Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2342/16.4T8AGD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PROENÇA
Descritores: PENHORA DE CASA DE HABITAÇÃO
PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA EM EXECUÇÃO CIVEL
IMPOSSIBILIDADE DE VENDA
EXECUÇÃO DA PRIMEIRA PENHORA
Nº do Documento: RP202005192342/16.4T8AGD-B.P1
Data do Acordão: 05/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando sobre o imóvel penhorado em execução cível incide penhora com registo anterior, no âmbito de uma execução fiscal onde o imóvel penhorado não pode ser vendido por se tratar de casa de morada de família do executado (Lei 13/2016), não deve ser sustada a execução cível, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, CPC.
II - Sendo impossível a venda do imóvel na execução fiscal por força do disposto no artigo 244.º, n.º 2, CPPT, por se tratar de casa de morada de família, cessa a razão de ser do artigo 794.º, n.º 1, Código de Processo Civil, devendo a AT reclamar o seu crédito na execução comum, após a citação prevista no artigo 786.º, n.º 1, alínea b), para ser graduado no lugar que lhe competir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2342/16.4T8AGD-B.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Em execução para pagamento da quantia de €90.782,50, que a "B…, S.A." moveu, em 27-09-2016, aos executados C… (entretanto falecido) e D…, todos com os sinais dos autos, baseada em mútuo com garantia hipotecária registada em 29-04-1999, foi em 18-07-2018 penhorada fracção autónoma de um imóvel propriedade da executada.
Pelo facto de sobre esse imóvel incidir uma penhora a favor da Fazenda Nacional registada em 18-12-2015, foi com a mesma data de 18-07-2018 sustada esta execução.
Em 04-12-2018 a Exequente apresentou requerimento à Sra. Agente de Execução, que esta acompanhou e apresentou à Mma. Juíza de Execução, nos seguintes termos:
- Na sequência da penhora anterior registada a favor do Processo de Execução Fiscal n° 0027201101013688, da Fazenda Nacional,
- Veio a penhora efectuada no âmbito dos presentes autos a ser sustada, nos termos do disposto no artigo 749° n° 4, do CPC.
- Oficiado o Serviço de Finanças onde pende o referido Processo de Execução Fiscal, veio o mesmo a informar que mantém interesse na penhora vigente, pese embora se encontre inibido de proceder à sua venda, atento o facto de se tratar do domicílio do cabeça-de-casal da herança.
- A impossibilidade de a Autoridade Tributária proceder à venda do imóvel que constitua casa de morada de família do Executado, prevista no artigo 244° n° 2 do CPPT, na redacção dada pela Lei n° 13/2016, de 23/05, não pode, porém, como está bom de ver, ser aplicada a todos os outros credores, como é o caso da ora Exequente.
- De facto, conforme tem vindo a ser defendido pela jurisprudência, a aplicação daquele artigo 244° n° 2 do CPPT encontra-se "reduzida aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo." - neste sentido veja-se, entre outros, Ac. RC de 24OUT2017, processo n° 249/13.6TBSPS-A.C1. in www.dqsi.pt.
- Assim, existindo, como sucede in casu, outros credores com penhoras registadas sobre os mesmos bens, não pode entender-se ser o indicado preceito aplicável a estes credores, impedindo-os de promover a venda dos bens.
- Tal venda terá, necessariamente, de ser promovida na execução comum, devendo os credores públicos ser citados para reclamar, querendo, os seus créditos nesta execução.
Termos em que requer a V. Exa. se digne ordenar o levantamento da sustação da penhora nos presentes autos, prosseguindo o processo com a citação dos credores e com as subsequentes diligências de venda.
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Sobre o requerido, incidiu despacho de 18-12-2018, que indeferiu o diferimento da desocupação com os seguintes fundamentes:
Estabelece o artigo 244/2 do CPPT que "Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim."
A jurisprudência também tem vindo a entender, quanto a esta questão, que não há lugar à desaplicação do artigo 794 do Código de Processo Civil, pelo que os presentes autos terão que ser sustados, ou extintos, se a situação se enquadrar no disposto no n° 4 da referida disposição legal.
O aqui exequente tem que reclamar o seu crédito na execução fiscal e aí ser admitido a promover a venda do imóvel penhorado - vide os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24.10.2017, disponível em www.dgsi.pt e o Acórdão da Relação do Porto proferido no processo 467/17.8T8AGD deste Juízo de Execução.
Por outro lado, caso esta execução pudesse prosseguir, desaplicando-se, no caso, o disposto no artigo 794 do Código de Processo Civil, a fim de garantir a satisfação do crédito fiscal, teria que ser citada a Fazenda Nacional para o vir reclamar nestes autos, o que contraria a própria natureza da norma, considerando que a sua penhora é que é prioritária em relação aos presentes autos, sendo duvidoso que viesse reclamar tal crédito nestes autos, já que tal implicaria mais despesas, designadamente com a taxa de justiça a pagar para esse efeito.
A exequente ainda pode obviar a situação de outra forma, que é através do recurso ao processo de insolvência dos executados.
Assim, não pode ser ordenado o prosseguimento da execução com a venda do referido imóvel, por, em abstracto, poder constituir um acto lesivo do crédito da Fazenda Nacional sobre o executado, até tendo presente o disposto no n° 3 do artigo 244 do CPPT, já que na eventualidade de vir a ser alterado o valor tributário do imóvel para um valor superior, que cumpra os requisitos ali previstos, a venda é impedida apenas durante um ano.
Em face do exposto, indefiro o requerido pela agente de execução, determinando que a agente de execução dê cumprimento ao disposto no artigo 794 do Código de Processo Civil.
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Inconformada, interpôs a exequente recurso de apelação, pedindo o levantamento da sustação da execução com o consequente prosseguimento dos autos com vista à venda do bem penhorado, formulando para tal as seguintes conclusões:
I. Nos termos do disposto no artigo 244° n° 2 do CPPT, na redacção dada pela Lei n° 13/2016, de 23/05, encontra-se a Autoridade Tributária impedida de, no âmbito de processo de execução fiscal, promover a venda do imóvel penhorado, quando se trate de habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar;
II. Tal impossibilidade, porém, apenas pode ser considerada aplicável nas situações em que a Autoridade Tributária é o único credor;
III. Existindo outros credores, designadamente credores com hipotecas registadas sobre o imóvel que constitui habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, não pode tal impossibilidade ser-lhes aplicável;
IV. Não podendo, da mesma forma, por via da impossibilidade imposta à Autoridade Tributária, ser o credor com garantia real impossibilitado de promover a venda do imóvel hipotecado na execução por si instaurada, sempre que sobre o imóvel incida penhora anterior da Autoridade Tributária;
V. Tendo sido, ao abrigo do disposto no artigo 794° do CPC, sustada a execução comum em relação a imóvel objecto de penhora em anterior processo de execução fiscal e verificando-se a impossibilidade de a Autoridade Tributária promover a venda do imóvel penhorado em virtude do disposto no artigo 244° n° 2 do CP PT, "não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela actuação conducente à realização da venda no processo executivo cível";
VI. Aplicar a proibição prevista no artigo 244° n° 2 do CPPT a um credor comum com garantia real equivaleria a esvaziar de conteúdo a garantia real, o que manifestamente não pode ter acolhimento legal;
VII. A não ser assim, está a Exequente num impasse aparentemente inultrapassável: a Autoridade Tributária, que detém penhora anterior, não pode promover a venda do imóvel em virtude do disposto no artigo 244° n° 2 do CPPT; a Exequente, por seu turno, não pode igualmente promover a venda do imóvel na sua execução, em virtude da existência de penhora anterior;
VIII. O despacho em crise, ao defender que a existência de penhora anterior determina, sem mais e em qualquer situação, a sustação da execução onde a penhora tenha sido posterior, mesmo quando a penhora anterior tiver sido ordenada no âmbito de processo de execução fiscal e quando o imóvel penhorado se trate de habitação própria e permanente do executado, viola de forma flagrante os artigos 18° e 62° da Constituição da República.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.ºs 5.º, 635.º n.º 3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), em face das conclusões da recorrente a questão suscitada consiste em saber se a recorrente, por força da impossibilidade do prosseguimento da execução fiscal, se encontra impossibilitada de promover a venda do imóvel penhorado na execução por si instaurada, sobre o qual incide hipoteca do a favor da recorrente.
Os factos (e ocorrências processuais) a considerar são os aludidos no relatório supra.
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Sobre a questão suscitada no recurso pronunciou-se já reiteradamente a jurisprudência, sendo entendimento maioritário que a execução cível na qual está penhorada a habitação permanente do executado pode prosseguir a sua marcha, não obstante incidir anterior penhora sobre o mesmo bem em execução fiscal, no âmbito da qual está vedado em proceder à venda do imóvel mercê do disposto no nº 2 do art.º 244º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2016, de 23/05. Nesse caso não tem aplicação o disposto no art.º 794º do CPC, havendo lugar à citação da Fazenda Nacional para reclamar o seu crédito, nos termos do art.º 786º, nº 1, al. b) do CPC), que deverá posteriormente ser graduado lugar que lhe competir, nos termos do art.º 791º do mesmo diploma (neste sentido, por exemplo, os acórdãos desta Relação do Porto e Secção de 22-10-2019, processo 8590/18.5T8PRT-B.P1, e da Relação de Évora de 12-07-2018, processo 893/12.9TBPTM.E1, ambos in www.dgsi.pt). Posição diferente foi adoptada no ac. da Relação de Coimbra de 24-10-2017, processo 249/13.6TBSPS-A.C1, onde se entendeu, tal como no douto despacho recorrido, que o credor cível deve reclamar créditos na execução fiscal.
Perfilhando-se aqui inteiramente a doutrina daquele ac. do processo 8590/18.5T8PRT-B.P1, remete-se para os considerandos do mesmo, que ora se transcrevem.
Para o caso de pluralidade de penhoras, rege o artigo 794.º, cujo n.º 1 dispõe que Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
O problema é que a penhora mais antiga foi efectuada numa execução fiscal que, por incidir sobre casa de morada de família, se encontra suspensa, nos termos do artigo 244.º, n.º 2, CPPT, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio.
De acordo com este normativo, Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim.
Trata-se de norma destinada a proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, conforme resulta do artigo 1.º da Lei 13/2016 citada.
No entanto, essa protecção não se estende às execuções cíveis, ficando os credores livres de executar o imóvel para satisfação dos seus créditos, conforme consagrado no artigo 4.º da Lei 13/2016 citada, sob a epígrafe Concretização da venda na sequência de penhora ou execução de hipoteca:
1 - Quando haja lugar a penhora ou execução de hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que a sua venda seja concretizada nos termos em que é legalmente admissível.
2 - Enquanto não for concretizada a venda do imóvel, o executado pode proceder a pagamentos parciais do montante em dívida, sendo estes considerados para apuramento dos montantes relevantes para a concretização daquela venda.
Neste quadro importa determinar se o apelante deve reclamar o seu crédito na execução fiscal ou se deve ser a execução cível a prosseguir.
A execução fiscal encontra-se pendente, mas está paralisada, não podendo prosseguir por a penhora incidir sobre casa de morada de família.
O acórdão da Relação de Coimbra, de 24.10.2017, Sílvia Pires, www.dgsi.ptjtrc, proc. n. º 249/13.6TBSPS-A.C1. entendeu que o credor cível deve reclamar créditos na execução fiscal. Lê-se nesse acórdão:
A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das acções executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.
A solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2 que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.
A interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução.
(…)
A execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.
Assim, entendemos, na interpretação que fazemos do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, pelo que concluímos que a decisão recorrida ao não admitir o prosseguimento desta execução não viola qualquer preceito constitucional.
Este acórdão acolheu o entendimento de J H Delgado Carvalho, com a colaboração de Miguel Teixeira de Sousa, As alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores publicado no Blog do IPPC em 11.7.2016.
No mesmo sentido se pronunciou ainda o acórdão da Relação do Porto, de 08.03.2019, Anabela Dias da Silva, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 11128/11.1TBVNG-C.P1; e a decisão singular da Relação de Coimbra, de 08.04.2019, Falcão de Magalhães, www.dgsi.pt.jtrc, proc. n.º 1325/16.9T8ACB.C1.
Não se afigura, porém, que à situação do exequente cível se possa aplicar o disposto no artigo 850.º CPC.
Com efeito, este artigo aplica-se às execuções extintas, estabelecendo o n.º 2 que o credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, a renovação desta para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito.
A execução fiscal não se encontra extinta, mas tão só suspensa por imperativo legal, falecendo assim a possibilidade de aplicação deste normativo.
Por outro lado, a AT informou a Sr.ª Agente da Execução não ser possível o cancelamento da penhora do imóvel em causa por a execução se encontrar pendente, não ser possível a venda do mesmo por se tratar da casa de morada de família, conforme o determinado na lei 13/2016.
Posição recorrente da Autoridade Tributária, como dão conta alguns acórdãos. (acórdãos da Relação de Lisboa, de 12.09.2019, Pedro Martins, www.dgsi.pt.jtrl, proc. n.º 1183/18.9T8SNT.L1, e de 07.02.2019, Carlos Marinho, www.dgsi.pt.jtrl, proc. n.º 985/15.2T8AGH-A.L1; acórdão da Relação de Guimarães, de 30.05.2019, Alcides Rodrigues, www.dgsi.pt.jtrg, proc. n.º 2677/10.0TBGMR.G1).
Este entendimento apenas pode ser contrariado por via de recurso, de desfecho sempre incerto, sendo certos apenas os custos.
Refira-se, aliás, que o acórdão do STA, de 03.02.2016, Ana Paula Lobo, www.dgsi.pt.jsta, proc. n.º 087/15, entendeu que, não tendo ocorrido a venda dos bens penhorados, o credor reclamante não pode requerer o prosseguimento da execução ao abrigo do artigo 920.°, n.° 2 do Código de Processo Civil [actual 850.º, n.º 2], por tal faculdade, no caso concreto, não ser aplicável ao processo de execução fiscal.
A solução mais adequada para tutela de todos os interesses em jogo é, segundo cremos, a que é defendida no acórdão da Relação de Coimbra, de 26.09.2017, Fonte Ramos, www.dgsi.pt.jtrc, proc. n.º 1420/16.4T8VIS-B.C1, cujo sumário é o seguinte:
1. A ratio legis da norma do art.º 794º do CPC, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de protecção tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual.
2. Com o estatuído no seu n.º 1 pretende-se evitar que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens`; a liquidação tem de ser única e, em princípio, há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar.
3 Inexistindo inércia da Fazenda Nacional na tramitação da execução fiscal (com penhora prioritária) mas, apenas, a consequência decorrente do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 244º, n.º 2 do CPPT, na redacção conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23.5), afigura-se que, inviabilizado na execução fiscal mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (o credor reclamante, neste caso credor hipotecário, não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma), não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela actuação conducente à realização da venda no processo executivo cível, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação.
4. Entendimento contrário, cremos, postergaria os mais elementares princípios do processo executivo e afrontaria, necessariamente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (art.º 62º, n.º 1 da CRP), tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do exequente (com violação do art.º 18 da CRP).
A este entendimento não obsta o disposto no artigo 822.º CC, já que a AT poderá reclamar o seu crédito na execução comum, após a citação prevista no artigo 786.º, n.º 1, alínea b), para ser graduado no lugar que lhe competir.
Neste sentido se pronunciaram ainda os acórdãos da Relação de Lisboa, de 12.09.2019, Pedro Martins, www.dgsi.pt.jtrl, proc. n.º 1183/18.9T8SNT.L1, e de 07.02.2019, Carlos Marinho, www.dgsi.pt.jtrl, proc. n.º 985/15.2T8AGH-A.L1; da Relação de Évora, de 30.05.2019, Tomé Ramião, www.dgsi.pt.jtre, proc. n.º 402/18.6T8MMN.E1, e de 12.07.2018, Maria João Sousa e Faro, www.dgsi.pt.jtre, proc. n.º 893/12.9TBPTM.E1; da Relação de Guimarães, de 17.01.2019, Alexandre Rolim Mendes, www.dgsi.pt.jtrg proc. n.º 956/17.4T8GMR-C.G1, de 23.05.2019, Fernanda Proença Fernandes, www.dgsi.pt.jtrg, proc. n.º 2132/17.7T8VCT-B.G1, e de 30.05.2019, Alcides Rodrigues, www.dgsi.pt.jtrg, proc. n.º 2677/10.0TBGMR.G1.
Em síntese:
Quando sobre o imóvel penhorado em execução cível incide penhora com registo anterior, no âmbito de uma execução fiscal onde o imóvel penhorado não pode ser vendido por se tratar de casa de morada de família do executado (Lei 13/2016), não deve ser sustada a execução cível, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, CPC.
A aplicação deste artigo pressupõe que o bem penhorado possa ser vendido na execução mais antiga, destinando-se a evitar que o mesmo bem possa ser vendido no âmbito de duas execuções em simultâneo.
O disposto no artigo 850.º CPC não permite ao exequente cível impulsionar a execução fiscal, quer por que a execução fiscal não se encontra extinta, quer por que este mecanismo não está previsto na lei fiscal.
Sendo impossível a venda do imóvel na execução fiscal por força do disposto no artigo 244.º, n.º 2, CPPT, por se tratar de casa de morada de família, cessa a razão de ser do artigo 794.º, n.º 1, CPC.
A este entendimento não obsta o disposto no artigo 822.º CC, já que a AT poderá reclamar o seu crédito na execução comum, após a citação prevista no artigo 786.º, n.º 1, alínea b), para ser graduado no lugar que lhe competir.
Procede, nestes termos, a apelação, devendo, em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido,
Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a douta decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que, pondo termo à suspensão da presente execução quanto ao imóvel aqui penhorado, ordene o prosseguimento dos presentes autos, com a inerente fase de citação/concurso de credores, nos termos acima indicados.
Custas pelo vencido a final.

Porto, 2020/05/19
João Proença
Maria Graça Mira
Estelita de Mendonça