Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA SATISFAÇÃO DOS INTERESSES DOS CREDORES | ||
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Nº do Documento: | RP20250710730/10.9TYVNG-K.P4 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Revogada a sentença que julgou extinta a instância, com fundamento em inutilidade superveniente da lide e apesar do credor ter recebido parte do seu crédito no rateio final no processo de insolvência, não há caso julgado quanto ao mérito da questão a apreciar no processo e que consiste no apuramento da responsabilidade do Administrador da Insolvência, pelos atos praticados no exercício das suas funções, ao abrigo do art.º 59ºCIRE. II - O processo de insolvência constitui um processo de execução universal, em que o administrador da insolvência deve agir de forma criteriosa e ordenada, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhe sejam confiados. III - O pagamento aos credores pelo produto da massa insolvente, não impede, ao abrigo do regime previsto no art.º 59º CIRE, que os credores demandem o administrador da insolvência para ser ressarcidos pelos danos causados com a sua atuação, desde que se demonstre a diminuição da percentagem do crédito que, se não fora o ato lesivo, o prejudicado provavelmente receberia, ou, pelo menos, no agravamento das condições de recebimento. IV - Não realizando a leiloeira a venda dos imóveis e provado que o Administrador da Insolvência entregou à leiloeira, a título de comissão pela venda de imóveis, a quantia de € 195.526,95 e se assim não tivesse acontecido, reverteria na íntegra para o credor em sede de rateio, que ficou com a quantia de € 2.220.213,89 por pagar após rateio, está estabelecido o dano sofrido pelo credor e o nexo de causalidade entre tal dano e a atuação ilícita e culposa do Administrador da Insolvência, nos termos do art.º 59º CIRE. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Insolv-Indm-AdmJud-Caso Julgado-730/10.9TYVNG-K.P4 * * SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC): ……………………………… ……………………………… ……………………………… --- Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, instaurada ao abrigo do disposto no artigo 59º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por apenso ao processo especial de insolvência n.º 730/10.9TYVNG, em que é insolvente “A..., Lda.”, e em que figuram como: - AUTOR: Banco 1..., S.A., pessoa coletiva número ..., com sede na Avenida ..., ..., em Lisboa; e - RÉU: AA, com o NIF ... e morada profissional na Rua ..., ..., ... ..., Vila Nova de Famalicão; pediu o autor a condenação do réu no pagamento da quantia de €195.526,95, acrescida de juros vincendos à taxa legal, até integral pagamento. Alegou, para o efeito, que em 19.11.2010 foi proferida sentença que declarou A..., Lda. insolvente, e que ao abrigo do disposto no art. 52º do supra citado diploma legal foi nomeado administrador da insolvência o ora réu; mais alegou que o Banco autor reclamou os seus créditos sobre a insolvente, nos termos do art. 128º do CIRE, no valor global de €4.083.994,94, reportados à data de 8.1.2011, os quais foram devidamente reconhecidos como garantidos por hipotecas quanto aos bens imóveis identificados sob as verbas n.º 2 a 21 do auto de apreensão de bens, na relação de créditos a que alude o art. 129º do referido diploma legal, reconhecimento que se manteve (e graduação) na sentença proferida no competente apenso de reclamação e graduação de créditos, em 12.5.2014, entretanto transitada em julgado. Alegou ainda que o ora Réu diligenciou pela venda dos indicados imóveis hipotecados através da modalidade de venda em estabelecimento de leilão, fixando os correspondentes valores mínimos de licitação e indicando a sociedade leiloeira “B...” como responsável pela promoção e venda através desse leilão. A contratação desta sociedade foi levada a cabo por iniciativa do Réu, sem ter previamente comunicado aos autos as respetivas cláusulas contratuais dos serviços a prestar e, ainda, sem autorização por parte da Comissão de Credores, nos termos do art. 161º, n.ºs 1, 2, 3, al. g) e 4, do CIRE. O Autor, enquanto membro da Comissão de Credores, não teve conhecimento de qualquer cláusula contratual atinente a tal contratação. Mais alegou, que antecipando a realização da venda através de leilão, o Autor apresentou ao Réu na qualidade de administrador da insolvência, antes mesmo da realização do indicado leilão, ou seja, em 10.4.2012 proposta de adjudicação dos imóveis a si hipotecados, nos termos do art. 164º do CIRE; tal proposta foi apresentada “nos termos e sob cominação do art. 164º, n.ºs 3 e 4, do CIRE”, “para aquisição de cada verba 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21 do auto de apreensão (referentes ao “Empreendimento ...”, em Viana do Castelo), pelos valores a seguir indicados (…)”, juntando 19 cheques bancários, destinados a cobrir 20% do valor proposto para cada verba, emitidos à ordem da massa insolvente. Mais acrescentou que “face ao disposto no art. 164º, n.º 3 do CIRE, o Senhor Administrador da Insolvência, caso não aceite a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior”; pretendeu, assim, o Autor adjudicar os referidos imóveis não no âmbito do leilão que se viesse a realizar, mas sim de acordo com a prerrogativa conferida pelo disposto no n.º 3 do art. 164º do CIRE, a qual permite ao credor garantido propor a aquisição dos bens hipotecados, desde que o preço oferecido seja superior ao da alienação projetada ou ao valor base fixado e que tal proposta seja apresentada junto do administrador da insolvência em tempo útil. Referiu, ainda, que a apresentação da referida proposta não obstava à realização do leilão para venda dos imóveis, o qual veio efetivamente a ter lugar. Contudo, nenhuma licitação ocorreu nem ali veio a ser apresentada uma qualquer proposta de aquisição dos imóveis, com o que sobrou apenas a proposta de adjudicação do Autor, apresentada fora de qualquer leilão. Alegou que o Réu celebrou com o Autor duas escrituras públicas de compra e venda, uma, em 28.6.2012 e outra, em 25.07.2012, onde se procedeu à compra e venda dos imóveis supra referidos e onde expressamente se fez constar, que “não houve intervenção de mediador imobiliário na celebração do negócio aqui titulado”. Não obstante o exposto, após a venda dos imóveis e após inúmeros contactos do Autor junto do Réu a insistir que não considerava a venda dos referidos imóveis como realizada ao abrigo do contrato de prestação de serviços com a leiloeira, este, sem qualquer autorização judicial ou da comissão de credores, pagou à leiloeira a quantia de €195.526,95, referente ao leilão realizado relativamente aos imóveis sitos em Viana do Castelo (em causa nestes autos) e €234.622,50 referente ao leilão realizado relativamente ao imóvel sito em ..., recorrendo para o efeito aos valores que se encontravam depositados à ordem da massa insolvente e que, maioritariamente, haviam sido pagos pelos credores hipotecários como caução nos termos do n.º 4 do art. 164º do CIRE, assinando os respetivos cheques sem contar com a assinatura de qualquer outro membro da comissão de credores, bem sabendo que com tal o Autor não concordava. Acresce que no apenso da prestação de contas (Apenso F), foi proferida sentença em 21.8.2015, entretanto transitada em julgado, onde se considerou que “independentemente das circunstâncias em que ocorreu a intervenção da leiloeira, o certo é que a remuneração atribuída à mesma é manifestamente desproporcional ao serviço efetivamente prestado. No contexto em causa e tendo em consideração os direitos dos credores sacrificados pelo estado da insolvência da empresa em causa afigura-se-nos que os montantes em causa pagos violam as regras da lealdade processual e configuram um autêntico abuso do direito.”. Tal recebimento configura uma verdadeira situação de enriquecimento sem causa por parte da leiloeira, pois que nenhuma causa existe que possa justificar tão avultado pagamento por, supostamente, ter promovido e divulgado dois leilões, cujos imóveis foram adjudicados pelos credores hipotecários, sendo certo que tal pagamento nunca foi acordado, aceite e menos ainda autorizado pela Comissão de Credores; deste modo, a atuação do Réu afigura-se violadora do disposto no artigo 161º do CIRE, ao proteger interesses de terceiros ao invés de proteger os interesses da massa insolvente e dos credores da insolvente. Conclui que ao atuar como atuou, o Réu assumiu a responsabilidade pelo ato cometido e pelos danos que essa conduta acarretou para os credores da insolvência, introduzindo o indicado valor nas contas que apresentou, como se de custos ou dívidas da massa insolvente se tratassem, na tentativa de que as mesmas sejam judicialmente aprovadas nos termos do art. 64º do CIRE. Estes factos mostram-se provados, nos termos da sentença proferida no apenso F (prestação de contas), pelo que têm a força de caso julgado, sendo inegável que a conduta do Réu, enquanto administrador da insolvência, constitui um fator pelo qual deve ser responsabilizado, atendendo ao disposto no n.º 2 do art. 59º do CIRE e artigo 483º do Código Civil. Efetivamente, a ilicitude da sua conduta deriva do incumprimento deliberado do previsto nos artigos 55º, n.º 2 e 5 e no art. 161º, n.ºs 1, 3, al. g) e 4, do CIRE, contribuindo para a lesão dos direitos e interesses do Autor que se encontravam protegidos por tais normativos. Considerou que o réu agiu com culpa, porquanto sabia e tinha de saber que devia ter agido de outro modo, tendo antes optado por ao arrepio dos seus deveres agir de forma ilegal; assim, ao optar por pagar à leiloeira o valor em apreço, sem qualquer autorização, o Réu, voluntária e conscientemente, impediu o Autor de ser pago pelo produto da venda dos bens que lhe estavam hipotecados na medida do valor entregue àquela, causando-lhe o correspondente prejuízo ou dano patrimonial emergente; na verdade, relativamente ao produto da venda dos imóveis que integram as verbas 2 a 21 do auto de apreensão, o Banco Autor haverá de ser pago logo depois das dívidas da massa insolvente e do crédito do Estado / Fazenda Nacional na parte em que goza de privilégio especial imobiliário – IMI, pelo que, tendo tais imóveis sido vendidos pelo valor global de €3.179.300,00 e sendo o crédito hipotecário reconhecido ao Autor no valor de €4.083.994,94, é inequívoco que o referido produto da venda assegura o pagamento dos citados créditos graduados em primeiro e segundo lugar, mas nunca será suficiente para assegurar o pagamento integral do crédito do Autor, assim se concluindo que o valor indevidamente entregue pelo Réu à leiloeira a título de comissão pela venda daqueles imóveis (€195.526,95), se assim não tivesse acontecido, reverteria na íntegra para o Autor em sede de rateio, neste valor se liquidando o dano causado pelo Réu ao Autor. Quanto ao nexo de causalidade, é manifesta a sua existência entre a conduta do Réu e o dano sofrido pelo Autor, pois não fosse a ilegítima atuação do Réu, enquanto administrador da insolvência, ao pagar a terceiros o que não podia pagar, aproveitando-se de fundos existentes na conta bancária da massa insolvente, e impedindo o Autor de receber aquilo a que teria direito, jamais se verificaria a produção de qualquer dano, emergindo este da postura irresponsável e ilícita do Réu. Por fim, alegou que de acordo com o art.º 59º, n.ºs 1 e 2, do CIRE, o administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem e ainda pelos danos causados aos credores da massa insolvente se esta for insuficiente para satisfazer integralmente os respetivos direitos e estes resultarem de ato seu. Acresce que notificado judicialmente para repor os valores em apreço nos autos, até à data o Réu não o fez, apresentando a sua recusa através de sucessivas démarches processuais, em claro abuso do direito; por fim, de acordo com o disposto no art.º 562º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, devendo a indemnização ser fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, o que significa, na presente situação, que o Réu deve ser condenado a pagar ao Autor o valor de €195.526,95, por ser este o valor necessário a indemnizá-lo do dano sofrido. - O Réu citado, contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação. Por exceção, suscitou a prescrição do direito do Autor. Por impugnação alegou, em síntese, que cumpre ao administrador da insolvência tomar a decisão sobre a modalidade da venda e indicar a empresa leiloeira responsável pela venda, sendo certo que foi comunicado ao autor os termos do acordo celebrado com a leiloeira, sendo devida a retribuição pela prestação do serviço, sem que daí resulte a violação de qualquer das obrigações e deveres que se impõem ao administrador da insolvência. Mais referiu que a sentença proferida em sede de apenso de prestação de contas não releva para o efeito de se apurar a responsabilidade civil do réu. Pugnou pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido. - O Autor apresentou articulado onde se pronunciou sobre a exceção de prescrição invocada, defendendo a sua improcedência. - Foi convocada audiência prévia, com vista a permitir às partes pronunciarem-se sobre o desfecho da causa, por se ter entendido que os autos permitiam a prolação de sentença de mérito em sede de despacho saneador. - Em sede de audiência prévia ficou consignado em ata o seguinte: “Tentada a conciliação das partes, a mesma frustrou-se, após o que a Mmª Juiz informou as partes ser sua pretensão, após estudo dos autos, decidir pela improcedência da exceção de prescrição invocada pelo Réu na contestação apresentada e pela improcedência da ação, porquanto o direito (à indemnização concretamente peticionada) que o Autor aqui pretende fazer valer como seu pertence, na verdade, à Massa Insolvente. Neste momento, os Ilustres Mandatários presentes requereram a concessão de prazo para se pronunciarem por escrito sobre este previsível desfecho dos autos”. - Foi então concedido às partes prazo para sobre tal desfecho se pronunciarem, o que o Autor fez em articulado apresentado nos autos em 23.4.2018 e o Réu em articulado apresentado nos autos em 26.4.2018, mantendo ambos as respetivas posições. - Proferiu-se sentença que julgou improcedente a exceção de prescrição, com os fundamentos que se passam a transcrever: “Da alegada prescrição do direito do Autor Entende desde logo o Réu que o alegado direito do Autor se encontra prescrito, na medida em que resulta inequívoco dos autos que o leilão organizado pela sociedade leiloeira “B...” teve lugar no dia 11 de Abril de 2012; mais resulta que na sequência do referido leilão, o Administrador da Insolvência pagou à leiloeira a comissão contratualizada, no valor de €195.526,95, referente aos bens sitos em Viana do Castelo; acresce que o Autor, na pior das hipóteses, teve conhecimento desse pagamento em 17 de Junho de 2013, quando impugnou as contas apresentadas no âmbito do apenso F e onde, expressamente, entendeu ser inadmissível o pagamento à leiloeira do indicado valor. Tendo em conta esta factualidade e o disposto no art.º 59º, n.º 5 do CIRE, de acordo com o qual a responsabilidade do administrador da insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mas nunca depois de decorrido igual período sobre a data da cessação de funções, quando a presente ação foi proposta, haviam decorrido bem mais de dois anos sobre a data em que o Autor teve conhecimento da alegada lesão do seu direito. O Autor discordou, alegando para tal que apenas tomou conhecimento dos factos ilícitos praticados pelo Réu quando foi notificado, em 8.6.2013, no âmbito do apenso F, de prestação de contas, para se pronunciar sobre as contas apresentadas pelo Sr. Administrador da Insolvência; só com esta notificação os credores têm a possibilidade de conhecer e analisar as contas apresentadas, sobre elas se pronunciando, assim o querendo; por isso que, com elas não se conformando, o Autor apresentou em 17.6.2013 requerimento, onde reclamou das contas e requereu a sua não aprovação; na sequência da apresentação de tal requerimento, e de outros requerimentos idênticos por outros credores, bem como pelo Ministério Público, foi produzida prova e só após foi proferida decisão pelo juiz, em 21.8.2015, julgando parcialmente procedente a posição do Banco ora Autor, tendo, em consequência, ditado a correção das contas do administrador da insolvência; esta decisão, contudo, apenas veio a transitar em julgado em 31.10.2016, através do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso de revista apresentado pelo Réu; deste modo, só a partir deste momento (31.10.2016) se apuraram e estabilizaram os requisitos e fundamentos para a concretização da responsabilidade civil do administrador da insolvência, ora Réu, nos termos do n.º 4 do art.º 59º supra referido. Com relevo para a decisão a proferir encontram-se provados os factos supra descritos em 13, 14, 15, 16, 17 e 18. A responsabilidade em causa nestes autos encontra o seu fundamento essencialmente no art.º 59º do CIRE. De acordo com este preceito legal, cuja epígrafe é “Responsabilidade”, “1- O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado. 2- O administrador da insolvência responde igualmente pelos danos causados aos credores da massa insolvente se esta for insuficiente para satisfazer integralmente os respetivos direitos e estes resultarem de ato do administrador, salvo o caso de imprevisibilidade da insuficiência da massa, tendo em conta as circunstâncias conhecidas do administrador e aquelas que ele não devia ignorar. 3- O administrador da insolvência responde solidariamente com os seus auxiliares pelos danos causados pelos atos e omissões destes, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos. 4- A responsabilidade do administrador da insolvência prevista nos números anteriores encontra-se limitada às condutas ou omissões danosas ocorridas após a sua nomeação. 5- A responsabilidade do administrador da insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mas nunca depois de decorrido igual período sobre a data da cessação de funções.” Como sabemos, a prescrição torna o direito inexigível (cf. art.º 304º do Código Civil), devendo ser invocada, em regra por aquele a quem aproveita, para poder ser conhecida (cf. art.º 303º do Código Civil). No caso presente, veio o Réu, a quem a prescrição aproveita, invocá-la expressamente, com o que não pode o Tribunal deixar de a conhecer e apreciar. E, neste âmbito, entende-se que o alegado direito do Autor não se encontra prescrito. Efetivamente, tendo em consideração os factos provados, não há dúvida que pelo menos com a notificação efetuada em 5.6.2013 o Autor tomou conhecimento que o Réu havia procedido ao pagamento da comissão de €195.526,95 à sociedade leiloeira “B...”, na sequência da realização do leilão de 11.4.2012. E, por isso, porque discordava de tal pagamento, contestou as contas apresentadas, por requerimento apresentado nos autos em 17.6.2013. Todavia, isso não significa que então o Autor ficou a saber do direito que (entendia que) lhe competia, pois apesar de discordar de tal pagamento, não fora ainda proferida qualquer decisão judicial no sentido de considerar tal pagamento efetivamente indevido, com o que aquele apenas dispunha de uma expectativa de direito, o que não satisfaz o disposto no n.º 5 do artigo citado. A decisão em causa só foi proferida em 21.8.2015 e transitou em julgado em 31.10.2016, podendo afirmar-se que apenas então o Autor ficou efetivamente ciente do direito que aqui veio invocar em seu benefício. Deste modo, tendo a presente ação entrado em juízo a 9.8.2017, sem necessidade de maiores considerações, não havia ainda decorrido o prazo de dois anos previsto no n.º 5 do art.º 59º do CIRE, com o que improcede a exceção perentória invocada pelo Réu”. - A sentença prosseguiu com a análise da seguinte questão: “Vejamos agora se deve o Réu ser condenado a pagar ao Autor a quantia de €195.526,95, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, vincendos até integral pagamento, quantia esta necessária a indemnizá-lo pelo prejuízo sofrido na sequência do pagamento, por aquele, da indicada quantia de €195.526,95 à leiloeira “B...”, a título de comissão, sem a tal estar autorizado e por tal pagamento não ser devido”. Apreciada a questão, proferiu-se a decisão que se transcreve: “Em consequência de tudo o acabado de expor, julga-se a presente ação improcedente e, em consequência, absolve-se o réu do pedido. Custas a cargo do Autor (art. 527º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, ex-vi art. 17º do CIRE)”. - O Autor veio interpor recurso da sentença, no segmento que absolveu o réu do pedido. - Em 22 de maio 2019 (ref. Citius 12781882) proferiu-se acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto com a decisão que se transcreve: “Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar, em parte, procedente a apelação e anular a sentença e determinar o prosseguimento os autos para apreciação da matéria de facto controvertida, alegada na petição, com elaboração dos temas da prova, diligências de instrução, julgamento e sentença. Custas a cargo da parte vencida a final”. - O réu veio interpor recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto. - O recurso não foi admitido, porque a decisão proferida no acórdão não se enquadrava na previsão do art.º 671º/1 CPC. - Após baixa dos autos ao tribunal na 1ª instância, proferiu-se despacho que determinou a suspensão da instância até realização do rateio final no processo de insolvência. - Realizado o rateio final, proferiu-se despacho a convidar as partes a pronunciarem-se sobre a proposta de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento no facto da autora ter procedido à cessão de créditos e ainda, com fundamento no pagamento à autora da quantia de € 225 258,29, por efeito das operações de rateio. - O autor veio defender que a cessão de créditos a C..., S.A.R.L e a habilitação deferida no processo de insolvência, não justificam a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. - O autor veio, ainda, pronunciar-se sobre a proposta de decisão, face aos valores que recebeu em sede de processo de insolvência, alegando para o efeito que a presente ação foi intentada contra o anterior administrador da insolvência, cujo pedido é para que o mesmo seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 195.526,95, correspondente ao dano que o credor teve por ter sido este o valor indevidamente entregue pelo anterior administrador de insolvência à leiloeira, a título de comissão pela venda dos imóveis. Esse valor se não tivesse sido entregue à Leiloeira, reverteria integralmente para o credor em sede de rateio. Apesar do anterior Administrador de Insolvência ter sido notificado, por decisão já transitada em julgado, para devolução da respetiva quantia à massa insolvente, a verdade é que não o fez até à presente data. Mais alegou que de acordo com o mapa de rateio apresentado nos autos a 22 de novembro de 2022 caberia ao anterior Administrador de Insolvência, a título de remuneração variável, a quantia de 246.610,59 €. Sendo que os cálculos apresentados quanto às remunerações variáveis dos administradores de insolvências e constantes do rateio, foram objeto de parecer favorável da secretaria a 01/02/2023. A fim de evitar um maior prejuízo para o aqui credor e uma vez que a Massa Insolvente dispunha de quantias suficientes para pagamento da remuneração parcial do anterior Administrador de Insolvência, decidiu-se pela compensação de créditos. Refere, ainda, que dos montantes que já se encontravam depositados na massa insolvente, foi afeta ao aqui credor a quantia de 225.259,95 €, que serviria, de acordo com o mapa de rateio apresentado, para pagamento parcial da remuneração variável do anterior administrador da insolvência. Em sede desse mesmo mapa de rateio final, caberia ao aqui credor o pagamento da quantia total de 359.583,80 €. Sendo que, apenas lhe foi afeta a quantia de 225.259,95 €, por ser esse o montante que a massa insolvente dispunha à data. Conclui que continua a existir um dano não reparado ao credor no valor de 134.323,85 € e por isso, não pode o aqui credor concordar com a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, devendo a mesma prosseguir os seus ulteriores termos até final, sendo julgada procedente por provada e, em consequência, o réu condenado a pagar a agora quantia de 134.323,85 €, acrescida de juros vincendos à taxa legal em vigor até efetivo pagamento. - O réu veio pronunciar-se, alegando para o efeito, que na presente ação, é reclamado ao réu o pagamento da quantia de € 195.526,95. De acordo com o mapa de rateio apresentado nos autos, caberia ao Administrador de Insolvência, a título de remuneração variável a quantia de € 246.610,59. A confirmar-se a compensação promovida, resulta evidente que ficaria extinta a responsabilidade que nestes autos se reclama ao réu, não subsistindo qualquer viabilidade de prosseguimento da presente ação que, nessa medida, teria que se extinguir por inutilidade superveniente da lide, sem prejuízo, do direito do ora requerente receber o diferencial entre o valor que lhe reclamam na presente ação e o valor da remuneração variável que lhe foi fixado, a saber: € 51.083,64. - Realizou-se tentativa de conciliação, mantendo as partes as posições expressas nos respetivos articulados. - Proferiu-se sentença, com a decisão que se transcreve: “Ante o exposto, tendo sido ressarcido o dano invocado nesta ação pelo réu, torna-se inútil o prosseguimento dos presentes autos, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 277.º, al. e), do Cód. Processo Civil, declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Fixo o valor da presente ação em €195.526,95. Custas pelo Réu, por a impossibilidade da lide lhe ser imputável”. - O Autor veio interpor recurso da sentença. - Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de janeiro de 2024 (ref. Citius 17668043) proferiu-se a seguinte decisão: “Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar, em parte, procedente a apelação, revogar a sentença e determinar o prosseguimento dos autos para apreciação da matéria de facto controvertida, alegada na petição, com elaboração dos temas de prova, diligências de instrução, julgamento e sentença. Custas a cargo do réu”. - Após baixa dos autos à 1ª instância, proferiu-se sentença, com a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo procedente a exceção de prescrição invocada pelo réu na sua contestação e, em consequência, absolvo o réu do pedido. Custas pela autora”. - C... SAR, habilitado na posição do autor, veio interpor recurso da sentença. - No Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 11 de novembro de 2024 (ref. Citius 187002809), proferiu-se a seguinte decisão: “Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogar a sentença, com fundamento em ofensa de caso julgado e determinar o prosseguimento dos autos para apreciação da matéria de facto controvertida, alegada na petição, com elaboração dos temas da prova, diligências de instrução, julgamento e sentença. Custas a cargo do réu”. - Após baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância proferiu-se despacho que designou data para realização de audiência prévia. - Em sede de audiência prévia, consignou-se em ata o seguinte: “Neste momento o Mm Juiz perguntou ao ilustre mandatário do Autor qual o valor exato ainda em dívida após todos os pagamentos já efetuados, tendo o mesmo referido que não conseguia precisar de momento. De seguida, o Mm. Juiz proferiu o seguinte: DESPACHO Resulta do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, do último acórdão, junto aos autos proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que a quantia de capital peticionada pelo Autor estará totalmente liquidada restando apenas pagar juros de mora. Nesse sentido, notifica-se desde já o autor, para em 10 dias indicar qual a quantia que se encontra ainda em dívida, informação essencial para o prosseguimento dos autos. Notifique”. - A Autora C... S.A.R.L., veio apresentar um requerimento, com o teor que se transcreve: “1.A presente ação declarativa de condenação foi intentada contra o Réu, anterior administrador de Insolvência nos autos principais, tendo sido peticionado o pagamento da quantia de €195.526,95 (cento e noventa e cinco mil, quinhentos e vinte e seis euros e noventa e cinco cêntimos). 2. Quantia correspondia ao dano que a aqui Autora teve, por ter sido este o valor indevidamente entregue pelo anterior Administrador de Insolvência à leiloeira. 3. Assim, resulta do referido Mapa de Rateio, junto aos autos principais em 22-11-2022, que a aqui Autora tinha a receber o montante de € 359.583,80 (trezentos e cinquenta e nove mil, quinhentos e oitenta e três euros e oitenta cêntimos). 4. Sucede que, a fim de evitar mais demoras, decidiu o Douto Tribunal pela compensação de créditos, isto é, dos montantes que se encontravam depositados na massa insolvente foi afeta à ora Autora a quantia de € 225.259,95 (duzentos e vinte e cinco mil, duzentos e cinquenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos). 5. Assim, apenas lhe foi afeto esse montante, por ser esse o valor que a massa insolvente dispunha à data, atendendo aos pagamentos indevidamente realizados pelo anterior administrador de Insolvência, aqui réu à referida leiloeira. 6. Assim, a referida compensação não ocorreu na íntegra, pois permanece a Autora com um dano não reparado que se cifra em €134.323,85 (cento e trinta e quatro mil, trezentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos), tal como já indicado pelo ora A. através de requerimento apresentado aos autos em 03.05.2023. 7. Naturalmente, que a este valor acrescem juros de mora vencidos à taxa legal, desde a data de propositura da ação, em 09 de agosto de 2017. 8. Face ao exposto, não se pode concordar com o exposto no supra referido despacho, a que agora se responde, porquanto, para além dos juros vencidos e não pagos, ainda se encontra igualmente em divida o montante de € 134.323,85 (cento e trinta e quatro mil, trezentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos)”. - O Réu respondeu nos seguintes termos: “1. A pretensão manifestada no requerimento da autora é, em absoluto, destituída de fundamento; 2. Aliás, assim decorre da própria forma como a mesma é formulada; VEJAMOS: 3. A autora reconhece que peticionou na ação que se considera a quantia de € 195.526,95; 4. Para liquidação desse valor foi utilizado o montante correspondente à remuneração variável devida ao ora requerente, no montante de € 246.610,59; 5. Daí decorrendo que o valor peticionado foi integralmente pago; 6. Desbordando, obviamente, de sentido o juízo matemático promovido pela autora, com referência ao Mapa de Rateio. 7. Resultando evidente que o capital peticionado nos presentes autos já foi alvo de integral liquidação. 8. O mesmo acontecendo com os juros entretanto vencidos. 9. Daí decorrendo que o prosseguimento dos presentes autos deverá apenas destinar-se a confirmar a sobredita realidade”. - Elaborou-se despacho saneador e procedeu-se à fixação do objeto do litígio, com indicação dos temas da prova. - Em novo requerimento, a autora, veio reafirmar a sua posição, nos termos que se transcrevem: “1. Primeiramente, mantem a Autora tudo quanto foi for si alegado no requerimento de 27/01/2025. 2. Assim, discorda totalmente a Autora do entendimento do Réu, designadamente quando o mesmo alega que “o capital peticionado nos presentes autos já foi alvo de integral liquidação”. 3. A verdade, é que o R. desde o início dos presentes autos, sempre tentou por todas os meios, protelar o cumprimento da sua obrigação. 4. Pelo que, mantém a A., que ainda se encontra igualmente em divida o montante de € 134.323,85 (cento e trinta e quatro mil, trezentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos, acrescida de juros vencidos e não pagos. 5. Ora conforme, resulta do Mapa de Rateio, junto aos autos principais em 22-11-2022, que a aqui Autora tinha a receber o montante de € 359.583,80 (trezentos e cinquenta e nove mil, quinhentos e oitenta e três euros e oitenta cêntimos). 6. Sucede que, a fim de evitar mais demoras, decidiu o Douto Tribunal pela compensação de créditos, isto é, dos montantes que se encontravam depositados na massa insolvente foi afeta à ora Autora a quantia de € 225.259,95 (duzentos e vinte e cinco mil, duzentos e cinquenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos), 7. Porquanto, a massa insolvente não disponha de mais valor, atendendo ao pagamento indevidamente realizado pelo Senhor Administrador de Insolvência à leiloeira. 8. Assim, a referida compensação não ocorreu na íntegra, pois, permanece a Autora com um dano não reparado que se cifra em €134.323,85 (cento e trinta e quatro mil, trezentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos). 9. Sucede que, a este valor acrescem juros de mora vencidos à taxa legal, desde a data de propositura da ação, em 09 de agosto de 2017”. - Realizou-se o julgamento, tendo as partes prescindido da inquirição das testemunhas que arrolaram. - Proferiu-se sentença (ref. Citius470943213) com a decisão que se transcreve: “Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, decido condenar o R., AA, a indemnizar a A., C... S.A.R.L no valor de € 195.526,95 (cento e noventa e cinco mil, quinhentos e vinte e seis euros e noventa e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. Custas a cargo do R. – art.º 527º do Código de Processo Civil”. - O réu AA veio interpor recurso da sentença. - Nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões: A – Resulta evidente que ao prolatar a decisão recorrida, o Tribunal a quo apenas teve em conta o teor do acórdão da relação que havia revogado a decisão de primeira instância que a havia antecedido e que (recorde-se) tinha, simplesmente, declarado procedente a invocada exceção de prescrição; B – Noutras palavras, o Tribunal a quo esqueceu-se, completamente, da sentença de 30.05.2023 que – conforme se adiantou – em resumo, considerou que o Autor já teria recebido um montante superior ao peticionado, ou seja, 225.259,95 €, enquanto o valor por si reclamado era de 195.526,95 €, tendo, em consequência, decretado a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do artigo 277.º, alínea e) do CPC; C – Mais – e sobretudo – olvidou o Tribunal recorrido que o acórdão da relação que revogou aquela decisão, apenas o fez parcialmente; D – Considerando que a Autora também havia peticionado o pagamento de juros vincendos, que a mesma não tinha desistido desse específico pedido e que não tinha ficado demonstrado que os sobreditos € 225.259,95 também tinham coberto o montante de juros vincendos que se mostrassem devidos; E – É cristalino, a esse propósito, o douto acórdão que se considera; F – Designadamente, quando consigna: “Contudo, atenta a pretensão formulada neste processo, verifica-se que o autor não veio peticionar apenas uma indemnização no montante de € 195.526,25. O autor peticiona o pagamento da indemnização no montante de € 195.526,25, acrescido do montante de juros vincendos até integral pagamento. Em sede de responsabilidade civil os juros vencem-se a partir da citação (artigo 805/3 CC) e a citação do réu ocorreu em 30 de novembro de 2017…Desta forma, a presente lide mantém a sua utilidade, porque o valor recebido não garante o pagamento do crédito que vem peticionado (capital e juros) e o autor não veio desistir do pedido formulado quanto a juros…face ao exporto, acórdão os juízes desta relação em julgar, em parte, procedente a apelação, revogar a sentença e determinar o prosseguimento dos autos para apreciação da matéria de facto controvertida, alegada na petição, com elaboração dos temas de prova, diligências de instrução, julgamento e sentença.”. G – Dúvidas não subsistem, portanto, que o valor do capital reclamado pela autora (€ 195.526,25) já se encontra integralmente pago; H – Sendo que o reconhecimento dessa decisão (constante da sentença de 30.05.2023) já transitou em julgado; I – Porquanto, essa parte da decisão prolatada pelo tribunal de 1.ª instância não foi objeto da revogação promovida pelo Tribunal da Relação; J – Que, na verdade, apenas considera não se verificar a invocada “inutilidade superveniente da lide”, por entender que os € 225.259,95 (correspondentes à remuneração variável que cabia ao réu) não cobriam o valor dos juros vincendos peticionados pela Autora; K - Admitindo, sem rebuço – a contrario sensu – que o capital peticionado já, havia – sem dúvida – sido liquidado com o referenciado valor; L – Daí que o recurso interposto tenha - na expressão literal da parte decisória do acórdão proferido – sido apenas, “em Parte”, procedente; M – Resultando, evidente, que quando o acórdão prolatado pela 5.ª Secção da veneranda Relação do Porto ordena o prosseguimento dos autos para apreciação da matéria de facto controvertida, alegada na petição, com elaboração dos temas de prova, diligências de instrução, julgamento e sentença, já não se reporta à questão da liquidação do capital peticionado pela autora; N – Uma vez que essa liquidação foi reconhecida pela decisão do tribunal de 1.ª instância e não foi revogada pelo sobredito acórdão; O – Afigurando-se inequívoco que só esta interpretação é compatível com a circunstância do recurso não ter sido integralmente procedente; P – Nessa medida, a sentença recorrida ao não ressalvar, na condenação que promove, o valor do pagamento já ocorrido (conforme decisão prolatada e já transitada em julgado) viola, conforme se disse, de forma ostensiva, o princípio do caso julgado; Q – Noutras palavras, ao decidir como decidiu, a sentença recorrida promove a reapreciação duma situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada em julgado; R – Contrariando, ostensivamente, o estatuído no artigo 619.º, n.º 1, do CPC. SEM PRESCINDIR S – De qualquer forma, e independentemente do mais – designadamente no que aos juros concerne - a ação nunca poderia ter sido declarada procedente; T – Porquanto – como a própria sentença recorrida reconhece – a procedência da ação sempre dependeria da verificação dos pressupostos previstos no artigo 59.º do CIRE e dos demais requisitos do artigo 483.º do CC; U – Sendo também inquestionável que era à autora que cabia a demonstração dos ditos pressupostos; V - Que o mesmo é dizer: era sobre a autora que, relativamente à verificação dos ditos pressupostos, incidia o ónus da prova; W – Resultando evidente que a prova desses pressupostos tinha que ser feita nos presentes autos; X - Designadamente, no que respeita à ilicitude do ato, à atuação culposa e ao nexo de causalidade entre a atuação do agente e o dano eventualmente provocado; Y – Ocorre que a autora (sobre quem recaía o ónus da prova) não desenvolveu qualquer esforço probatório nos presentes autos; Z – Limitando-se à junção da sentença proferida no apenso de prestação de contas e ao acórdão que a confirmou; AA – Resultando evidente que, atenta a especifica natureza do dito apenso – destinado, em exclusivo, à aprovação ou reprovação das contas prestadas pelo Administrador -, não podem os fundamentos invocados na sentença aí prolatada fundar a prova condenatória da sentença recorrida; BB – Noutras palavras, os factos dados como provados na sentença do apenso de prestação de contas não podem (sem que a prova dos mesmos se faça nos presentes autos) fundar a decisão condenatória que ora se verbera; CC – Com efeito, uma coisa é dar, nos presentes autos, como provado que naquela sentença se deram como provados determinados factos; DD – Outra – bem diferente – é considerar, também, provados nos presentes autos (com a prova produzida nos presentes autos) os factos dados como provados naquela sentença; EE – Ora, a sentença recorrida confundiu gravemente as duas realidades; FF – Dando aqui como provada a factualidade que apenas foi provada no apenso de prestação de contas. GG – Afigurando-se cristalino que, também por aí, devia a ação em apreço ser declarada improcedente; HH – Porquanto, na sequência do que se vem dizendo, os dados como provados nos presentes autos não garantem o preenchimento dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil do recorrente, designadamente, no que respeita à ilicitude do comportamento, ao caráter culposo da ação e ao nexo de causalidade entre a conduta do agente e os danos invocados. II – Daí decorrendo que a sentença recorrida – para além do sobredito artigo 619.º, nº1, do CPC, também ofende o consagrado no artigo 59.º, n.º 1 do CIRE, bem como o estatuído nos artigos 342.º, n.º 1 e 483.º, ambos do código civil. Termina por pedir a revogação da sentença. - Em 28 de maio de 2025 a autora apresentou resposta ao recurso. - O recurso foi admitido como recurso de apelação. - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. - II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso - art.º 639º do CPC. As questões a decidir: - tempestividade da resposta ao recurso; - caso julgado; e - da verificação dos pressupostos para apreciar da responsabilidade do Administração da Insolvência. - 2. Os factos Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os factos provados no tribunal de 1ª instância: A. Por sentença proferida em 19/11/2010 nos autos principais, que assumiram o n.º 730/10.9TYVNG, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade “A..., Lda. B. Na sentença referida em A) foi nomeado administrador da insolvência o Dr. AA. C. O Sr. Administrador da Insolvência indicado em B), na sequência da sua nomeação, procedeu à apreensão dos bens da insolvente, entre os quais se encontram os imóveis identificados sob as verbas n.º 2 a 21 do auto de apreensão de bens, constante do apenso A, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. D. O Banco 2..., SA, que foi incorporado no autor, reclamou os seus créditos sobre a insolvente, nos termos do art.º 128º do CIRE, no valor global de €4.083.994,94, reportados à data de 8/1/2011. E. Os créditos referidos em D) foram reconhecidos como garantidos por hipotecas constituídas sobre os bens imóveis identificados sob as verbas n.º 2 a 21 do auto de apreensão de bens, constante do apenso A, na relação de créditos a que alude o art.º129º do referido diploma legal, apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência no apenso B. F. Por sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso B, em 12/5/2014, os créditos referidos em D) foram reconhecidos e qualificados como garantidos, atentas as hipotecas constituídas sobre os bens imóveis identificados sob as verbas n.º 2 a 21 do auto de apreensão de bens, constante do apenso A, tendo sido graduados quanto a estes bens nos seguintes termos: 1º As dívidas da massa insolvente, que saem precípuas, na devida proporção do produto da venda de cada bem imóvel; 2º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do Estado / Fazenda Nacional, na parte em que goza de privilégio imobiliário especial – IMI; 3º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário do Banco 2..., S.A.; (…). G. No âmbito da liquidação do ativo, que corre termos no apenso A, o Sr. Administrador da Insolvência identificado em B) procedeu à liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente. H. No que concerne aos bens referidos em C), o Sr. Administrador da Insolvência optou por os vender em estabelecimento de leilão, indicando como entidade responsável a sociedade leiloeira “B...”. I . O leilão organizado pela sociedade leiloeira “B...” relativamente aos bens referidos em C) teve lugar em 11/4/2012. J. No referido leilão não foi apresentada qualquer proposta de compra dos imóveis referidos em C). K. O Banco Autor, em 10/4/2012, entregou ao Sr. Administrador da Insolvência, aqui réu, proposta de adjudicação dos imóveis referidos em C), nos termos do documento junto por cópia a fls. 40 verso e seguintes, acompanhada de 19 cheques bancários, conforme cópias em apreço, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos. L. Na sequência do referido em J), o Sr. Administrador da Insolvência indicado em 2, ora réu, celebrou com o Banco Autor as escrituras de compra e venda, datadas de 28/6/2012 e 25/7/2012, juntas por cópia como documentos 4 e 5 com a petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos. M. No âmbito do apenso de prestação de contas (apenso F), foi proferida sentença em 21/8/2015, onde além do mais se tiveram por assentes os seguintes factos, que aqui igualmente se consideram assentes: “a) A requerente B..., S.A. tratou da divulgação e preparação do leilão, quer do prédio sito no Porto, quer dos prédios sitos em Viana do Castelo. b) Procedeu à divulgação do leilão através de publicação no jornal ... nos dias 24.03.2012 e 31.03.2012. c) Publicitou o referido leilão na página da Web, desde 20.03.2012. d) Enviou, a 01.04.2012, e-mail de marketing para 123.000 registos da sua base de dados. e) Divulgou e preparou o leilão respeitante aos prédios sitos em Viana do Castelo agendado para o dia 11.04.2012 através de publicação no jornal ... nos dias 24.03.2012 e 31.03.2012. f) Colocou publicidade no local, mediante lonas publicitárias. g) Procedeu à publicitação do leilão em causa através de publicidade na internet e publicação na página web desde 20.3.2012. h) Enviou e-mail de marketing em 1.04.2012 e em 9.4.2012 para 123.000 registos da sua base de dados. i) Realizou iniciativas de apresentação personalizada aos seus melhores clientes e investidores mediante os seus dois colaboradores / comerciais. j) O acesso ao portal da leiloeira foi de 4.865 visualizações no período que medeia os dias 9 de março e 11 de abril. k) Suportou os salários dos funcionários e prestadores de serviços afetos ao esforço de divulgação e suportou os encargos com deslocações, alugueres de espaço, publicitação na imprensa escrita. l) Compareceram ao leilão de 04.04.2012 - 18 participantes e ao leilão do dia 11.04.2012 - 26 participantes. m) Os bens foram adjudicados aos credores hipotecários, à margem dos leilões realizados. n) O administrador de insolvência procedeu ao pagamento à leiloeira, pela venda do empreendimento de Viana do Castelo, da comissão no valor de 195.526,95€ e procedeu ao pagamento, pela venda do empreendimento de ..., da comissão no valor de 234.622,50€.” N. Na sentença referida em M), foi além do mais decidido que “independentemente das circunstâncias em que ocorreu a intervenção da leiloeira, o certo é que a remuneração atribuída à mesma é manifestamente desproporcional ao serviço efetivamente prestado. No contexto em causa e tendo em consideração os direitos dos credores sacrificados pelo estado de insolvência da empresa em causa afigura-se-nos que os montantes em causa pagos violam as regras da lealdade processual e configuram um autêntico abuso do direito. Aliás, a adjudicação dos bens imóveis em causa ocorreu à margem do leilão e a intervenção da leiloeira não terá tido a anuência dos membros da Comissão de Credores. Impõe-se, por isso, a redução do valor fixado pela prestação do serviço em causa afigurando-se-nos como justo, adequado e proporcional o montante global de 40.000,00€, sendo 20.000,00€ pela preparação de cada um dos leilões.”. O. A sentença referida em M) e N) foi alvo de recurso e transitou em julgado em 31/10/2016. P. No âmbito do apenso F (de prestação de contas), o Banco Autor, enquanto membro da Comissão de Credores, foi notificado nos termos do disposto no art.º 64º, n.º 1 do CIRE em 5/6/2013, para se pronunciar sobre as contas apresentadas pelo Sr. Administrador da Insolvência. Q. Em 17/6/2013, o Banco Autor apresentou requerimento onde pugnou pela não aprovação da despesa de 195.526,95€, relativa à comissão paga pelo Sr. Administrador da Insolvência à sociedade leiloeira “B...” fazendo constar no mesmo que “não aceita o pagamento à leiloeira, no valor de € 195.526,95 (…)” porque “os imóveis em causa foram vendidos ao Banco 2..., na qualidade de credor hipotecário, sem a intervenção daquela entidade.” “Ora, não tendo sido feita qualquer licitação no leilão pelos prédios em causa, a venda dos mesmos não foi efetuada no leilão, não tendo, por isso, a leiloeira direito a receber a comissão de 5% pela respetiva venda, como foi indicado pelo Administrador de Insolvência.” R. A presente ação foi instaurada em 9/8/2017. S. Por decisão proferida a 4/5/2021, transitada em julgado, foi habilitada a C... S.À.R.L em substituição do Banco 1..., SA. T. Ao optar por pagar à leiloeira aqueles valores, o Réu, voluntária e conscientemente, impediu o aqui Banco Autor de ser pago pelo produto da venda dos bens que lhe estavam hipotecados na medida do valor entregue àquela. U. O valor entregue pelo Réu à leiloeira a título de comissão pela venda daqueles imóveis (€ 195.526,95), se assim não tivesse acontecido, reverteria na íntegra para o Banco Autor em sede de rateio, que ficou com a quantia de € 2.220.213,89 por pagar após rateio. - - MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA Não há matéria de facto não provada. - 3. O direito - Tempestividade da resposta ao recurso - A sentença objeto de recurso foi proferida em 10 de abril de 2025 (ref. Citius 470943213). Em 11 de abril de 2025 procedeu-se à notificação às partes. Em 29 de abril de 2025 o apelante apresentou as alegações e notificou na mesma data os demais mandatários na ação. Em 26 de maio de 2025 foi proferido o despacho que admitiu o recurso. Em 28 de maio de 2025 a autora veio apresentar a resposta ao recurso. O prazo para interpor recurso da sentença é de 15 dias, por se tratar de processo urgente, na medida em que corre os seus termos por apenso ao processo de insolvência (art.º 9º/1 CIRE, art.º 638º/1 CPC). É também de 15 dias o prazo para responder ao recurso, que se inicia com a notificação do recurso interposto (art.º 14º/2CIRE, art.º 638º/5 CPC, art.º 17º/1CIRE). Verifica-se, assim, que a resposta deu entrada depois de expirado o prazo de 15 dias. O prazo para apresentar a resposta é um prazo perentório, o que significa que ultrapassado não pode ser admitida a prática do ato, porque se extinguiu o direito de o fazer (art.º 139º/3 CPC). Em conclusão, não se admite a resposta ao recurso, por ter sido apresentada depois de esgotado prazo concedido para prática do ato, o que determina o seu desentranhamento e devolução à parte. - - Do caso julgado - Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A) a R), o apelante insurge-se contra a decisão recorrida por entender que ocorre a violação do caso julgado, na medida em que foi já proferida, nos autos, decisão que julgou e decidiu em parte a pretensão da autora, a sentença proferida em 30 de maio de 2023, a qual foi confirmada pelo acórdão da Relação de 22 de janeiro de 2024 (ref. Citius 17668043) que fixou o valor do capital liquidado à autora. Considera que resulta das doutas decisões que o capital reclamado pela autora (€ 195 526,25) se encontra integralmente pago. A questão que se coloca prende-se com a ofensa do caso julgado, porque a sentença recorrida não atendeu à regra do art.º 619º CPC. Cumpre relembrar os fundamentos do acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 22 de janeiro de 2024 (ref. Citius 17668043) e que apreciou o recurso interposto pela autora da sentença proferida em 30 de maio de 2023: “- Da inutilidade superveniente da lide - O apelante insurge-se contra a decisão recorrida por entender que apesar do rateio e pagamento efetuado ao credor, em sede de processo de insolvência, subsiste o prejuízo do credor, porque não logrou obter o pagamento integral do crédito que lhe foi reconhecido em sede de processo de insolvência. Na sentença julgou-se extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, e considerou-se como se passa a transcrever: “Apreciando. O autor intentou contra o Sr. administrador da insolvência uma ação de responsabilidade civil pedindo que o mesmo seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 195.526,95, acrescida de juros vincendos à taxa legal em vigor até efetivo pagamento. Para tanto alega que o réu, autonomamente e sem autorização judicial ou da comissão de credores, pagou a uma leiloeira a quantia de € 195.526,95 referente ao leilão realizado relativamente aos imóveis sitos em Viana do Castelo recorrendo, para o efeito, aos valores que se encontravam depositados à ordem da massa insolvente e que, maioritariamente, haviam sido pagos pelos credores hipotecários como caução nos termos do n.º 4 do artigo 164º do C.I.R.E.. Ao optar por pagar à leiloeira o que não era devido e sem qualquer autorização que o permitisse fazer, o Réu, voluntária e conscientemente, impediu o aqui Banco Autor de ser pago pelo produto da venda dos bens que lhe estavam hipotecados na medida do valor entregue àquela, causando ao Autor o correspondente prejuízo ou dano patrimonial emergente. Pelo que, tendo os referidos bens imóveis sido vendidos nos autos pelo valor global de €3.179.300,00 e sendo o crédito hipotecário reconhecido ao Banco Autor no valor de €4.083.994,94, é inequívoco que o valor indevidamente entregue pelo Réu à leiloeira a título de comissão pela venda daqueles imóveis (€ 195.526,95), se assim não tivesse acontecido, reverteria na íntegra para o Banco Autor em sede de rateio. Tal como decorre do acima exposto, constatamos que a remuneração variável a pagar ao Sr. administrador da insolvência que é réu nesta ação foi calculada em 228.139,26 euros. No processo de insolvência determinou-se o não pagamento da remuneração variável ao, aqui, réu, bem como que se procedesse à compensação do pagamento da remuneração variável que lhe caberia, com as quantias pelo mesmo devidas à massa insolvente e ainda não devolvidas, sendo que o mapa de rateio foi elaborado tendo em conta já essa compensação. Por essa razão, o montante de €228.139,26 da remuneração variável foi afetado ao pagamento aos credores, sendo que a credora habilitada no lugar do, aqui, autora recebeu já €225.258,29. Ora, o autor havia invocado nestes autos um dano sofrido em consequência da conduta ilícita e culposa do Sr. administrador da insolvência no valor de €195.526,95. O credor habilitado no lugar do autor recebeu já €225.258,29, sendo que este montante foi indiretamente pago pelo Sr. administrador da insolvência porquanto este não recebeu a remuneração variável a que tinha direito, tendo o valor da remuneração variável sido afetado ao ressarcimento do dano invocado nesta ação pelo autor. Diz o autor que no mapa de rateio final lhe caberia o pagamento da quantia total de 359.583,80 €, sendo que apenas lhe foi afeta a quantia de 225.259,95 €, por ser esse o montante que a Massa Insolvente dispunha à data. Assim sendo, continua a existir um dano não reparado ao credor no valor de 134.323,85€. A verdade é que esse “dano” não é, de todo, imputável a qualquer conduta ilícita e culposa do Sr. administrador da insolvência que é invocada como causa de pedir nesta ação. Com efeito, tal como decorre da petição inicial, o autor pediu a condenação do réu a pagar-lhe o valor que o réu, autonomamente e sem autorização judicial ou da comissão de credores, pagou à leiloeira a quantia de €195.526,95 referente ao leilão realizado relativamente aos imóveis sitos em Viana do Castelo. Ora, o credor habilitado no lugar do autor foi já ressarcido pelo Sr. administrador da insolvência de um valor superior ao peticionado nesta ação. É certo que o credor não foi integralmente ressarcido do seu crédito neste processo de insolvência, mas tal não decorre de qualquer atuação culposa do Sr. administrador da insolvência, mas, sim, do facto de o produto da liquidação não ser bastante para ressarcir o seu crédito. Considerando, assim, que o autor pediu nesta ação a condenação do Sr. administrador da insolvência a pagar-lhe a quantia de €195.526,95 por ser esse o valor do dano que o mesmo lhe provocou por ter pago à leiloeira essa quantia referente ao leilão realizado relativamente aos imóveis sitos em Viana do Castelo e que o credor habilitado no lugar do autor recebeu já no processo de insolvência tal montante por força da compensação que foi determinada no processo de insolvência, tornou-se inútil o prosseguimento dos presentes autos”. Está em causa apurar se a quantia recebida pelo autor em rateio, no processo de insolvência, constitui fundamento para extinção da presente lide por inutilidade superveniente (art.º 277º/e) CPC). Adiantando a resposta, entendemos que não, pelos motivos que se passam a expor. Dispõe o art.º 277.º, al. e) do CPC que a instância extingue-se com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”. Em tese geral, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, como refere LEBRE DE FREITAS “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar — além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio". ABRANTES GERALDES observa que “[a] inutilidade superveniente decorre em geral dos casos em que o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa, sendo o caso mais típico o do pagamento da quantia peticionada ou, em geral, o cumprimento espontâneo da obrigação em causa ou a entrega do bem reivindicado”. Desta forma, a impossibilidade superveniente da lide só ocorre quando, na pendência do processo, desaparece algum dos sujeitos ou o objeto da causa. Por sua vez, a inutilidade superveniente da lide ocorre quando a pretensão visada pelo demandante foi alcançada por outro meio fora do processo. A inutilidade superveniente da lide pressupõe sempre que o autor tenha conseguido obter a satisfação da sua pretensão fora da ação. Tendo presente estes aspetos, cumpre relembrar os fundamentos da pretensão do autor e o fim que visa alcançar com a presente ação. Tal como o autor-apelante estruturou a sua pretensão, a ação insere-se no âmbito das ações de indemnização previstas no art.º 59º/1 do CIRE, onde se determina que: “1.O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado”. A responsabilidade do administrador da insolvência é apreciada à luz do regime da responsabilidade civil prevista no art.º 483º CC, com a especificidade de constituir uma modalidade funcional de responsabilidade, que se fundamenta na violação de deveres postos a cargo do administrador da insolvência na satisfação da missão geral de que está encarregado. Consideram-se lesados para efeitos de aplicação do regime de responsabilidade previsto no nº1 do preceito o devedor ou o credor da insolvência. A obrigação de indemnizar com fundamento em responsabilidade do administrador da insolvência pressupõe a verificação dos seguintes pressupostos: […] conduta voluntária imputável ao administrador judicial; ilicitude[…]; atuação culposa; e, finalmente, existência de um nexo de causalidade adequada entre o evento produtor e o dano produzido”. A ilicitude traduz-se na violação de deveres impostos ao administrador, acentuando-se o caráter funcional das suas atribuições. A violação dos deveres do administrador tanto pode traduzir-se numa conduta positiva como num comportamento omissivo. Neste âmbito cumpre convocar os deveres impostos no Código da Insolvência (art.º 55º CIRE) e no Estatuto do Administrador Judicial (art.º 12º). No que respeita à culpa a lei estabelece um critério particular da sua apreciação, ao considerar que “a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado”. A lei não estabelece uma presunção de culpa. É de salientar que o administrador da insolvência deve orientar a sua atividade no sentido de satisfazer os interesses dos credores5 e essa atividade se traduzir em regra na administração e liquidação da massa insolvente. Como salientam CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA “[…]importará é verificar se o ato em apreço se adequa à satisfação dos interesses em causa segundo o critério médio de um administrador diligente, o que se traduzirá essencialmente em avaliar se, nas circunstâncias concretas do agente, o ato em questão era aquele que, de entre os possíveis, melhor se ajustava a assegurar a necessária tutela dos interesses dos credores.[…][I]sto significa ou comporta a necessidade de apreciar se o ato do administrador que é posto em causa se adequou à otimização das possibilidades de pagamento aos credores, seja pela disponibilização de fundos que proporcionou – ou era razoavelmente expetável que pudesse proporcionar -, seja pelas perdas patrimoniais que evitou à massa”. O dano traduz-se na diminuição da percentagem do crédito que, se não fora o ato lesivo, o prejudicado provavelmente receberia, ou, pelo menos, no agravamento das condições de recebimento. O nexo de causalidade estabelece-se entre o ato do administrador praticado com a violação de deveres que lhe incumbem e o prejuízo do credor. Recai sobre o lesado o ónus da prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar, com fundamento em responsabilidade do administrador da insolvência, à luz do art.º 59º/1 CIRE, nos termos do art.º 342º/1 CC e art.º 487º CC. Neste quadro legal e ponderando os factos alegados pelo apelante a verificarem-se os pressupostos da responsabilidade os prejuízos repercutem-se diretamente na esfera jurídica do credor, o aqui apelante-autor. Estas foram já as considerações tecidas no Acórdão proferido em 22 de maio de 2019. O apelante-autor formulou o seguinte pedido: “condenação do réu no pagamento da quantia de €195.526,95, acrescida de juros vincendos à taxa legal, até integral pagamento”. Resulta da fundamentação da sentença recorrida que o credor habilitado no lugar do autor, por efeito do rateio final que se realizou no processo de insolvência, recebeu a quantia de € 225258,29. Contudo, atenta a pretensão formulada neste processo, verifica-se que o autor não veio peticionar apenas uma indemnização no montante de €195 526,25. O autor peticiona o pagamento da indemnização no montante de €195 526,25, acrescido do montante de juros vincendos até integral pagamento. Em sede de responsabilidade civil os juros vencem-se a partir da citação (art.º 805º/3 CC) e a citação do réu ocorreu em 30 de novembro de 2017. Desta forma, a presente lide mantém a sua utilidade, porque o valor recebido não garante o pagamento do crédito que vem peticionado (capital e juros) e o autor não veio desistir do pedido formulado quanto a juros. O rateio realizado será relevante para aferir do prejuízo, mas tal juízo de apreciação pressupõe a apreciação do mérito da causa, ou seja, aferir da responsabilidade civil do réu, pois só desta forma se pode apurar se o autor sofreu ou não prejuízo. A utilidade da instância mantém-se na medida em que o pagamento efetuado no processo de insolvência não satisfaz o pedido formulado nesta ação. Não resulta demonstrado que o autor tenha conseguido obter a satisfação da sua pretensão fora da ação. Procedem, em parte, as conclusões de recurso, ainda que com diferentes fundamentos”. No dispositivo consignou-se: “Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar, em parte, procedente a apelação, revogar a sentença e determinar o prosseguimento dos autos para apreciação da matéria de facto controvertida, alegada na petição, com elaboração dos temas de prova, diligências de instrução, julgamento e sentença. Custas a cargo do réu”. A questão suscitada pelo apelante consiste em apurar se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 22 de janeiro de 2024 julgou, em parte, procedente a sentença, reconhecendo que a autora já recebeu o capital peticionado. É evidente que não. Dispõe o art.º 580.º n.º 1 do Código de Processo Civil que a exceção do caso julgado, tal como a litispendência, pressupõe a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado. Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito a exceção do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. No art.º 581.º do CPC, estabelecem-se os requisitos da litispendência e do caso julgado: 1- Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3- Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4- Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido. O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Nos termos do art.º 628º CPC a sentença transita em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação. De acordo com o art.º 619º CPC transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos art.º 696º a 702º. O caso julgado constitui um dos efeitos da sentença. A sentença transitada em julgado opera o caso julgado da decisão. A sentença converte-se em caso julgado quando os tribunais já a não podem modificar. A força do caso julgado abrange a decisão e o que ficou decidido quanto às questões que a sentença devia conhecer para poder decidir. O caso julgado tornando a decisão imodificável visa garantir aos particulares o mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica indispensável à vida de relação[2]. Transpondo estes considerandos para o caso concreto. Resulta dos autos que por sentença proferida em 30 de maio de 2023 se julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Para esse efeito, ponderou-se, que o autor recebeu no rateio a quantia de € 225 258,29, mas sem analisar a pretensão do autor, ou mais propriamente, sem apurar se o valor recebido correspondia ao prejuízo que o autor reclamava. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 22 de janeiro de 2024, que reapreciou tal decisão, revogou a sentença, por não se verificar o fundamento para extinção da instância: a inutilidade superveniente da lide. Tal como se observa no acórdão citado, a utilidade da ação tem de ser apreciada em função dos fundamentos do pedido. Destaca-se a seguinte passagem: “O apelante-autor formulou o seguinte pedido: “condenação do réu no pagamento da quantia de €195.526,95, acrescida de juros vincendos à taxa legal, até integral pagamento”. Resulta da fundamentação da sentença recorrida que o credor habilitado no lugar do autor, por efeito do rateio final que se realizou no processo de insolvência, recebeu a quantia de € 225258,29. Contudo, atenta a pretensão formulada neste processo, verifica-se que o autor não veio peticionar apenas uma indemnização no montante de €195 526,25. O autor peticiona o pagamento da indemnização no montante de €195 526,25, acrescido do montante de juros vincendos até integral pagamento. Em sede de responsabilidade civil os juros vencem-se a partir da citação (art.º805º/3 CC) e a citação do réu ocorreu em 30 de novembro de 2017. Desta forma, a presente lide mantém a sua utilidade, porque o valor recebido não garante o pagamento do crédito que vem peticionado (capital e juros) e o autor não veio desistir do pedido formulado quanto a juros. O rateio realizado será relevante para aferir do prejuízo, mas tal juízo de apreciação pressupõe a apreciação do mérito da causa, ou seja, aferir da responsabilidade civil do réu, pois só desta forma se pode apurar se o autor sofreu ou não prejuízo. A utilidade da instância mantém-se na medida em que o pagamento efetuado no processo de insolvência não satisfaz o pedido formulado nesta ação. Não resulta demonstrado que o autor tenha conseguido obter a satisfação da sua pretensão fora da ação. Procedem, em parte, as conclusões de recurso, ainda que com diferentes fundamentos”. Não se confirmou a sentença por duas ordens de razões: - ainda, que se admitisse a tese defendida na sentença, o valor recebido não corresponde ao montante do pedido (capital e juros), o que não permite considerar que o autor recebeu fora do processo o valor que reclamava na ação; e, por outro lado, - não resulta demonstrado que o autor, tendo presente a sua pretensão, foi ressarcido dos prejuízos que reclama – “o rateio realizado será relevante para aferir do prejuízo, mas tal juízo de apreciação pressupõe a apreciação do mérito da causa, ou seja, aferir da responsabilidade civil do réu, pois só desta forma se pode apurar se o autor sofreu ou não prejuízo”. Para aferir do prejuízo, como se observou no Acórdão da Relação do Porto de 22 de maio de 2019, proferido nestes autos, seria necessário efetuar as seguintes operações: “O apelante, credor com garantia hipotecária, viu o seu crédito reconhecido pelo montante de € 4 083 994,94. Os bens objeto de garantia foram adjudicados ao credor pelo preço de € 3 179 300,00. O pagamento do seu crédito (deduzidas as despesas e as dividas da massa insolvente e créditos preferenciais) realiza-se com o produto da venda do bem que estava onerado com a garantia e só na parte em que não obtém pagamento é considerado um crédito comum, cujo pagamento será efetuado juntamente com os demais credores comuns, de forma rateada e com o produto da liquidação dos restantes bens da massa insolvente (art.º 173º e art.º 174º CIRE ). O depósito-caução efetuado ao abrigo do art.º 164º/4 CIRE, ascende a € 635860,00 (20% do preço). Este depósito visa garantir o pagamento das despesas e do crédito com preferência (crédito da Fazenda Nacional - IMI) em relação ao crédito reclamado. Foi a partir deste depósito que o administrador retirou a quantia de € 195 526,95 para proceder ao pagamento da comissão à leiloeira. Se a comissão arbitrada ascende a € 20000,00, conforme determinado por sentença com trânsito em julgado, apenas o credor com garantia real fica prejudicado, porque do remanescente do produto da venda dos imóveis com garantia, o credor vai receber menos do que teria direito a receber, já que o pagamento das despesas da massa insolvente está sempre garantido e o valor do crédito com preferência também. A apurarem-se os factos alegados pelo apelante não é a massa insolvente que é diretamente afetada pelo procedimento do administrador, mas a esfera patrimonial do credor com garantia real e nessa medida o administrador da insolvência fica responsável perante o credor pela diferença entre o valor que receberia e aquele que efetivamente lhe será atribuído, na medida em que essa diferença caiba na satisfação do direito de crédito garantido. Constitui por isso matéria controvertida, face à posição assumida pelas partes nos articulados, apurar da ilicitude da conduta do administrador judicial, culpa e nexo de causalidade, bem como, os prejuízos. Com efeito, a sentença proferida em sede de apenso de prestação de contas não tomou posição sobre as circunstâncias em que foi celebrado o contrato com a leiloeira, como decorre do ponto 14 dos factos provados. Nessa sentença apenas se cuidou de fixar o valor proporcional e adequado para a remuneração pelo trabalho desenvolvido pela leiloeira. Por outro lado, está em aberto apurar se efetivamente o apelante sofreria o prejuízo que invoca, pois basta que se demonstre que em relação à diferença que não está coberta pelo preço da venda e por isso, enquanto crédito comum e em concorrência com os demais credores veria o seu crédito integralmente pago, para desta forma não se verificar o prejuízo (o que se nos afigura altamente improvável). De todo o modo, sempre será necessário operar um rateio, ainda que provisório, para apurar o efetivo prejuízo e os dados que constam do processo não permitem nesta fase obter uma conclusão”. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 22 de janeiro de 2024 sublinhou que a sentença não apreciou do prejuízo reclamado pelo autor e neste acórdão não foi proferida qualquer decisão que confirme, em parte, o decidido na sentença proferida em 30 de maio de 2023. Considerando que foi a autora quem interpôs recurso da sentença e uma vez que os fundamentos do recurso não foram atendidos em toda a extensão, até porque a causa da revogação da sentença assenta em fundamentos distintos dos indicados no recurso, no dispositivo consignou-se: “Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar, em parte, procedente a apelação, revogar a sentença [sublinhado e a negrito nosso] e determinar o prosseguimento dos autos para apreciação da matéria de facto controvertida, alegada na petição, com elaboração dos temas de prova, diligências de instrução, julgamento e sentença. Custas a cargo do réu”. Em conclusão, a sentença proferida em 10 de abril de 2025, agora objeto de recurso, não viola o caso julgado formado com a prolação do acórdão de 22 de janeiro de 2024, porque o acórdão em causa revogou a sentença proferida em 30 de maio de 2023, determinou o prosseguimento dos autos para apreciação da matéria de facto controvertida “alegada na petição, com elaboração dos temas de prova, diligências de instrução, julgamento e sentença”. Não existe, pois, caso julgado quanto ao montante do prejuízo sofrido pelo autor (agora autora), nem quanto ao valor efetivamente recebido para pagamento desse prejuízo, porque o acórdão proferido em 22 de janeiro de 2024 não se pronunciou sobre o mérito da causa, tendo presente os fundamentos em que a autora sustenta a sua pretensão. Improcedem as conclusões de recurso, sob as alíneas A) a R). - - Da responsabilidade do réu - Nas conclusões de recurso, sob as alíneas S) a II), o apelante insurge-se contra a sentença, por considerar que não estão reunidos os pressupostos previstos no art.º 59ºCIRE e art.º 483º CC para atribuir responsabilidade ao réu. O apelante considera que os factos provados não preenchem os pressupostos da responsabilidade, mas sem razão, porque a sentença faz um correto enquadramento dos factos à luz do direito. Desde logo, é de considerar que o apelante não se insurge contra os factos provados, pois não requereu a sua reapreciação. Nas alíneas W) a FF) sustenta que os factos provados na sentença proferida no Apenso de Prestação de Contas não podem fundar a decisão condenatória nesta ação. Contudo, o apelante não indica os concretos factos a que se refere. Se com os argumentos expostos pretendia a reapreciação da decisão de facto, não pode tal pretensão ser atendida, porque não estão reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto, previstos no art.º 640º CPC. Desde logo, não se indica os concretos factos que impugna, nem indica a prova a reapreciar e a decisão que sugere e não o faz nas conclusões de recurso, nem na motivação. A mera referência aos documentos que sustentam a decisão de facto não preenche os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto. Considera o apelante, sob a alínea HH), que os factos provados não preenchem os pressupostos da responsabilidade do Administrador da Insolvência. Não indica o motivo pelo qual tece tais considerações. Na sentença apreciaram-se os pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar, ponderando os factos provados, com os fundamentos que se transcrevem: “São as seguintes as questões a apreciar nesta decisão: • Do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil do senhor Administrador da Insolvência, aqui R., no exercício de funções Dispõe o art.º 59º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que “O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado”. Acrescenta o nº 2 que “O administrador da insolvência responde igualmente pelos danos causados aos credores da massa insolvente se esta for insuficiente para satisfazer integralmente os respetivos direitos e estes resultarem de ato do administrador, salvo o caso de imprevisibilidade da insuficiência da massa, tendo em conta as circunstâncias conhecidas do administrador e aquelas que ele não devia ignorar”. Conforme referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda1, “O modelo de responsabilidade que perpassa no n.° 1 corresponde, com grande proximidade, ao travejamento geral da figura da responsabilidade aquiliana baseada na culpa, tal como resulta do Código Civil. Há aqui de específico o facto de estarmos em presença de uma modalidade funcional de responsabilidade, que se fundamenta na violação de deveres postos a cargo do administrador da insolvência na satisfação da missão geral de que está encarregado. Qualquer atuação danosa do administrador que se processe para além do exercício das suas atribuições no processo está fora do âmbito do preceito anotando, independentemente de quem seja o lesado. Paralelamente, para o regime aqui fixado ser aplicável, é necessário que o prejudicado seja o próprio devedor ou um credor. Em qualquer outro caso, seguir-se-á estritamente o regime geral. No mais, exigem-se os pressupostos comuns da responsabilidade aquiliana. Para que a responsabilidade seja exercível e, consequentemente, se concretize o correspondente dever ressarcitório, é necessário que, além do dano, se verifiquem, cumulativamente, os seguintes pressupostos: conduta voluntária imputável ao administrador judicial; ilicitude do procedimento, traduzido, no caso, na violação de deveres que lhe cabem; atuação culposa; e, finalmente, existência de um nexo de causalidade adequada entre o evento produtor e o dano produzido (neste sentido, decidiu o ac. da Rel. Guim., de 29/NOV/2011, proferido no processo 6319/07.2TBBRG-N.G1).” Conforme ensina o acórdão do STJ de 12/7/2018, Proc. nº 1040/12.2TBLSD-I.P1.S1, disponível na internet em www.dgsi.pt “Conforme tem vindo a ser entendido, a responsabilidade do administrador da insolvência por actos próprios, que se encontra limitada às condutas ou omissões danosas ocorridas após a sua nomeação (n.º 4 do citado artigo 59º), é reconduzível à responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, na medida em que decorre do exercício das funções para que foi nomeado. Por isso, existirá responsabilidade do administrador da insolvência sempre que se verifique a violação dos seus deveres funcionais, legalmente impostos, quer por via de comportamentos positivos, quer por via de comportamentos omissivos, exigindo-se ainda a verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade delitual, nos termos do artigo 483º do CC.” Temos, assim, como pressupostos da responsabilidade do Administrador da Insolvência os seguintes: a) Acto praticado pelo administrador judicial no âmbito das suas funções; b) ilicitude de tal acto, porque violadora dos seus deveres; c) atuação culposa; d) ocorrência de dano para os credores ou massa insolvente e e) existência de um nexo de causalidade adequada entre a actuação do Administrador da Insolvência e o dano produzido. Resultou provado que o R., no exercício das funções de Administrador da Insolvência para que foi nomeado no processo principal de insolvência da sociedade “A..., Lda procedeu ao pagamento à sociedade leiloeira “B...”, pela venda do empreendimento de Viana do Castelo relativo aos imóveis identificados sob as verbas n.º 2 a 21 do auto de apreensão de bens, da comissão no valor de 195.526,95€ e procedeu ao pagamento, pela venda do empreendimento de ..., da comissão no valor de 234.622,50€. Este é o ato imputado ao R. pela A. e que resultou provado, preenchendo o primeiro pressuposto da responsabilidade daquele. Relativamente ao segundo pressuposto, da ilicitude do ato e violação dos seus deveres, refere-se no já citado acórdão do STJ de 12/7/2018 que “o artigo 59º, n.º 1, remete para os deveres de diligência que um administrador criterioso e ordenado adotaria num dado caso concreto, fazendo embora repercutir os efeitos dessa remissão na apreciação da culpa. Não se apresenta fácil distinguir, na norma, os contornos da ilicitude e da culpa, porque para identificar aquela não se pode prescindir daquilo que sejam os deveres de um administrador criterioso e ordenado. A ilicitude terá, assim, de reportar-se a uma atuação que objetivamente represente a violação dos deveres de diligência de um administrador criterioso e ordenado; a culpa, por seu lado, terá de traduzir-se na censura pelo facto de, nessa situação concreta, o administrador não ter agido de outro modo, ou seja, como um administrador criterioso e ordenado, como podia e devia. Parece-nos preferível o entendimento de que a referida norma transporta em si mesma um critério cumulativo de ilicitude e culpa. A não adoção de uma conduta reveladora da diligência exigível de um administrador criterioso e ordenado, reveste caráter de ilicitude. Por sua vez, podendo o administrador ter agido de maneira diferente, como um administrador criterioso e ordenado, é possível imputar a culpa em abstrato à sua conduta. A sobredita fórmula foi importada do direito societário. De facto, o artigo 64º, n.º 1, alínea a), do CSC, estabelece que os gerentes ou administradores da sociedade devem observar deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado”. Provou-se que, não obstante o R. ter optado por vender os bens em causa em estabelecimento de leilão, indicando como entidade responsável a sociedade leiloeira “B...”, no leilão realizado não foi apresentada qualquer proposta de compra dos imóveis. Provou-se ainda que o Banco Autor, em 10/4/2012, entregou ao Sr. Administrador da Insolvência, aqui réu, proposta de adjudicação dos imóveis referidos, tendo sido, em consequência, celebradas as escrituras de compra e venda datadas de 28/6/2012 e 25/7/2012. Acresce que se provou que a adjudicação dos bens imóveis em causa ocorreu à margem do leilão e a intervenção da leiloeira não terá tido a anuência dos membros da Comissão de Credores. Assim, o R. não obedeceu ao disposto no art.º 55º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que determina que “O administrador da insolvência, no exercício das respetivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por advogados, técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão”. O R. realizou um pagamento que não foi aprovado em sede de sentença de prestação de contas, o pagamento de uma comissão por uma venda que não se realizou no âmbito do trabalho da leiloeira que recebeu esse pagamento. Em face do exposto, não podemos senão concluir que o R. não agiu com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, o que traduz a ilicitude da sua conduta. Relativamente à culpa, provou-se que, ao optar por pagar à leiloeira aqueles valores, o Réu, voluntária e conscientemente, impediu o aqui Banco Autor de ser pago pelo produto da venda dos bens que lhe estavam hipotecados na medida do valor entregue àquela, pelo que é inegável que o R. agiu dolosamente. Finalmente, quanto à ocorrência de um dano para os credores ou massa insolvente e existência de um nexo de causalidade adequada entre a atuação do Administrador da Insolvência e o dano produzido, provou-se que, por sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso B, em 12/5/2014, os créditos referidos em D) foram reconhecidos e qualificados como garantidos, atentas as hipotecas constituídas sobre os bens imóveis identificados sob as verbas n.º 2 a 21 do auto de apreensão de bens, constante do apenso A, tendo sido graduados quanto a estes bens nos seguintes termos: 1º As dívidas da massa insolvente, que saem precípuas, na devida proporção do produto da venda de cada bem imóvel; 2º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do Estado / Fazenda Nacional, na parte em que goza de privilégio imobiliário especial – IMI; 3º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário do Banco 2..., S.A., agora da aqui A., que o substituiu. Mais se provou que o valor entregue pelo Réu à leiloeira a título de comissão pela venda daqueles imóveis (€ 195.526,95), se assim não tivesse acontecido, reverteria na íntegra para o Banco Autor em sede de rateio, que ficou com a quantia de € 2.220.213,89 por pagar após rateio. Cremos estar, assim, estabelecido o dano sofrido pela aqui A. e o nexo de causalidade entre tal dano e a atuação do R.. Em conclusão, a conduta do R. preenche, sem margem para dúvidas, os vários requisitos previstos no art.º 59º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Dispõe o art.º 562º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Fica, então, o R. obrigado a indemnizar a A. no montante do prejuízo por esta sofrido, ou seja, no valor peticionado de € 195.526,95 a título de danos patrimoniais, acrescido dos correspondentes juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento do devido, nos termos dos art.º 804º, nº 1, 805º, nº 1 e 806º do Código Civil. Procede, assim, o pedido formulado pela A..” A análise dos pressupostos da responsabilidade do réu, respeita o critério legal – art.º 59º CIRE e art.º 483º CC e art.º 12º do Estatuto do Administrador da Insolvência – e está sustentada em doutrina e jurisprudência atual, com argumentos e fundamentos que não podemos deixar de acompanhar. Conclui-se que a decisão não merece censura e como tal se mantém. Improcedem as conclusões de recurso, sob as alíneas S) a II). - Nos termos do art. 527º CPC, as custas são suportadas pelo réu por ficar vencido. - III. Decisão: Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença. - Custas a cargo do réu. - Desentranhe e devolva ao apelado a resposta ao recurso, por ter sido apresentada fora de prazo. * (processei, revi e inseri no processo eletrónico – art. 131º, 132º/2 CPC) Ana Paula Amorim Manuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais _____________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada,1985, pág. 705. |