Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16070/17.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
EXECUÇÃO
PENHORA
EXECUÇÃO COMUM
EXECUÇÃO FISCAL
Nº do Documento: RP2024030516070/17.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do artigo 794.º, n.º 1 do Código de Processo Civil pendendo duas penhoras sobre o mesmo bem, deve a execução onde a penhora for mais antiga prosseguir.
II - Essa prossecução não se verifica se, na execução em que a penhora é mais antiga, esta incide sobre a casa de habitação própria e permanente do executado, pois não é possível nessa execução a venda de um tal bem, mesmo a requerimento de um credor, por força do disposto no artigo 244.º do CPPT.
III - Nessas circunstâncias, deve prosseguir a execução comum, em que a penhora incidente sobre o bem foi posterior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º[1]16070/17.0T8PRT.P1
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Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto - Juiz 3



RELAÇÃO N.º 114
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: Rui Moreira
Fernando Vilares Ferreira


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
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I - RELATÓRIO.

AS PARTES

Exqte.: A..., SA
Excdos.: AA e
BB

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O Banco 1... Sa intentou execução contra AA e BB, para pagamento de quantia certa.

Efectuada penhora da fracção autónoma designada pela letra F, composto por apartamento destinado a habitação distribuída pela cave, rés-do-chão e primeiro andar – sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho de Valongo, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...74, da freguesia ..., registado na CRP sob o n.º ...05.
Foi dada notícia da existência de penhora prévia registada a favor do PEF n.º ...47 e Aps. Do Serviço de Finanças ..., sob a AP. ..., de 2007/03/06.

Foi ordenada, a 26.10.2017, a sustação da presente execução, pelo Agente de Execução nos seguintes termos:
Uma vez que sobre a fracção F, do prédio urbano descrito na CRP com a descrição n.º ...08, já se econtram registadas penhoras anteriores,e ainda activas, há lugar à sustação da presente execução nos termos do disposto no Art.º 794.º do Código de Processo Civil. A primeira penhora encontra-se registada em 30-10-2006 a favor da Fazenda Nacional. Da presente decisão vão ser notificados exequente e executados, bem assim, em cumprimento do disposto no n.º 2 do Art.º 794.º do Código de Processo Civil, informado o processo a favor do qual foi realizada a primeira penhora.
O Banco Exequente procedeu à reclamação do seu crédito no aludido processo de execução fiscal.

O exequente Banco 1... SA a 05.03.2018 deu notícia aos autos de que no processo executivo ocorria “impedimento legal à realização da venda na Autoridade Tributária, requer a V.ª Ex.ª, se digne ordenar o levantamento da sustação e ordenar o prosseguimento da presente execução, para vendado imóvel penhorado nos autos”.
Foi o exequente notificado para demonstrar haver formulado pedido nos autos de execução fiscal tendente à venda o imóvel.
Foi obtida informação dos serviços da AT que mantinham interesse na penhora.

Estes autos ficaram à aguardar que fosse ordenado o levantamento da sustação desta execução.

Entretanto aos autos é requerida a habilitação de cessionário, de A..., SA, mas não relativamente à totalidade do crédito exequendo – cfr. requerimento de 09.10.2023 e decisão de 06.11.2023.

O exequente Banco 1... SA veio pedir “que seja levantada a sustação da execução no que respeita ao bem imóvel penhorado nos presentes autos, prosseguindo-se com a venda do imóvel penhorado”.
Na sequência do qual é proferido o seguinte despacho (10.01.2023):
O disposto no art.º 244.º n.º 2 do CPPT só é impedimento à realização da venda no âmbito da execução fiscal quando esteja em causa apenas a satisfação de créditos fiscais.
Não sendo a referida proibição de venda oponível aos demais credores, e tendo estes apresentado a competente reclamação de créditos, como devem, na sequência do cumprimento do disposto no art.º 794.º do CPC, assiste-lhes o direito de, ao abrigo do disposto no art.º 850.º n.º2 do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo tributário ex vi art.º 2.º al. e) do CPPT, promover a venda do mesmo (vide Ac. RP de 8-3-2019, disponível in www.dgsi.pt, a título exemplificativo).
Face ao exposto, inexiste qualquer fundamento para que não seja aplicado o disposto no art.º 794.º do CPC e as regras legais relativas à reclamação de créditos, pelo que se indefere ao pretendido pelo exequente no seu requerimento datado de 22-11-2022.

Renovado pedido de levantamento de sustação pelo exequente, A..., SA, foi proferido despacho:
Requerimento de 29-03-2023
Nos presentes autos, por decisão proferida em 06/05/2021 pela Senhora Agente de Execução foi declarada a extinção da instância, ao abrigo do disposto no art. 849.º, n.º 1, al. e) ex vi do 794.º n.º 4, ambos do Código de Processo Civil.
Sem prejuízo, o art. 850.º do Código de Processo Civil prevê as hipóteses em que se admite a renovação do processo executivo, do que se destaca o n.º 5 onde se prevê que “o exequente pode ainda requerer a renovação da execução extinta nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo anterior, quando indique os concretos bens a penhorar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior”. Sendo certo que a decisão da renovação da instância, tal como sucede com a decisão de extinção, é competência do Senhor Agente de Execução e não do Tribunal (arts. 719.º e 723.º a contrario do Código de Processo Civil).
Ora, compulsados os autos constata-se que o exequente não requereu a renovação da instância indicando novos bens à penhora, nem pela Senhora Agente de Execução foi proferida decisão a declarar essa renovação.
Concomitantemente, encontrando-se extinta a execução (e enquanto assim se mantiver), não podem prosseguir os autos com quaisquer diligências de penhora ou quaisquer outras.
Nestes termos e face ao exposto, na medida em que a ação executiva se encontra extinta, impõe-se indeferir o requerido.
Notifique. “.

A exequente A..., SA vem dar notícia aos autos da informação dos autos execução fiscal na qual consta:



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DO DESPACHO RECORRIDO

Tendo sido formulado novo pedido de levantamento de sustação da venda, é proferido o seguinte despacho:
O disposto no art.º 244.º n.º 2 do CPPT só é impedimento à realização da venda no âmbito da execução fiscal quando esteja em causa apenas a satisfação de créditos fiscais.
Não sendo a referida proibição de venda oponível aos demais credores, e tendo estes apresentado a competente reclamação de créditos, como devem, na sequência do cumprimento do disposto no art.º 794.º do CPC, assiste-lhes o direito de, ao abrigo do disposto no art.º 850.º n.º2 do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo tributário ex vi art.º 2.º al. e) do CPPT, promover a venda do mesmo (vide Ac. RP de 8-3-2019, disponível in www.dgsi.pt, a título exemplificativo).
Neste sentido também o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 12-7-2023, www.dgsi.pt, acedido no dia 15-12-2023, "A Administração Fiscal não pode promover, a venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, mas nada impede que um credor que na execução fiscal tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias".
Face ao exposto, inexiste qualquer fundamento para que não seja aplicado o disposto no art.º 794.º do CPC e as regras legais relativas à reclamação de créditos, pelo que se indefere ao pretendido no requerimento datado de 15-11-2023.
Notifique.“.
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DAS ALEGAÇÕES
A Exeqte, A..., SA, vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:
“Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso de apelação, e consequentemente ser revogado o despacho proferido, substituindo-o por outro que admita o levantamento da suspensão e consequente agendamento da venda.“.
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A recorrente apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
A. O Exequente requereu ao douto Tribunal o levantamento da suspensão da execução por forma a promover nos presentes autos, a venda do imóvel sobre o qual detêm garantia hipotecária.
B. Tal pedido derivou não só de disposição legal vigente, bem como da informação prestada pelo Serviço de Finanças competente em 27/07/2023, no qual informou que não iria promover a venda do imóvel sobre o qual incide a sua penhora prévia, atento o disposto no artigo 244º do CPPT, porquanto de se tratar de casa de morada de família do executado.
C. Foi proferido despacho a indeferir o requerido pelo Exequente, com a fundamentação de que a proibição de venda em sede de processo de execução fiscal não se aplica aos demais credores, nos casos em que em causa não estejam apenas dividas fiscais.
D. Ora, atentas as circunstâncias no caso concreto não pode, a recorrente, conformar- se com tal decisão, não podendo o Tribunal a quo ter decidido como decidiu uma vez que a recorrente, encontra-se impedida de promover a venda de forma autónoma no processo de execução fiscal
E. A inserção e promoção da venda de imóveis na plataforma da Autoridade Tributária, é promovida pelo Órgão de Execução Fiscal, ocorrendo no site do Portal das Finanças.
F. A Lei 13/2016 de 23 de Maio, vedou à Autoridade Tributária a promoção da venda executiva de habitação própria e permanente do devedor e/ou do seu agregado familiar em sede de processo de execução fiscal.
G. Ou seja, para efeitos de processo de execução fiscal a habitação própria e permanente do contribuinte e/ou do seu agregado familiar continua a ser um bem penhorável, contudo, as Finanças não podem, depois da penhora, prosseguir para a venda executiva do imóvel com vista à cobrança coerciva dos respetivos créditos.
H. Facto este, que veda o Exequente de promover a venda de forma autónoma, e verificando-se esta impossibilidade nos processos de execução fiscal, a venda do imóvel ocorrerá no processo executivo, que reclamados créditos para o efeito, permitirá à Autoridade Tributária, ver o seu crédito igualmente ressarcido.
I. Motivo pelo qual aquando da sustação da acção executiva pela existência de uma penhora prévia das Finanças, o exequente requer, através de requerimento o seu levantamento, por forma a que possa a venda ser promovida nos aludidos autos, derivando tal pedido do facto da autoridade tributária se encontrar impedida de o fazer nos termos do disposto no artigo 244º do CPPT.
J. No supra aludido artigo, não é feita qualquer referência de que o impedimento de venda apenas se aplica quando está em causa a satisfação de créditos fiscais.
K. Pelo que, a não acontecer a venda no processo de execução fiscal, o Exequente não tem meios para promover a venda no processo de execução fiscal, tendo a mesma de ocorrer no processo executivo.
L. A tal não acontecer, e atenta a posição assumida pelo Serviço de Finanças o Exequente não verá a venda do imóvel agendada e consequentemente ressarcido o seu crédito.
M. Foram violadas, entre outras disposições, o previsto 244º n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário e artigo 195º do Código de Processo Civil “.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte:
A) Estando um imóvel, que constitua a casa de morada de família do executado, penhorado, simultaneamente, numa execução comum e numa execução fiscal, não podendo tal imóvel ser vendido na execução fiscal, face às alterações introduzidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei nº 13/2016 de 23-05, deve, mesmo assim, suspender-se a execução comum, por nela a penhora ser posterior, nos termos do artigo 794.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
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OS FACTOS.

Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e que aqui se dão por reproduzidos.
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DE DIREITO.

A divergência quanto a esta questão, tal como é assinalado no Ac do Supremo Tribunal de Justiça 2245/19.0T8ACB-A.C1.S1, de 31.10.2023, relatado pelo Cons. ANTÓNIO MAGALHÃES, mantém-se nos Tribunais da Relação, pois que a jurisprudência daquele Tribunal é consensual “no sentido de que a venda do bem (casa de habitação própria e permanente) prioritariamente penhorado em execução fiscal (parada por motivo legal) deve ser feita, a requerimento do credor, em execução comum, onde o bem foi posteriormente penhorado.
Efectivamente, assim é.
O Tribunal a quo decidiu que enquanto se mantiver penhora anterior, a instância destes autos não poderá prosseguir por força do disposto no artigo 794.º do Código de Processo Civil.
Discordando desta decisão, a exequente vem sustentar que na execução fiscal, onde foi anteriormente penhorado o bem aqui penhorado, as finanças não podem prosseguir para a venda executiva com vista à cobrança coerciva do credito, atenta a natureza do bem penhorado, habitação própria e permanente do executado. Mais, alega que ocorre impossibilidade da exequente promover a venda na execução fiscal. Que devem estes autos prosseguir os seus termos para venda do bem penhorado, devendo ser a AT ser citada para vir reclamar os seus créditos.
Dispõe o artigo 794.º do Código de Processo Civil:
1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga. [destaque nosso]
2 - Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.
3- Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.
4 - A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º.
Por sua vez, o artigo 244.º do CPPT, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2016, estabelece:
1 - A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.
2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim. (…).
O artigo 219.º, n.º 5, do CPPT, na mesma redacção introduzida pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, dispõe:
A penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no artigo 244.º.

Aqui chegados, teremos que concordar com o pugnado pela exequente, dando assim, provimento ao recurso.
A sustação prevista no artigo 794.º, n.º 1 do Código de Processo Civil é aplicável quando a penhora sobre o mesmo bem ocorre numa execução comum e numa execução fiscal, sendo esta a mais antiga, como aqui se verifica.
No caso dos autos, aplicando-se o regime previsto no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT, fica de imediato obstada a realização da venda de imóvel penhorado em ambas as execuções.
Verificando-se tal obstáculo à da realização da venda do bem na execução fiscal, por se tratar da casa morada de família, isto é, ocorrendo impedimento legal da venda executiva, frustra-se o funcionamento do sistema concursal previsto na lei processual civil e na lei processual tributária. Na prática, o direito patrimonial do credor exequente em execução não fiscal, sendo que sempre o crédito da exequente só poderá ser satisfeito com o produto da venda do bem, fica sem objecto.
Com efeito, não há uma verdadeira sustação de uma execução à espera que na outra se obtenha igual desiderato. Na realidade, face ao impedimento existente na execução fiscal, a sustação na execução comum equivale a que o credor não possa ver satisfeita a sua pretensão. Ficaria assim o exequente sem tutela judicial do seu direito ainda que garantido por penhora.
Deste modo, não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução.
Em sustento deste entendimento, passamos a citar Ac do Supremo Tribunal de Justiça 5729/19.7T8LRS-A.L1.S1, de 02.06.2021, relatado pelo Cons TIBÉRIO NUNES DA SILVA, que pela sua clareza, pela abundante jurisprudência e doutrina iremos passar a transcrever:
No acórdão recorrido, alinhando-se as teses em confronto sobre esta matéria, optou-se por aquela que é adoptada no citado Ac. do STJ de 23/01/2020 e que no respectivo sumário, vem sintetizada pela seguinte forma:
«II. A ratio legis da norma do artigo 794º, nº 1 do Código de Processo Civil, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, a possibilidade do dinamismo da execução em que primeiramente ocorreu a penhora sobre o mesmo bem e em que o credor deve fazer a reclamação do seu crédito.
III. Não está nessa situação de dinamismo processual a execução fiscal em que a Autoridade Tributária está impedida, nos termos do disposto no artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de promover a venda do imóvel penhorado por este constituir a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.
IV. Tendo sido suspensa, nos termos do disposto no artigo 794º, nº1 do Código de Processo Civil, a execução comum em que foi penhorado imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar e sobre o qual incide penhora com registo anterior realizada em execução fiscal e encontrando-se esta execução parada por a Autoridade Tributária não poder promover a venda deste imóvel, em virtude do impedimento legal constante do artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impõe-se determinar o levantamento da sustação da execução comum, que deve prosseguir os seus termos, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos na execução comum.»
À tese que defende que, não contendo o CPPT uma norma idêntica à prevista no nº 2 do art. 850º do CPC (no qual se estabelece que o credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, a renovação desta para efetiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito), deverá a lacuna ser suprida por interpretação analógica, de modo a possibilitar que o credor comum promova a venda do bem na execução fiscal, responde-se, no citado Ac. do STJ de 23-01-2020, com outra, que se considera mais sustentada e cujos argumentos vêm resumidos no Ac. da Rel. de Lisboa de 22-10-2019, Proc. nº 2270/07.4TBVFX-B.L1-7, Rel. Luís Filipe Pires de Sousa, publicado em www.dgsi.pt, pelo seguinte modo:
«i.- A ratio legis da norma do art.º 794º, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual;
ii.- Atento o teor taxativo do nº2 do art. 244º do CPPT (“não há lugar à realização de venda”), o credor reclamante não pode prosseguir com a execução fiscal sustada, nomeadamente requerer o prosseguimento da execução e diligências de venda, a qual está legalmente impedida no âmbito desse processo fiscal, independentemente de ser requerida por qualquer credor comum;
iii.- O CPPT não prevê o prosseguimento da execução fiscal por impulso dos credores reclamantes, não tem norma equivalente ao art. 850º, nº 2, do Código de Processo Civil;
iv.- Estando suspensa a execução fiscal, não pode funcionar o regime previsto no art.º 794º, nº 1, que tem como pressuposto a ausência de qualquer impedimento legal ao prosseguimento normal da execução fiscal e venda do bem penhorado;
v.- O art.º 244º do CPPT encontra-se inserido na Secção VIII, sob a epígrafe “Da convocação dos credores e da verificação dos créditos”, o que constitui um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado, donde se infere que nada vale reclamar na execução fiscal o crédito se a sua satisfação só poderia ser obtida pela venda do imóvel hipotecado, venda que está expressamente interdita na execução fiscal.
vi.- A regra da preferência resultante da penhora (art. 822º do Código Civil) não pode impedir a venda do imóvel no processo onde a penhora é posterior, visto que a Autoridade Tributária pode reclamar o seu crédito nesta execução (art. 786º), sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe competir.»
No dito Ac. do STJ de 23-01-2020, considera-se que:
«(…) no confronto destas duas correntes, temos por certo ser na primeira das teses que se erguem maiores obstáculos no alcance de um maior equilíbrio entre a salvaguarda do direito à habitação do cidadão (devedor fiscal) e da respetiva família, consagrado no art. 65º da Constituição da República Portuguesa e a tutela dos direitos dos credores comuns deste devedor a obterem a satisfação dos seus créditos, decorrente do direito de propriedade privada constitucionalmente garantido no art. 62º, nº 1 da CRP.
E estas dificuldades surgem dadas as especificidades da reclamação de créditos no processo de execução fiscal.»
E, entre o mais que aqui se dá por reproduzido, nele se cita o Ac. da Rel. de Guimarães de 30-05-2019, proc. 2677/10.0TBGMR.G1, Rel. Alcides Rodrigues, publicado em www.dgsi.pt, aresto no qual se observa, a dado passo, que:
«(…) a prática vivenciada nas execuções fiscais contraria o sentido útil do entendimento que pugna pela imposição da reclamação de créditos no processo de execução fiscal (com penhora prioritária), posto que tem vindo a ser defendido que constituiria uma flagrante ilegalidade a Autoridade Tributária proceder à venda na execução-fiscal do imóvel que constitua casa de morada de família, ainda que a coberto do concurso de credores (cfr. art. 8º, n.º 2, al. e) da LGT)».
Encontra-se, ainda no referido Acórdão do STJ de 23-01-2020, a chave para a resolução da questão na interpretação a dar ao nº 1 do art. 794º do CPC, com recurso aos ensinamentos de Alberto dos Reis, que explicava, a propósito do 871º do anterior Código de Processo Civil, que «o que a lei não quer é em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar» (Processo de Execução, Vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 287). E mais se vinca, com apoio do Ac. da Rel. do Porto de 11-10-2004, Proc. 0454742, Rel. Fonseca Ramos, em www.dgsi.pt, que:
«(…) da ratio legis do preceito, a que subjazem razões de certeza jurídica e protecção, quer do devedor executado, quer do(s) credor(es) exequente(s), resulta que, para que o preceito tenha conteúdo útil, a 1ª execução deva estar, senão em movimento (poder-se-á, por exemplo, questionar se a 1ª execução, parada por inércia do exequente, admite a reclamação), pelo menos, esteja em fase processual de onde a sua prossecução seja possível, à luz da tramitação processual prevista.
Assim, a execução mais antiga, [onde o credor-exequente que instaurou a 2ª execução, dever ir reclamar os seus créditos em virtude da sustação] tem de estar em posição de poder prosseguir.»
Na mesma linha, no Ac. do STJ de 09-06-2005, Proc. 05B1358, Rel. Araújo de Barros, publicado em www.dgsi.pt, escreveu-se:
«Na verdade, o preceituado no art. 871º "não se inspira em razão de economia processual, visto que não se manda atender ao estado em que se encontram os processos; susta-se o processo em que a penhora se efectuou em segundo lugar, ainda que a execução respectiva tenha começado primeiro e ainda que esteja mais adiantada do que aquela em que precedeu a penhora. O que a lei não quer é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar". (…)
Ora, da ratio legis do preceito, a que subjazem razões de certeza jurídica e protecção, quer do devedor executado, quer do credor exequente, resulta que, para que o preceito tenha conteúdo útil, a execução em que foi efectuada a penhora mais antiga deva estar, senão em movimento, pelo menos em fase processual de onde a sua prossecução seja possível, à luz da tramitação processual prevista.
Consequentemente, essa execução (onde o credor/exequente que instaurou a execução em que se procedeu à penhora mais recente deve ir reclamar os seus créditos em virtude da sustação) tem de estar em posição de poder prosseguir, já que a lei, ao conferir a possibilidade de reclamação do crédito, ao abrigo do artigo 871º, nº 1, do Código de Processo Civil, na execução em que primeiramente ocorreu a penhora sobre os mesmos bens, pretende que se pondere a relação dinâmica de ambas as execuções ou, quando muito, a possibilidade de dinamismo daquela em que ocorreu a penhora mais antiga. (…)
Pretendeu o legislador, em nosso entender, aproveitar o decurso de duas execuções em plena actividade na sua tramitação e onde foi penhorado o mesmo bem, remetendo o modo de pagamento coercivo da obrigação para aquele processo que maior funcionalidade e maior comodidade concede ao exequente e sem causar dano ao executado.
Por isso é que só se justificará a reclamação do crédito exigido na execução sustada, desde que a execução para onde se remete a reclamação desse crédito esteja em condições de poder efectivar, com a usual normalidade, esta assinalada prerrogativa do credor exequente.»
Não podendo proceder-se à venda na execução fiscal, dado o disposto no art. 244º, nº2, do CPPT, por estar em causa a casa de morada de família do Executado, não estando, pois, essa execução em condições de salvaguardar o direito do exequente comum a ver aí efectivado o seu crédito, considera-se que deve prosseguir a execução que havia sido sustada, na qual poderá a Fazenda Pública reclamar os seus créditos, a serem graduados no lugar que lhes competir.
Ora, no acórdão recorrido, seguindo-se a tese (maioritária), que também aqui se adopta, subscrita, por exemplo, por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 209, plasmada no mencionado Ac. do STJ de 23-01-2020 e noutros arestos citados pelo Tribunal a quo (como os Acs. da Relação de Coimbra de 26.9.2017, proc. 1420/16.4T8VLS-B.C1, Rel. Fonte Ramos; da Rel. de Évora de 12.7.2018, proc. 893/12.9TBPTM.El, Rel. Maria João Sousa e Faro; da Rel. de Guimarães, de 17.01.2019, proc. 956/17.4T8GMR-C.G1, Rel. Alexandra Rolim Mendes; da Rel. de Lisboa de 07.02.2019, proc. 985/15.2T8AGH-A.L1-6, Rel. Carlos Marinho; Rel. de Évora, 30.5.2019, proc 402/18.6T8MMN.El, Rel. Tomé Ramião; Rel. de Guimarães, 30.5.2019, proc. 2677/10.0TBGMR.G1, Rel. Alcides Rodrigues (acima citado); Rel. de Lisboa, 12.9.2019, proc. 1183/18.9T8SNT.L1-2, Rel. Pedro Martins; Rel. de Lisboa, 22.10.2019, proc. 2270/07.4TBVFX-B.L1-7, Rel Luís Pires de Sousa (atrás citado); Rel. de Lisboa, 21.5.2020, proc. 19356/18.2T8SNT-B.L1-8, Rel. Carla Mendes e Rel. de Lisboa, 04.6.2020, proc. 13361/19.9T8SNT-A.L1-2, Rel. Nelson Borges Carneiro, (…).
Aduzindo em favor deste entendimento o já atrás citado Ac do Supremo Tribunal de Justiça 2245/19.0T8ACB-A.C1.S1, de 31.10.2023, relatado pelo Cons. ANTÓNIO MAGALHÃES, onde se pode ler: “Dentro da mesma orientação, pode ver-se o Ac. STJ de 14.12.2021, proc.906/18.0T8AGH.L1.S1, em www.dgsi.pt:
“I- Por força do disposto no nº 2, do art.º 244º, do CPPT (Código de Processo e de Procedimento Tributário), quando a penhora incidiu sobre imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, a Administração Fiscal não pode promover a venda desse bem.
II - Assim como não pode promover a venda nesse processo, um credor (exequente em execução comum sustada nos termos do art. 794º do CPC) que nesse processo tenha reclamado o seu crédito. [destaque nosso]
III - Verificar-se-á um cerceamento dos direitos do credor exequente o “obrigá-lo” a reclamar o seu crédito em execução (comum ou fiscal) que se encontra suspensa por período temporal superior a 10 anos, na sequência de acordo de pagamento.
IV - A razão da norma do artigo 794º, nº 1 do CPC, prevenindo a certeza jurídica de que apenas se verifica uma adjudicação ou venda relativamente ao mesmo bem, também implica que se verifique a possibilidade de prossecução normal da execução em que a penhora for mais antiga, o que não acontece em execução suspensa por longo período temporal como o é um período de mais de 10 anos, assim como não acontece em execução fiscal, quando se verifica o impedimento decorrente do art. 244º, nº 2, do CPPT. “
E o Ac. STJ de 13.10.2022, proc. 639/21.0T8SRE-A.C1.S1:
“I:-O disposto no art.º 244.º n.º2 do CPPT, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2016 de 23 de Maio, aplicável exclusivamente à execução fiscal, estabelece que não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afecto a esse fim.
II – Conjugando a norma em causa com a do art.º 794.º n.º1 do CPCiv, “execução pendente”, para efeitos do disposto nesse art.º 794.º n.º1 do CPCiv, é aquela que se encontra a correr os seus termos normais, opondo-se à execução que não chegou ao pagamento da quantia exequenda, nem se perspectiva que o possa ser, na vigência da lei que lhe é aplicável – designadamente, a execução fiscal parada, por impossibilidade de venda do bem, enquanto habitação própria e permanente do devedor.
III - O art.º 794.º n.º1 do CPCiv não é de aplicar à execução onde, num primeiro momento, se verificou a penhora de bem idêntico, mas que, posteriormente, ficou parada pela proibição, imposta por lei, da venda do bem penhorado – nesse caso, a execução que ficou sustada, à luz da norma do art.º 794.º n.º1 do CPCiv, deve prosseguir os respectivos termos.”
Esta orientação jurisprudencial, a que se adere, tem, também, a concordância de Lebre de Freitas e outros, em CPC anotado, volume 3º, 3ª edição, pág. 721 e Abrantes Geraldes e outros, em CPC anotado, volume II, 2020, págs 208 a 210.” No mesmo sentido, Ac do Supremo Tribunal de Justiça 906/18.0T8AGH.L1.S1, de 14.12.2021, relatado pelo Cons. JORGE DIAS, Ac Tribunal da Relação de Guimarães 2132/17.7T8VCT-B.G1, de 23.05.2019, relatado pela Des FERNANDA PROENÇA FERNANDES, Ac do Tribunal da Relação do Porto 8590/18.5T8PRT-B.P1, de 22.10.2019, relatado pela Des MÁRCIA PORTELA, Ac Tribunal da Relação do Porto 2342/16.4T8AGD-B.P1, de 19.05.2020, relatado pelo Des JOÃO PROENÇA, Ac Tribunal da Relação de Lisboa 13361/19.9T8SNT-A.L1-2, de 04.06.2020, relatado pelo Des NÉLSON BORGES CARNEIRO, Ac Tribunal da Relação de Lisboa 5729/19.7T8LRS-A.L1-2, de 22.10.2020, relatado pelo Des JORGE LEAL, Ac Tribunal da Relação de Guimarães 7274/18.9T8VNF-B.G1, de 10.07.2023, relatado pela Des CONCEIÇÃO SAMPAIO,

Ante tudo exposto, não é de aplicar o disposto pelo artigo 794.º do Código de Processo Civil, pois que a impossibilidade de prosseguimento da primeira execução, não é imputável ao credor, podendo este exercer os seus direitos na execução onde foi realizada a penhora posterior.
A presente execução deverá prosseguir, podendo a AT, após citação parta reclamar o seu crédito, graduado no lugar que lhe competir, e ser satisfeito de for o caso, nos termos do artigo 786.º do Código de Processo Civil.
A ser assim, procede a apelação.
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III DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação, revogando-se se a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene o levantamento da sustação da presente execução, prosseguindo os autos os seus legais termos.
Sem custas, por não serem devidas (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
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Porto, 05 de Março de 2024
Alberto Taveira
Rui Moreira
Fernando Vilares Ferreira
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.