Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
353/18.4T8PVZ-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: AMPLIAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
AMPLIAÇÃO EM SIMULTÂNEO DA CAUSA DE PEDIR E DO PEDIDO
Nº do Documento: RP20190910353/18.4T8PVZ-B.P1
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 907, FLS 154-165)
Área Temática: .
Sumário: I - Actualmente, apenas é possível alterar a causa de pedir e o pedido, fora de acordo, na sequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (cf. art.º 265.º, n.º 1, do CP Civil).
II - Os factos constitutivos da causa de pedir da acção de reivindicação são o título invocado como aquisitivo do direito de propriedade (comum a todo o tipo de acções baseadas no direito de propriedade) e a detenção por outrem sem título.
III - Não é possível ampliar uma causa de pedir e um pedido deste tipo com uma causa de pedir e pedido subsidiários de aquisição pelos réus do prédio por acessão industrial imobiliária por se tratar de um direito potestativo destes e, independentemente disso, por tais alterações subverterem o objecto inicial do processo e se traduzirem num pedido contraditório com os inicialmente formulados. Além disso, a inclusão de um pedido subsidiário para a hipótese de procedência da reconvenção não é admitida por lei.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 353/18.4T8PVZ-B.P1
Comarca: [Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim (J4); Comarca do Porto]

Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
Adjunto: Vieira e Cunha
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

“B…, LDA”, sociedade com sede na Rua …, n.º .., …, Vila do Conde, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C… e mulher D…, residentes na …, n.º …, …, Vila do Conde, pedindo que os Réus sejam condenados a:
a) Reconhecerem que é dona e legítima proprietária do prédio rústico descrito na Petição;
b) Reconhecerem que ocupam sem qualquer título, ilícita, abusivamente e de má-fé tal imóvel;
c) Entregarem-lhe o imóvel em causa livre de pessoas e bens, no mesmo estado de conservação como o encontraram;
d) Pagarem-lhe, pela ocupação indevida desde Junho de 2005 e até 23/02/2018, indemnização nos termos referidos na Petição, de quantia nunca inferior a € 92.930,95;
e) Pagarem-lhe indemnização pela ocupação indevida desde a instauração dos presentes autos até efectiva entrega do imóvel livre de pessoas e bens, calculado sobre o actual valor locativo do imóvel de € 8.018,56/ano, acrescido das respectivas actualizações legais anuais;
f) Pagarem-lhe a indemnização a título de danos morais referidos na Petição em quantia nunca inferior a € 5.000,00;
g) Sem prescindir, a pagarem as quantias referidas nas alíneas d), e) e f) do presente pedido, nos termos do artigo 1045.º do Código Civil;
h) Ainda sem prescindir também, se assim não se entender, que os Réus sejam condenados no pagamento das quantias referidas nas alíneas d), e) e f) do presente pedido a título de enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 473.º, 479.º e 480.º do Código Civil;
i) Pagarem juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal em vigor sobre a data de vencimento das prestações mensais em dívida devidas pelo uso do imóvel (artigos 804.º, n.º 2, e 805.º, alínea b) e artigo 806.º do Código Civil);
j) Pagarem uma sanção pecuniária compulsória no montante nunca inferior a € 150,00/dia pela não entrega do imóvel descrito na Petição, desde a citação dos Réus até à entrega do mesmo nas condições referidas em c) do pedido.
Alega – em síntese – ser dona de um prédio rústico denominado de “E…”, sito em …, na freguesia …, concelho de Vila do Conde, composto de pinhal, mato e lavradio, com a área de 40.000 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o Artigo 1211.º e actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º 1356.
Concretiza ter adquirido tal prédio para o exercício da sua actividade agrícola, através de escritura pública outorgada em 22/09/2015, exercer sobre o mesmo reiterados actos de posse e beneficiar do registo predial a seu favor.
Mais alega que, entre o anterior proprietário e o Réu-marido foi realizado, em 06/11/1991, um contrato-promessa de arrendamento relativo ao referido imóvel, tendo por objecto a realização de uma pista em terra para desportos motorizados, com tradição da coisa.
Expõe que este anterior proprietário intentou acção judicial contra os aqui Réus, a qual correu termos sob o n.º 2089/05.7TBVCD, na qual foi declarado este contrato-promessa de arrendamento nulo por vício de forma, condenando os referidos ocupantes no pagamento de uma quantia indemnizatória.
Diz que os Réus não entregaram o imóvel, não obstante as várias interpelações realizadas pelo anterior proprietário. Bem como que, após ter outorgado a escritura pública de compra e venda, também ela, em 03/10/15, comunicou aos Réus de que dispunham do prazo de 30 dias para deixar o imóvel livre de pessoas e bens.
Alega, por fim, que esta actuação dos Réus impossibilitou o anterior proprietário de utilizar o prédio e a impossibilita a si de iniciar a exploração agrícola projectada, causando-lhe um prejuízo de valor pelo menos equivalente ao montante que os próprios Réus se dispuseram a pagar pela ocupação do mesmo no contrato acima indicado.
Os Réus vieram contestar, excepcionando a ilegitimidade activa da Autora quanto aos pedidos indemnizatórios vertidos nas alíneas d), g), h) e i) da Petição relativamente ao período de tempo compreendido entre Junho de 20005 e 22/09/2015, a prescrição dos direitos indemnizatórios decorrentes de factos anteriores ao dia 01/03/2015 e a existência de direito de retenção do prédio em razão de benfeitorias úteis realizadas no mesmo.
Impugnam a essencialidade dos factos da Petição Inicial e formulam reconvenção, alegando, em resumo, que, em 06/11/1991, celebraram contrato-promessa de arrendamento do imóvel com o anteproprietário do mesmo, tendo entrado na posse do mesmo e começando, desde logo, a pagas as rendas acordadas.
Dizem que, antes da celebração deste contrato, o prédio era um prédio rústico a mato e coberto arbóreo disperso, constituído essencialmente por eucaliptos e por pinheiros de pequeno porte.
Alegam que, mal entraram na posse do prédio, levaram nele a efeito obras de transformação e reconversão total, as quais consistiram em limpeza, terraplanagens, pré-preenchimento com terra para elevação e nivelamento do terreno, construção da “F…” e seus acessos, pavimentação asfáltica, obras de construção civil, exploração de águas para auto-abastecimento do complexo, arranjos exteriores, criação e instalação das redes gerais de energia eléctrica, água, drenagem, esgotos e outras estruturas de apoio, no que despenderam a quantia global de € 2.155.200,00.
Afirmam que o valor comercial do prédio rústico antes das benfeitorias realizadas não era superior a € 59.855,75 e que as benfeitorias por si realizadas devem considerar-se úteis, não podem ser levantadas e contribuíram para o exponencial aumento do seu valor venal, que será, actualmente, de € 2.155.200,00.
Alegam ainda que a constituição da sociedade Reconvinda e a compra e venda do prédio foram uma mera “estratégia” para ilidir o seu direito.
Finalmente alegam que a Autora litiga com manifesta má-fé, ao deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Concluem pedindo que:
A. Seja declarada a ilegitimidade activa da Autora/Reconvinda relativamente aos pedidos indemnizatórios vertidos nas alíneas d), g), h) e i) da Petição, respeitantes ao período de tempo compreendido entre o mês de Junho de 2005 e o dia 22/09/2015;
B. Seja declarada a prescrição dos direitos indemnizatórios decorrentes de factos anteriores ao dia 01/03/2015;
C. Seja reconhecido e declarado o direito de retenção do “Prédio Rústico” a seu favor, em razão das benfeitorias úteis por si realizadas no mesmo;
D. Seja declarada a falsidade dos Doc. 2, 3, 4 e 10 juntos na Petição Inicial;
E. Seja ordenada à Autora/Reconvinda que proceda à junção aos autos de certidão da Douta sentença proferida no âmbito do Processo n.º 2089/05.7TBVCD;
F. Em todo o caso, sejam absolvidos de todos os pedidos contra si deduzidos pela Autora/Reconvinda na Petição Inicial;
G. A Reconvenção seja recebida e julgada procedente, por provada, e, em consequência que seja a Autora/Reconvinda condenada a pagar-lhes uma quantia nunca inferior a € 2.155.200,00, decorrente de todas as benfeitorias úteis efectuadas por estes no “Prédio Rústico” ou na quantia que vier a ser fixada no relatório pericial, desde que superior àquela;
H. Seja decretado o levantamento da personalidade jurídica da Autora/Reconvinda, para permitir que o património pessoal dos sócios responda pelos valores das benfeitorias úteis aqui peticionadas e
I. Dando-se como provados os factos constantes desta peça processual, que a Autora/Reconvinda seja condenada em multa e numa indemnização (agravada), em montante nunca inferior a € 50.000,00, a seu favor, acrescido dos honorários e despesas com o advogado da causa e demais despesas.
A Autora veio apresentar réplica, impugnando as matérias de facto invocadas como fundamento das excepções deduzidas e para a dedução da reconvenção.
No mesmo articulado, veio alterar a causa de pedir e ampliar o pedido, alegando que aceita a confissão dos Réus de que o prédio em causa tem benfeitorias realizadas no valor de € 2.155.200,00.
Entende que, tratando-se de um valor muito superior ao do valor de mercado do prédio de cerca de € 390.000,00, não faz sentido o pagamento das mesmas, mas a aplicação do instituto da acessão industrial imobiliário, de modo a que a Autora seja indemnizada pelo valor do seu terreno.
Declara manter todo o petitório da Petição Inicial e, em ampliação do mesmo, para a hipótese de a reconvenção ser julgada procedente, que se dê como aceite o valor das benfeitorias de € 2.155.200,00, e bem assim o valor do imóvel de € 390.000,00, e, em consequência, que se condenem os Réus a adquirirem o imóvel em causa por via da aplicação do instituto da acessão industrial imobiliária pelo valor de € 390.000,00.
Os Réus vieram responder a este requerimento, pugnando pelo seu indeferimento, afirmando que a Autora pretende subverter o instituto da alteração do pedido e da causa de pedir e que esta pretensão é ainda totalmente incompatível com os pedidos primitivos vertidos na Petição Inicial.
Sequencialmente foi proferido despacho, com a seguinte fundamentação resumida “(…) Analisada a contestação, resulta da mesma que os réus alegam que realizaram no prédio da autora benfeitorias no valor de € 2.155.200,00. E, com base nessa alegação, peticionam a condenação da autora, em sede de reconvenção, no pagamento desse montante, bem como o reconhecimento do direito de retenção sobre o prédio, em sede de excepção, derivado da existência desse invocado crédito. Ora, neste enquadramento, a alegação dos réus de que o valor das referidas benfeitorias é de € 2.155.200,00, para além de não constituir a confissão de qualquer facto alegado pela autora na petição inicial, seguramente que não constitui o reconhecimento de um facto que lhes seja desfavorável e favorável à autora, pelo contrário, traduz a alegação de um facto constitutivo do direito que invocam e que pretendem fazer valer, em sede de reconvenção e de excepção. Facto esse que a autora pode, ela sim, confessar. Assim sendo, facilmente se conclui que não estão reunidos os pressupostos para que a causa de pedir possa ser alterada. E sem a alteração da causa de pedir não se mostra possível a ampliação do pedido.” e com a seguinte decisão “Em face do exposto, indefere-se a alteração da causa de pedir e a ampliação do pedido requeridas pela autora.”
Inconformada com este despacho, a Autora veio interpor recurso, pedindo que seja revogado o despacho saneador na parte em que indeferiu a alteração da causa de pedir e do pedido formulados pela Autora, e substituído por outro que defira a alteração da causa de pedir e do pedido formulados pela Autora, rematando com as seguintes
CONCLUSÕES:
1)Vem o presente recurso interposto do douto Despacho Saneador de 26-02-2019 produzido nos presentes autos, no segmento em que se pronunciou sobre a alteração da causa de pedir e a ampliação do pedido requeridas pela Autora, indeferindo tal pretensão.
2)A alteração da causa de pedir e a ampliação do pedido que foram formulados pela Autora cabem no âmbito da previsão dos n.º 1 e 2 do art.º 265.º do CPC.
3)Uma vez que são consequência do reconhecimento pelos Réus de um facto novo que foi carreado para os autos na contestação em sede de reconvenção, ao invocarem que realizaram benfeitorias úteis no prédio no valor de € 2.155.200,00.
4)Perante tal alegação dos Réus, ficou a Autora a saber que as alegadas benfeitorias realizadas pelos Réus no terreno cuja propriedade vem reclamada nos autos pela Autora, têm um valor muito superior ao valor do terreno.
5)E a Autora apenas tomou conhecimento dessa situação com a contestação dos Réus, pelo que quando instaurou a acção a Autora não tinha que vir alegar uma causa de pedir e consequente pedido com base no instituto da acessão imobiliária industrial, até porque não dispunha de factos para tal.
6)Perante esta alegação dos Réus na contestação e a conseguirem os Réus provar que as benfeitorias que realizaram no terreno da Autora possuem um valor muito superior ao valor do terreno e que as mesmas foram efectuadas de boa-fé, à Autora cabia o direito de vir ampliar a causa de pedir com fundamento nesse facto novo e consequente ampliação do pedido inicial com base no instituto da acessão industrial imobiliária.
7)Pois, sendo o valor das alegadas benfeitorias superior ao valor do terreno sem essas benfeitorias, verificando-se os pressupostos legais do Art.º 1340.º do Código Civil, que são: (a) construção de obra em terreno alheio; (b) de boa-fé e (c) sendo o valor da totalidade do prédio em razão das obras superior ao valor antes das obras, a aquisição do prédio pelos autores da acessão é automática, não estando na disponibilidade dos réus fazerem uma outra opção.
8)E sendo a aquisição automática, os autores da acessão ficam imediatamente obrigados a pagar ao dono do prédio o valor que este tinha antes da incorporação das obras, que no caso é no valor de € 390 000,00.
9)Como tal, não se pode concordar com a fundamentação do douto despacho recorrido.
10)Porquanto, foram os Réus que vieram alegar na sua contestação que “E, após a execução dessas benfeitorias – melhores descritas na causa de pedir vertida na Reconvenção – e por causa delas, o valor venal ou de mercado o “prédio rústico” sofreu uma apreciação e valorização incomparavelmente superior ao que valia aquando da celebração do “contrato promessa de arrendamento” – item 148.º e “Que como se verá, corresponde a uma quantia nunca inferior a 2.155.200,00 €.” – item 149.º.
11)Em consequência desta alegação dos Réus e desconhecendo a Autora aquando da instauração da acção a dimensão das benfeitorias realizadas no seu prédio e o valor das mesmas, o que configura um facto novo que não era conhecido da Autora quando instaurou a acção, podia então a Autora lançar mão do instituto da acessão industrial imobiliária plasmado no artigo 1340.º do Código Civil, que determina que o incorporante se constitui automaticamente proprietário do prédio, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras.
12)O que a Autora apenas podia fazer por via da alteração da causa de pedir e consequente alteração do pedido, uma vez que se trata de uma circunstância de conhecimento posterior à instauração da acção que leva a que o pedido se possa modificar.
13)A alteração da causa de pedir e consequente alteração do pedido está justificada na alegação dos Réus quando dizem que realizaram no terreno benfeitorias no valor de € 2.155.200,00.
14)A Autora alegou como fundamento da ampliação da causa de pedir e do pedido a circunstância dos Réus terem confessado que teriam efectuado no terreno benfeitorias e que o valor das mesmas, alegadamente, era de € 2.155.200,00.
15)Quando a Autora refere esta alegação constitui uma confissão, fá-lo como consequência de uma inversão dos direitos arrogados no seu petitório.
16)O mesmo é dizer que pretendendo-se a ampliação/alteração do pedido no sentido de ser determinada a transmissão da propriedade por via do instituto da acessão industrial imobiliária, a invocação daquele facto por parte dos Réus de terem realizado benfeitorias no imóvel de valor muito superior ao do próprio prédio em si, constitui para eles, Réus, um facto desfavorável porque é precisamente por esse facto que automaticamente devem adquirir o imóvel em causa.
17)Ora, é exactamente o que está dito no articulado de resposta da Autora quando ali se refere que “a ser reconhecido que os Réus realizaram as benfeitorias de boa-fé e que elas têm o valor de € 2.155.200,00, então a Autora aceita essa confissão por parte dos Réus e por via desse facto que lhes é desfavorável pede a transmissão da propriedade automaticamente nos termos do Art.º 1340.º do Código Civil.”
18)Ou seja, se para efeitos de reclamarem indemnização pelas benfeitorias esse facto não é desfavorável aos Réus, já ao contrário, como causa para a transmissão do direito de propriedade do imóvel incorporante por via da acessão industrial imobiliária, esse facto da realização das benfeitorias é desfavorável aos Réus e só por meio dessa confissão pode ser determinada aquela transmissão.
19)E, como tal, o despacho recorrido não interpretou correctamente o sentido que a Autora pretendeu atribuir à expressão “confissão”, por efectivamente não se trata de confissão de qualquer facto alegado pela Autora na petição inicial ou de reconhecimento de um facto desfavorável aos Réus e favorável à Autora, mas sim de um facto novo que foi alegado pelos Réus em sede de reconvenção que faz modificar a causa e por via disso lhes é verdadeiramente desfavorável.
20)Este facto novo que foi carreado para os autos pelos Réus faz com que a causa possa ser alterada, quer nos termos do n.º 1, quer nos termos do n.º 2 do Art.º 265.º do CPC.
21)Ou seja, quer por via desse declaração dos Réus de que as benfeitorias têm um valor muito superior ao valor do terreno, quer por se tratar de um de um facto novo de conhecimento da Autora posterior à instauração da acção que leva a que o pedido inicial se modifique.
22)Pois, com base nesse facto novo, se forem reconhecidas as benfeitorias realizadas pelos Réus no prédio da Autora, de boa-fé e de que as mesmas possuem um valor muito superior ao do próprio terreno da Autora onde foram implantadas, a Autora pode lançar mão do instituto da acessão industrial imobiliária, que prevê a aquisição automática do prédio pelo autor da acessão, em consequência da confissão daquele facto que é desfavorável aos Réus.
23)Sendo que aqui também nos vemos forçados a discordar do despacho recorrido, quando diz que nunca os réus poderiam ser condenados a adquirir o prédio da autora por via da acessão industrial imobiliária, porquanto, segundo esse seu entendimento, tal pedido carece, em absoluto, de enquadramento jurídico uma vez que é uma opção que assiste aos Réus não estando na disponibilidade da autora a possibilidade de os obrigar a tal opção.
24)O instituto da acessão industrial imobiliária não deixa dúvidas quanto a este direito que é conferido ao proprietário do prédio, de aquisição automática do prédio pelo autor da acessão, não estando na disponibilidade deste poder exercer ou não esse direito de aquisição.
25)Efectivamente, é nosso entendimento que o instituto da acessão industrial imobiliária confere claramente essa opção à Autora enquanto proprietária do prédio, ao prever que “Se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio, … o autor da acessão adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras…”.
26)Tratando-se de uma aquisição automática do prédio pelo autor da acessão, não estando sujeita à vontade aquisitiva dos réus.
27)Neste sentido, pronunciaram-se os eminentes Professores de Direito Pires de Lima e Antunes Varela quando referem no seu “Código Civil Anotado” que a aquisição ocorre automaticamente, ipso iure, desde o momento da incorporação sempre afirmando que a tese pela qual se defende que a acessão pressupõe o prévio exercício de um direito potestativo não tem cabimento no quadro das soluções consagradas na lei.
28)E para sustentarem esse seu correcto raciocínio dizem “quando, no domínio da acessão, o legislador quis introduzir uma solução inquestionavelmente potestativa, como é a hipótese do Art.º 1343.º, usou a expressão “pode adquirir” (que é a adequada à natureza do direito aí consagrado), bem diferente do Art.º 1340.º em que usa a fórmula “adquire” (uma vez realizados os factos ali previstos).
29)E seguem ainda os mesmos Professores “se o legislador não tivesse pensado a aquisição como automática, ter-se-ia preocupado, a exemplo do que sucede nos art.º 1333.º, n.º 4, e 1335.º, n.º 1 e 2, com as consequências do beneficiário da acessão não pretender adquirir o direito de propriedade que a acessão lhe faculta”, afirmando finalmente que “em se tratando de obras ou plantações, a renúncia do proprietário do terreno ao direito potestativo implicaria a constituição de um direito de superfície e, por isso, a necessidade de dar a tal acto de renúncia a forma solene de escritura pública”, o que aqui não acontece, dizemos nós.
30)No entanto, na hipótese de se entender que a requerida alteração da causa de pedir e do pedido não tem previsão nem no n.º 1 e nem no n.º 2 do Art.º 265 do CPC, sempre teria previsão no n.º 6 desse dispositivo.
31)Porquanto, a alteração simultânea do pedido e da causa de pedir não implica convolação para relação jurídica diversa da controvertida, pois que nos continuaríamos a mover no âmbito da relação jurídica descrita na petição inicial.
32)A alteração simultânea do pedido e da causa de pedir seria assim possível, face ao disposto no n.º 6 do art.º 265.º do CPC uma vez que o direito discutido seria sempre o direito de propriedade.
33)E, não estando a atendibilidade de factos supervenientes sujeita ao condicionalismo previsto nos art.º 264.º e 265.º do CPC, sempre poderia haver alteração simultânea do pedido e da causa de pedir no articulado superveniente.
34)Qualquer que seja, pois, o entendimento seguido, sempre a Autora poderia ter alterado a causa de pedir e o pedido para que os Réus sejam condenados a adquirirem o prédio por via do instituto da acessão industrial imobiliária.
Os Réus vieram apresentar contra-alegações, pugnando pela manutenção do despacho recorrido e rematando com as seguintes
CONCLUSÕES:
I. Porque a recorrente afirma cabalmente que não houve confissão dos recorridos, de maneira que, conforme bem decidiu o Tribunal a quo “não estão reunidos os pressupostos para que a causa de pedir possa ser alterada”, nos termos do artigo 265.º do CPC.
II. Quem confessou foi a recorrida, não foram os recorrentes.
III. Porque não há que se falar em ampliação do pedido, sem a alteração da causa de pedir, posto que o pedido inicial não comporta as “novas” pretensões da recorrente, porque não se trata do desenvolvimento ou da consequência do pedido primitivo.
IV. Porque a alteração da causa de pedir, nos termos pretendidos pela recorrente, implicaria na convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
V. Porque os factos que fundamentam o referido pedido não se enquadram juridicamente no previsto no artigo 265.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 6 do CPC.
VI. Porque os alegados factos novos sempre foram do conhecimento da recorrente, afinal, a F… é uma benfeitoria corporizada ao imóvel objecto dos presentes autos desde, pelo menos, o ano de 1994, aquando se realizou a inauguração da mesma, com a presença de um dos sócios da recorrente.
VII. Logo, o douto Despacho Saneador de 26-02-2019, com a referência n.º 400026249, não merece qualquer censura por parte do Tribunal ad quem, devendo manter-se incólume no segmento impugnado no recurso apresentado pela recorrente.
O recurso foi admitido como recurso de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
A questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, prende-se com a admissibilidade da alteração da causa de pedir e do pedido.
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III – ADMISSIBILIDADE DA ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR E DA AMPLIAÇÃO DO PEDIDO

A recorrente sustenta que a alteração da causa de pedir e a ampliação do pedido que foram por si formulados cabem no âmbito da previsão dos n.º 1 e 2 do art.º 265.º do CP Civil, uma vez que são consequência do reconhecimento pelos Réus de um facto novo que foi carreado para os autos na Contestação em sede de reconvenção, ao invocarem que realizaram benfeitorias úteis no prédio no valor de € 2.155.200,00.
Afirma que, perante tal alegação dos Réus, ficou a saber que as alegadas benfeitorias realizadas pelos Réus no terreno cuja propriedade vem reclamada nos autos pela Autora, têm um valor muito superior ao valor do terreno.
Entende que, perante esta alegação dos Réus na contestação e a conseguirem estes provar que as benfeitorias que realizaram no terreno da Autora possuem um valor muito superior ao valor do terreno e que as mesmas foram efectuadas de boa-fé, lhe cabe o direito de vir ampliar a causa de pedir com fundamento nesse facto novo e consequente ampliação do pedido inicial com base no instituto da acessão industrial imobiliária. E sendo a aquisição automática, os autores da acessão ficam imediatamente obrigados a pagar ao dono do prédio o valor que este tinha antes da incorporação das obras, que no caso é no valor de € 390.000,00.
Supletivamente sustenta que, na hipótese de se entender que a requerida alteração da causa de pedir e do pedido não tem previsão nem no n.º 1 e nem no n.º 2 do Art.º 265 do CP Civil, sempre teria previsão no n.º 6 desse dispositivo, porquanto a alteração simultânea do pedido e da causa de pedir não implica convolação para relação jurídica diversa da controvertida, pois que nos continuaríamos a mover no âmbito da relação jurídica descrita na petição inicial (direito de propriedade).
Importa, portanto, apurar da admissibilidade do requerimento apresentado pela Autora a pedir a alteração da causa de pedir e a ampliação do pedido.
A Autora intentou a presente acção alegando – em síntese – ser dona de um prédio rústico, por exercer sobre o mesmo reiterados actos de posse e beneficiar do registo predial a seu favor, que os Réus o estão a ocupar e utilizar, sem qualquer título e apesar de já terem sido interpelados para o desocuparem, causando-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais.
Pede – em sede principal - a condenação dos Réus a reconhecerem que é dona e legítima proprietária deste prédio rústico e que eles ocupam tal prédio sem qualquer título. Mais pede a sua condenação a entregarem-lhe o imóvel em causa livre de pessoas e bens e a pagarem-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como a condenação numa sanção pecuniária compulsória.
O processo civil não é mais do que um conjunto de regras ordenadoras da forma e dos prazos de arguição em Tribunal das pretensões jurídicas das partes.
A obrigação de seguir este "figurino legal" conduz necessariamente à autorresponsabilização dos sujeitos processuais.
O CP Civil prescreve, no art.º 552.º, n.º 1, alínea d), que “Na petição, com que propõe a acção, deve o autor: (…) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção.”
Por seu turno, o art.º 5.º do mesmo Código refere que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.”.
Quanto à causa de pedir da presente acção, o art.º 581.º, n.º 4, do CP Civil afirma expressamente que nas acções reais a causa de pedir “é o facto jurídico de que deriva o direito real.”
Assim, usando as palavras de José Alberto Vieira[2], “O autor apenas tem que indicar o facto pelo qual adquiriu o direito alegado. (…). Temos, deste modo, o desenho da acção de revindicação. O autor invoca a titularidade de um direito real de gozo, indica o facto jurídico concreto donde emerge essa aquisição e pede ao tribunal que condene o réu que tem a coisa em seu poder a entregar-lha.”
Verifica-se, pois, que a Autora optou por intentar em Juízo uma típica acção de reivindicação, atenta a causa de pedir – o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade – e o pedido – reconhecimento desse direito e pedido de entrega do bem por parte dos Réus.
Pretende agora manter todo o petitório da Petição Inicial e, em ampliação do mesmo, para a hipótese de a reconvenção ser julgada procedente, que se dê como aceite o valor das benfeitorias de € 2.155.200,00, e bem assim o valor do imóvel de € 390.000,00, e, em consequência, que se condenem os Réus a adquirirem o imóvel em causa por via da aplicação do instituto da acessão industrial imobiliária pelo valor de € 390.000,00.
Alega, para tanto, que aceita a confissão dos Réus de que o prédio em causa tem benfeitorias realizadas no valor de € 2.155.200,00.
Entende que, tratando-se de um valor muito superior ao do valor de mercado do prédio de cerca de € 390.000,00, não faz sentido o pagamento das mesmas, mas a aplicação do instituto da acessão industrial imobiliário, de modo a que a Autora seja indemnizada pelo valor do seu terreno.
A possibilidade de alteração do pedido e da causa de pedir, após a citação do réu[3] e na falta de acordo das partes, sofreu uma profunda restrição no atual regime legal.
Com efeito, na anterior redação do CPCivil, conferia-se às partes a possibilidade de alterarem o pedido e/ou a causa de pedir na réplica. Actualmente, desapareceu essa faculdade legal, sendo apenas possível alterar-se a causa de pedir, fora de acordo, “na sequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor” (cf. art.º 265.º, n.º 1, do CP Civil).
Complementarmente, o n.º 6 do mesmo preceito legal acrescenta que ”É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.”
A Recorrente entende poder aditar uma nova causa de pedir e um novo pedido, em face de uma alegada confissão de factos por parte dos Réus.
Não lhe assiste razão, uma vez que – tal como se refere na decisão recorrida – os Réus não confessaram quaisquer factos na sua Contestação que legitimassem tal ampliação da causa de pedir.
Confissão é, nos termos prescritos pelo art.º 352.º do Código Civil[4], o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Citando as palavras de Lebre de Freitas[5], “Diz-se confissão o reconhecimento da realidade de um facto (passado, ou presente duradoiro) desfavorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse.”
No caso em presença, os Réus/Reconvintes alegam que o valor comercial do prédio rústico antes das benfeitorias realizadas não era superior a € 59.855,75 e que as benfeitorias por si realizadas devem considerar-se úteis, não podem ser levantadas e contribuíram para o exponencial aumento do seu valor venal, que será, actualmente, de € 2.155.200,00.
Pedem, em sede de reconvenção, que a Autora/Reconvinda seja condenada a pagar-lhes uma quantia nunca inferior a € 2.155.200,00, decorrente de todas as benfeitorias úteis efectuadas por estes no “Prédio Rústico” ou na quantia que vier a ser fixada no relatório pericial, desde que superior àquela.
Estas alegações não representam qualquer confissão, mas diversamente a invocação dos factos constitutivos do direito que invocam e pretendem fazer valer, em sede de reconvenção (tal como se refere na decisão recorrida).
É discutível se, tendo o contrato-promessa de arrendamento sido declarado nulo por falta de forma, os Reconvintes têm direito a uma indemnização a título de realização de benfeitorias ou se deveriam ter recorrido ao instituto da acessão industrial imobiliária[6].
Independentemente disso, deve entender-se que só eles podiam ter peticionado a aquisição da propriedade por recurso a este instituto da acessão industrial imobiliária.
Apesar de alguma controvérsia na doutrina e jurisprudência no que concerne à espécie de acessão prevista no art.º 1340.º do C Civil, defendendo a doutrina clássica a tese da aquisição automática com a efectiva incorporação, hoje é maioritária a posição de que a acessão industrial imobiliária é uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, funcionando o pagamento do valor do prédio como uma condição suspensiva da transmissão do direito, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação.
Cita-se, a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/2012, tendo por Relator Lopes do Rego[7]: “Sendo, por força do estipulado no CC, a aquisição originária da propriedade por acessão industrial imobiliária uma aquisição potestativa que se consuma quando – verificados os requisitos ou pressupostos legais que caracterizam tal instituto – o adquirente exerce o direito potestativo que vai determinar a aquisição do direito real, o momento relevante para aferir, quer da existência ou verificação dos pressupostos, quer do âmbito ou dos limites físicos de tal aquisição, será aquele em que o beneficiário manifestou à contraparte a vontade de exercício do seu direito, cristalizando-se irremediavelmente a respectiva situação jurídica, pelo menos, na data em que foi exercitado o referido direito potestativo.”
Bem como o Acórdão desta Relação de 28/03/2012, tendo como relator Augusto de Carvalho[8]: “A acessão industrial imobiliária é uma forma potestativa de aquisição originária de propriedade, de reconhecimento necessariamente judicial.”
Assim sendo, não tem qualquer consistência jurídica a alegação da Recorrente no sentido de que a invocação daquele facto por parte dos Réus de terem realizado benfeitorias no imóvel de valor muito superior ao do próprio prédio em si, constitui para eles, Réus, um facto desfavorável porque é precisamente por esse facto que automaticamente devem adquirir o imóvel em causa. Nem é legalmente possível à Recorrente formular o pedido de condenação dos Réus a adquirirem o imóvel por via da aplicação do instituto da acessão industrial imobiliária.
Noutra perspectiva, a pretendida ampliação da causa de pedir e do pedido nunca seriam processualmente possíveis.
Como é pacífico, a alteração da causa de pedir e do pedido pode ocorrer, qualquer um deles, por redução, ampliação ou alteração.
Em concreto, ocorre ampliação da causa de pedir e do pedido quando o autor adiciona um novo fundamento à acção, o que pode ocorrer sequencialmente em termos de ampliação do pedido principal ou através da adição de um novo pedido subsidiário.
No entanto, na sequência dos ensinamentos da doutrina e das reiteradas decisões da jurisprudência, o n.º 6 do citado art.º 265.º do CP Civil impede que se proceda à alteração simultânea do pedido e da causa de pedir em anulação completa do objecto inicial do processo.
Como já explicava Antunes Varela[9], a alteração simultânea do pedido e da causa de pedir é admissível, desde que não se transite de uma relação jurídica para outra relação jurídica distinta.
No mesmo sentido, refere Mariana França Gouveia[10]: “A causa de pedir para efeitos de cumulação sucessiva e alteração do objecto, superveniente ou não, deve ser definida como o facto principal comum às pretensões materiais alegadas originária e sucessivamente, em substituição ou em cumulação. Assim, se forem alegados factos que não coincidem minimamente com os factos (supervenientes ou não) constitutivos da pretensão material originariamente alegada, haverá alteração da causa de pedir. Alteração permitida desde que o pedido se mantenha o mesmo.”
Isto é, nunca seria possível ampliar o pedido e a causa de pedir de forma a subverter o objecto inicial do processo.
É precisamente uma situação com estes contornos aquela que a Recorrente pretende introduzir no processo: esta optou por intentar em Juízo uma acção de reivindicação, invocando o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade e pedindo o reconhecimento desse direito e a entrega do bem por parte dos Réus.
Ainda que com dúvidas, levantadas pelas inúmeras posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria, propendemos para considerar que a noção legal de causa de pedir é uma noção mista entre factos e direito. Ou melhor, a causa de pedir será um conjunto de factos naturais alegados à luz de uma certa e concreta perspectiva jurídica, que se invoca[11]. Com efeito, a disposição legal do art.º 581.º, n.º 4, do CP Civil, na construção dos vários tipos de causas de pedir, apela simultaneamente para os factos e para as normas que se alegam como fundamento da acção respectiva.
Ora, a factualidade agora pretendida aditar à acção constitui uma causa de pedir completamente diferente da anteriormente apresentada, assente na construção de obras em terreno alheio de valor maior do que o valor que o próprio prédio tinha anteriormente e no direito de o autor da incorporação adquirir a propriedade do prédio em causa, com o pedido correspondente de condenação dos Réus a adquirirem o imóvel em causa por via da aplicação do instituto da acessão industrial imobiliária pelo valor de € 390.000,00.
Trata-se incontestavelmente de uma causa de pedir que subverte a inicialmente formulada e de um pedido contraditório com os inicialmente apresentados.
Ainda noutra perspectiva, a pretendida ampliação da causa de pedir nunca seria processualmente possível.
O art.º 554.º do CP Civil permite a dedução de pedidos subsidiários, identificando-os como aqueles que “é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.”
Ou seja, o autor pode apresentar uma graduação de pedidos, tendo em conta que – tal como explica Paulo Pimenta[12] - “Quando propõe a acção, o autor tem em vista um determinado objectivo, que exara na petição. Porém, pode suceder que, em certas situações, o autor tenha dúvidas acerca da admissibilidade ou sucesso da sua pretensão. Nesse caso, em vez de correr o risco de a ver improceder, tendo de instaurar uma nova acção em que deduza outra pretensão, o demandante pode logo deduzir na petição inicial os dois pedidos. Mas, porque tem preferência por um deles, formula-o em primeiro lugar, de maneira que é esse pedido que o tribunal vai analisar e decidir, só se debruçando sobre o pedido apresentado em segundo lugar (ou seja, subsidiariamente) se concluir pela improcedência do primeiro.”
Não é, no entanto, uma situação com estes contornos aquela que a Recorrente pretende ver aditada aos pedidos iniciais, mas diversamente que, para a hipótese de a reconvenção ser julgada procedente, se dê como aceite o valor das benfeitorias de € 2.155.200,00, e bem assim o valor do imóvel de € 390.000,00, e, em consequência, que se condenem os Réus a adquirirem o imóvel em causa por via da aplicação do instituto da acessão industrial imobiliária pelo valor de € 390.000,00.
Esta inclusão de um pedido subsidiário para a hipótese de procedência da reconvenção não está prevista no Código de Processo Civil e, nessa medida, não é admitida pela lei.
A Recorrente sustenta ainda que a situação por si configurada se enquadra também na disposição do n.º 2 do mesmo art.º 265.º do CP Civil, que prescreve que “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.”
A leitura desta disposição legal, em conjunto com as acima analisadas dos n.º 1 e 6 do mesmo preceito, revela – sem qualquer margem para dúvidas – que apenas se contempla aqui a possibilidade de reduzir ou ampliar o pedido inicial, sem qualquer alteração à causa de pedir.
Assim, apenas estamos no âmbito desta alínea quando o autor modifica para menos o montante do pedido inicial ou subtrai algum dos pedidos inicialmente cumulados. Bem como, em contraponto, quando o autor modifica para mais o montante do pedido ou procede à adjunção de um novo pedido – sempre sem alteração da causa de pedir formulada inicialmente.
Em face da exposição supra, é manifesto não ser essa a intenção da Recorrente: esta pretende, como se viu, simultaneamente a ampliação da causa de pedir e do pedido.
A conclusão final é, portanto, a da total improcedência do recurso.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso da Recorrente/Autora, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente - art.º 527.º do CP Civil.
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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Porto, 10 de Setembro de 2019
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
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[1] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] In Direitos Reais, 2016, Almedina, pág. 429.
[3] Em face do teor das disposições legais dos art.º 260.º e 564.º, n.º 1, b), ambos do CP Civil, deve entender-se que, antes da citação do réu, podem ser modificados os elementos essenciais da causa.
[4] Doravante apenas designado por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[5] In Código Civil Anotado com coordenação de Ana Prata, 2017, Almedina, pág. 437.
[6] No entanto, tal questão deverá ser apreciada em sede de decisão final nos autos.
[7] Proferido no Processo n.º 34/09.0T2AVR.C1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[8] Proferido no Processo n.º 2584/06.0TBAMT.P1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[9] In RLJ Ano 117.º; pág. 113 e ss.
[10] In A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Colecção Teses, 2004, Almedina, pág. 308.
[11] Que, obviamente, não terá que ser acatada pelo tribunal, face ao disposto no n.º 3 do art.º 5.º do CP Civil.
[12] In Processo Civil Declarativo, 2017, 2.ª Edição, pág. 160.