeu dizendo que “ao princípio era a minha esposa e a tia que iam lá ajudá-la e depois é que contratou uma empregada”. Não disse quando nem por quanto tempo. Não soube identificar a empregada, quantas horas por dia trabalhava para a sua filha, afirmando mesmo que nunca viu a empregada a trabalhar em casa da filha, após o que, afinal, disse que a viu algumas vezes “cá em baixo” a vir buscar o neto quando ele ia levá-lo a casa da mãe, mostrando grande hesitação nestas afirmações. Disse, ainda: a sua mulher “estava lá quase sempre”, segundo ele para ajudar a filha, mas que não fazia limpezas.

Da conjugação destes depoimentos, contraditórios, e face à total ausência de qualquer prova documental dos supostos pagamentos, não há porque alterar a resposta, negativa, do Tribunal sobre tal facto.


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A Apelante faz, ainda, de páginas 37 a 46, sob o título “Do quantum doloris” uma extensa análise critica de vários meios de prova, com transcrição parcial de vários depoimentos. Não pede, em consequência, a alteração de qualquer facto provado, concluindo tal exposição sobre os referidos meios de prova com a defesa de que a fixação da indemnização pelos seus danos não patrimoniais não pode ser inferior a 30 000 €.

Salvo o devido respeito é manifesto que é feita uma confusão, em sede de recurso, entre meios de prova e factos, parecendo a Apelante querer que este Tribunal fixe diferente indemnização com base em meios de prova e não com base nos factos que foram apurados.

Como é manifesto, a reapreciação de meios de prova em sede de recurso apenas tem lugar no âmbito e com o desiderato previsto no artigo 640º do Código Civil, de fundar a decisão sobre a impugnação da matéria de facto (número 1 do referido preceito). Assim, não pretendendo a recorrente a alteração de quaisquer outros factos além dos acima já conhecidos, não há qualquer fundamento para a reapreciação, a qualquer título, dos meios de prova referidos de páginas 37 a 46 das alegações.


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Nas conclusões 20 a 23 a Autora parece querer pôr em causa os factos das alíneas 47, parte final, e 61 avançando com a alegação de que “como veio a própria A. a esclarecer no seu depoimento, as quantias transferidas pela Ré não serviram apenas para pagamento de eventuais salários, mas igualmente para reembolso de despesas de saúde que foi reportando nesse período” e com a conclusão de que “(…) terá de se apurar (presume-se, em sede de execução de sentença), a que título a Ré terá pago aquela quantia à A. e deduzir ao valor indemnizatório, as quantias que tenham sido transferidas a título de pagamento de salários.”.

Temos muita dificuldade em perceber o que pretende a Autora, parecendo que nem a própria saberá o que quer significar já que, uma vez mais, indica meios de prova relativos a factos cuja alteração não pede.

Não se vê, nem é alegada, qualquer razão para se concluir que há que apurar em liquidação de sentença a que título a Ré pagou o que se provou ter sido por ela pago.

Tampouco é pedida a revogação da sentença na parte em que se ordena que à indemnização fixada seja deduzido o valor já pago pela Ré. Por tal, nenhuma consequência há a retirar dessa linha argumentativa.


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Não tendo havido alteração no elenco dos factos não provados, o dos factos provados passa, em função do supra decidido a ser este:

1. No dia 13 de maio de 2016, pela 01h40, ocorreu um embate na Avenida ..., sensivelmente em frente ao prédio com o número de polícia ..., na cidade do Porto.

2. Neste dia, hora e local, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-XC circulava pela referida artéria, no sentido poente – nascente, conduzido por II.

3. A Avenida ... forma ali uma extensa reta, com excelente visibilidade.

4. Seguia a II com precaução e cuidado, atenta ao trânsito e à condução e animada de velocidade moderada, inferior a 50 km/hora.

5. Nestas circunstâncias, foi-se aproximando do local onde existiam uns semáforos, que, na altura, se achavam em normal funcionamento.

6. Apercebeu-se então que a luz dos semáforos mudou para amarelo e, seguidamente, para vermelho.

7. Por isso, travou e reduziu gradualmente a velocidade a que circulava.

8. E acabou por imobilizar o ..-..-XC, em obediência à luz vermelha dos semáforos.

9. Sucede que, quando o ..-..-XC estava parado junto aos semáforos, foi violentamente embatido na sua traseira pela frente do veículo ligeiro de matrícula ..- BS-...

10. O veículo ..-BS-.. circulava também pela Avenida ..., atrás do ..-..-XC e no mesmo sentido de marcha deste.

11. Porém, o condutor do ..-BS-.., BB, ia com velocidade superior a 80 Km/h, e não prestava a devida atenção ao trânsito.

12. Em razão da distração que o possuía, não se apercebeu da paragem do ..-..-XC.

13. Pelo que prosseguiu a sua marcha até embater, com grande violência, na traseira do ..-..-XC, que, na ocasião, permanecia imobilizado.

14. Em virtude do violento embate, o ..-..-XC foi projetado cerca de 29 metros para a frente.

15. O veículo ..-BS-.. pertencia a LL, pessoa esta por conta, no interesse e ao serviço da qual o BB conduzia a aludida viatura, no exercício das funções que esta o incumbira.

16. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-BS-.. havia sido transferida para a A... - Companhia de Seguros S.A., ora R., através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....

17. A A. seguia como passageira transportada no veículo ..-..-XC.

18. Foi assistida, ainda no local, pelos bombeiros, que lhe prestaram os primeiros socorros, a imobilizaram em plano duro, com colar cervical, e a transportaram ao Hospital ... – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

19. Deu entrada nos serviços de urgência da referida unidade hospitalar, queixando-se de dores cervicais, lombares e na região sagrada – cfr. cit. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

20. Apresentava também a A. fraturas dentárias.

21. Ali realizou vários exames, incluindo RX da coluna cervical, dorsal e lombar – cfr. cit. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

22. Posto isto, teve alta hospitalar, medicada com analgésicos e com indicação para recorrer a médico dentista e fazer MFR – cfr. cit. doc. n.º 3 junto com a petição inicial. 23. No dia seguinte ao do acidente, a A. sentiu um agravamento do quadro doloroso, razão pela qual recorreu ao Hospital 1....

24. Neste hospital, a A. foi observada na especialidade de clínica geral e foi orientada para ortopedia.

25. Na consulta de ortopedia, realizou RX da coluna vertebral, que revelou fratura de D12.

26. Nesta mesma consulta foi requerida a realização de TAC da coluna dorso lombar, que confirmou a presença de fratura de D12.

27. Em virtude de manter queixas dolorosas intensas a nível da região sacrococcígea, a A. realizou em 02/07/2016 RMN da coluna sacrococcígea, que revelou a presença de fratura de S4.

28. Fez tratamento conservador das sobreditas fraturas, com utilização de colete de Jewet, que manteve durante quatro meses.

29. Em julho de 2016 iniciou tratamentos de fisioterapia (MFR) na Clínica ....

30. E em princípios de julho de 2016 foi observada pelos serviços clínicos da R., em consulta de clínica geral, no Hospital 2..., que recomendou a observação nas especialidades de ortopedia, psiquiatria, neurologia e estomatologia.

31. Entretanto, em 18/05/2016, a A. recorrera ao Hospital 3..., onde foi observada em consulta de medicina dentária, dado apresentar múltiplas alterações a nível da estrutura dentária - cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial.

32. Manteve o aparelho que anteriormente lhe havia sido aplicado em anterior tratamento de ortodontia.

33. Apresentava várias peças dentárias danificadas, com sintomatologia dolorosa, tanto à percussão horizontal e vertical, como ao frio e calor e, ainda, dor na ATM bilateralmente, com agudização à direita – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial.

34. Em face dos vários exames realizados, verificou-se que a A., em virtude do traumatismo sofrido apresentava lesões nas seguintes peças dentárias: 14 (fratura da cúspide palatina e fissura de esmalte em vestibular), 13 (fratura da ponta da cúspide), 11 (fissura de esmalte), 21 e 22 (fratura do bordo incisal), 24 (fratura da cúspide palatina e mobilidade com suspeita de fratura radicular), 25 (fratura da coroa – dente endodonciado), 35 (fratura da vertente vestíbulo-distal), 33 (fratura da vertente distal, com mobilidade e dor ao toque), 32 (fissura de esmalte, com mobilidade e imensa dor ao toque), 43 (fratura da ponta da cúspide), 44 (fratura da ponta da cúspide vestibular) e 45 (fratura da parede mesiolingual) – cfr. cit. doc. n.º 4 junto com a petição inicial.

35. De modo que foi elaborado um plano de tratamentos que previa, além do mais, a endodontia dos dentes 21, 25, 32, 34 e 45, com aplicação de implantes, coroas e goteira – cfr. docs. nºs 5, 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial.

36. A A. continuou a ser seguida em consultas de vigilância no Hospital 1....

37. E manteve tratamentos de MFR até 23/12/2016.

38. Em 23/01/2017, o estado clínico da A. atingiu a estabilidade, pelo que a mesma teve alta, curada.

39. A A. Sofre de sequelas anátomo-funcionais que lhe conferem um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 6 pontos em função das sequelas resultantes de fraturas de D12 e S4 e pelas alterações resultantes da coluna cervical.

40. Não consegue a A. pegar e transportar objetos pesados.

41. Tem também dificuldade em fazer caminhadas prolongadas e em permanecer muito tempo na mesma posição, sentada ou de pé, por virtude do surgimento de dores na coluna.

42. A A. nasceu em 15 de janeiro de 1980, pelo que tinha 37 anos, à data do acidente – cfr. doc. n.º 11 junto com a petição inicial.

43. Era e é técnica oficial de contas e trabalhava por conta e ao serviço da sociedade C..., S.A., ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo a categoria profissional de diretora administrativa e financeira – cfr. doc. n.º 12 junto com a petição inicial.

44) Na altura do sinistro, a Autora auferia o vencimento mensal de € 850.

45. No ano de 2015, a A. auferiu o rendimento global de € 10.526,31, no ano de 2016, auferiu o rendimento global de € 6.775,73 e em 2017 auferiu o rendimento global de € 15.546,64.

46. Em virtude do acidente, existiu um período de repercussão temporária na Atividade Profissional Total fixável num período de 132 dias e um período de repercussão temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período de 124.

47. Durante esse período global, a A. deixou de auferir salários da sua entidade patronal, sendo, porém, que a R. lhe pagou salários até 30 de setembro de 2016.

48. Uma vez que a alegada profissão, de técnica oficial de contas/diretora administrativa e financeira, impõe a permanência na posição de sentada durante longo período de tempo consecutivamente, a A. tem de empregar, esforços acrescidos para exercício desta sua atividade profissional, pois sente dores na coluna quando está a trabalhar.

49. Mas, para além desses factos, acresce que a A. padeceu fortes dores, em virtude das lesões sofridas.

50. Sujeitou-se a prolongados e dolorosos tratamentos, incluindo MFR durante 5 meses. 51. Sofreu grandes incómodos e privações.

52. O quantum doloris é fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7.

53. O dano estético é fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7.

54. Sendo que, durante o período de ITA careceu mesmo do auxílio de terceira pessoa para o exercício dessas tarefas e para a ajudar nas suas atividades pessoais do dia-a-dia, tais como higiene pessoal, confecionar refeições e acompanhar aos tratamentos, dependência esta que foi causa de transtorno e perturbação.

55. Para atenuar as dores que sente, a A. é obrigada a recorrer frequentemente a medicação.

56. Tem igualmente dificuldades da atividade sexual, por sentir dores em determinadas posições.

57. Era uma mulher alegre, saudável e escorreita.

58 - Também por virtude do acidente e das lesões nele sofridas, a Autora precisará de fazer tratamento de medicina dentária, consistente em colocação de coroas nos dentes 11, 21, 31 e 41 22, 24, 25 e 45 sendo de 1520 € o preço do tratamento dos dois últimos.

59. A A. é beneficiária n.º ... do Instituto da Segurança Social.

60. O ISS,IP pagou à A., a título de subsídio de doença, o montante de € 1.199,82, correspondente ao período de 2016-05-13 a 2016-07-23 - cfr. doc. de fls. 90 dos presentes autos.

61. A R. já pagou à A. a quantia global de € 5.835,74.

62. O condutor do veículo seguro circulava com uma taxa de álcool no sangue de 0,89 g/lt - doc. 1 junto com a petição inicial.


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Face à improcedência parcial do pedido de alteração da matéria de facto, a reponderação da quantia indemnizatória fixada pelo Tribunal recorrido fica reduzida à apreciação do eventual reflexo na mesma da alteração da remuneração mensal da Autora (de 700 para 850 € por mês) à data do acidente e do número de dentes que, por causa do acidente têm que ser tratados e do custo desse tratamento.

Quanto às alegadas perdas de ganho de prémio anual, perda de objetos e despesas com empregada doméstica, mantendo-se tais factos como não provados não há que reapreciar o valor de indemnização fixado, já que o recurso, nessa parte, tinha apenas por base a pretendida alteração da matéria de facto.

Defende, ainda, a Autora que mesmo não se provando o valor exato dos bens perdidos ou deteriorados, devia o tribunal ter fixado um valor de indemnização com recurso à equidade. Todavia, nessa parte não pode colher a sua pretensão, também em consequência da decisão de facto já que, sequer, ficou provada a sua perda ou deterioração.


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Antes de se avançar para a apreciação da indemnização a fixar, cumpre deixar explicitados quais os critérios legais para a fixação de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.

Desde logo é de afirmar o nosso entendimento de que não é de tratar o dano biológico como um tertium genus distinto da tradicional bipartição entre danos patrimoniais e não patrimoniais que resulta do Código Civil.

De facto, dano biológico significa dano na saúde ou integridade físico-psíquica e ainda que não importe perda de ganho é, para nós, um dano plenamente ressarcível pela mera aplicação do conceito de dano não patrimonial. Basta que o mesmo revele uma gravidade merecedora de tutela (excluem-se pequenas lesões que se possam considerar banais ou comezinhas).

Não desconhecemos que a jurisprudência não é unânime na forma de qualificação de tal dano, havendo quem autonomize o tratamento do dano biológico e a fixação da respetiva indemnização, como faz a sentença recorrida e mesmo quem o indemnize sempre como dano patrimonial, tratando em separado outros danos não patrimoniais sentidos pelo lesado.

Na origem da dificuldade sentida em ressarcir os danos corporais sem perda de ganho está a necessidade de segurança. Estamos, aliás, num âmbito de um direito com forte ligação a outras ciências com especial destaque para a medicina. São conhecidas, por todos, as vantagens de fixação de critérios legais seguros, transparentes, previsíveis: facilita-se a tarefa dos juristas; afasta-se o casuísmo e sublinha-se a decisão do caso concreto – mediante a aplicação de critérios passíveis de extrapolação a outros casos - em detrimento da solução para o caso concreto; concretiza-se uma maior igualdade; acautelam-se os destinatários da norma que sabem qual o nível de risco que a sua pretensão comporta; e, finalmente, diminui-se a litigiosidade,  já que a disparidade de soluções jurisprudenciais acalenta,  muitas vezes, a lógica do “tentar não custa”.

Dúvidas não haja: é mais fácil, segura, clara e compreensível a forma de cálculo de um dano corporal na sua vertente de direito patrimonial.

Qual o usual raciocínio do julgador nestas situações: o lesado ficou com uma incapacidade para o trabalho de α, a sua idade é β, trabalharia γ anos, e o seu salário era de δ. Com ajuda das chamadas “reservas matemáticas” do direito laboral ou dos índices usados pelo legislador na Portaria 377/2008 que fazem crescer a indemnização em proporção inversa à da idade e objetivam a forma de computar a idade tendo em conta, no caso de indemnizações remidas de imediato,[1] que o capital a receber pelo lesado se deve esgotar no fim da sua vida ativa por forma a que não enriqueça injustificadamente, chega-se a uma indemnização que pouco varia de julgador para julgador [2].

Querer beneficiar de tal grau de certeza na fixação de danos não patrimoniais é, contudo, redutor e perigoso. Pensamos que a jurisprudência que tem optado pela recondução da fixação da indemnização de todos os danos biológicos a critérios patrimoniais, segue uma via que, procurando a segurança, perde em conteúdo.

A Autora pretende que se recorra ao cálculo de indemnização por referência à sua retribuição e à sua incapacidade.

A nosso ver, à recondução da indemnização ao critério da perda de ganho que durante muitos anos se viu expressa em decisões judiciais, não terá sido alheia a circunstância de os processos judiciais conterem, até 2007[3], uma avaliação médica do dano feita por referência a uma tabela pensada para as incapacidades decorrentes da atividade profissional [4].

Ora, numa área com um tal grau de objetivação – traduzida em percentagens  de incapacidade-, da perda funcional e tendo presente que no direito laboral, a que se dirigia tal tabela, a incapacidade é indemnizada em função da retribuição mesmo quando não há perda de capacidade para o trabalho habitual, não é difícil encontrar razões para apelar aos critérios da teoria da diferença que tanta certeza oferece ao julgador (e ao julgado).

Para a tal solução contribuía ainda um matiz do dano biológico que o torna insuscetível de ser totalmente abarcado: ele é também, quando se traduza numa incapacidade permanente[5], um dano futuro. Ou seja, refletir-se-á, pois, durante toda a vida do lesado. Ora, o dano futuro apenas pode ser traduzido em indemnização se for previsível. Em alternativa, será relegada a sua liquidação para ulterior momento – cfr. artigo 564º, nº 2 do Código Civil.  Daqui decorre uma maior agudeza da fragilidade do critério ressarcitório sustentado na equidade. Como computar num juízo atual sobre a tradução monetária do sofrimento aquilo que ainda se irá sofrer? Qual o previsível reflexo do dano biológico?[6] Qual a previsibilidade do sofrimento futuro?

O sofrimento só é por nós abarcado em comparação com a sua ausência. Em si mesmo ele não carrega um conteúdo palpável. Note-se, a agravar este estado de (também ela dolorosa) dúvida, a circunstância de o quantum doloris ser avaliado em função da situação prévia à da consolidação das lesões [7]. Ou seja, é frequente, além de um quantum doloris medicamente fixado, ter-se, ainda, como facto a alegar, provar – por via, frequentemente, da prova testemunhal -, e ponderar, a dor que o sinistrado ainda sente e sentirá.

Ora se a dúvida não é, de facto, uma “condição agradável” para quem tem de decidir, opta-se muitas vezes pela certeza que oferecem fórmulas de cálculo [8].

Olhando para o que estatui o Código Civil, nos termos dos artigos 483º, número 1, 562º, 563º, 564º e 566º, todos desse Diploma, o lesante fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da sua conduta, devendo reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. A obrigação de indemnizar compreende os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

A teoria da diferença manda que para efeitos de cálculo se coloque o lesado na posição em que estaria se não fosse a lesão, ou seja, substituindo o proveito económico perdido pela indemnização equivalente.

A indemnização é, assim, fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor devendo o tribunal, sempre que não possa ser averiguado o valor exato dos danos, julgar equitativamente dentro dos limites do que tiver por provado.

Na indemnização pela perda de rendimentos procura-se a obtenção de um capital que se extinga ao fim da vida e seja suscetível de garantir ao lesado, durante a mesma, as prestações periódicas correspondentes às perdas verificadas.

Entre os danos patrimoniais, é indiscutível a ressarcibilidade dos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes), incluindo-se ainda no cômputo dos danos patrimoniais os danos futuros, desde que previsíveis, tal como dispõe o artigo 564º, número 2.

De facto, os danos patrimoniais compreendem os danos emergentes e os lucros cessantes– cfr. artigos 483.º, 496.º e 564.º do Código Civil.

Quanto aos danos consubstanciados em perdas de rendimentos futuros, sendo estes sempre factos incertos (na sua duração e quantia), como em todos os casos em que não puder ser averiguado o valor exato dos danos, há que julgar com recurso à equidade – art. 566º, n.º 1 e 3 do Código Civil. 

O recurso à equidade, menos capaz de assegurar uniformidade de critérios, permite, todavia, uma certa margem de discricionariedade enquanto o recurso a tabelas, vinculantes ou não vinculantes, constitui uma ajuda ao estabelecimento de uma igualdade de tratamento entre casos idênticos que a equidade não assegura.

Só se os danos patrimoniais futuros que sejam de indemnizar não “forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.

No caso da perda de ganho é usual, ainda que não forçoso, deduzir ao capital achado com recurso a fórmulas matemáticas uma determinada proporção, entre 1/5 e 1/3 (neste sentido Ac. do Trib. da Rel. de Coimbra de 03/10/2006 e Ac. do Trib. da Rel. de Lisboa de 16/03/2006, disponíveis no sítio http://www.dgsi.pt).

A referida redução deve ter em conta o seguinte critério: “quanto mais baixa for a idade da vítima, maior será a tendência para nos aproximarmos da quantia encontrada ou mesmo ultrapassá-la; quanto mais alta for essa idade, maior será a tendência para nos desviarmos dela, para baixo” [9].

O recurso à equidade como critério de ressarcimento permite maior e melhor ponderação das circunstâncias concretas de cada caso: as lesões sofridas; o grau de incapacidade; a idade da vítima; o reflexo das sequelas no seu estilo de vida; o grau de dificuldade que podem sofrer no exercício das suas profissões.

Pode-se, contudo, e sempre que se recorra à equidade por não se poder estabelecer uma concreta perda de ganho, ter em vista um critério ou baliza que ajude a manter um certo grau de equiparação de indemnizações em idênticas situações.

No caso dos acidentes de viação a Portaria 377/2008, de 26 de maio, veio fixar os critérios e valores orientadores para efeito de apresentação aos lesados de proposta razoável para a indemnização do dano corporal conforme passou a ser obrigatório e está regulamentado pelo DL 291/2007 de 21 de agosto.

Um dos danos indemnizáveis previsto nesta Portaria (artigo 3º b)), é exatamente o dano biológico que se traduz em ofensa à integridade física e psíquica de que resulte ou não perda de capacidade de ganho. Também nela se contempla a ressarcibilidade de danos estéticos, da dor, da repercussão em atividades de lazer, na atividade sexual, entre outros parâmetros indemnizáveis.

Tal tabela poderá estar presente a título de mera orientação – até porque devemos lembrar-nos que não exclui valores mais altos e é indicativa para a fase extrajudicial de elaboração de proposta razoável – mas é olhando essencialmente para as decisões dos tribunais superiores que nesta matéria têm decidido – em ordem a procurar senão uniformidade pelo menos coerência nas decisões a proferir – que se deve ir buscar-se orientação.

Segundo MM[10], o dano corporal ou biológico é um terceiro género pois não é um dano patrimonial em sentido estrito como o são as incapacidades permanentes para o trabalho nem é um simples dano moral.

Não concordamos, salvo o devido respeito, com a qualificação do dano biológico como um “terceiro género”, mas estamos em crer que ainda que se aceite tal qualificação doutrinal nada obsta, antes tudo aconselha, a que o seu ressarcimento seja tratado com distinção dos seus reflexos patrimoniais dos não patrimoniais.

O ressarcimento do dano não patrimonial tem o seu cômputo afastado de raciocínios aritméticos, caracterizando-se, aliás, por não ser verdadeiramente indemnizável pois o que se procura apenas é compensar a vítima lesada, permitindo-lhe, designadamente, ter acesso a um valor monetário que de alguma forma reduza a dimensão do seu sofrimento, sendo que este é associado a perdas diretamente derivadas do acidente e tidas por irreparáveis.  

Como refere NN[11], ao distinguir o dano pela sua gravidade o legislador não quer com isso significar que apenas seja suscetível de compensação o dano que apresente um carácter excecional, insuportável ou exorbitante - a gravidade de, por exemplo uma determinada dor física, é normalmente aferida pela sua relativa intensidade ou profundidade, conforme as circunstâncias de cada caso.

Como se viu, o dano biológico configura, ainda, a natureza de dano futuro, quando for previsível (como exige o artigo 564º, n.º 2 do Código Civil) que os sinistrados continuarão a sofrê-lo ao longo da sua vida.

Uma vez mais, também quanto aos padecimentos futuros, dado o óbvio afastamento quer da possibilidade de restauração natural, como em todos os casos em que não puder ser averiguado o valor exato dos danos, há que julgar com recurso à equidade – artigo 566º, n.º 1 e 3 do Código Civil sendo aqui mais uma vez relevante ter em presença as decisões jurisprudenciais mais recentes por forma a diminuir a arbitrariedade.

Feitas estas considerações gerais sobre a ressarcibilidade dos vários tipos de dano que valem para todos pedidos que iremos apreciar cumpre, agora, volver a nossa atenção para as pretensões das partes.


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Vejamos, então, qual o reflexo da alteração dos factos provados 44 e 58 na indemnização fixada.

Relativamente à remuneração da Autora, que ora se julgou que era de 850 € por mês, cumpre assinalar que o Tribunal recorrido não fixou qualquer quantia indemnizatória para um dano futuro traduzido na perda de rendimento, não tendo a sentença procedido a qualquer cálculo estribado no rendimento mensal da Autora. E a nosso ver bem, como resulta já do acima exposto. Ao contrário do que ora defende a Recorrente na solução jurídica que preconiza, não há que considerar que a incapacidade de que é portadora foi ou irá ser causadora de diminuição de rendimento salarial, já que tal não está provado.

Na sentença recorrida afirmou-se que:

“Quanto ao dano biológico, diga-se que está em causa uma capitis diminutio relativamente a toda a dimensão humana do lesado, logo também em relação a uma das dimensões mais relevantes de qualquer pessoa adulta: a atividade laboral. Ora, a A. sofre de sequelas anátomo-funcionais que lhe conferem um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 6 pontos em função das sequelas resultantes de fraturas de D12 e S4 e pelas alterações resultantes da coluna cervical, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, num grau 3, numa escala de 7. Tanto basta para que se deva concluir pela perda da capacidade de ganho. A aferição da necessidade de compensação pela perda da capacidade de ganho fundada na existência de uma incapacidade para o trabalho assenta numa perspectiva estática da actividade laboral ou, se se preferir, na existência de uma situação económica de pleno emprego, estando o lesado já inserido no mercado de trabalho. Esta perspectiva não apreende a realidade dinâmica de procura de novo emprego ou de uma promoção. Como é evidente, num mercado de trabalho extremamente competitivo, os melhores empregos tenderão a ser oferecidos aos candidatos que, em abstracto, se apresentam como mais eficientes, isto é, aos candidatos que não revelam qualquer capacidade funcional diminuída. Tem, pois, a autora direito a uma indemnização pelo dano biológico (patrimonial) sofrido. A liquidação desta indemnização não pode ser simplisticamente decalcada do cálculo da indemnização devida pela perda da capacidade de ganho. Aliás, em muitos casos, cumular-se-á com estoutra indemnização. Por outro lado, haverá que ter em atenção o valor da compensação a arbitrar pelos incómodos resultantes de esforços suplementares, como danos (que são) não patrimoniais, considerando que essa compensação visa sobretudo permitir ao lesado obter meios para suavizar ou eliminar o sofrimento. A não se atentar nesta realidade, estar-se-ia, então, perante uma duplicação de vias ressarcitórias: numa via, compensação do sofrimento que será sentido no futuro; noutra via, entrega de uma indemnização para adquirir os meios a que o sofrimento não ocorra. A compensação agora arbitrada destina-se, pois, apenas a compensar o efectivo handicap do autor no fortemente concorrencial mercado de trabalho – isto é, no mercado, de acordo com as suas habilitações, que o autor tinha a legítima expectativa de integrar. Tratando-se, como se trata, de um dano futuro – mais do que uma simples perda de chance -, justifica-se e impõe-se o recurso à equidade (art. 566.°, n.º 3, do Cód. Civil), informada por critérios de verosimilhança e de probabilidade, considerando as balizas dadas por provadas - como as habilitações do lesado, a natureza da actividade laboral em causa, a remuneração normal dessa actividade, a sua idade (e período normal de vida activa, tendo a autora 37 anos e o grau de dano biológico fixado (sobre o recurso à equidade, cfr. o Ac. do STJ de 19-09-2019 (2706/17.6T8BRG.G1.S1)). Podemos aceitar que durante cerca de mais 25 anos a autora poderia realizar o trabalho em discussão, durante 11 meses por ano, sendo a sua intensidade decrescente com o decorrer dos anos. Assim, considerando que em consequência das sequelas permanentes infligidas pelo acidente, exige-se à A. esforços acrescidos para exercício da sua atividade profissional, o seu rendimento apurado nos autos, o défice funcional permanente de 6 pontos na integridade física e psíquica, a idade da autora à data do acidente (37 anos), a esperança média de vida em 2016 para as mulheres 83 anos, a taxa de inflação previsível até essa altura, que se podia fixar em 4% ao ano, a taxa de juro previsível para depósitos a prazo, que fixa em 2% ao ano (inferior à taxa de juros civis, mas superior à taxa actualmente paga em depósitos a prazo), a circunstância de o montante da indemnização ser entregue de uma só vez, a circunstância de haver que subtrair, ao valor da remuneração anual, pelo menos 1/3 dos rendimentos para gastos pessoais do autor, que como consequência directa e necessária do evento infortunístico em causa nos autos, existe um quantum doloris fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados e a Repercussão Permanente na Atividade Sexual fixável no grau 2, numa escala de sete graus. Na posse destes critérios, é ajustado arbitrar à autora uma indemnização de € 30.000,00 pelo dano biológico reclamado nos autos.”

Concorda-se com a ponderação feita pelo Tribunal Recorrido quando à perda de competitividade da Autora no mercado de trabalho, fruto do maior esforço que as tarefas quotidianas para si representam. Entende-se oportuno chamar aqui à colação o texto sumariado do Ac. do STJ de 12-01-2006[12]: “a limitação da condição física, que a deficiência, dificuldade ou prejuízo de certas funções ou actividades do corpo, ou seja, o handicap, que a IPG sempre envolve ou acarreta, determina necessariamente, até pelas suas consequências psicológicas, diminuição da capacidade laboral genérica e dos níveis de desempenho exigíveis. Mesmo quando assim não suceda na actividade profissional até então exercida, isso não deixa de colocar o lesado em posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho.”

Como quantificar o dano biológico se dele não resulta uma fixação de uma incapacidade para o trabalho refletida em perda de rendimento?

Como acima afirmado e decido na jurisprudência mais recente, nomeadamente em inúmeros acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, “Na determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir danos futuros, perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, tem a jurisprudência recorrido ao juízo de equidade a que se reporta o art. 566º, n.º 3, do Cód. Civil, a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental”[13].

Dado o óbvio afastamento quer da possibilidade restauração natural, como em todos os casos em que não puder ser averiguado o valor exato dos danos, há que julgar com recurso à equidade – artigo 566º, n.º 1 e 3 do Código Civil.

No caso, como resulta das considerações gerais acima feitas, entendemos mesmo que tal recurso à equidade resulta desde logo da aplicabilidade do artigo 494º do Código Civil quando, não ocorrendo efetiva perda de capacidade de ganho, se estiver apenas perante danos de natureza não patrimonial.

Em ordem a permitir a segurança e uma relativa uniformidade nas decisões que fixam indemnização pelas incapacidades parciais, contudo, tem-se a jurisprudência socorrido de tabelas que atendem aos rendimentos do lesado e ao tempo previsível de atividade profissional, quando se trata de ressarcir perdas de capacidade de ganho.

Ora, no caso, é correto o teor da sentença recorrida quando afirma que a Autora, que tinha 37 anos à data do acidente teria, ainda cerca de 25 anos de atividade laboral até à reforma, anos esses, em que, por força das dificuldades acrescidas decorrentes da sua incapacidade poderá perder competitividade laboral.

Sendo o seu rendimento mensal provado de 850 € por mês, chegar-se-ia, no caso de perda de rendimento efetivo, a um valor total de 11 900 € de indemnização em função dos critérios acima enunciados, ou seja, multiplicado o rendimento mensal por 14 meses ao ano e pela incapacidade da Autora bem como reduzindo o valor que receberia em 1/3 dado que beneficiaria com o facto de a indemnização ser paga de uma só vez : [ (850  € x 14) x 25] x 6% x 2/3.

Ora, o tribunal recorrido fixou uma indemnização pelo dano biológico de 30 000 €, onde incluiu a oportuna ponderação da possível perda de capacidade competitiva da Autora no mercado de trabalho bem como a diminuição física em si mesma, nomeadamente ali considerando a limitação a atividade sexual da sinistrada.

O que resulta de se ter feito, como é comum ver-se em diversas decisões judiciais, uma partição entre a indemnização do dano biológico e a dos danos não patrimoniais.

Uma vez decidido que o valor a fixar deve ser encontrado com recurso à equidade e visto o montante que a Autora poderia vir a receber no caso de efetiva perda de ganho – valor cuja consideração tem sempre a utilidade de procurar evitar que um lesado receba, sem efetiva perda de rendimento, valor superior ao que teria direito caso tivesse de suportar tal perda -, devem ter-se sobretudo presentes os valores que, em casos semelhantes, têm vindo a ser fixados pelo Supremo Tribunal de Justiça, já que não há uma medida aritmética para o sofrimento físico e psíquico.

Assim, olhando para acórdãos mais recentes encontra-se:

-  em 16-11-2023[14] a fixação de uma indemnização pelo dano biológico, no montante de 20.000 € a “(…) com 49 anos Deficit Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos, compatível com a atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, nomeadamente a pegar pesos com mais de 30 kg ou conduzir longas distâncias sem paragens (aguentando apenas meia hora de viagem), dores, perdas de tempo e ajudas de terceiras pessoas”. A que acresceu uma indemnização por danos não patrimoniais de 10.000 € - total de 30.000 €;

- em 07-06-2018[15], a um lesado de 32 anos e 5 pontos de deficit, foi atribuída a quantia de 26.381,91 € para ressarcimento do dano biológico a que acresceu o montante de 50 000 € para indemnização dos danos não patrimoniais – total de 76 381, 91 €;

- em 04-07-2023[16], foi decidido que a “(…) uma lesada, de 45 anos de idade, que à data do acidente exercia a profissão de Country Manager Portugal, que ficou com um défice funcional permanente da integridade física fixável em 4 pontos, que lhe diminui a capacidade física e de ganho embora seja compatível com o exercício da sua atividade profissional, padecendo de dores que lhe dificultam o descanso, o que lhe causa dificuldades de concentração, raciocínio e memorização, tornando penosa a realização de longas viagens de carro que são frequentes no exercício da sua profissão, é equitativa uma indemnização por danos patrimoniais no valor de € 35.000,00”. A tal valor acresceu uma indemnização por danos não patrimoniais de 20.000 € - total de 55.000 €;

-em 02-02-2022[17], a uma sinistrada com 35 anos de idade e 6 pontos de incapacidade, foi fixada a indemnização de 30 000 € pelo dano biológico, a que acresceram 22 000 € para ressarcimento do dano não patrimonial – total de 52 000 €.

Na ponderação destes valores fixados pelo Supremo Tribunal de Justiça,  tendo em conta que, como vem sendo afirmado, o dano biológico deve ser ressarcido com recurso a critérios de equidade quando não decorra do mesmo efetiva capacidade de ganho, não se vê, pois qualquer razão para alterar o montante indemnizatório do dano biológico da Autora, fixado em sentença, de 30.000 €, valor que se mostra ponderado e adequado à real situação daquela, nomeadamente às suas provadas limitações físicas e aos esforços acrescidos que as mesmas provocam, e está de acordo com o que vem sendo fixado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Não se vê, de facto, que tal valor deva ser alterado na decorrência da prova de rendimento mensal superior ao que ficou provado em primeira instância, mostrando-se inteiramente adequado o valor ali fixado.


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O valor da remuneração mensal auferida pela Autora deve, contudo, refletir-se no montante indemnizatório pelo período de incapacidade temporária, este sim, um dano de natureza patrimonial.

Entendeu-se na sentença Recorrida que “Quanto ao mais peticionado pela A., tem de dizer-se que o probatório informa que, na altura do sinistro, a auferia o vencimento mensal de € 700,00, sendo que, em virtude do acidente, existiu um período de repercussão temporária na Atividade Profissional Total fixável num período de 132 dias e um período de repercussão temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período de 124, verificando-se que durante esse período global, a A. deixou de auferir salários da sua entidade patronal, sendo, porém, que a R. lhe pagou salários até 30 de setembro de 2016. Nesta medida, tendo a A. recebido os valores devidos até ao mês de Setembro, o que compreende o subsídio de férias, a pretensão formulada apenas pode proceder relativamente aos restantes meses de 2016 e Janeiro de 2017, abrangendo também o subsídio de natal, ou seja, € 700,00x5=€3.500”.

Provado que o rendimento mensal da Autora era, afinal de 850 € por mês, procede a apelação nesta parte, devendo aquela receber o valor total de 4 916, 66 € a título de indemnização pelo dano patrimonial decorrente da perda de rendimentos desde outubro 2016 a janeiro de 2017 (quatro meses), a que acresce o valor do subsídio de natal devido em 15 dezembro[18] e do subsídio de férias. Este é calculado com base na “média dos valores de retribuições e compensações retributivas auferidas nos últimos 12 meses” pelo que em  2016 a Autora perdeu o equivalente a 7/12 do mesmo ao ter trabalhado e auferido retribuição apenas durante 5 meses, bem como perdeu, em 2017, o equivalente a 1/12 já que apenas regressou ao trabalho em 23 de janeiro (850 € x 5 + (850 x 8/12) = 4 816, 66 €)[19].


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Relativamente aos danos consistentes na necessidade e tratamento dentário, escreveu-se na sentença que: “Finalmente, provou-se que por virtude do acidente e das lesões nele sofridas, a A. precisa de fazer tratamentos de medicina dentária, em relação aos dentes 21, 25 e 45, com aplicação de coroas, cujo custo importará em € 1.650,00.”.

A prova feita, contudo, é a de que por virtude do acidente e das lesões nele sofridas, a Autora precisará de fazer tratamento de medicina dentária, consistente em colocação de coroas nos dentes 11, 21, 22, 24, 25, 31, 41 e 45 sendo de 1520 € o preço do tratamento dos dentes 25 e 45.

Assim, está liquidado o valor do tratamento de dois dos referidos dentes, mas não se sabe quanto importará o tratamento dos demais seis.

Não se discute a condenação da Ré no pagamento de indemnização pelo dano que a Autora sofrerá, no futuro, com o custeio dos tratamentos dentários a que terá de se submeter por causa do acidente. O que está em discussão é o valor dessa indemnização.

Ficou provada, na procedência parcial do recurso da matéria de facto, a necessidade de tratamento de 8 dentes e só se conhece o custo do tratamento de dois.

Não é possível, da matéria de facto, retirar, por mera operação aritmética, o valor do prejuízo futuro da Autora. Tampouco se está perante situação que legitime o recurso à equidade na medida em que se está a procurar indemnizar dano futuro previsível, nos termos do previsto no artigo 564º, número 2 do Código Civil.

Fica, pois, o tribunal impedido de fixar o quantum do seu correspetivo ressarcimento.

O artigo 609.º, nº 2 do Código de Processo Civil estatui que: “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

Ora, no caso, assim sucede. Donde, nesta parte do pedido, com exceção feita à quantia já liquidada e sobre a qual não incidiu recurso (apenas retificada quanto ao seu manifesto erro de cálculo), relegar-se-á para liquidação posterior o valor do quantum indemnizatório.

Ou seja, será a Ré condenada a pagar a quantia de 1.520 € e a que se vier a apurar ulteriormente como sendo necessária à colocação de coroas nos dentes números 11, 21, 22, 24, 31 e 41.


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Do dano não patrimonial:

Nesta parte recorrem Autora e Ré. O tribunal a quo fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora em 25.000 €. A Autora quer ver tal quantia fixada em 30.000 € e a Ré em 15.000 €.

Remete-se para o que acima se afirmou quanto ao critério de indemnização do dano não patrimonial, a fixar com recurso à equidade, e quanto à necessidade de, procurando evitar tratamentos desiguais e discricionariedade, de se olhar às decisões dos tribunais superiores em casos semelhantes. E este respeito dão-se também aqui por reproduzidas as indicações acima feitas de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça em que se fixaram indemnizações em situações de facto semelhantes, como da respetiva consulta resulta.

Em face desses critérios orientadores, convoquemos a matéria de facto, também ponderada na decisão recorrida, que interessa à decisão, expurgando desde já todos os factos que o Tribunal recorrido ponderou na fixação do valor anteriormente alcançado, de 30.000 €, sob pena de duplicação da indemnização do mesmo dano:

“(…) A Autora (…) foi assistida, ainda no local, pelos bombeiros, que lhe prestaram os primeiros socorros, a imobilizaram em plano duro, com colar cervical, e a transportaram ao Hospital ... (…) 19. Deu entrada nos serviços de urgência da referida unidade hospitalar, queixando-se de dores cervicais, lombares e na região sagrada – (…) teve alta hospitalar, medicada com analgésicos e com indicação para recorrer a médico dentista (…)  No dia seguinte ao do acidente, a A. sentiu um agravamento do quadro doloroso, razão pela qual recorreu ao Hospital 1.... 24. Neste hospital, a A. foi observada na especialidade de clínica geral e foi orientada para ortopedia. 25. Na consulta de ortopedia, realizou RX da coluna vertebral, que revelou fratura de D12. 26. Nesta mesma consulta foi requerida a realização de TAC da coluna dorso lombar, que confirmou a presença de fratura de D12. 27. Em virtude de manter queixas dolorosas intensas a nível da região sacrococcígea, a A. realizou em 02/07/2016 RMN da coluna sacrococcígea, que revelou a presença de fratura de S4. 28. Fez tratamento conservador das sobreditas fraturas, com utilização de colete de Jewet, que manteve durante quatro meses. 29. Em julho de 2016 iniciou tratamentos de fisioterapia (MFR) na Clínica .... 30. E em princípios de julho de 2016 foi observada pelos serviços clínicos da R., em consulta de clínica geral, no Hospital 2..., que recomendou a observação nas especialidades de ortopedia, psiquiatria, neurologia e estomatologia. 31. Entretanto, em 18/05/2016, a A. recorrera ao Hospital 3..., onde foi observada em consulta de medicina dentária, dado apresentar múltiplas alterações a nível da estrutura dentária (…) Apresentava várias peças dentárias danificadas, com sintomatologia dolorosa, tanto à percussão horizontal e vertical, como ao frio e calor e, ainda, dor na ATM bilateralmente, com agudização à direita (….) continuou a ser seguida em consultas de vigilância no Hospital 1.... 37. E manteve tratamentos de MFR até 23/12/2016 (…). padeceu fortes dores, em virtude das lesões sofridas. 50. Sujeitou-se a prolongados e dolorosos tratamentos, incluindo MFR durante 5 meses. 51. Sofreu grandes incómodos e privações. 52. O quantum doloris é fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7. 53. O dano estético é fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7. 54. Sendo que, durante o período de ITA careceu mesmo do auxílio de terceira pessoa para o exercício dessas tarefas e para a ajudar nas suas atividades pessoais do dia-a-dia, tais como higiene pessoal, confecionar refeições e acompanhar aos tratamentos, dependência esta que foi causa de transtorno e perturbação. 55. Para atenuar as dores que sente, a A. é obrigada a recorrer frequentemente a medicação. 56. Era uma mulher alegre, saudável e escorreita. 58. Também por virtude do acidente e das lesões nele sofridas, a A. precisa de fazer tratamentos de medicina dentária.”

A sentença recorrida ponderou um outro facto[20], ora não mencionado, sob pena de duplicação da sua consideração para efeitos de ressarcimento, que tem manifesto reflexo não patrimonial quando fixou a parcela de indemnização de 30.000 € acima referida, a que chegou sob a qualificação de indemnização pelo dano biológico.

Repetimo-nos ao afirmar que é manifesto o reflexo não patrimonial de quase todos os danos da integridade física e psíquica da Autora (com exceção feita às perdas de rendimento no período de atividade temporária e às quantias que irá despender com tratamentos médicos dentários), o que a nosso ver justificaria a fixação de uma única verba, global, para ressarcimento de todos esses danos. Todavia, seguindo o Tribunal recorrido diferente entendimento, como é comum acontecer em diversos arestos, continuaremos com a partição que a sentença fez, pois acaba por ser indiferente, no apuramento do seu valor total, que a quantificação da indemnização dos danos não patrimoniais seja tratada em conjunto ou em duas parcelas distintas, e a questão de que ora nos ocupamos, que ambos os Recorrentes suscitaram, é apenas relativa ao que o Tribunal recorrido apelidou de “danos não patrimoniais”, deles excluindo o biológico que autonomizara.

Na sentença sumariou-se da seguinte forma a ponderação feita sobre os factos acima enumerados:

“Assim, o quantum doloris é muito elevado (4 em 7), assim como o dano estético temporário (2 em 7) e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer (3 em 7) e a Repercussão Permanente na Atividade Sexual (2 em 7). Ou seja, os danos sofridos pela autora, uma mulher de 37 anos à data do acidente abrangem várias componentes da sua vida pessoal e diversos domínios que qualquer ser humano tem direito a usufruir para poder ser feliz, sendo incontornável que a A. ficou afectada na sua auto-estima que tem necessariamente reflexo na sua interacção social e afirmação pessoal.”

Ponderando a factualidade provada, os transtornos e incómodos com inúmeros tratamentos e consultas a que a Autora já se submeteu e ainda submeterá, as dores sofridas e as que ainda terá de suportar, o dano estético particularmente relevante por se tratar de mulher ainda jovem, a circunstância de ter ficado temporariamente dependente de terceiros, as limitações que terá para sempre nas suas atividades desportivas e de lazer e apelando uma vez mais ao que vem sido fixado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeada e concretamente nos arestos acima referidos que trataram, recentemente, de situações muito semelhantes, não vemos por que alterar a decisão recorrida que, uma vez mais nos parece ter encontrado um valor – 25.000 €-, que reverencia à justiça do caso concreto e à paridade de critérios que decisões como esta devem pretender alcançar.

Nesta parte, portanto, improcedem ambos os recursos.


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Deve, em conclusão alterar-se apenas a decisão recorrida quanto ao valor da indemnização pelos danos decorrentes da perda de rendimentos no período de baixa da Autora e quanto ao valor dos tratamentos que as lesões sofridas nos dentes venham a demandar.

Assim, a indemnização total a pagar pela Ré à Autora é de 55.500,92 € calculada em função:

1 - da soma das seguintes parcelas:

- 55.000 € a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais;

- 4.816,66 € a título de indemnização pelas perdas de rendimento durante o período de baixa médica; e

- 1.520 € para pagamento dos tratamentos dos dentes números 25 e 45; e,

2 - da posterior subtração da quantia de 5 835, 74 € que a Ré já pagou à Autora.

Sobre a decisão de dedução desse valor não houve recurso, alegando apenas a Autora que teria de se apurar em execução de sentença a que título tal quantia foi paga o que, contudo, como acima afirmado, não tem qualquer fundamento, já que não foi pedida a alteração da matéria de facto e nem retende a Autora a revogação da sentença nessa parte.

A tal condenação acrescerá a de pagamento à Autora da quantia que vier a apurar-se em liquidação de sentença, como a necessária à colocação de coroas nos dentes 11, 21, 22, 24, 31 e 41.


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A qualificação acima feita da indemnização por danos patrimoniais leva a que tenha, também de ser alterada a forma de cálculo de juros pois, como bem decidido na sentença, apenas sobre as quantias a pagar a título de danos patrimoniais são devidos juros a contar da citação, seguindo-se o entendimento expresso na decisão recorrida de que, quanto à indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, o valor da sua fixação está já atualizado com consideração da data mais recente a que pode atender-se.

Tendo-se provado que a Ré pagou à Autora a quantia de 5.835,74 € a mesma destinou-se em parte, de acordo também com o que ficou provado, ao pagamento de retribuição da autora (de junho a setembro de 2016, no valor de 3.400 €), sendo que o demais terá sido destinado a ressarcimento de outros danos não apurados, mas que serão distintos dos destinados ao pagamento de incapacidade temporária de outubro de 2016 a janeiro de 2017 e ao pagamento de tratamentos dentários já que se concluiu que tais quantias são, ainda, devidas.

Como tal, o valor da indemnização por danos patrimoniais sobre a qual são devidos juros é de 6.336,66 €, a contar desde a citação nos termos e pelos fundamentos constantes da sentença.


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Quanto às custas, as mesmas devem ser repartidas de acordo com o decaimento, nos termos do previsto no artigo 527º do Código de Processo Civil, sendo total o decaimento da Ré no recurso por si interposto e havendo que fixar o decaimento no recurso interposto pela Autora.

Na medida em que a condenação da Ré em primeira instância foi no valor de 54.314,26 € e é a agora de 55.500,92 €, fixa-se o decaimento na proporção de 3% para a Ré e 97 % para a Autora.

V – Decisão

Nestes termos revoga-se parcialmente a sentença e, em consequência condena-se a Ré a:

1 – pagar à Autora a quantia de 55.500,92 €;

2 – pagar à Autora juros, à taxa legal sucessivamente aplicável:
a) desde a citação em 21-03-2019 e até efetivo e integral pagamento, sobre a quantia de 6.336,66 €; e,
b)  sobre a remanescente quantia de 49.164,26 €, desde a data de prolação do presente acórdão e até efetivo integral pagamento;

3 – Pagar à Autora a quantia, a liquidar posteriormente, que venha a ser necessária à colocação de coroas nos dentes 11, 21, 22, 24, 31 e 41.

Custas por ambas as partes, nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil fixando-se o decaimento em 3% para a Ré e 97 % para a Autora.

Porto, 5/2/2024
Ana Olívia Loureiro
Jorge Martins Ribeiro
Ana Paula Amorim [Declaração de voto:
Voto a decisão, mas não acompanho em toda a extensão os seus fundamentos, quanto à qualificação do "dano biológico".
Considero que na situação presente o dano biológico assume também natureza patrimonial, porque se traduz na diminuição da capacidade económica geral, suscetível de indemnização reparatória daquela diminuição do rendimento económico potencial, constituindo a equidade o critério a atender no cálculo da indemnização do dano futuro (cf., entre outros, Ac. STJ 07 de março de 2019, Proc. 203/14.0T2AVR.P1.S1, acessível em www.dgs.pt).]
_________________
[1] Isto é, não pagas em forma de pensão como se prevê, a pedido, no artigo 577º, nº 1 do Código Civil e, como regra, no direito laboral onde a remição das pensões está pensada apenas nas situações IPP não ultrapasse um determinado valor.
[2] Não é de difícil busca a jurisprudência que enuncia tal raciocínio pelo que, pela distância temporal que os separa e, assim, demonstra o grau de previsibilidade e segurança de tal fórmula acarreta, citaremos apenas dois, ambos do STJ: o de 28-10-99 no processo 1521/98 e o de 23-03-2023, no processo 15945/18.3T8 PRT.P1.S1 ambos em http://www.dgsi.pt/jstj.
[3] Com a entrada em vigor do DL 352/2007 de 23 de outubro.
[4] Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), aprovada pelo Decreto –Lei n.º 341/93, de 30 de setembro destinada à avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho.
[5] Convém ter aqui presente que, ainda que medicamente curado, o portador de sequelas relevantes do ponto de vista médico-legal não é assim chamado neste particular ramo da medicina em que a cura não corresponde à ausência de qualquer incapacidade.
Ou seja, a “alta” médica não é igual à “cura”. Fala-se, nos casos de incapacidades permanentes, em consolidação das lesões – momento a partir do qual o lesado já não pode beneficiar de novos tratamentos e em que a melhoria do seu estado já não é expectável – é este momento que releva para a medicina legal na tarefa da avaliação do dano.
[6] Na resposta a esta questão parte da jurisprudência sustenta a natureza patrimonial do dano biológico mesmo que não importe perda de rendimento. Diz-se, em inúmeros acórdãos, que o esforço suplementar exercido pelo lesado importará diminuição de possibilidade de valorização profissional e que, por via das dificuldades acrescidas do lesado ele não se coloca em face do mercado de trabalho como faria não fosse a lesão -vg. Ac. STJ de 12-01-2006 in http://www.dgsi.pt/jstj.
[7] Sendo certo, contudo, que o grau de dor que permanentemente ficará ligado à incapacidade é, muitas vezes, também relevante na análise das sequelas, sendo vários os pontos da tabela em que a dor é em si mesma considerada sequela.
[8] Orlando de Carvalho in Negócio Jurídico Indirecto, Boletim da Faculdade de Direito, 1952, Suplemento X, pág. 53, fala de uma regra geral de comodidade que leva a que uma nova exigência receba resposta através de um velho instituto “que oferece à nova matéria, ainda incandescente, uma armadura já conhecida e sólida”.
[9] J. J. Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IX, t. I, 2001, p. 9 e 10).
[10] “Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, FDUC, Teses de Doutoramento
[11] Da Responsabilidade Civil em Matéria de Acidentes de Viação, Almedina 3ª edição, p. 130.
[12] Tirado no processo 4129/04 e disponível em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt).
[13] Como sumariado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2022, disponível em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt). No mesmo sentido e a título meramente exemplificativo, pode ler-se em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-06-2021, disponível em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt), que “A consideração do chamado dano biológico como componente do dano patrimonial futuro, não significa que o julgador deva autonomizá-lo no cômputo da indemnização por perda da capacidade de ganho; deve apenas reflectir na indemnização a capitis deminutio do lesado, a diminuição da sua capacidade de ganho, valoração que não pode deixar de ser feita com base num juízo de equidade, dentro dos limites que tiver por provados (nº3 do art. 566º do CC.)”.
[14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt).
[15] jurisprudencia.pt/acordao/183779/pdf/.
[16] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt).
[17] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt)
[18] Nos termos do artigo 263º, número 1 do Código do Trabalho.
[19] Prevê o artigo 160º, número 4 do Código do Trabalho que “Os subsídios de férias e de Natal são calculados com base na média dos valores de retribuições e compensações retributivas auferidas nos últimos 12 meses, ou no período de duração do contrato se esta for inferior.”
[20] A saber: que a Autora “Tem igualmente dificuldades da atividade sexual, por sentir dores em determinadas posições”.