Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
931/20.0GAMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: REQUERIMENTO DE ABERTURA DA INSTRUÇÃO
ACUSAÇÃO ALTERNATIVA
REJEIÇÃO DA INSTRUÇÃO
Nº do Documento: RP20240221931/20.0GAMAI.P1
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não decorre da lei que a acusação alternativa que o requerimento para abertura da instrução (RAI) deve conter tem de estar organizada de forma sequencial e autónoma da apreciação da prova ou do direito.
II - Não deve ser rejeitado o RAI que, embora de forma pouco clara e não sequencial, mencione todos os factos que integram os tipos de crime imputados ao arguido, cabendo ao juiz de instrução, em eventual despacho de pronúncia, ordenar, sintetizar e clarificar os mesmos

[Sumário da responsabilidade da Relatora]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 931/20.1GAMAI.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos – Juiz 1

Sumário:

.............................................

.............................................

.............................................

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito do Inquérito n.º 931/20.1GAMAI, por despacho de 08-11-2021, foi proferido despacho de arquivamento dos autos quanto ao apuramento da responsabilidade criminal dos denunciados AA, BB, CC e outros familiares pela eventual prática dos crimes de burla qualificada, introdução vedada ao público e furto qualificado.

Perante o despacho de arquivamento, o denunciante DD requereu a sua constituição como assistente, que foi deferida, e a abertura da instrução, suscitando a nulidade insanável do despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no art. 119.º, al. b) e c), do CPPenal, e requerendo a realização de diligências e, a final, a pronúncia dos arguidos pela prática dos crimes de burla, introdução vedada ao público e furto qualificado.


*

Por despacho de 31-10-2022, o Senhor Juiz de Instrução, apreciando o requerimento para abertura da instrução (doravante RAI), rejeitou-o, «quer porque a instrução é inadmissível - por inexequibilidade e por falta de objecto (cfr., em situações similares, Acórdãos da Relação de Lisboa de 06/11/2001, da Relação de Coimbra de 31/10/2001 e da Relação do Porto de 23/05/2001 e de 24/04/2002, processo n.º 0210078, todos consultados em www.dgsi.pt).-, quer porque o requerimento de abertura de instrução é nulo, atentas as disposições conjugadas dos arts. 287°, n° 2 e 283°, n° 3, al. b).»

*

Inconformado com esta decisão, o assistente DD interpôs recurso, solicitando que seja revogado o despacho recorrido e o mesmo seja substituído por outro que admita a instrução por si requerida, seguindo-se os ulteriores termos do processo.

Apresenta em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):

«I. O presente recurso tem como objeto toda a matéria de direito e de facto considerada na decisão proferida nos autos supra mencionados, requerendo a sua reapreciação pela Veneranda Relação.

II. O Recorrente não pode, com o devido e merecido respeito, concordar com a decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução. Desde logo,

III. O Exmo. Juiz a quo, na sua decisão, não se pronunciou quanto à nulidade insanável invocada pelo Recorrente por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, conforme o art.º 48.º do CPP - nos termos da primeira parte da alínea b) do art.º 119.º do CPP.

IV. Pois, no entendimento do Recorrente, não foram executadas todas as diligências de prova necessárias para a descoberta da verdade material, principalmente, por não terem sido inquiridos os denunciados AA e BB, conforme exige o n.º 1 do art.º 272.º do CPP.

V. Nestes termos, há uma clara falta de fundamentação da decisão recorrida ao não se pronunciar pela nulidade invocada e, nos termos do art." 205.0, n.? 1, da CRP, esse dever de fundamentação é obrigatório por lei, o que determina a nulidade do ato, nos termos e para os efeitos do art.º 120.º, n.ºs 1, 2, aI. d) e 3, al. c), do CPP.

Sem prescindir,

VI. O Exmo. Juiz a quo veio alegar que “o requerimento não reveste o formalismo de uma acusação, definindo e delimitando o objeto da instrução” e que “não se verificam os requisitos necessários para permitir uma abertura de instrução” e, ainda, que “o RAI é omisso ou deficitário para os fins a que se destina”.

VII. Ora, obedecendo ao art.º 287.º, n.º 2, do CPP, o Recorrente veio indicar as suas razões de facto e de direito de discordância relativamente ao arquivamento promovido pelo Ministério Público, consequentemente, nos arts. 2.º a 14.º do RAI. Pelo que, esse requisito mostra-se cumprido.

VIII. E, cumprindo com o disposto no art.º 283.º, n.º 3, als. b e d), do CPP, no que concerne ao RAI ser uma verdadeira acusação, o Recorrente veio nos arts. 15.º a 63.º do RAI descrever todos os factos que, no nosso humilde entendimento, fundamentam a aplicação aos denunciados/arguidos de uma pena por consubstanciarem a prática do crime de burla, furto qualificado e introdução em lugar vedado ao público, consagrando as normas legais aplicáveis ao caso

IX. Nesse sentido, o Recorrente indicou o lugar da ocorrência dos factos - a sua residência na Maia - o tempo em que ocorreu a prática dos factos - entre outubro de 2019 e 18 de julho de 2020 (crime de burla) e 14 de julho de 2020 (crimes de furto qualificado e introdução em lugar vedado ao público) - e a motivação da prática (enriquecimento ilegítimo), grau de participação (os denunciados AA e BB como coautores de todos os crimes e a denunciada CC como cúmplice daqueles) e todas as circunstâncias relevantes para a aplicação de uma pena.

X. Pois, os denunciados agiram em comum esforço de forma a enganar o Recorrente e a sua esposa, fazendo crer que aqueles eram profissionais da área da construção civil, tendo o denunciado AA se intitulado empreiteiro e BB como seu auxiliar, com a ajuda da denunciada CC, como cúmplice daqueles, com a intenção e objetivo de obter um enriquecimento ilegítimo, neste caso, que conseguiram com o pagamento pelo Recorrente do montante de 13.750,00€, causando, dessa forma, um prejuízo patrimonial a este. O que consubstancia a prática pelos denunciados do crime de burla, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1, do CPP. Pelo que, os factos subsumem-se à referida norma.

XI. Pela descrição dos factos, vertida nos arts. 15.º a 62.º do RAI, o Recorrente veio demonstrar o “modus operandi” dos denunciados e que claramente agiram com a intenção e objetivo de enganar de forma ardilosa o Recorrente de modo a conseguirem uma vantagem patrimonial, que efetivamente conseguiram. Assim, no nosso parecer, encontram-se preenchidos os elementos subjetivos e objetivos do crime de burla.

XII. Não sendo obrigatório o Recorrente mencionar expressamente que os denunciados agiram com “astúcia” bastando para o efeito descrever a conduta destes que levaram à manipulação do Recorrente com vista à obtenção de um enriquecimento ilegítimo.

XIII. Apenas competia ao Recorrente verter no RAI os factos conjeturais que irão ser averiguados em sede instrutória.

XIV. Pelo que, o Recorrente cumpriu com o requisito imposto pela alínea b) do n.º 3 do art.º 283.º do CPP.

XV. Quanto ao disposto na aliena d) do n.º 3 do art.º 283.º do CPP, o Recorrente entende que também cumpriu com a indicação das disposições legais. Desde logo, ao ter mencionado os respectivos artigos e lei aplicável, ocorrendo um mero lapso de escrita mas que em nada afeta a defesa dos denunciados, nem sequer cria qualquer dúvida quanto ao que lhes é imputado, dado o Recorrente ter transcrito todas as normas aplicáveis a cada um dos crimes.

XVI. Assim, no art.º 63.º do RAI, o Recorrente indicou os crimes em causa e as disposições legais, designadamente, “arts. 217.º, 204.º, aI. f) e 191.º todos do Código Penal”; quanto ao crime de burla no art.º 64.º do RAI transcreveu o n.º 1 do art.º 217.º do CP; o crime de furto qualificado, mencionou no art.º 73.º do RAI que se aplicava o art.º 204.º al. f) do CP e em seguida no art.º 75.º do RAI transcreveu a norma que pese embora não tenha mencionado o n.º 1, não restam dúvidas qual a norma que se aplicou dado a mesma ter sido transcrita no RAI; e o crime de introdução em lugar vedado ao público, mencionou-se o art.º 191.º do CP no art.º 73.º e 76.º do RAI.

XVII. Pelo exposto, no nosso humilde entendimento, encontra-se de igual modo cumprido o requisito da alínea d) do n.º 3 do art.º 283.º do CPP dado o Recorrente ter indicado as disposições legais aplicáveis.

XVIII. Nestes termos, por tudo quanto foi alegado, conclui-se que o RAI não está ferido de nulidade conforme defende o Douto Tribunal a quo, pois o Recorrente cumpriu com o legalmente exigido para a elaboração do RAI.

XIX. Assim, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que admita o requerimento de abertura de instrução, seguindo-se os ulteriores termos»


*

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida.

*

Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o RAI ser apto para os fins a que se destina, pelo que se deveria ter determinadoa abertura da fase de instrução.

*

Cumprida a notificação a que alude o art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, não foram apresentadas respostas.

*

Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.

*

II. Apreciando e decidindo:

Questões a decidir no recurso

É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].

As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:

- Omissão de pronúncia quanto à nulidade insanável arguida; e

- Suficiência da narração dos factos e da qualificação jurídica constantes do RAI.


*

Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo o teor da decisão recorrida, que é o seguinte (transcrição)[2]:

«Requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente DD

Não se conformando com o despacho de arquivamento proferido a fls. 144 e ss, o assistente veio a fls.. 161 e ss, requer a abertura de instrução.

Alegou, para tal e em síntese, não concordar com os fundamentos do despacho de arquivamento, apresentando as razões de facto e de direito da discordância e conclui, após indicação de factos que consideram indiciados (cfr. artºs 15 a 62), seja proferido despacho de pronúncia por crime de burla, pp pelo artº 217º, furto qualificado pp pelo artº 204 al f) e introdução em lugar vedado ao público pp pelo art 191º do C.

Requereu a realização de diligências instrutórias.


***

Cumpre proferir despacho liminar, sendo certo que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução – artigo 287º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

O tribunal é competente.

O requerimento é tempestivo.

O requerente tem legitimidade – artigo 287º, n.º 1, al. b), do CPP. Importa, agora, apreciar a admissibilidade legal da instrução.

Inconformado com o despacho de arquivamento, o denunciante, constituído assistente, veio, a fls. 161 e ss, requerer a abertura de instrução.

Nesse requerimento, conforme se alcança da simples leitura do mesmo, o assistente coloca em crise os fundamentos do despacho de arquivamento, com a apresentação das razões de facto e de direito de discordância relativamente ao despacho de arquivamento e com a indicação dos factos que consideram indiciados, pugnando seja proferido despacho de pronúncia por crime de burla pp pelo artº 217º, de futo qualificado pp pelo artº 204º al f) e introdução em local vedado ao público pp pelo artº 191º todos do CP.

Pese embora a exposição das razões de facto relativamente ao despacho de arquivamento (com a apresentação das razões de discordância, e a apreciação critica da prova, na sua perspectiva), e indicação dos factos indiciados sob os artºs 15 a 62, o requerimento não reveste o formalismo de uma acusação, definindo e delimitando o objecto da instrução.

Analisada a peça processual de abertura de instrução, conclui este Tribunal que não se verificam os requisitos necessários para permitir uma abertura de instrução.

Vejamos.

Preceitua o artigo 287 n.º 2 do CPP que o requerimento de abertura de instrução pelo assistente (…) deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito da discordância relativamente à acusação ou não acusação. Trata-se de uma imposição legal essencial para que o arguido tenha a plena noção daquilo que o assistente o acusa e possa defender-se convenientemente, em respeito ao princípio do contraditório.

O assistente tem que, ainda que sumariamente, delimitar os factos suficientes para integrar todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo criminal que entende ter sido violado, sendo estes factos que delimitam a actividade investigatória do juiz de instrução criminal. Como resulta do artigo 303.º e 309.º do CPP o juiz de instrução criminal está limitado nos seus poderes de cognição pelo requerimento do assistente para que se abra a instrução. Os factos apresentados pelo assistente são a base de trabalho do juiz de instrução criminal, já que a instrução não é um suplemento de investigação e não visa a substituição do MP na função investigatória. O escopo legal da instrução é a comprovação judicial da decisão acusatória ou do arquivamento em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Não é uma segunda fase investigatória desta feita levada a cabo pelo juiz[3], mas sim uma fase processual essencialmente garantística, adequando-se perfeitamente à natureza, que segundo a Constituição lhe cabe, de direito das pessoas e garantia do Processo Penal[4].

A necessidade do assistente indicar no seu requerimento os factos que considere indiciados ou que pretende vir a indiciar justifica-se pelo facto do requerimento equivaler à acusação, definindo e delimitando o objecto do processo a partir da sua apresentação. Substancialmente o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente contém uma verdadeira acusação[5].

Os requisitos a que deve obedecer uma acusação constam do artigo 283.º do CPP, ali se estabelecendo, nomeadamente nas alíneas a), b) e c), aplicável ao requerimento de abertura de instrução ex vi n.º 2 do artigo 287.º CPP, que a acusação contém, sob pena de nulidade, as indicações tendentes à identificação do arguido, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.

Ou seja, o assistente deverá descrever factos que permitam identificar no tempo e espaço acções (ou omissões), típicas, ilícitas, culposas e puníveis, pois só indiciariamente provados factos que permitam o preenchimento destes elementos é que se poderá afirmar a existência de um crime.

Relativamente á descrição factual, o RAI é omisso ou deficitário para os fins a que se destina.

Dos factos que espera provar e indicados sob os artº 15 a 62 do RAI verificamos que os mesmos não são suficientes para que integrem o crime de burla, furto qualificado e introdução em lugar vedado ao público.

Concretizando.

De acordo com o preceituado no art.º 217.º, n.º 1, do Código Penal, comete o crime de burla “quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial (...)”.

O bem jurídico protegido por este ilícito criminal, consiste no património, globalmente considerado – cf. Almeida Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo III, pág.

Está-se aqui perante o crime de burla, o qual pressupõe a verificação dos seguintes elementos típicos:

1 - Uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocados;

2 - Para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial;

3 - Intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo.

Do primeiro elemento resulta que o legislador, ao descrever o respectivo processo executivo, concebeu a burla como um crime de forma vinculada (Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira, O Crime de Burla no Código Penal de 1982-95, na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, XXXVI, p. 322). O prejuízo patrimonial não pode, pois, ser causado por qualquer modo, mas apenas através de erro ou engano sobre factos.

Não basta, porém, qualquer erro ou engano; exige-se ainda que o erro ou engano tenha sido astuciosamente provocado. A indicação da astúcia como meio para o cometimento do crime de burla teve como fonte directa o art.º 212.º do Anteprojecto da Parte Especial do Código Penal, da autoria de Eduardo Correia, e inspirou-se no art.º 148.º do Código Penal Suíço (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, edição da AAFDL, Lisboa, 1979, ps.138-139). Ainda na vigência do Código Penal de 1886 Beleza dos Santos (A Burla Prevista no art.451.º do Código Penal e a Fraude Punida pelo art.º 456.º do mesmo Código, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 76, p. 322) assinalava que para a comissão do crime de burla se exigia “um meio de enganar com astúcia, com especial habilidade.”

Mas em que consistem o erro e o engano?

Na linguagem comum a expressão engano designa a acção e efeito de fazer crer alguém, mediante palavras ou por qualquer outro modo, algo que não corresponde à verdade, induzindo-o, assim, em erro. Este, por seu turno, significa uma falsa ou inexacta representação da realidade. Com base nesta definição, a doutrina espanhola tem entendido que qualquer classe de engano, desde que tenha desempenhado o papel causal que a estrutura da burla lhe atribui, é suficiente para realizar o tipo da estafa (cfr. T.S. Vives Antón, Derecho Penal - Parte Especial, Madrid, 1988, p. 862, e Muñoz Conde, Derecho Penal - Parte Especial, 6.ª Ed., Sevilha, 1985, p.245).

O legislador português, todavia, utilizou a expressão erro ou engano como se de duas formas diferentes de chegar à falsa aparência se tratasse (Carlos Alegre, Crimes Contra o Património, na Revista do Ministério Público, Caderno n.º 3). [No domínio do Código Penal de 1886, Beleza dos Santos (ob. cit.), identificava o engano com a simples mentira, a mentira sem falácia, ardil ou astúcia. Isso o distinguia do erro, que resultava de uma maior elaboração através de ardis, artifícios os astúcia. Esta distinção não pode ser agora aceite pois quer o erro quer o engano têm de ser astuciosamente provocados.]

Exige-se ainda que o erro ou engano sejam gerados por meio de astúcia, de tal modo que sem esta a conduta do agente é atípica. Mas, como referem Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira (ob. cit., p. 324), “não basta que a atitude psicológica do agente seja astuciosa: a conduta exterior deverá revelar astúcia, para efeito de preenchimento do tipo.” Daqui resulta também que, no dizer de José António Barreiros (Crimes Contra o Património, Lisboa, 1996, p. 157), a astúcia relevante para preenchimento do tipo “é uma noção de recorte objectivo e não meramente subjectivo, i. é, haverá de ser reconstituída a partir de actos materiais que a revelem e evidenciem e não por referência a estados de espírito ao nível da mera motivação do agente.”

A astúcia, noção de que o legislador penal de 1982 se socorreu para evitar as formulações naturalísticas constantes do art.º 450.º Código Penal de 1886, significa, do ponto de vista etimológico, sagacidade, manha, habilidade para o mal. Assim, para que a simples mentira possa ser punida exige-se que seja acompanhada de manobras fraudulentas. É que, conforme refere Helena Moniz (O Crime de Falsificação de Documentos, Coimbra, 1993, p. 82), “o engano há-de ser algo que tenha idoneidade suficiente para induzir a vítima, não um engano qualquer ou, mais rigorosamente, a simples mentira, sem que haja aí a intenção premeditada e ardilosa de induzir a vítima.” Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira (ob. cit., p. 327) dizem, a este propósito, que “para caracterizar a acção astuciosa não bastará qualquer mentira. Ela nada acrescenta à indução da vítima em erro ou engano. Há sempre uma mentira na burla, mas ela deve concretizar-se numa manobra fraudulenta ou mise-en-scène. É este o entendimento que garante a plena observância do princípio da legalidade, uma vez que a astúcia significa (...) manha ou ardil.”

É ainda necessário que exista uma relação de causa e efeito entre o erro ou engano e a prática de actos pelo destinatário que lhe causem, ou a terceiro, um prejuízo patrimonial (Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira, ob. cit., p. 324, T.S. Vives Antón, ob. cit., p. 860, e Andre Vitu, Traité de Droit Criminel - Droit Pénal Spécial, II, Paris, 1982, p. 1894). A exigência de prática de actos pela vítima substitui a alusão à entrega de “dinheiro ou móveis, ou quaisquer fundos ou títulos”, constante do art.º 451.º do Código Penal de 1886. Por outro lado, a lei não se reporta a actos de disposição, pelo que “deve, assim, concluir-se que todos os actos (de disposição ou de administração) que incidam no património - da vítima, em sentido estrito, ou de outra pessoa - e sejam aptos a causar um prejuízo satisfazem este requisito típico” (Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira, ob. cit., p. 329) - no mesmo sentido, cfr. T.S. Vives Antón, ob. cit., p. 870.

Da análise do citado dispositivo legal resulta que são elementos objectivos do tipo, o emprego de “astúcia” pelo agente, “o erro ou engano” da vítima devido ao emprego da astúcia, “a prática de actos” pela vítima em consequência de erro ou engano em que foi induzida e ainda “prejuízo patrimonial” da vítima ou de terceiro, resultante da prática dos referidos actos (sobre a análise do crime de burla, veja-se Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira, em “O crime de burla no Código Penal de 1982-95”, publicado na RLJFD, pág. 321 e ss).

O crime de burla é um crime de dano, que só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro.

Por outro lado, para que exista este crime é necessário que se verifiquem sucessivas relações de causa e efeito. Assim, é necessário que da astúcia resulte o erro ou engano; que do erro ou engano resulte a prática de actos pela vítima, que da prática de actos pela vítima resulte o prejuízo patrimonial; deste modo, pode-se afirmar que em sede de imputação objectiva do evento à conduta do agente, a burla surja como crime complexo, que comporta um triplo nexo de causalidade.

A lesão do bem jurídico, segundo o tipo supra definido, deve ter origem em erro ou engano sobre factos que o arguido astuciosamente provocou.

Estas formas de execução consubstanciam equívocos ou falsas representações de uma certa realidade.

O engano traduz um artifício para induzir alguém em erro, revela menos intensidade do que aquela forma de actuação e pode consistir num simples abuso da boa fé (Carlos Alegre, Crimes Contra o Património, Cadernos da Revista do Ministério Público, pág.s 108 e ss).

Ressalta, desde logo, o elemento subjectivo, decorrente da intenção de obtenção de enriquecimento ilegítimo, ou seja, de acordo com a lei substantiva civil, um enriquecimento sem causa justificativa, que constitui uma forma específica de dolo deste tipo de crime (cf. Art.º 473.º, 1, do Código Civil).

No que concerne aos elementos subjectivos do tipo de ilícito impõem-se sublinhar que só o dolo vale como título de imputação subjectiva do crime de burla ao agente, devendo abarcar todos os elementos precedentemente identificados: a actividade astuciosa; a indução da vítima em erro ou engano; a determinação desta à prática de certos actos; o prejuízo patrimonial.

O dolo já não abarca a intenção de enriquecimento ilegítimo, que é um elemento subjectivo especial da ilicitude, (a que se chama também dolo específico) que acresce ao dolo e que não tem qualquer correspondência ao nível dos elementos objectivos do tipo. A intenção de enriquecimento corresponde, estruturalmente, ao dolo directo (artigo 14.º, n.º 1, do CP). Não é rigorosamente dolo, porém a palavra “intenção”, utilizada na descrição deste elemento subjectivo especial da ilicitude, deve ser interpretada em consonância com o disposto no n.º 1 do artigo 14.º do Código Penal.

Não bastará que o agente figure o enriquecimento ilegítimo como consequência necessária ou possível (conformando-se com ele) da sua conduta; é indispensável que tenha a intenção de o obter. Na ausência de tal intenção, não haverá burla.

Feito este breve excurso ao tipo legal de crime pelo qual os assistentes pretendem a pronúncia dos arguidos, apreciemos os factos que indicou.

Analisado o RAI, desde logo, se constata que o mesmo não descreve o uso de astúcia por parte dos arguidos , ainda que tenham referido nos artºs 56 e 57 que os arguidos se apresentaram como profissionais experientes na área da construção civil e que tal não correspondia á verdade

Os factos indicados pelo assistente não são suficientes para que se traduza em qualquer uso de astúcia por parte dos arguidos (em co-autoria (cfr. artº 32) e era ainda necessário que existisse alegado uma relação de causa e efeito entre o erro ou engano (a astúcia) e a prática de actos pelo destinatário que lhe causem, ou a terceiro, um prejuízo patrimonial.

Assim, e porque o requerimento de abertura de instrução pelo assistente, no caso de ter sido proferido despacho de arquivamento, equivale à acusação, definindo e limitando o objecto do processo a partir da sua apresentação, não contém todos os elementos típicos do crime de burla, impõe-se a rejeição do RAI, sendo que também não foi indicada a concreta disposição legal, apenas a indicação do artº 217º do CPP, sem referência expressa ao seu número 1.

Ademais e relativamente ao crime de furto qualificado e de introdução em lugar vedado ao público o Rai apenas refere no artº 47 que “presume-se que tenham a sido os aqui denunciados”.

Ora, o processo penal, e nesta caso a dedução de uma acusação (alternativa á do MP), não pode basear-se em presunções ou conjecturas, antes em factos concretos, com a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar, sempre que possível, e a indicação concreta da disposição legal.

Relativamente ao crime de furto qualificado, o assistente apenas refere o artº 204º al. f) do CP, sem indicação de qual dos seus números, o que não é indiferente para os arguidos atenta as diferentes molduras penais.

Entende este tribunal que a descrição deficiente do requerimento de abertura de instrução, ou a não indicação em concreto das disposições legais é também um dos casos de rejeição da instrução por inadmissibilidade legal.

Na verdade, os casos em que o requerimento de abertura de instrução pode ser rejeitado encontram-se taxativamente tipificados no artigo 287.º n.º 3 do CPP[6], mas partem do pressuposto de que aquele requerimento reúne os requisitos prévios, de forma e de fundo, designadamente as menções indicadas no artigo 283.º n.º 3, para que remete o artigo 287.º n.º 2 do CPP, sendo ainda a falta de tais menções de integrar no conceito de inadmissibilidade legal da instrução enunciado no artigo 287.º n.º 3 do CPP.

Resulta daqui que, quando o requerimento de abertura de instrução narra factos insusceptíveis de integrarem o tipo, não pode haver legalmente pronúncia. Na verdade, esta, nos termos do art.° 308°, n° 1, do CPP, tem de descrever os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Ora, se a acusação apresentada pelo assistente não contém esses factos, a sua inclusão na pronúncia significaria, repete-se, a pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento, sendo tal decisão nula, por força do já falado artº 309°, n° 1, do CPP.

E uma acusação que não pode legalmente conduzir à pronúncia do arguido é uma acusação que a lei não pode admitir, até porque seria inútil, e não é lícito praticar no processo actos inúteis (art”s 137º do CPC e 4º do CPP).

Na hipótese de instrução requerida pelo assistente, em caso de despacho de arquivamento do inquérito proferido pelo M.P., o requerimento de abertura de instrução deverá revestir todos os requisitos «de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório, e a elaboração da decisão instrutória.

É que, nessa eventualidade, o requerimento de abertura de instrução tem de constituir uma verdadeira acusação, não só para que o arguido possa, eventualmente, ser pronunciado pelos factos nele descritos, mas também para que fiquem « definitivamente assegurados os seus direitos de defesa» e lhe seja possível « carrear para o processo os elementos de prova que entender úteis» ( cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal. Anotado, 9: edição, pág. 541) -estrutura acusatória e delimitação ou vinculação temática do tribunal, em ordem a assegurar as garantias de defesa do arguido contra qualquer arbitrário alargamento do objecto do processo e a possibilitar-lhe a preparação da defesa, no respeito pelo princípio do contraditório.

A falta de formulação e enunciação de factos é insuprível (cfr. neste sentido, o Ac. da Rel. Lisboa de 09/02/2000, CJ XXV- I- 153 e o Acordo Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2005, publicado no DR, S I A, de 04.11.2005), sabido como é instrução, no caso de abstenção da acusação, equivale à acusação e que a decisão instrutória só pode recair sobre os factos que foram objecto de instrução, ficando o próprio objecto do processo delimitado pela indicação feita nesse requerimento e posteriormente aceite no despacho de pronúncia, no todo ou em parte.

Efectivamente, não contendo o requerimento de abertura de instrução o indispensável conteúdo fáctico, nele se incluindo o dolo em todas as suas vertentes, «não só se torna inexequível a instrução, ficando o juiz sem saber quais os factos que o assistente gostaria de ver indiciados - e também o arguido, ficando inviabilizada a sua defesa -, como também, caso mesmo assim se prosseguisse a instrução, qualquer despacho de pronúncia que se proferisse na sua sequência sempre seria nulo nos termos do art. 309.° do CPP », e, por isso, «inútil e proibido, tal como os actos eventualmente subsequentes» (cf. o Ac. da RL de 11/10/2001, CJ, XXVI, 4.º, pág. 141).

Daí que, se o assistente requerer a abertura de instrução sem a indicação e enunciação dos factos concretos e determinados imputados ao arguido susceptíveis de consubstanciarem a prática de um hipotético tipo legal de crime e sem a delimitação do campo factual sobre que a instrução há-de versar, como sucede in casu, «a instrução será a todos os títulos inexequível» (cfr. Maia Gonçalves, op. cit., pág. 541, e Souto de Moura, «Inquérito e Instrução » in « Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal », ed. do CEJ., Almedina, Coimbra, 1991, pág. 120)».

Paralelamente, se o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, em caso de despacho de arquivamento formulado pelo M.P., não obedecer aos requisitos contemplados no art. 283.°, n.º 3, al. b) - aplicável por força da remissão operada pelo art. 287.°, n.º 2 -, que a lei exige para a acusação pública, tal requerimento não pode deixar de considerar-se nulo, tal como ocorre, aliás, com a acusação pública deduzida sem observância de tais requisitos.

E nem se diga que o juiz deveria proferir, em situação como à destes autos, despacho de aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução, não obstante tal entendimento ter sido já defendido (cfr. Ac. da Rel. Évora de 16.12.1997, BMJ n.º 472.°, pág. 585, 20.06.2000, CJ III, pág. 153 e de 21.03.2001, CJ, II, pág. 131).

Na verdade o convite ao aperfeiçoamento não está prevista na lei processual penal, para além de que tal convite violaria os princípios da imparcialidade, das garantias de defesa do arguido, da estrutura acusatória do processo e do contraditório (cfr., neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 14/01/2004, de 31/03/2004, de 05/05/2004, de 16/06/2004, de 23/06/2004, de 15/12/2004 e de 05/01/2005, todos consultados em www.dgsi.pt e Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 7 /05/2005, publicado no DR – I Série-A, de 04/11/2005), solução que não contende com princípios constitucionais (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 27/2001, de 30 de Janeiro de 2001, consultado em www.tribunalconstitucional.pt).


*

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, ao abrigo do disposto no art. 287.°, n.ºs 2 e 3, quer porque a instrução é inadmissível - por inexequibilidade e por falta de objecto (cfr., em situações similares, Acórdãos da Relação de Lisboa de 06/11/2001, da Relação de Coimbra de 31/10/2001 e da Relação do Porto de 23/05/2001 e de 24/04/2002, processo n.º 0210078, todos consultados em www.dgsi.pt).-, quer porque o requerimento de abertura de instrução é nulo, atentas as disposições conjugadas dos arts. 287°, n° 2 e 283°, n° 3, al. b), rejeito tal requerimento.

Custas pelo assistente, com taxa de justiça que se fixa em uma UC. Notifique.

Após trânsito, pagas as custas, arquive.»


*

Apreciando.

Iniciaremos a análise pela questão da suficiência da narração dos factos e qualificação jurídica constantes do RAI, pois é esse o objecto do despacho recorrido e porque a procedência desta parte do recurso prejudica o demais invocado.

Critica o recorrente a decisão do Senhor Juiz de Instrução ao considerar que o RAI não contém a narração dos factos necessários ao preenchimento dos elementos dos tipos de burla, furto qualificado e introdução em lugar vedado ao público imputada aos arguidos, considerando que ali se encontram descritos os necessários ao cumprimento do disposto no art. 283.º, n.º 3, al. b), ex vi art. 287.º, ambos do CPPenal relativamente aos referidos tipos de crime.

De acordo com o disposto no art. 286.º, n.º 1, do CPPenal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

E nos termos do disposto no art. 287.º, n.º 2, do CPPenal, o requerimento para abertura da instrução «não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 283.º, não podendo ser indicadas mais de 20 testemunhas.»

Por seu turno, o art. 283.º, n.º 3, als. b) e d), do CPPenal estabelece que a acusação contém, sob pena de nulidade, «b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada» e «d) A indicação das disposições legais aplicáveis».

É, por isso, pacífico o entendimento jurisprudencial[7] de que resulta do conjunto destas normas que o requerimento para abertura da instrução deve ter a estrutura de uma acusação, sendo «[o]s factos (da acusação e da sentença) (…) “enunciados linguísticos descritivos de acções”: da acção executada – factos externos – e da acção projectada na vontade – factos internos.»[8]

Contudo, como bem se depreende do mencionado acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2023, não decorre da lei que essa “acusação” tenha de estar organizada de forma sequencial e autónoma da apreciação da prova, análise que num RAI normalmente se leva a cabo.

Essa será a exposição desejável e que permite uma leitura clara das pretensões apresentadas, mas não significa que uma exposição menos adequada ao formalismo próprio de uma acusação alternativa não possa, ainda assim, sustentar o RAI.

Como se sumaria no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17-11-2010[9], conclusão também acolhida no aresto anteriormente mencionado e com a qual estamos em absoluta sintonia, «[n]ão deve ser rejeitado o requerimento para abertura da instrução [RAI] que, embora desajeitado, prolixo e confuso, mencione todos os factos que integram o tipo do crime imputado ao arguido, cabendo ao juiz de instrução, em eventual despacho de pronúncia, ordenar, sintetizar e clarificar os mesmos.»

Conforme se pode constatar da leitura do despacho recorrido, o Senhor Juiz de instrução, apesar de apreciar amplamente em termos teóricos os requisitos formais do crime de burla, acaba por restringir a identificação de falhas na descrição factual do RAI, relativamente a este ilícito penal, à questão da astúcia, argumentando e concluindo que «[a]nalisado o RAI, desde logo, se constata que o mesmo não descreve o uso de astúcia por parte dos arguidos , ainda que tenham referido nos artºs 56 e 57 que os arguidos se apresentaram como profissionais experientes na área da construção civil e que tal não correspondia á verdade

Os factos indicados pelo assistente não são suficientes para que se traduza em qualquer uso de astúcia por parte dos arguidos (em co-autoria (cfr. artº 32) e era ainda necessário que existisse alegado uma relação de causa e efeito entre o erro ou engano (a astúcia) e a prática de actos pelo destinatário que lhe causem, ou a terceiro, um prejuízo patrimonial.

Assim, e porque o requerimento de abertura de instrução pelo assistente, no caso de ter sido proferido despacho de arquivamento, equivale à acusação, definindo e limitando o objecto do processo a partir da sua apresentação, não contém todos os elementos típicos do crime de burla, impõe-se a rejeição do RAI, sendo que também não foi indicada a concreta disposição legal, apenas a indicação do artº 217º do CPP, sem referência expressa ao seu número 1.»

No caso concreto, é verdade que o RAI não apresenta uma estrutura irrepreensível, ordenada, com enunciação de factos e direito de forma discriminada.

Com efeito, depois de descrever todas as vicissitudes ocorridas na obra encomendada, num segmento que denominou razões de facto, o recorrente alega entre os pontos 53. e 62., o seguinte (transcrição):

«53. E, ao tentar interpelá-los para a morada que forneceram para elaborar o contrato de empreitada, a interpelação veio devolvida o que denuncia que a morada fornecida pelo denunciado AA era falsa ou foi propositadamente fornecida incorretarnente.

54. Entretanto, o Assistente solicitou uma avaliação da obra realizada pelos denunciados e o que detetou foi que tudo quanto foi feito foi mal executado, apresentando diversas patologias insanáveis e que indicam que os Denunciados não sabiam o que estavam a fazer, não tinham os conhecimentos que diziam ter sobre a área da construção civil.

55. Senão vejamos, a obra apresenta os seguintes problemas:

a, Várias paredes apresentam risco de derrocada;

b. Em nenhuma parede foi efetuado o devido travamento o que a curto prazo provocará fissuras e arrisca-se a uma derrocada;

c. Nenhum dos compartimentos do anexo respeita a atura livre do pé-direito, mínima legal de 2,4m;

d. As condutas de saneamento não respeitaram as regras técnicas;

e. A cobertura não foi corretamente instalada pois verifica-se infiltrações pelas paredes laterais;

f. Entre muitos outros erros e problemas de construção, conforme melhor descrito no relatório junto sob documento 13,

56. Ora, tudo isto demonstra que os Denunciados apresentaram-se como profissionais experientes na área da construção civil e que tal não correspondia à verdade,

57. Pois os erros detetados em obra indicam claramente e sem margem para dúvidas que os denunciados não sabiam o que estavam a fazer,

58. Os Denunciados AA e BB tiveram a intenção e executaram todos os meios de forma a burlar o Assistente e sua esposa ao apresentarem-se como profissionais experientes da área da construção civil, o que se verificou não corresponder à verdade.

59. Agiram do modo supra descrito, conjugando esforços entre ambos e com a sua cúmplice CC que os recomendou, de forma a enganar o Assistente e sua esposa com vista a obter valores monetários destes que, neste caso, resultou no pagamento pelo Assistente aos denunciados no valor de 13.750,00€ (treze mil, setecentos e cinquenta euros) causando um grave prejuízo económico ao Assistente.

60. Os denunciados bem sabiam que, com as suas condutas, causariam um grave prejuízo económico ao Assistente não só ao fazer com que este pagasse o montante supramencionado, como ao executar a obra com defeitos irreparáveis que obrigarão o Assistente a demolir tudo e a reconstruir de novo.

61. Assim, os Denunciados AA e BB agiram de livre vontade, conscientemente e deliberadamente, do modo descrito, conjugado e consertado entre ambos, em associação criminosa, de acordo com um plano que traçaram previamente, com o desígnio de se apoderarem daquelas quantias pecuniárias e dos materiais e equipamentos que também furtaram ao Assistente ao entrarem na sua propriedade durante a madrugada e sem a autorização deste ou da sua esposa.

62. Os Denunciados bem sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei mas mesmo assim agiram conforme descrito.»

Aqui se incluem os pontos 56. e 57. a que o Senhor Juiz de Instrução alude na sua decisão.

Porém, quanto à concreta questão da astúcia abordada no despacho recorrido, para além dos descritos, mostram-se ainda invocados factos no segmento denominado razões de direitos, numerado dos pontos 64. a 78., e que o Senhor Juiz de Instrução ignorou.

Ora, aí, o recorrente, depois de invocar que os denunciados não tinham competência para o que estavam a fazer, refere ainda que do referido relatório [doc. 13, onde se refere que só 12% a 16% da obra estava executada] pode-se concluir que os erros crassos denotam claramente que os denunciados não tinham qualquer competência para o que estavam a fazer, apenas quiseram mostrar algum trabalho de forma a obter do Assistente mais pagamentos por conta do orçamento apresentado pelos mesmos, com vista a obter maior vantagem económica da burla perpetrada (ponto 68.) e que da sua atuação, ao interromperem a obra recorrentemente, quiseram criar ansiedade no Assistente que viu a obra parada e que inevitavelmente lhes ofereceria mais dinheiro para não pararem com a execução dos trabalhos, o que vieram a conseguir, pois o Assistente efectuou um segundo pagamento com o intuito de continuarem a obra (pontos 69. e 70.).

Por fim, o recorrente conclui que os Denunciados bem sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei mas mesmo assim levaram todos os esforços de modo a obter todas as quantias pecuniárias que conseguissem com a estratégia implementada (ponto 71.).

Não obstante não estarmos perante uma narrativa factual clara e sequencial, há que reconhecer que o conjunto de factos enunciados, em conjugação com a factualidade anteriormente descrita quanto às vicissitudes da obra, e que não suscitou qualquer critica por parte do Senhor Juiz de Instrução, leva a considerar estar reunido um conjunto de factos dos quais se pode extrair uma conduta astuciosa e o nexo entre o erro ou engano induzido e a prática de actos de disposição patrimonial que causaram prejuízo.

O conjunto dos elementos objectivos e subjectivos do crime de burla elencados na decisão recorrida mostram-se descritos no RAI, sendo certo que aquela só assinala falhas relativamente à questão da astúcia.

Importa ainda lembrar que é consabido que o crime de burla coloca muitas vezes acesa discussão sobre a verdadeira natureza do conflito subjacente, se de mero incumprimento contratual, se de efectivo ilícito criminal.

Não sendo essa discussão uma questão pacífica e que depende da configuração dos factos descritos e demonstrados, devem evitar-se juízos precipitados que não permitem uma avaliação ponderada, baseada na efectiva avaliação da prova.

Por isso, nos casos em que, como o presente, é configurável, em determinada perspectiva, a relevância criminal dos factos, como crime de burla, é errada a formulação de um verdadeiro juízo de mérito antes mesmo de ser analisada qualquer prova, a coberto de decisão meramente formal.

Foi o que fez o Senhor Juiz de instrução ao rejeitar o RAI, por entender que os factos descritos não permitam configurar o crime de burla imputado aos arguidos, quando é certo que perante a factualidade apontada essa solução é admissível.

Não está, pois, configurada, nesta perspectiva da validade e suficiência descritiva dos factos, qualquer inadmissibilidade legal da instrução.

Questão diferente é a de saber se a pretensão do assistente quanto ao mérito do RAI neste segmento é alcançada, mas essa preocupação já não respeita ao objecto deste recurso.

E perscrutada a decisão recorrida quanto às críticas formuladas à suficiência dos factos descritos no RAI para configuração dos crimes de furto qualificado e introdução em lugar vedado ao público chegamos à mesma solução.

Segundo o despacho recorrido «relativamente ao crime de furto qualificado e de introdução em lugar vedado ao público o Rai apenas refere no artº 47 que “presume-se que tenham a sido os aqui denunciados”.

Ora, o processo penal, e nesta caso a dedução de uma acusação (alternativa á do MP), não pode basear-se em presunções ou conjecturas, antes em factos concretos, com a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar, sempre que possível, e a indicação concreta da disposição legal.»

Mais uma vez, o Senhor Juiz de instrução não atentou em toda a descrição factual inserta no RAI.

Assim, de acordo com os pontos 46. a 49. e 61. e 62. é invocado o seguinte (transcrição):

«46. Durante a madrugada do dia 14.07.2020, todos os materiais e equipamentos que se encontravam na obra desapareceram,

47. Presume-se que tenham sido os aqui denunciados que, ao saberem que o Assistente regressaria nesse dia, aproveitaram para entrar na propriedade do mesmo, enquanto se encontravam a dormir, para retirar todo o material e equipamentos que se encontravam na obra e que se destinavam à empreitada a que estavam obrigados contratualmente a efetuar.

48. Tais materiais e equipamentos, cujo valor se estima aproximadamente em cinco mil euros, foram comprados com o dinheiro pago pelo Assistente aos aqui Denunciados para executar a obra, pelo que, pertenciam ao Assistente.

49. Além do mais, os aqui Denunciados entraram numa propriedade privada, sem autorização, pois só tinham autorização para entrar durante o dia e para executar as obras e não para entrar durante a noite para furtar os materiais e equipamentos.

(…)

61. Assim, os Denunciados AA e BB agiram de livre vontade, conscientemente e deliberadamente, do modo descrito, conjugado e consertado entre ambos, em associação criminosa, de acordo com um plano que traçaram previamente, com o desígnio de se apoderarem daquelas quantias pecuniárias e dos materiais e equipamentos que também furtaram ao Assistente ao entrarem na sua propriedade durante a madrugada e sem a autorização deste ou da sua esposa.

62. Os Denunciados bem sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei mas mesmo assim a iram conforme descrito.»

É verdade que no ponto 47. se afirma que presume-se que tenham sido os aqui denunciados, equivalendo tal declaração não a uma imputação mas a uma suspeita, que não poderá sustentar uma acusação alternativa.

Contudo, adiante, nos pontos 72. a 78., que foram ignorados no despacho recorrido, o recorrente também afirma que (transcrição):

«72. Quando viram que não conseguiam obter mais nenhum pagamento pelo Assistente, foram à residência deste, sem autorização e sem conhecimento deste ou da sua esposa, de madrugada, e furtaram todos os materiais e equipamentos que lá existiam para execução da obra em causa.

73. Com esta conduta os Denunciados cometeram o crime de furto qualificado e o crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelos arts. 204.º, aI. f) e 191.º ambos do CP.

74. Ora, descreve o art.º 203.º do CP que comete furto “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

75. Porém, comete furto qualificado, nos termos do art.º 204.º, aI. f), do CP, "Quem furtar coisa móvel ou animal alheios: introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar".

76. Tal como refere o art.º 191.º do CP que comete o crime de introdução em lugar vedado ao público “quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicas, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou atividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias”

77. Porquanto, os denunciados AA e BB na madrugada do dia 14.07.2020 introduziram-se dentro da propriedade do Assistente e furtaram todos os materiais e equipamentos que se encontravam no local para executar a obra, sem autorização e sem conhecimento do Assistente ou da sua esposa.

78. Assim, por todo o exposto, os Denunciados agiram de forma livre e conscientes que as suas condutas eram proibidas por lei, cometendo, em associação criminosa, os crimes de burla, furto qualificado e introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelos arts. 217.º, 204.º, aI. f) e 191.º, todos do Código Penal.»

Nos pontos 72. e 77. do RAI o recorrente imputa aos denunciados, de forma peremptória, a prática dos factos já anteriormente descritos e depois qualifica-os como crimes de furto qualificado e introdução em lugar vedado ao público.

O local dos acontecimentos mostra-se identificado no ponto 1 do RAI.

Assim, embora de forma algo atabalhoada, e até com apoio na letra da lei, o recorrente acaba por realizar uma verdadeira imputação de factos, aí incluindo os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de crime em causa, não se limitando à aparente conjectura que decorre do ponto 47. do RAI e na qual se apoiou exclusivamente o Senhor Juiz de instrução para concluir também pela inadmissibilidade legal da instrução por ausência de descrição factual suficiente.

Assim, também neste ponto procede o recurso.

Por último, considera o Senhor Juiz de instrução que não foram suficientemente indicadas as disposições legais respeitantes ao crime de burla, relativamente ao qual apenas se refere o art. 217.º do CPenal, mas não o seu n.º 1, e ao crime de furto qualificado, não indicando o assistente qual dos números do art. 204.º, al. f), do CPenal estava em causa.

É verdade que essa indicação não se mostra directamente realizada, mas nos pontos 64., 74. 75. e 76. do RAI, que o Senhor Juiz de instrução ignorou, mostra-se reproduzido o texto legal que o mesmo pretende imputar aos arguidos, mostrando-se evidente que em ambos os casos o assistente se reporta ao n.º 1 dos preceitos mencionados, sendo certo que quanto ao crime previsto no art. 217.º é no n.º 1 que se encontra a previsão legal.

Claro que a indicação completa dos números daquelas normas podia estar mencionada no RAI, mas uma tal omissão, face ao conjunto dos factos descritos e que no entender do recorrente fundamentam a aplicação de penas, nunca poderá enquadrar a nulidade a que alude o art. 283.º, n.º 3, al. c), do CPPenal, posto que foi realizada uma indicação de disposições legais minimamente eficaz.

E no caso concreto, para além de não se percecionar no RAI qualquer omissão que determine em termos formais a sua inutilização, poderia o Senhor Juiz de instrução lançar mão da faculdade prevista no art. 303.º, n.º 5, do CPPenal, completando, de acordo com a sua perspectiva, a correcta qualificação jurídica que os factos descritos no RAI permitiam, acrescentando, então, os números dos artigos referidos que considerava adequados ao enquadramento dos crimes de burla e de furto qualificado.

Assim, visto o texto do art. 283.º, n.º 3, als. b) e d), ex vi art. 287.º, ambos do CPPenal, segundo o qual a acusação contém, sob pena de nulidade, «b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada» e «d) A indicação das disposições legais aplicáveis», ainda que o RAI pudesse ser aprimorado, nenhum facto ou disposição legal está em falta para a perfectibilização dos crimes imputados no que foi apresentado pelo recorrente.

Mostra-se, pois, procedente esta parcela do recurso.

A consequência desta decisão é a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare aberta a instrução para apreciação do RAI e determine o prosseguimento do processo nos termos julgados adequados, tendo presente que naquele requerimento está, para além do mais, invocada uma nulidade que deve ser apreciada.

Esta tramitação torna inútil a apreciação em sede recursiva da nulidade invocada, por omissão de pronúncia, pois o despacho recorrido foi revogado.


*

III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pelo assistente DD e, em consequência, revogar o despacho de rejeição do requerimento para abertura da instrução e determinar a sua substituição por outro que declare aberta a instrução para apreciação daquele requerimento e determine o prosseguimento do processo nos termos julgados adequados, tendo presente que naquele requerimento está, para além do mais, invocada uma nulidade que deve ser apreciada.

Sem tributação.

Notifique.


Porto, 21 de Fevereiro de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] As notas-de-rodapé assumiram diferente numeração com a inserção do despacho neste acórdão.
[3] Souto de Moura, Inquérito e instrução, p. 125
[4] Figueiredo Dias, Para uma reforma global, p. 228.
[5] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal III, p. 141.
[6] O requerimento pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
[7] Veja-se, por todos, o acórdão do TRP de 27-09-2023, relatado por Pedro Afonso Lucas no âmbito do Proc. n.º 2984/16.8T9VNG.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[8] Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-06-2017, Proc. n.º 171/14.9GDEVR.E1, acessível in www.dgsi.pt.
[9] Relatado por José Manuel Araújo Barros no âmbito do Proc. n.º 83/08.5TAMTR.P1, acessível in www.dgsi.pt.