Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4304/14.7TDPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: RECURSO
PRAZO
IMPRORROGABILIDADE
Nº do Documento: RP202207044304/14.7TDPRT-A.P1
Data do Acordão: 07/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: DESPACHO (RECLAMAÇÃO DO ASSISTENTE)
Decisão: INDEFERIDA
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A tramitação do pedido de indemnização cível obedece às regras do processo penal. Paradigma desta afirmação são, entre outras, as disposições dos artigos 74º, 77º, 78º e 400º, n.ºs 2 e 3, 401º, 1 c), 402º, 2, als. b) e c) 403º, 2 b), e n.º 3, do CPP. Se não fosse o CPP a regular a tramitação processual do pedido cível o diploma processual penal, certamente, não dedicaria tão pormenorizado regime ao mesmo, limitar-se-ia a remeter para o regime do CPC. No sentido de que não são aplicáveis ao pedido cível o artigo 678º n.º 1 do CPC, atual artigo 629º do CPC, e as regas do ónus de impugnação, se pronunciou o STJ respetivamente nos seus acórdãos de 14.11.1991 e de 12.11.1995.
II - A atual redação do artigo 411º do CPP - introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21.02 -, estipula no seu nº 1 que “O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;
c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente”.
Com a referida lei 20/2013 foi revogado o nº 4 de tal preceito que tinha a seguinte redacção: “Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos nºs 1 e 3 são elevados para 30 dias”.
III - Resulta das referidas alterações que com a modificação do prazo anterior o legislador processual penal estatuiu um prazo único de 30 dias para a interposição do recurso penal, independentemente de ser impugnada a matéria de facto. Assim, seria ilógico, por não ter em atenção as sucessivas alterações da norma em questão aderir a qualquer posição que estendesse o prazo de recurso previsto no artigo 411º do CPP, nos 10 dias previstos no n.º 7 do artigo 638º do CPC.
IV - A aplicação do n.º 7 do artigo 638º, não se harmoniza com o processo penal, como o exige o artigo 4º do CPP, cujo regime de recursos é dominado pela preocupação de “potenciar a economia processual numa óptica de celeridade e de eficiência”, como resulta do preâmbulo do CPP, desiderato que não se compagina com a prorrogação do prazo de interposição de recurso. A improrrogabilidade do prazo de interposição de recurso – que colhe a sua justificação em princípios e interesse de ordem pública – não é, seguramente, um “pormenor de regulamentação”. Tal improrrogabilidade é, também, reclamada pela necessidade de não prolongar a prisão preventiva de eventuais arguidos que se encontram nessa situação, na necessidade de julgar a causa em prazo razoável, etc.
V - Assim, entendemos que o legislador processual penal quis deliberadamente adotar o aludido procedimento e um prazo de recurso uno e distinto do processo civil, prescrevendo o prazo global de 30 dias para a interposição do recurso. Trata-se, pois, de uma especificidade do CPP, inexistindo qualquer caso omisso que importe suprir por aplicação da lei processual civil, ao abrigo do invocado art. 4º do CPP.
Reclamações: Reclamação n.º 4304/14.7TDPRT-A.P1

I.
No processo comum singular n.º 4304/14.7TDPRT que corre termos na comarca do Porto, Juízo local criminal do Porto, juiz 1, tendo sido julgada improcedente a pronúncia e absolvidas as arguidas dos crimes que lhes vinham imputados e improcedente o pedido de indemnização civil formulado, veio o demandante cível e assistente CONDOMÍNIO ...., reclamar do despacho do tribunal a quo que não lhe admitiu o recurso por si interposto, com o fundamento na sua intempestividade e cujo teor é o seguinte:
«Recurso de fls. 1206 e ss.:
Conforme resulta dos presentes autos a sentença recorrida foi lida e depositada no dia 17/03/22 (cfr. fls. 1097-1098).
O assistente “Condomínio ...”, representado pela sua ilustre mandatária, esteve presente na audiência de julgamento de leitura da sentença, pelo que se considera notificada da sentença na data em que a mesma foi lida e depositada.
O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e, tratando-se de sentença, conta-se da data do respectivo depósito na secretaria (art. 411.º, n.º1, al. b), do CPP).
Por outro lado, dispõe o art. 414.º, n.º 2, do CPP que “o recurso não é admitido quando… for interposto fora de tempo…”.
Tendo em conta a data da leitura e depósito da sentença, o prazo de recurso iniciou-se no dia 18 de Março de 2022 (cfr. arts. 279.º, al. b) e 296.º do C. Civil) e terminou no dia 26 Abril de 2022 (tendo em conta o período de férias judiciais).
Assim, mediante o pagamento de multa, o recurso poderia ser apresentado nos três dias úteis subsequentes, isto é até ao dia 29/04/22 (cfr. art. 139, n.ºs 5 e 6, do CPC, aplicável ex vi do art. 107.º, n.º5, do CPP).
A fls. 1206 e ss., foi interposto recurso que deu entrada, via citius, no dia 10/05/22.
Assim sendo, entende-se que o recurso interposto em 10/05/22, se mostra manifestamente extemporâneo, pelo que o rejeito (art. 411.º, n.º1, al. b) e 414.º do CPP).
Notifique.»
*
É deste despacho que o assistente vem reclamar, com os seguintes fundamentos:
1. Como logo referiu o Recorrente na Conclusão I das suas alegações, embora decorrente de um processo de natureza penal, o seu recurso restringe-se à matéria do pedido cível formulado nesse processo.
2. E, concretamente, ao ónus da prova e aos erros de julgamento da prova que o Recorrente entende terem sido cometidos, pretendendo a reapreciação da prova gravada.
3. Ora, restringindo-se o recurso, como se disse, ao pedido cível, estando em causa apenas matérias de Direito Civil, ainda que ocasionalmente enxertadas num Processo Penal, têm necessariamente de ser as regras do Processo Civil a reger o recurso restrito a essas matérias.
4. Designadamente, o artigo 638.º do Código de Processo Civil e, em particular, o seu número 7.
5. Assim o impõe a lógica e a teleologia do sistema.
6. Naquele preceito, ao fazer acrescer dez dias ao prazo de recurso, no caso de este ter por objecto a reapreciação da prova gravada, o legislador não o fez para conceder uma graça benévola ao Recorrente (e ao Recorrido, que goza do mesmo acréscimo).
7. Fê-lo pela consabida morosidade e detalhe que implica a audição, selecção e transcrição da prova gravada, e que, a não estar legalmente consagrado o acréscimo, colocaria numa situação de desigualdade e desvantagem os Recorrentes (e Recorridos) que tivessem em vista no recurso a reapreciação da prova gravada, em relação àqueles cuja pretensão visasse apenas matéria de Direito.
8. Na prática, aqueles teriam um prazo para recurso e alegações inferior ao prazo destes, porquanto, ao contrário deles, teriam de gastar uma parte significativa do seu prazo a escutar, a seleccionar e a transcrever a matéria prova objecto do recurso, ficando com um prazo efectivo para alegações muito menor.
9. A situação não se confunde com o Processo Penal, porquanto, neste, o assistente não é parte. É um mero auxiliar do Ministério Público que conduz e lidera acção penal.
10. Ao invés, em matéria cível, mesmo que enxertada no Processo Penal, o assistente é parte,
11. Não é um mero auxiliar do Ministério Público que é alheio ao diferendo civil entre arguido e assistente que possa acompanhar o processo penal, o único, em regra (excepto quando lhe caibam poderes de representação civil), que cabe na esfera de competência e de funções do MP.
12. Como parte, o assistente é (só pode ser) uma parte com poderes plenos de parte,
13. Com os direitos e os deveres do Autor numa acção civil,
14. Porque é de uma acção civil que, para todos os efeitos, se trata.
15. E, estando em causa uma acção cível, as suas regras têm de ser as do Processo Civil,
16. Pelo que, como se disse, quando – como é o caso do recurso negado ao Condomínio aqui Reclamante – o que se pretende é a reapreciação da prova gravada, ao prazo de recurso há-de necessariamente acrescer o período de dez dias, previsto no artigo 638.º, número 7 do Código do Processo Civil.
17. Outra qualquer interpretação conduziria a uma intolerável violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa,
18. Colocando, sem qualquer razão justificativa, a parte civil numa acção penal, numa situação de inadmissível desvantagem em relação à parte civil numa acção civil,
19. Tratando de forma distinta o que é em tudo igual.
20. Tal interpretação estaria ferida de irremediável inconstitucionalidade,
21. Agravada pela violação que também implicaria do artigo 20.º da nossa Lei Fundamental, uma vez que ao recorrente civil num pedido enxertado num processo penal seria negado o direito de acesso à justiça, «mediante um processo equitativo».
22. Não há equidade, quando a parte numa acção civil comum dispõe de um prazo de recurso superior ao prazo de recurso da parte civil numa acção penal.
23. Sendo a componente civil das duas acções em tudo idêntica.
24. Ora, considerando o artigo 638.º do Código de Processo Civil, e o seu número 7, que não pode aqui deixar de aplicar-se, como se alegou e demonstrou, o recurso interposto pelo aqui Reclamante – e que, para efeitos de instrução da presente reclamação a deve acompanhar, com as respectivas alegações – é tempestivo e devia ter sido admitido.
Termina pedindo a revogação da decisão reclamada.
*
II. Conhecendo
Factos relevantes.
A presente reclamação provém de um processo-crime em que as arguidas e demandadas civis, AA e BB, vinham pronunciadas da prática em co-autoria material, na forma consumada e continuada e em concurso efectivo, de: - um crime de abuso de confiança, p. e p. pelos arts. 30.º, n.º 2 e 205.º, n.º 1, do Cód. Penal e de um crime de infidelidade, p. e p. arts. 30.º, n.º 2 e 224.º, n.º 1, do Cód. Penal.
A sentença recorrida foi lida e depositada no dia 17/03/22. As arguidas foram absolvidas dos crimes imputados e do pedido de indemnização civil formulado.
O assistente “Condomínio ...”, representado pela sua ilustre mandatária, esteve presente na audiência de julgamento de leitura da sentença.
O recurso deu entrada, via citius, no dia 10/05/22.
O recurso visa impugnar matéria de facto dada por provada nos pontos 4, 5, 6, 7 e 8 e a matéria de facto não provada nos pontos c), d), e), f) g) h) e i).
Passemos à questão.
O reclamante pretendendo no seu recurso relativo ao PIC a reapreciação da prova gravada, entende que deve ser aplicado ao prazo do recurso o disposto no artigo 638º do CPC, especialmente o seu n.º 7.
Para tanto, argumenta que o seu recurso embora no âmbito de um processo penal se restringe à matéria do pedido cível formulado nesse processo; entende estarem em causa apenas matérias de Direito Civil, pelo que têm de ser as regras do Processo Civil a reger o recurso restrito a essas matérias.
Mais argumenta que o assistente é no pedido cível uma parte com poderes plenos de parte, com os direitos e os deveres do Autor numa acção civil, e porque é de uma acção civil que, para todos os efeitos, se trata as suas regras têm de ser as do Processo Civil.
Vejamos.
Entendemos que não assiste razão à reclamante.
Dispõe o artigo 71º do C.P.P. que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei” – é o denominado “princípio de adesão”.
Por sua vez, dispõe o artigo 129º do CP que “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.”
Destes dois incisos decorre o seguinte:
- A tramitação do pedido de indemnização cível obedece às regras do processo penal. Paradigma desta afirmação são, entre outras, as disposições dos artigos 74º, 77º, 78º e 400º, n.ºs 2 e 3, 401º, 1 c), 402º, 2, als. b) e c) 403º, 2 b), e n.º 3, do CPP. Se não fosse o CPP a regular a tramitação processual do pedido cível o diploma processual penal, certamente, não dedicaria tão pormenorizado regime ao mesmo, limitar-se-ia a remeter para o regime do CPC. No sentido de que não são aplicáveis ao pedido cível o artigo 678º n.º 1 do CPC, atual artigo 629º do CPC, e as regas do ónus de impugnação, se pronunciou o STJ respetivamente nos seus acórdãos de 14.11.1991[1] e de 12.11.1995[2].
- A indemnização civil do dano produzido pelo crime é atribuída e calculada com base em critérios puramente civis. A lei civil determina os pressupostos, o montante e os prazos de prescrição do direito à responsabilidade civil.[3]
Não há dúvidas que quer o recurso quer a presente reclamação têm na sua génese um pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, o qual tem como pressuposto a prática de um crime pelas arguidas/demandadas civis.
Aliás o recurso impugna matéria estritamente penal, visando obter a indemnização peticionada. “…o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal.”[4]
Posto isto, concluímos que o recurso do pedido de indemnização cível deduzido no âmbito do processo penal se rege pelas normas respetivas, previstas no Código de Processo Penal
Excetuada esta primeira introdução a verdadeira questão colocada na presente reclamação – saber se o prazo estabelecido no artigo 411º, n.º1 al b) do CPP, deve ser acrescido do prazo de 10 dias previsto no n.º 7 do artigo 638º do CPC, “quando o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada” - tem sido bastas vezes levantada em Reclamações e tem sucessivamente obtido a mesma resposta que a seguir se vai expor.
Como vimos o regime aplicável ao recurso é o regime dos recursos do Código de processo penal.
Não vislumbramos que o CPP enferme de qualquer lacuna nesta matéria cuja integração interpelasse a aplicação do disposto no art. 638º, n.º 7, do CPC, por exigência do art. 4º do CPP.
A atual redação do artigo 411º do CPP - introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21.02 -, estipula no seu nº 1 que “O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;
c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente”.
Com a referida lei 20/2013 foi revogado o nº 4 de tal preceito que tinha a seguinte redacção: “Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos nºs 1 e 3 são elevados para 30 dias”.
Resulta das referidas alterações que com a modificação do prazo anterior o legislador processual penal estatuiu um prazo único de 30 dias para a interposição do recurso penal, independentemente de ser impugnada a matéria de facto[5].
Assim, seria ilógico[6], por não ter em atenção as sucessivas alterações da norma em questão aderir a qualquer posição que estendesse o prazo de recurso previsto no artigo 411º do CPP, nos 10 dias previstos no n.º 7 do artigo 638º do CPC.
Seria a todas as luzes incoerente e desrazoável que o legislador quisesse que o recorrente/reclamante beneficiasse da prorrogação do prazo de interposição de recurso em dez dias, por aplicação subsidiária do nº 7, do art. 638º do CPC, no caso de impugnação da matéria de facto, quando a lei que alterou o artigo 411º e que estipula o atual prazo de 30 dias, revogou a norma que na lei processual penal distinguia os prazos, nomeadamente para estabelecimento do prazo de interposição de recurso, consoante o recurso visasse a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto ou não visasse essa impugnação.
O CPP atual, nas palavras de Maia Gonçalves, “procurou, muito mais que o de 1929, estabelecer uma regulamentação total e autónoma do processo penal, tornando-a mais independente do processo civil. Isto é notório ao longo de todo o Código, e atinge a máxima expressão em matéria de recursos.”[7]
Aliás, o mesmo autor, no mesmo local, reforça com argumentos as razões de assim ser: O recurso à analogia para suprir as lacunas da lei processual penal é admissível, mas em moldes mais estritos do que suprir as lacunas da lei civil, pois o processo penal tem fins específicos a realizar, que poderiam ser postos em risco pelo uso excessivo da analogia, designadamente enfraquecendo a posição processual do arguido ou diminuindo-lhe os seus direitos. [sublinhado nosso]
Também para Cunha Rodrigues[8] “salvo pormenores de regulamentação que devem procurar-se, por via analógica, no código de processo civil (art. 4º do Código), os recursos penais passam a obedecer a princípios próprios, possuem uma estrutura normativa autónoma e desenvolvem-se segundo critérios a que não é alheia uma opção muito clara sobre a necessidade de valorizar a atitude prudencial do juiz. O Código rompe abertamente com a tradição que, há quase um século, geminou os recursos penais e cíveis.”
Como escreveu o Conselheiro Henriques Gaspar, no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2005[9] «O regime de recursos em processo penal, tanto na definição do modelo como nas concretizações no que respeita a pressupostos, à repartição de competências pelos tribunais de recurso, aos modos de decisão do recurso e aos respectivos prazos de interposição, está construído numa perspectiva de autonomia processual, que o legislador pretende própria do processo penal e adequada às finalidades de interesse público a cuja realização está vinculado
Finalmente, a aplicação do n.º 7 do artigo 638º, não se harmoniza com o processo penal, como o exige o artigo 4º do CPP, cujo regime de recursos é dominado pela preocupação de “potenciar a economia processual numa óptica de celeridade e de eficiência”, como resulta do preâmbulo do CPP, desiderato que não se compagina com a prorrogação do prazo de interposição de recurso.
A improrrogabilidade do prazo de interposição de recurso – que colhe a sua justificação em princípios e interesse de ordem pública – não é, seguramente, um “pormenor de regulamentação”. Tal improrrogabilidade é, também, reclamada pela necessidade de não prolongar a prisão preventiva de eventuais arguidos que se encontram nessa situação, na necessidade de julgar a causa em prazo razoável, etc.
Assim, entendemos que o legislador processual penal quis deliberadamente adotar o aludido procedimento e um prazo de recurso uno e distinto do processo civil, prescrevendo o prazo global de 30 dias para a interposição do recurso.
Trata-se, pois, de uma especificidade do CPP, inexistindo qualquer caso omisso que importe suprir por aplicação da lei processual civil, ao abrigo do invocado art. 4º do CPP.
Quanto à invocada violação do princípio da igualdade.
Argumenta o reclamante que qualquer interpretação – diferente da que reclamava - conduziria a uma intolerável violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa colocando, sem qualquer razão justificativa, a parte civil numa acção penal, numa situação de inadmissível desvantagem em relação à parte civil numa ação civil, tratando de forma distinta o que é em tudo igual.
A posição do reclamante vem a traduzir-se numa discordância relativamente ao prazo de recurso consagrado no artigo 411º do CPP, quando comprado com o prazo previsto no artigo 638º, do CPC, especialmente no seu n.º 7, que concede um prazo suplementar de 10 dias quando se pretenda impugnar a matéria de facto.
Todavia, para encurtarmos razões e sem descurar a ampla liberdade de conformação do legislador, basta atentar na solução legal dos dois regimes de recursos para logo se divisarem razões objetivas capazes de incutir a razoabilidade da solução legislativa.
Com efeito, os ónus impostos ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, ao abrigo do artigo 640º do CPC são mais extensos, exigem maior labor e, consequentemente, são mais morosos, do que os impostos ao recorrente pelo artigo 412º, n.º 3, do CPP – nomeadamente no que concerne à obrigação de especificar sob pena de rejeição “a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Portanto, há uma razão objectiva[10], logo ao nível de estrita comparação de regime de recursos, para o legislador ter consagrado diversos prazos para o mesmo desiderato no recurso penal - mesmo se restrito apenas ao pedido de indemnização civil - e na ação cível. Acresce haver razões mais amplas para os prazos de recurso em processo penal serem diferentes. Como dissemos o processo penal adequa as suas regras às finalidades de interesse público a cuja realização está vinculado; por outro lado, e nessa senda, há muitas vezes arguidos em prisão preventiva, com prazos apertados estabelecidos por lei e outros processos urgentes, que exigem do legislador e dos tribunais uma atitude prudencial que não tem a mesma premência no processo cível – veja-se o disposto no artigo 32º, n.º 2, da CRP.
Tanto basta para que consideremos que as soluções encontradas são razoáveis, há fundamento material suficiente para as diferenças de regime e considerar que não há qualquer violação do princípio da igualdade à luz do princípio da proibição do arbítrio.
Finalmente, o prazo previsto no artigo 411º do CPP, na redação introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21.02, quanto à interposição de recurso não cerceia as garantias de defesa ou impede a interposição de recurso quer do arguido quer do assistente, num prazo compatível com a defesa dos interesses dos diversos sujeitos processuais.
Ante o exposto é claro que o recurso interposto em 10/05/22, é intempestivo como foi considerado no despacho reclamado.
Assim, a decisão reclamada é para manter.
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O reclamante/assistente por ter decaído no incidente paga custas nos termos do artigo 8º, n.º 9 do RCP e Tabela III, anexa, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
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III. Pelo exposto, desatende-se a reclamação apresentada pelo assistente, mantendo-se o despacho sob reclamação.
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Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, art. 8º, n.º 9, do RCP e Tabela anexa n.º III.
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Notifique.
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Porto, 04 de Julho 2022.
Maria Dolores da Silva e Sousa
[Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto]
________________
[1] BMJ, 411, 453, citado por Paulo Pinto Albuquerque, na obra a seguir indicada.
[2] CJ., Acs. STJ, III, 1, 181.
[3] CF, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de processo penal, 4ª edição atualizada, UCE, p. 229.
[4] Cf. acórdão do TRP de 01.07.2009, acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/983d1501e607f571802575ed0050f053?OpenDocument
[5] Anteriormente o prazo para recorrer era de 20 dias, acrescido de 10 dias, caso houvesse impugnação da matéria de facto.
[6] Basta confrontar as versões do preceito provenientes da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, Lei 48/2007, de 29.08 e Lei 20/2013, de 21.02, para chegar a tal conclusão.
[7] Cf. Código de Processo Penal Anotado, p. 64, 17ª edição, 2009, em anotação ao artigo 4º do CPP.
[8] Jornadas de Direito Processual Penal (CEJ), p. 384.
[9] Cf. Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 9/2005, de 11.10.2005, acedido aqui: https://files.dre.pt/1s/2005/12/233a00/69366941.pdf
[10] Outras se divisam, como as que derivam das complexas regras do ónus da prova em processo civil.
Decisão Texto Integral: