Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
159/16.5T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA NÃO FORMALMENTE IMPUGNADA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
TÍTULO EXECUTIVO
RECONHECIMENTO DE DÍVIDA
Nº do Documento: RP20240304159/16.5T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 03/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A atividade cognitiva em sede de matéria de facto quer do tribunal a quo (artigo 662º, nº 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil), quer do tribunal ad quem, por identidade de razão, rege-se por uma maior amplitude do que as regras que disciplinam a cognição da matéria de direito.
II - Estando em causa matéria não formalmente impugnada mas que se acha em total oposição com matéria formalmente impugnada, mesmo a matéria não formalmente impugnada pode vir a ser alterada já que se após conhecimento da matéria formalmente impugnada proceder a impugnação, o tribunal ad quem sempre deverá remover as contradições existentes com a restante matéria dada como provada.
III - Se a matéria de facto não impugnada não se acha em oposição com a matéria impugnada mas ainda assim, ao não ser impugnada, obsta a que a pretensão final do recorrente proceda, mesmo procedendo a impugnação da decisão da matéria de facto formalmente deduzida, o tribunal ad quem deverá cingir-se à matéria formalmente impugnada e deverá indeferir a impugnação da decisão da matéria de facto por ser inútil pois que mesmo procedendo a impugnação, nunca a pretensão final do recorrente poderá ter acolhimento por se dever manter matéria de facto que não foi impugnada e que por si só obsta à procedência da pretensão final do recorrente.
IV - A força probatória plena do documento autêntico cinge-se aos factos praticados ou percecionados pela autoridade ou oficial público documentador (veja-se o nº 1 do artigo 371º do Código Civil), nada obstando a que se demonstre que o declarado e plenamente provado não corresponde à realidade, nomeadamente porque o declarado foi em erro ou sob coação (veja-se o artigo 347º do Código Civil).
V - Sendo o título executivo que serve de base à reclamação de créditos um reconhecimento de dívida (artigo 458º, nº 1, do Código Civil), impendia sobre o reclamado o ónus de alegar e provar a inexistência de relação fundamental subjacente àquele reconhecimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 159/16.5T8PRT-B.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 159/16.5T8PRT-B.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório

Em 28 de junho de 2016, por apenso à ação executiva sumária para pagamento de quantia certa, com o nº 159/16.5T8PRT, pendente na Primeira Secção de Execução da Instância Central do Porto, Comarca do Porto, instaurada por AA e BB contra CC[1],  adrede citado para o efeito, DD veio reclamar créditos alegando para tanto, em síntese, que mediante escritura pública celebrada em 27 de setembro[2] de 2013, no Cartório Notarial de EE, em Guimarães, CC confessou-se devedor da importância de sessenta mil euros ao reclamante, dívida que resultou de vários empréstimos que o reclamante fez ao reclamado no ano de 2013, obrigando-se o executado, aqui reclamado, a restituir a referida importância no prazo de seis meses a contar da outorga da referida escritura pública; até à reclamação de créditos o reclamado não restituiu ao reclamante a importância que este lhe emprestou nem pagou os juros que entretanto se foram vencendo; para garantia do capital mutuado, juros remuneratórios à taxa de 4%, juros de mora à taxa de 3% e despesas judiciais e extrajudiciais que o exequente tenha de fazer para efetivar o seu direito no montante de € 2 000,000, o executado deu em hipoteca metade indivisa do prédio urbano composto de edifício de rés do chão, primeiro e segundo andares e sótão, com logradouro, situado na Praça ..., União das Freguesias ..., ... e ..., concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o nº ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...; o direito dado em hipoteca está penhorado na ação executiva nº 159/16.5T8PRT; a hipoteca foi registada a favor do reclamante pela apresentação nº ... de 28 de novembro de 2013, com o montante máximo assegurado de € 74 600,00.

Observado o disposto no nº 1 do artigo 789º, do Código de Processo Civil, CC impugnou a reclamação de créditos, alegando para o efeito, em síntese, que o reclamante nem em 2013, nem em qualquer outra altura lhe fez algum empréstimo, que o reclamante engendrou um plano para conseguir obter do reclamado diversas quantias em dinheiro que fez suas, que bem sabia não serem devidas; para o efeito convenceu o reclamado de que era necessário efetuar diversos pagamentos para que ele próprio evitasse a realização de arrestos e de penhoras no âmbito de processos instaurados contra o aqui reclamado de cuja existência o reclamante tivera conhecimento, processos esses que, segundo o reclamante, tinham sido instaurados contra o reclamado, pelo facto de o reclamado ter sido sócio da sociedade comercial por quotas com a firma A... LDA; pediu então ao reclamado, que lhe entregou, várias dezenas de milhares de euros para que aquele fosse alegadamente entregando aos Solicitadores nomeados em cada um dos alegados processos, bem como para suportar taxas de justiça e custas judiciais; convenceu ainda o reclamado de que deveria constituir sociedades em Espanha para o que igualmente lhe pediu, e este entregou, dinheiro para esse efeito, sendo certo que o reclamado deslocou-se a Vigo, Espanha, juntamente com o reclamante e procedeu ao imediato depósito da quantia de € 2 000,00 em dinheiro numa conta bancária na Banco 1..., agência de Vigo, alegadamente pertencente ao reclamante e destinada a pagar as despesas de constituição e da contabilidade de uma sociedade comercial de direito espanhol, depósitos esses que o reclamado efetuou e que o reclamante fez seus; nenhuma sociedade foi constituída; com as mais variadas histórias, o valor que foi assim sendo entregue pelo reclamado ao reclamante foi de várias dezenas de milhares de euros; ainda insatisfeito com o dinheiro que havia assim obtido do reclamado, engendrou um outro plano para, segundo ele, evitar a realização de penhoras na metade indivisa do prédio melhor identificado na escritura pública de hipoteca que juntou na Reclamação de Créditos, convencendo o reclamado a realizar tal escritura; tudo isto depois de ter anteriormente convencido o reclamado a assinar várias declarações de dívida, cujos valores delas constantes eram colocados pelo reclamante a seu bel-prazer e sem que as mesmas tivessem alguma coincidência com a realidade, pois que jamais o reclamado foi devedor do reclamante de qualquer quantia; relativamente à outorga da escritura e no sentido de mais facilmente convencer o reclamado a celebrar a mesma, desde logo se prontificou a imediatamente emitir uma declaração para o registo de cancelamento da hipoteca; o reclamante conseguiu obter tais quantias por ter convencido o reclamado de que se não fossem entregues poderia sofrer as consequências de um arresto ou de uma penhora, que teria por objeto a sua residência, bem como a residência das suas filhas e que seria feita por Solicitadores de Execução, acompanhados pela polícia; para convencer o reclamado, o reclamante simulava telefonemas com os alegados Solicitadores de Execução, fazendo crer ao reclamado a dificuldade que tinha em demovê-los de fazer aquelas diligências e que tal só era possível através de pagamentos parciais das alegadas dívidas; foram várias dezenas de milhares de euros assim entregues pelo reclamado ao reclamante, que para o efeito se viu obrigado a recorrer a empréstimos de pessoas amigas, tal foi o estado de medo e inquietação em que se encontrava de ver concretizadas penhoras ou arrestos, designadamente na residência das suas filhas, quantias essas que aquele fez suas; ainda insatisfeito com o dinheiro que havia assim obtido do reclamado, engendrou um outro plano para, segundo ele, evitar a realização de penhoras na metade indivisa do prédio melhor identificado na escritura pública de hipoteca que juntou na Reclamação de Créditos, convencendo o reclamado a realizar tal escritura; tudo isto depois de ter anteriormente convencido o reclamado a assinar várias declarações de dívida, cujos valores delas constantes eram colocados pelo reclamante a seu bel-prazer e sem que as mesmas tivessem alguma coincidência com a realidade, pois que jamais o reclamado foi devedor do reclamante de qualquer quantia.

O reclamante respondeu à impugnação pugnando pela sua total improcedência e ofereceu prova documental.

Em 21 de março de 2017, o reclamado foi convidado a aperfeiçoar a sua impugnação, convite que foi acatado, impugnando o reclamante os aperfeiçoamentos oferecidos pelo reclamado.

As partes foram convidadas a, querendo, pronunciarem-se sobre a dispensa de realização de audiência prévia.

Em 03 de janeiro de 2018 admitiu-se a resposta à impugnação da reclamação de créditos, fixou-se o valor da causa no montante de € 74 850,00, proferiu-se despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes, designando-se dia para realização da audiência final.

Em 12 de setembro de 2018, com fundamento em motivo justificado resultante da pendência de recurso interposto em embargos de executado que em primeira instância foram julgados totalmente procedentes, foi declarada a suspensão da instância nestes autos.

Em 11 de outubro de 2021 designou-se nova data para realização da audiência final.

Em 15 de fevereiro de 2022 deferiu-se requerimento de reclamante e reclamado no sentido de suspensão da instância por trinta dias em virtude de estarem em curso negociações para resolução consensual do litígio, designando-se logo data para realização da audiência final prevenindo a eventualidade da almejada resolução consensual do litígio não se concretizar.

A audiência final realizou-se em duas sessões e em 30 de janeiro de 2023 foi proferida sentença[3] que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto,

- julgo verificados os créditos aqui reclamados por DD, no montante global de € 74.850,00 (setenta e quatro mil, oitocentos e cinquenta euros), acrescido de juros vincendos/despesas e como pedido;

- sem prejuízo do pagamento precípuo das custas (da execução e do concurso), para pagamento pelo produto da alienação do referido imóvel penhorado (acima referido em 1.º), graduo os créditos verificados e o crédito exequendo do seguinte modo:

1.º - crédito exequendo.

2.º - créditos aqui reclamados por DD e acima verificados.


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Custas pelo aqui reclamado/executado, mantendo-se à presente reclamação o valor indicado na petição inicial[[4]].

Registe e notifique.

Em 13 de março de 2023, inconformado com a sentença que precede, CC interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Entende-se hoje que um sistema judicial inspirado em valores democráticos não é compatível com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz e que só uma cabal fundamentação da decisão permite o controlo da legalidade do ato e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da correção e justiça, sendo ainda um meio importante para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autocontrolo.

2. Porém, como tem dito o Tribunal Constitucional, a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma atividade puramente subjetiva, emocional e, portanto, não fundamentada juridicamente. Tal princípio, no entendimento do Tribunal Constitucional, concretiza-se numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitirá ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão.

3. Da análise da motivação quanto à decisão de facto, manifestamente se constata tratar-se de uma fundamentação facilmente utilizada em todas as decisões de facto, pois está carregada de meras considerações conclusivas, facilmente aplicáveis a qualquer decisão de facto.

4. O Recorrente expressamente impugna a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, considerando que, face à prova produzida, deveria ter sido dado como não provado a matéria de facto constante do nº 10 dos facos provados.

5. Atenta a simplicidade desta questão, o certo é que inexistem nos autos quaisquer cheques, sendo que «considerando as circunstâncias concretas deste caso, bem como as regras da lógica, da ciência e da experiência comum» tão amplamente utilizada na fundamentação da convicção do Tribunal, crê-se que sendo o Reclamante portador dos ditos cheques os mesmos estariam juntos aos autos, o que não sucede, tendo apenas o mesmo, em sede de prestação de depoimento de parte, declarado ter tais cheques consigo (conforme transcrição do seu depoimento anteriormente efetuada).

6. Uma vez que não se encontram junto aos autos, nem o Tribunal concretiza «que documentos são aqueles juntos aos autos», tal factualidade deveria ter sido dada como não provada.

7. O Recorrente expressamente impugna ainda a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente à totalidade dos factos que foram dados como não provados, mas que deveriam ter sido dados como provados, pelas razões a seguir indicadas;

8. O Recorrente discorda da decisão de facto proferida pelo Tribunal relativamente a estes factos desde logo porque, ao contrário do entendimento do Tribunal, o Reclamante não depôs «de forma coerente e credível, com corroboração em parte pelos documentos juntos e pelo depoimento da testemunha por si arrolada».

9. Aliás, quanto a essa testemunha é o próprio Tribunal que admite que nada sabia da dívida reclamada nestes autos, depondo de forma pouco esclarecedora sobre os factos essenciais aqui em causa.

10. E quanto à falta de credibilidade no depoimento do Reclamante, o mesmo é manifesto e resultou desde logo quando explicou ao Tribunal a razão de estar a ler a sua própria morada, referindo ter mudado o seu domicilio há um mês e qualquer coisa, não obstante tal morada já constar da procuração junta aos autos a 3 de junho de 2022.

11. Mas mais grave foram as suas declarações relativas aos factos em discussão nos autos, totalmente contraditórias entre si. Ora referiu que os cheques foram todos entregues aquando da realização da escritura de confissão de divida com hipoteca. Depois refere que ficou com 3 cheques na sua posse. Refere, por outro lado, que o Reclamado nunca lhe pagou nada, «zero», segundo o próprio. Depois admite que aquele lhe pagou e mais ainda. Que lhe devolvia os cheques aquando dos pagamentos, tudo conforme se alcança das transcrições anteriormente efetuadas, que se dão aqui por integralmente reproduzidas.

12. Quanto aos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Reclamado, o Tribunal afastou todas elas por considerar as mesmas incoerentes, não convincentes e, relativamente à testemunha FF, resultante da relação parafamiliar/afetiva e de muita proximidade com o executado.

13. Os fundamentos invocados pelo Tribunal para afastar o depoimento de todas as testemunhas indicadas pelo Reclamado são iguais - ausência de confirmação do seu depoimento por outras provas relevantes e olhando ainda às regras da experiência comum, da normalidade e da lógica! - manifestamente conclusivos e nada consentâneos com a realidade.

14. Assim, tal como se demonstrou da transcrição do depoimento da FF, a mesma revelou ter conhecimento direto dos factos, presenciou alguns deles e relatou o que passou, naturalmente num estado emocional próprio de quem passa por uma situação como a que descreveu, facilmente percetível da audição das gravações.

15. Nada do que disse poderá ser entendido como resultado da proximidade com o Reclamado nem o Tribunal explica em que termos é que essa proximidade contaminou o seu depoimento.

16. Foi um depoimento carregado de emoção, coerente e credível, permitindo a prova da factualidade dada como não provada.

17. Relativamente à testemunha GG, a mesma relatou ter presenciado um dos encontros entre Reclamante e Reclamado e confirmou o que se passou nesse encontro, descrevendo-o concretamente: É assim, o… daquilo que eu me lembro o Sr. DD ele estava sempre ao telefone, ele ia e vinha, ia e vinha e dizia que estava a receber informações para saber ao certo que é que se ia passar, o que é que os outros estavam a fazer. Portanto, e era isto sempre constante. O Dr. CC tinha dito que ele que tinha já investido algum dinheiro, que lhe tinha dado já algum dinheiro para pagar a algumas pessoas e era sempre isto.

18. Nada do que o Tribunal referiu conta para afastar a credibilidade desta testemunha, que se mostrou credível e coerente, pelo que deveria ter sido aceite pelo Tribunal para dar como provada a factualidade dada como não provado.

19. Por outro lado, a testemunha HH refere a razão dos empréstimos efetuados ao Reclamado, o que é coincidente com o depoimento a este respeito da testemunha II, sendo que este refere expressamente que esse dinheiro se destinou a ser entregue ao Reclamante.

20. Pese embora os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, o Requerente entende que a decisão de facto relativamente aos factos dados como não provados deveria ter sido no sentido de provados, tal como resulta dos depoimentos prestados em audiência de julgamento e anteriormente transcritos, interpretados e analisados em conjunto entre si, e conjugados com:

a. a manifesta a falta de credibilidade no depoimento prestado pelo Reclamante;

b. a ausência de qualquer prova da entrega de dinheiro por parte do Reclamante ao Reclamado;

c. no absoluto desconhecimento dos factos em discussão nos presentes autos por parte da testemunha arrolada pelo Reclamante;

d. a falta de razões indicadas pelo Tribunal para afastar os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Reclamado, e e. as regras da experiencia experiência comum, da normalidade e da lógica.

21. Por último, o Tribunal andou mal quanto ao valor probatório que deu ao documento autentico em que se traduziu a escritura publica junta aos autos.

22. É que tal como no despacho saneador, sujeitou a prova testemunhal à restrição prevista no artigo 393º, nº 3 e 394º, nº 1e 2, ambos do Código Civil, entendendo estar-se perante a simulação.

23. Porém, a factualidade que foi dada como não provada não é subsumível na simulação ou no acordo simulatório, mas no negócio usurário, previsto no artigo 282º do Código Civil.

24. A força probatória material dos documentos autênticos é definida pelo artigo 371.º do Código Civil, de onde resulta que, relativamente à escritura publica que suportou a reclamação de créditos, deverá ter-se em conta que, por se tratar de um documento autêntico, faz prova plena quanto aos atos nele indicados como tendo sido praticados pela entidade documentadora e quanto aos factos que ocorreram na presença do documentador, isto é, os factos que nele são atestados com base nas suas próprias perceções.

25. Deste modo, a menção contida na escritura publica de «confissão de divida com hipoteca» de que o Reclamado se confessa devedor da quantia de 60.000,00 € e que tal quantia resulta de vários empréstimos que lhe foram efetuados pelo aqui Reclamante ao longo dos últimos meses, só faz prova plena se esses vários empréstimos tivessem sido realizados na presença do notário e este o atestasse naquele instrumento.

26. A escritura publica apenas faz prova plena que as partes fizeram essa declaração,

27. Pelo que o Reclamado teria sempre a possibilidade de, por outro meio probatório, demonstrar que o ali declarado não é verdadeiro8[A nota de rodapé com o nº 8 tem o seguinte conteúdo: “Neste sentido: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto: Processo: 2390/18.0T8PNF-A.P1, de 06-02-2020, in www.dgsi.pt.], o que conseguiu, tal como exposto anteriormente.”

DD respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da reapreciação do ponto 10 dos factos provados e de todos os factos não provados;

2.2 Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.

3.Fundamentos                                                                                                             

3.1 Da reapreciação do ponto 10 dos factos provados e de todos os factos não provados

O recorrente impugna o ponto 10 dos factos provados e todos os pontos dos factos não provados.

Os pontos de facto impugnados têm o seguinte conteúdo:

- O reclamante ainda é portador de três cheques emitidos pelo executado à sua ordem, que nunca foram apresentados a pagamento, como tudo consta dos documentos juntos aos autos (ponto 10 dos factos provados);

- O Reclamante não fez qualquer empréstimo de dinheiro ao Executado no decurso do ano de 2013, ou em qualquer outra altura (ponto 1 dos factos não provados);

- O Reclamante, aproveitando-se da relação de amizade e confiança que tinha com o Executado, engendrou um plano para conseguir obter deste diversas quantias em dinheiro, que bem sabia não serem devidas, que fez suas integrando no seu património (ponto 2 dos factos não provados);

- Para o efeito convenceu o Executado de que era necessário efetuar diversos pagamentos para que ele próprio evitasse a realização de arrestos e de penhoras no âmbito de processos instaurados contra o aqui Executado, que o Reclamante tivera conhecimento da sua existência, processos esses que, segundo o Reclamante, tinham sido instaurados contra ele,  decorrentes do facto do Executado ter sido sócio da sociedade comercial por quotas com a firma A... LDA (ponto 3 dos factos não provados);

- Pediu então ao Executado, que lhe entregou, várias dezenas de milhares de euros para que aquele fosse alegadamente entregando aos Solicitadores nomeados em cada um dos alegados processos, bem como para suportar taxas de justiça e custas judiciais (ponto 4 dos factos não provados);

- Convenceu ainda o Executado de que deveria constituir sociedades em Espanha para o que igualmente lhe pediu, e este entregou, dinheiro para esse efeito, sendo certo que o Executado deslocou-se a Vigo, Espanha, juntamente com o Reclamante e segundo a "estratégia" por este montada, e procedeu ao imediato depósito da quantia de € 2 000,00 em dinheiro numa conta bancária na Banco 1..., agência de Vigo, alegadamente pertencente ao Reclamante e destinada a pagar as despesas de constituição e da contabilidade de uma sociedade comercial de direito espanhol, depósitos esses que o Executado efetuou e que o Reclamante fez seus e integrou no seu património, mas nenhuma sociedade foi constituída (ponto 5 dos factos não provados);

- Foram várias dezenas de milhares de euros, o valor que foi assim sendo entregue pelo Executado ao Reclamante, com as mais variadas histórias, sendo certo que o Reclamante conseguiu obter tais quantias por ter convencido o Executado de que se não fossem entregues poderia sofrer as consequências de um arresto ou de uma penhora, que teria por objeto a sua residência, bem como a residência das suas filhas e que seria feita por Solicitadores de Execução, acompanhados pela Polícia (ponto 6 dos factos não provados);

- Para convencer o Executado, o Reclamante simulava telefonemas com os alegados Solicitadores de Execução, fazendo crer ao Executado a dificuldade que tinha em demovê-los de fazer aquelas diligências e que tal só era possível através de pagamentos parciais das alegadas dívidas (ponto 7 dos factos não provados);

- Foram várias dezenas de milhares de euros assim entregues pelo Executado ao Reclamante, que para o efeito se viu obrigado a recorrer a empréstimos de pessoas amigas, tal foi o estado de medo e inquietação em que se encontrava de ver concretizadas penhoras ou arrestos, designadamente na residência das suas filhas, quantias essas que aquele fez suas e integrou no seu património, sem que nada o justificasse (ponto 8 dos factos não provados);

- No decurso de tal objetivo, o próprio Reclamante, ainda insatisfeito com o dinheiro que havia assim obtido do Executado, engendrou um outro plano para, segundo ele, evitar a realização de penhoras na metade indivisa do prédio melhor identificado na escritura pública de hipoteca que juntou na Reclamação de Créditos, convencendo o Executado a realizar tal escritura (ponto 9 dos factos não provados);

- De acordo com o plano engendrado pelo Reclamante, convenceu o Reclamado de que bastaria a existência do registo da hipoteca na parte do prédio pertencente a este para que os alegados credores do Reclamado se sentissem inibidos de penhorar tal bem, convencendo o Reclamado a ausentar-se da sua residência por vários dias para segundo aquele permitir a entrada de uma nova lei que era mais benéfica para ele e que só se aplicaria se o Reclamado não fosse citado no âmbito da lei antiga (ponto 10 dos factos não provados);

- O Reclamante frequentava na altura o curso de solicitadoria, desconhecendo o Reclamado se é ou não verdade e se o mesmo o terminou, sendo certo que se arrogava ter conhecimentos provenientes desse curso que frequentava (ponto 11 dos factos não provados);

- O Reclamante aparecia frequentemente ao Reclamado, quer junto aos locais de trabalho deste, quer junto à sua residência, transmitindo a este uma grande preocupação e temor com o que lhe poderia acontecer, situação que foi gerando no Reclamado algum pavor, que o determinou a agir do modo que o Reclamante o ia convencendo (ponto 12 dos factos não provados);

- O Reclamante por várias vezes simulava telefonemas para alegados agentes de execução, na presença do Reclamado, para o convencer da veracidade das suas histórias e, fundamentalmente, de que o Reclamado corria sérios riscos de imediata penhora com remoção dos seus bens pessoais (ponto 13 dos factos não provados);

- O reclamante convenceu ainda o Executado a assinar várias declarações de dívida, cujos valores delas constantes eram colocados pelo Reclamante a seu bel-prazer e sem que as mesmas tivessem alguma coincidência com a realidade, pois que jamais o Executado foi devedor do Exequente de qualquer quantia (ponto 14 dos factos não provados);

- Relativamente à outorga da escritura e no sentido de mais facilmente convencer o Executado a celebrar a mesma, o reclamante desde logo se prontificou a imediatamente emitir uma declaração para o registo de cancelamento da hipoteca, sendo emitida tal declaração, mas o reclamante foi adiando a sua assinatura e posteriormente recusou fazê-lo (ponto 15 dos factos não provados);

- Não ocorreu nenhum empréstimo por parte do Reclamante ao Reclamado, e nenhuma dívida existe por parte do Executado ao Reclamante, bem antes pelo contrário, mas que será reclamada no momento e processo judicial próprio (ponto 16 dos factos não provados);

- Por carta registada com AR, de 15 de Julho de 2015, já o Executado havia exigido ao Reclamante a entrega de documento destinado ao registo do cancelamento da hipoteca, por se tratar de ato que não correspondia à verdade (ponto 17 dos factos não provados).

Em síntese, as razões que o recorrente indica para fundamentar as suas pretensões são as seguintes:

- quanto ao ponto 10 dos factos provados refere a falta de junção aos autos de qualquer prova documental dessa factualidade, não identificando o tribunal recorrido a que documentação alude concretamente;

- quanto aos pontos dos factos não provados o recorrente alega que o depoimento prestado pelo reclamante não tem credibilidade, por ser contraditório, que a testemunha por ele oferecida não revelou conhecimento dos factos e, pelo contrário, os depoimentos das testemunhas FF, GG, HH e II, que nos segmentos que considera relevantes transcreve e localiza temporalmente, pelo seu conteúdo e pela forma como foram prestados são merecedores de credibilidade e coonestados pelas regras da experiência comum, da normalidade e da lógica.

Os pontos 14 e 16 dos factos não provados estão em total oposição com parte da matéria dada como provada nos pontos 5 e 6 dos factos provados, pois que nestes últimos se deu como provada, respetivamente, a realização de vários empréstimos no ano de 2013, e a não restituição pelo reclamado das quantias que lhe foram mutuadas.

A questão que se coloca é a de saber se os aludidos factos provados se devem ter por impugnados ou podem vir a ser afetados pelo que resultar do conhecimento da impugnação dos aludidos factos não provados ou, ao contrário, atenta a não identificação dessa matéria como impugnada, tal contende com a impugnação da factualidade não provada requerida pelo recorrente, sendo fundamento de indeferimento da impugnação da decisão da matéria de facto.

Como é sabido, a atividade cognitiva do tribunal ad quem, ressalvados os casos de matéria de conhecimento oficioso, afere-se pelo conteúdo das conclusões (veja-se o nº 4 do artigo 635º do Código de Processo Civil).

No entanto, além dos ónus específicos que impendem sobre o impugnante da matéria de facto (artigo 640º do Código de Processo Civil), a própria atividade cognitiva em sede de matéria de facto quer do tribunal a quo (artigo 662º, nº 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil), quer do tribunal ad quem, por identidade de razão, rege-se por uma maior amplitude do que as regras que disciplinam a cognição da matéria de direito.

Porventura, dada a natureza do objeto da cognição e o objetivo de obter uma coerência narrativa, o tribunal não se deve quedar por uma mera interpretação literal da matéria impugnada, como aliás sucede em sede de articulados em que para a aferição de uma relevante impugnação se toma em consideração a defesa considerada no seu conjunto (artigo 574º, nº 2, do Código de Processo Civil).

A nosso ver, nada justifica que o tribunal ad quem tenha uma postura mais formalista nesta matéria do que a que é legal e expressamente permitida ao tribunal recorrido.

Na nossa perspetiva, tratando-se de matéria não formalmente impugnada mas que se acha em total oposição com matéria formalmente impugnada, cremos que mesmo a matéria não formalmente impugnada pode vir a ser alterada já que se após conhecimento da matéria formalmente impugnada proceder a impugnação, o tribunal ad quem sempre deverá remover as contradições existentes com a restante matéria dada como provada.

Nestes casos, dada a similitude da matéria formalmente impugnada e da não impugnada, a prova para conhecer da impugnação é comum a ambas as matérias.

Já se a matéria não impugnada não se acha em oposição com a matéria impugnada mas ainda assim, ao não ser impugnada, obsta a que a pretensão final do recorrente proceda, mesmo procedendo a impugnação da decisão da matéria de facto formalmente deduzida[5], o tribunal ad quem deverá cingir-se à matéria formalmente impugnada.

Nesta eventualidade, cremos que será um caso em que a impugnação é inútil pois que mesmo procedendo, nunca a pretensão final do recorrente poderá ter acolhimento por se dever manter matéria de facto que não foi impugnada e que por si só obsta à procedência da pretensão final do recorrente. 

O tribunal recorrido motivou a sua decisão de facto nos seguintes termos:

A decisão da matéria de facto resultou da análise combinada dos depoimentos/declarações prestados em audiência e dos documentos juntos aos autos, em especial os acima identificados nos factos provados, além do acordo das partes, julgando o tribunal segundo a sua consciência e segundo a convicção que formou, tendo-se também em conta a regra orientadora plasmada no art.º 414.º do CPC (a dúvida resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita).


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O aqui credor reclamante prestou depoimento de parte na audiência, tal como consta da respetiva ata, confirmando a versão apresentada na sua reclamação e infirmando a versão contrária da contestação, esclarecendo os motivos, todo o contexto e como foi celebrada a escritura do empréstimo/confissão de dívida junta aos autos, depondo de forma coerente e credível, com corroboração em parte pelos documentos juntos e pelo depoimento da testemunha por si arrolada.

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O executado/reclamado prestou depoimento de parte na audiência, tal como consta da respetiva ata, confirmando parte da versão apresentada na sua contestação e infirmando a versão contrária da reclamação de créditos, negando a dívida reclamada, relatando também sobre as suas dívidas e da sua clínica médica.

A versão do executado/reclamado dada como não provada não foi totalmente esclarecedora nem credível, designadamente face ao seu conteúdo e aos interesses diretos que tinha na causa, nem foi devidamente corroborada por outros meios de prova suficientes, isentos e adequados, sendo também contrariada pelo depoimento/declarações do reclamante, em conjugação com os documentos juntos, em especial a escritura pública do empréstimo/confissão de dívida e os cheques juntos.


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Foi tido em conta o depoimento da testemunha arrolada pelo credor reclamante e inquirida em audiência (AA – professor e exequente nos autos principais), que nada sabia da dívida reclamada nestes autos, relatando sobre um negócio de cessão de quotas que o reclamante queria fazer, depondo de forma pouco esclarecedora sobre os factos essenciais aqui em causa.

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Foi também tido em conta o depoimento das testemunhas arroladas pelo executado/reclamado e inquiridas em audiência (FF, JJ, HH e II).

A testemunha FF veio referir ser a namorada/companheira do executado desde 2010, relatando sobre a dívida aqui em causa, que negou existir, dizendo que a declaração de dívida foi elaborada no seu escritório e computador e foi feita apenas para evitar o crédito do exequente AA, mas que o reclamante não assinou a declaração a desfazer tal negócio, e que o executado deu muito dinheiro ao reclamante, dizendo este que tal dinheiro era para travar e comprar os agentes de execução e evitar a penhora dos bens do executado.

O seu depoimento não se revelou seguro, nem coerente e convincente quanto à matéria de facto alegada pelo executado e dada por não provada, designadamente face ao seu teor, à relação parafamiliar/afetiva e de muita proximidade com o executado e à ausência de confirmação do seu depoimento por outras provas relevantes e ao depoimento em sentido do reclamante, em conjugação com a documentação junta aos autos e olhando ainda às regras da experiência comum, da normalidade e da lógica.


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A testemunha JJ, anterior funcionária do executado e da sua clínica médica, veio relatar sobre um encontro/conversa entre o aqui reclamante e o executado ocorrido em Braga (em local que não soube indicar), dizendo que não sabia se falaram em dinheiro entre eles, falando sobre as dívidas da clínica, confirmando também que não assistiu ao negócio aqui em causa, nem nada sabia de concreto sobre tal negócio/dívida aqui em causa.

O seu depoimento não se revelou seguro, nem coerente e convincente quanto à matéria de facto alegada pelo executado e dada por não provada, designadamente face ao seu teor e à ausência de confirmação do seu depoimento por outras provas relevantes e ao depoimento em sentido contrário/diferente do reclamante, em conjugação com a documentação junta aos autos e olhando ainda às regras da experiência comum, da normalidade e da lógica.


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As testemunhas HH e II, amigos e pacientes do executado, vieram relatar sobre os empréstimos de dinheiro em numerário e de valor elevado que fizeram ao executado, mas que este ainda não lhes devolveu, confirmando que não assistiram ao negócio aqui em causa, nem nada sabiam de concreto sobre tal negócio/dívida aqui em causa, nunca tendo presenciado qualquer atuação/episódio ocorrido entre o aqui reclamante e o executado.

Os seus depoimentos não se revelaram seguros, nem coerentes e convincentes quanto à matéria de facto alegada pelo executado e dada por não provada, designadamente face ao seu teor e à ausência de confirmação do seu depoimento por outras provas relevantes e ao depoimento em sentido contrário/diferente do reclamante, em conjugação com a documentação junta aos autos e olhando ainda às regras da experiência comum, da normalidade e da lógica.


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Na decisão positiva quanto aos factos provados n.ºs 1 a 10 teve-se em conta os documentos neles referidos e juntos aos autos, incluindo na execução, bem como o acordo parcial das partes, conforme se extrai dos articulados apresentados e da consulta dos autos, contribuindo ainda tais documentos para a decisão de considerar como não provados os factos não provados n.ºs 1 a 17.

Na decisão positiva quanto aos factos provados n.ºs 4 a 10 teve-se ainda em conta os depoimentos de parte do credor reclamante e do executado/reclamado, os quais também contribuíram para a decisão de considerar como não provados os factos não provados n.ºs 1 a 17.

Na decisão positiva quanto aos factos provados n.ºs 4 a 10 teve-se ainda em conta o depoimento da testemunha arrolada pelo credor reclamante, bem como os depoimentos das testemunhas arroladas pelo executado/reclamado, cujos depoimentos também contribuíram para a decisão de considerar como não provados os factos não provados n.ºs 1 a 17.


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A versão do executado/reclamado/impugnante que foi dada como não provada (acima referida – factos não provados n.ºs 1 a 17) não foi corroborada pela documentação junta aos autos, nem por outros meios de prova credíveis e seguros, conforme resultou da análise conjugada das provas produzidas, provando-se antes uma versão contrária/diferente dos factos.

Foram insuficientes e inconsistentes os meios de prova produzidos pelo executado/reclamado/impugnante para convencer o tribunal dos demais factos alegados na sua contestação, sendo tal versão também contrariada e infirmada pelos meios de prova apresentados pelo aqui credor reclamante, nos termos já acima indicados.

Interpretando e avaliando, em conjunto e no seu contexto, todas as provas produzidas, e considerando as regras da normalidade e da experiência comum, cremos que, nas circunstâncias concretas deste caso, com a formalização/celebração do empréstimo/confissão de dívida por escritura pública e em Notário, com empréstimo de dinheiro de elevado montante, e entre pessoas que se conheciam bem e todas com muita experiência profissional, de vida e de negócios, fixando-se ainda logo a data e condições precisas de pagamento, existindo também cheques de elevado valor passados, a versão do executado/reclamado não pode ser aqui acolhida, sendo antes de afastar, revelando-se a sua defesa como improvável e pouco plausível, atento todo o contexto e toda a atuação em causa nestes autos.

Como se extrai dos factos provados, provou-se assim que o contexto e as circunstâncias em que a citada escritura pública/acordo escrito foi elaborado e assinado foi muito diferente do alegado pelo executado/reclamado (cfr. o art.º 393.º, n.º 3, do Cód. Civil).

Como igualmente vem sendo entendido, a proibição resultante dos arts. 393.º, n.ºs 1 e 2, e 394.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil deve ser interpretada com restrições (cfr., entre muitos outros, o Dr. Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova Testemunhal, Almedina, 2013, em especial p. 213-233, bem como o Ac. do TRP de 29/09/2015, no proc. 3052/05.3TBVLG-A.P1, relatado pelo Sr. Des. Vieira e Cunha, in www.dgsi.pt/jtrp.).

De toda a prova produzida, devidamente analisada e conjugada, extrai-se que a referida escritura pública/acordo escrito foi esclarecida e livremente aceite/assinado pelo executado/reclamado, de acordo com a sua vontade, com o prévio acordo de todas as partes, e sem intenção de enganar/defraudar o executado, não tendo o aqui executado/reclamado conseguido afastar a força probatória do referido documento junto aos autos pelo credor reclamante (arts. 352.º, 358.º, n.º 2, 363.º, n.º 2, 371.º e 372.º, todos do Cód. Civil).

Situando-se este caso no âmbito da relação direta entre os outorgantes (mutuante e mutuário), é assim de manter e de ter aqui em conta a força probatória plena da confissão extrajudicial da dívida exarada na citada escritura pública (documento autêntico).

Por sua vez, a versão do credor reclamante é essencialmente de impugnação e estribada na documentação junta aos autos, em especial pelo documento de empréstimo/confissão de dívida e pelos demais documentos juntos aos autos.

Não foi feita prova cabal e concludente sobre os factos dados por não provados, aplicando-se ainda as respetivas regras do ónus da prova.

Em suma, face ao objeto do processo e à prova produzida, devidamente analisada e conjugada, e considerando as circunstâncias concretas deste caso, bem como as regras da lógica, da ciência e da experiência comum, cremos que outra não poderá ser a decisão sobre a matéria de facto.


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Não foi considerada na decisão da matéria de facto a matéria conclusiva, de direito ou irrelevante para a decisão a proferir constante dos articulados.

Cumpre apreciar e decidir.

Uma vez que o recorrente observa suficientemente os ónus que impendem sobre quem impugna a decisão da matéria de facto, procedeu-se à análise crítica da prova documental pertinente para conhecimento da impugnação deduzida[6] e ouviu-se a prova pessoal produzida em duas sessões da audiência final.

DD, residente em Espanha, em morada que não conhece de cor por alegadamente apenas ali morar há um mês[7], socorrendo-se de um papel para a indicar na audiência, referiu desempenhar as funções de assessor jurídico na sociedade “B..., S.A.” e na C..., declarando não estar titulado para o exercício de solicitadoria em território português; referiu que por diversas vezes, desde 2011 a 2013, emprestou ao reclamado importâncias que vieram a totalizar o montante de sessenta mil euros, recebendo do reclamado cheques de garantia preenchidos e assinados por este  e em montante correspondente aos valores emprestados em  numerário; aquando da celebração da escritura pública de confissão de dívida em 27 de novembro de 2013, entregou os cheques de garantia que havia recebido do reclamado ao mandatário deste, com exceção dos três cheques que ofereceu com a sua resposta à impugnação do reclamado mas cujos valores foram também incluídos na referida confissão de dívida; não entregou estes três cheques juntamente com os restantes por na altura da celebração da escritura pública de confissão de dívida não se acharem em seu poder;  negou toda a versão dos factos trazida a juízo pelo reclamado, nomeadamente que se tenha obrigado a fazer um distrate da hipoteca constituída para garantia do seu crédito sobre o reclamado e bem assim que alguma vez tenha recebido uma carta registada com aviso de receção remetida pelo reclamado e a exigir a subscrição de carta para distrate da hipoteca.

CC, médico a exercer funções no Hospital ..., no Hospital 1..., no seu consultório, na ... e no Hospital 2..., depois de admitir ter lido as peças processuais juntas aos autos, negou que alguma vez tenha recebido qualquer quantia emprestada pelo reclamante e pelo contrário, por variadas vezes, entregou dinheiro ao reclamante;  declarou que o reclamante lhe foi indicado por um colega de trabalho como pessoa que poderia associar-se a uma sociedade comercial de que o depoente era sócio e que atravessava dificuldades; instou o reclamante no sentido de saber se estava interessado em participar na referida sociedade, tendo  o reclamante respondido, num primeiro momento afirmativamente, tendo mais tarde declarado que desistia dessa participação, oferecendo-se para ajudar o depoente em tudo o que fosse necessário; entretanto, o reclamado foi sendo notificado no âmbito de ação executiva instaurada contra a sociedade que atravessava dificuldades e contra os sócios, entre os quais o depoente e, sabedor disso, o reclamante iniciou uma série de manobras para que o depoente lhe entregasse verbas que o reclamante faria chegar aos agentes de execução para “travar” o processo e que a escritura de confissão de dívida foi celebrada para que o reclamante aparecesse como um dos credores e tentar desse modo “travar” o processo; na mesma ocasião, o reclamante disse ao depoente que era conveniente deixar de trabalhar em Portugal e passasse a trabalhar em Espanha, tendo-se deslocado para o efeito a Espanha umas três vezes; entretanto recebeu uma chamada do reclamante a dizer-lhe que tinha que pagar umas custas em tribunal, tendo o depoente contactado o seu Advogado, para se informar do que tinha que pagar, tendo o seu Advogado respondido que nada tinha que pagar e que estava a ser roubado indecentemente, a ser vítima de extorsão; declarou nada ter recebido do reclamante e que pelo menos uma vez lhe passou um cheque, não recordando para que fim mas pensa que seria para o mesmo fim das outras verbas já entregues ao reclamante; afirmou que celebrou a escritura de confissão de dívida a conselho de seu advogado, Dr. KK, confessando a sua ignorância em matéria de leis; referiu que após a celebração da escritura enviaram ao reclamante uma carta com aviso de receção a fim de o mesmo se dirigir ao escritório do Advogado do depoente para aí assinar uma declaração para anular a escritura de confissão de dívida; as coisas em Espanha foram anuladas e cortou relações com o reclamante; entretanto, foi contactado por um advogado a fim de pagar o montante da confissão de dívida e que o reclamante lhe teria emprestado, o que é falso; esclareceu que os pagamentos feitos para “travar” os processos eram todos em dinheiro; confrontado com os cheques oferecidos pelo reclamante com a sua resposta reconheceu as suas assinaturas e bem assim a letra com que os referidos cheques foram preenchidos; pelos montantes apostos nos cheques, crê que terão sido para pagamento de despesas do reclamante pois que os valores para entregar aos agentes de execução eram sempre superiores aos valores que estão apostos nos cheques; o Dr. KK começou a acompanhar o depoente em 2013; afirmou ter havido outra confissão de dívida anterior à deste processo, verdadeira, a favor do reclamante, subscrita por ele e pelos seus sócios; as entregas ao reclamante foram sempre em dinheiro porque este assim o exigia, sendo pagamentos feitos atrás da cortina aos agentes de execução e para “travar” a execução, entregando-lhe para o efeito dez mil euros de cada vez, por sete ou oito vezes, obtendo esses valores mediante empréstimos junto de pessoas amigas; instado para esclarecer por que razão não havia participado criminalmente contra o reclamante depois de saber que havia sido enganado, foi incapaz de dar uma resposta declarando que essa hipótese tinha sido aventada e que chegou a fazer uma resenha histórica dos factos para essa finalidade; foi também incapaz de esclarecer por que razão o documento destinado a anular a confissão de dívida não foi logo assinado ao mesmo tempo desta última; no dia da escritura de confissão de dívida não viu o reclamante entregar cheques ao Dr. KK; declarou que um dia o reclamante lhe disse que tinha que tirar tudo de casa e sair de lá porque ia ser vítima de arresto, tendo tirado de casa uma série de garrafas e feito uma adenda ao contrato de arrendamento no sentido do recheio da casa ser todo propriedade do senhorio; através do reclamante obteve junto da polícia espanhola o cartão de residência em Espanha, pensando ter feito alguns pagamentos à fazenda espanhola; declarou ter entregado dois mil euros ao reclamante em Vigo, ao balcão da agência da Banco 1... nessa cidade para poder fazer parte da conta do reclamante.

AA, exequente na ação executiva a que estes autos estão apensados, nada declarou de relevante para a matéria em discussão nestes autos, com exceção do juízo que emitiu sobre o reclamado e no sentido de que não o tinha na conta de ignorante.

FF, empregada administrativa e contabilista, identificou-se como namorada do reclamado desde 2010, não estando em união de facto com este pois que cada um vivia na sua casa[8], embora vivessem como casal, manifestando vontade de depor; num registo algo histriónico e chegando aparentemente a chorar, declarou ter visto o reclamante três vezes e que este apareceu a ameaçar e a pedir dinheiro; negou que o reclamado devesse sessenta mil euros ao reclamante, “antes pelo contrário”; referiu que a declaração da confissão de dívida foi feita depois do reclamado já lhe ter entregado por diversas vezes dinheiro e que esse documento foi feito no seu escritório, no seu computador, na noite de 14 para 15 de agosto; afirmou que o reclamante andava sempre a pedir dinheiro e que dizia que era para os agentes de execução estarem quietinhos e disse ao reclamado para sair de casa, tendo este ido viver para casa das filhas algum tempo; o reclamante assustava toda a gente e a dada altura assustou a testemunha e o reclamado tendo ambos saído de casa e ido viver mais de uma semana em Caminha; achava estranho o que se passava mas o reclamado dizia que ele é que sabia; o reclamante fazia-se passar por diplomata timorense e tinha um passaporte diplomático e uma mala com fatos; nunca presenciou a entrega de dinheiro ou cheques ao reclamante mas entregou quatro mil e oitocentos euros ao CC destinados ao reclamante; referiu que a declaração era para o AA não conseguir penhorar o prédio e era para fazer outra declaração a dizer que o CC nada devia, nunca tendo esta declaração sido assinada pelo reclamante; por indicação do reclamante no sentido de que o reclamado não podia ter dinheiro no banco, o CC levantou no banco um PPR no montante de mil e oitocentos euros, indo essa importância para a conta do reclamante; o dinheiro que o reclamado entregava ao reclamante era para comprar os executores; declarou que o reclamado entregou ao reclamante talvez mais de setenta mil euros; no dia em que a declaração foi elaborada no seu escritório, deslocou-se para lá logo de manhã, por volta das oito horas e trinta minutos e como o reclamante e o reclamado nunca mais apareciam deitou-se sobre a carpete do escritório à espera deles, tendo ambos aparecido apenas por volta das vinte e três horas, sendo então elaborada a declaração; não viu a declaração ser assinada; o reclamante pedia dinheiro para dar aos agentes de execução porque senão iam lá tirar-lhes as coisas; instada para esclarecer por que razão logo aquando da elaboração da declaração de dívida não foi logo elaborada declaração no sentido do reclamado nada dever ao reclamante, a depoente manteve-se em silêncio.

GG, empregada de escritório e enfermeira, declarou ter trabalhado por conta do reclamado entre janeiro de 2012 e maio de 2012 e de outubro de 2012 a maio de 2013, tendo em maio de 2013, a pedido do reclamado, acompanhado este a Braga onde se encontrou com o reclamante por causa das dívidas da clínica; nessa altura o reclamante dizia que o reclamado se tinha de ausentar porque ia ser intimado e que os outros sócios da clínica lhe iam pôr um processo para ele ficar com as dívidas todas; a instâncias do Sr. Advogado do reclamante foi incapaz de situar o local em Braga onde se encontraram com o reclamante, declarando que o reclamado lhe pediu para o acompanhar a fim de assistir ao que se ia passar.

HH, gerente de uma sociedade comercial, declarou conhecer o reclamado e ser seu paciente e amigo; a pedido do reclamado emprestou-lhe dinheiro por causa de uns processos que tinha que resolver, tendo-lhe emprestado, ao todo quarenta e dois mil euros, no período de um ano, um ano e meio; na última vez que o reclamado lhe pediu dinheiro, não tinha a verba pretendida disponível, tendo sido o seu sogro a emprestar ao reclamado quinze mil euros; as entregas que fez ao reclamado foram sempre em numerário e não foi feito qualquer papel por causa das quantias entregues, não tendo ainda recebido de volta os valores que entregou.

 II, reformado, antigo diretor de produção de uma multinacional, declarou conhecer o reclamante e ser paciente e amigo do reclamado; a pedido do reclamado, por volta de 2013, entregou-lhe por duas vezes dinheiro para fazer parar um processo, no montante global de três mil e quinhentos a três mil e seiscentos euros, dinheiro que era para ser entregue ao reclamante, estando ainda desembolsado dos valores que entregou.

Rememorado o essencial dos depoimentos produzidos na audiência final é tempo de proceder à análise global e crítica dos mesmos.

Neste caso, como é frequente na prática judicial, os resultados da prova pessoal são contraditórios, formando-se dois blocos de depoentes, cada um deles a suportar a versão de cada uma das duas partes.

Num tal contexto, a fim de que o julgamento da matéria de facto não se converta num aleatório exercício irracional de adivinhação, muitas vezes com uma errada compreensão do princípio da livre apreciação das provas que o identifica com uma incontrolável e infundamentada íntima convicção[9], em que o “feeling” ou uma espécie de xamanismo judicial substitui as razões auto e heteroconvincentes, importa sobretudo que a prova pessoal seja corroborada por elementos dela independentes e não falsificáveis pela mesma. Deste modo se poderá afirmar que o tribunal formou uma prudente convicção quanto à realidade dos diversos factos controvertidos porque fundamentada racionalmente, raciocínio expresso e passível de reprodução e comunicação (veja-se o artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, na anterior redação e a que corresponde, atualmente, a primeira parte do nº 5, do artigo 607º do atual Código de Processo Civil).

No caso concreto deve começar por se destacar a grande inverosimilhança da versão dos factos trazida a juízo pelo reclamado, tanto mais que se trata de médico, com experiência profissional e negocial, tendo tido participação em diversas sociedades e contando sempre com assessoria jurídica.

A justificação avançada para a outorga da confissão de dívida exequenda é de todo inconsistente, mesmo para um cidadão comum, pois, em geral, as pessoas sabem que uma posição jurídica mais antiga prevalece sobre uma mais recente e na escritura de confissão exequenda consta a advertência da preexistência de hipoteca a favor do exequente nos autos a que estes estão apensados.

Tendo apoio jurídico (veja-se o ponto 9 dos factos provados que não foi impugnado) e afirmando o reclamado que a escritura exequenda foi celebrada a conselho do seu mandatário, pressuposta a sua versão dos factos, não se entende a finalidade da sua celebração, pois que nada mais seria do que uma despesa inútil para a finalidade alegadamente pretendida; além disso, se a referida confissão de dívida era “fingida”, por que razão não foram logo elaboradas contradeclarações, a fim de a posição do reclamado ficar salvaguardada.

A versão da namorada ou companheira do reclamado de que a declaração de dívida teria sido elaborada no seu escritório e com recurso ao seu computador não se coaduna com a circunstância da confissão exequenda ter sido celebrada por escritura pública e perante notário. Esta versão só teria algum sentido se acaso tivesse sido feita uma minuta, não resultando da prova produzida que isso tenha acontecido[10]. Mesmo em termos temporais, a versão desta depoente diverge da realidade dos factos já que situa a elaboração da declaração na noite de 14 para 15 de agosto de 2013 e a escritura pública de confissão de dívida foi celebrada em 27 de novembro de 2013, mais de três meses depois da data por ela indicada.

Enquanto o reclamado descreveu a alegada atuação do reclamante como indutora de erro ou engano na sua pessoa, a namorada ou companheira daquele enfatizou a conduta ameaçadora do reclamante, sem verdadeiramente concretizar em que se traduziam essas alegadas ameaças.

O reclamado foi incapaz de explicar por que razão logo que teve conhecimento do alegado engano cometido pelo reclamante não participou criminalmente contra este.

A testemunha instrumentária GG não oferece credibilidade pois que se como afirmou o reclamado este foi sendo enganado pelo reclamante, não se entende por que razão numa fase inicial dos seus contactos com o reclamante tomaria tais cautelas e, além disso, a testemunha foi de todo incapaz de descrever minimamente o local onde alegadamente terá ocorrido o encontro do reclamante com o reclamado, em Braga.

Finalmente, nem o reclamado nem a namorada ou companheira do mesmo referiram que as alegadas entregas sucessivas de dinheiro ao reclamante se destinavam ao pagamento parcial das quantias exequendas nos processos instaurados contra o reclamado, antes referindo ambos que tais verbas visavam apenas a paragem de tais autos.

A análise crítica que precede da prova pessoal produzida na audiência final permite-nos concluir não ter sido produzida prova que ponha em causa a veracidade do que foi declarado perante o notário e, por outro lado, o reclamante ofereceu prova documental, não impugnada formalmente pelo reclamado[11], que coonesta o que foi declarado na escritura pública de confissão de dívida quanto à causa da dívida confessada.

Na realidade, o reclamado apenas admitiu a entrega de um cheque ao reclamante, alegadamente para pagamento de despesas deste, não sabendo dar uma explicação consistente à detenção pelo reclamante de três cheques, nos montantes de, respetivamente, € 3 800,00, € 6 000,00 e € 4 000,00 e datados de 22 de agosto de 2013, 04 de janeiro de 2014 e 04 de janeiro de 2014.

A circunstância dos aludidos títulos não terem sido apresentados a pagamento corrobora fortemente a tese do reclamante de que seriam cheques de garantia de empréstimos feitos pelo reclamante a favor do reclamado.

Finalmente, alegando o recorrente que por carta registada com aviso de receção, de 15 de julho de 2015, exigiu ao reclamante a entrega de documento destinado ao registo do cancelamento da hipoteca, por se tratar de ato que não correspondia à verdade, é no mínimo estranho que o reclamado não ofereça uma cópia da referida correspondência nem tão-pouco comprovativo do registo postal.

Expostas as notas críticas da prova pessoal e documental produzida nas duas sessões da audiência final, é tempo de nos debruçarmos sobre cada um dos pontos de facto impugnados pelo recorrente.

No que respeita ao ponto 10 dos factos provados, ao contrário do que é afirmado pelo recorrente, o ora recorrido ofereceu prova documental desses factos com a sua resposta à impugnação da reclamação de créditos oferecida em 29 de setembro de 2016, prova que o reclamante apenas impugnou quanto ao seu alcance probatório no seu requerimento de 10 de outubro de 2016.

Por isso, neste contexto probatório, bem andou o tribunal a quo em julgar provada a aludida factualidade, não se divisando qualquer erro de apreciação da prova no que tange este ponto de facto, convergindo a convicção probatória deste tribunal com a do tribunal recorrido.

No que respeita à totalidade dos factos não provados impugnados pelo recorrente, atenta a análise crítica da prova pessoal e documental antes exposta, é ostensivo não ter sido produzida prova pessoal e documental que permita a formação de uma convicção positiva deste tribunal quanto à realidade de tais factos, sendo ao invés produzida prova pessoal e documental que corrobora a versão dos factos trazida a juízo pelo recorrido.

Por isso, nesse circunstancialismo probatório, deve manter-se intocada a aludida factualidade não provada, improcedendo totalmente a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente.

3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida[12] e que se mantêm por força da total improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente, não se divisando qualquer fundamento legal para a sua alteração oficiosa

3.2.1 Factos provados


3.2.1.1

Nos autos de Execução de que a presente reclamação de créditos constitui um apenso, foi, entre outros, penhorado:

a)- ½ do imóvel descrito no respetivo auto de penhora de 11/01/2016, descrito na CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DA PÓVOA DE VARZIM, sob o n.º ..., freguesia ..., onde está inscrita a propriedade a favor do aqui executado/reclamado.


3.2.1.2

Os exequentes têm registada a seu favor a penhora efetuada nos autos de execução referidos em 1.º [3.2.1.1], com data de registo de 11/01/2016, tendo também registada a seu favor uma hipoteca, com data de registo de 18/09/2012, para garantia da referida responsabilidade/confissão de dívida objeto da execução, que incide sobre o citado imóvel acima referido em 1.º  [3.2.1.1], sendo a quota hipotecada de ½.

3.2.1.3

O aqui reclamante tem registada a seu favor uma hipoteca, para garantia da citada confissão de dívida objeto desta reclamação, com data de registo de 28/11/2013 -Ap. ..., que incide sobre o citado imóvel referido em 1.º [3.2.1.1], sendo a quota hipotecada de ½.

3.2.1.4

Por Escritura Pública de 27/11/2013, outorgada no Cartório Notarial de EE, em Guimarães, constante no Livro das Escrituras Diversas número 237-A de folhas 148 a 149, o executado confessou-se devedor da importância de € 60.000,00 ao aqui reclamante.

3.2.1.5

A dívida confessada resultou da soma de vários empréstimos que o aqui reclamante fez ao reclamado no ano de 2013, obrigando-se o executado/reclamado a restituir a quantia emprestada no prazo de 6 meses a contar da data da outorga da referida e identificada escritura pública, acrescida dos juros convencionados.

3.2.1.6

O executado ainda não restituiu a importância que lhe foi emprestada pelo reclamante.

3.2.1.7

Para garantia do capital mutuado, juros remuneratórios, juros de mora e despesas, o executado constituiu hipoteca sobre o acima referido imóvel, que está registada a favor do aqui reclamante como acima indicado.

3.2.1.8

Em consequência direta do não pagamento da dívida e do montante de capital vencido em dívida e dos juros vencidos, o reclamante terá, de despesas judiciais e extrajudiciais, no mínimo, o montante garantido pela hipoteca, de € 2.000,00.

3.2.1.9

A sociedade A..., Lda., e o executado sempre tiveram assessores jurídicos, sendo o executado médico de profissão no ativo e na posse plena de todas as suas faculdades.

3.2.1.10

O reclamante ainda é portador de três cheques emitidos pelo executado à sua ordem, que nunca foram apresentados a pagamento.

3.2.2 Factos não provados


3.2.2.1

O reclamante não fez qualquer empréstimo de dinheiro ao executado no decurso do ano de 2013, ou em qualquer outra altura.

3.2.2.2

O reclamante, aproveitando-se da relação de amizade e confiança que tinha com o executado, engendrou um plano para conseguir obter deste diversas quantias em dinheiro, que bem sabia não serem devidas, que fez suas integrando-as no seu património.

3.2.2.3

Para o efeito convenceu o executado de que era necessário efetuar diversos pagamentos para que ele próprio evitasse a realização de arrestos e de penhoras no âmbito de processos instaurados contra o aqui executado, que o reclamante tivera conhecimento da sua existência, processos esses que, segundo o reclamante, tinham sido instaurados contra ele [reclamado],  decorrentes do facto do executado ter sido sócio da sociedade comercial por quotas com a firma A... LDA.

3.2.2.4

Pediu então ao executado, que lhe entregou, várias dezenas de milhares de euros para que aquele fosse alegadamente entregando aos solicitadores nomeados em cada um dos alegados processos, bem como para suportar taxas de justiça e custas judiciais.

3.2.2.5

Convenceu ainda o executado de que deveria constituir sociedades em Espanha para o que igualmente lhe pediu, e este entregou, dinheiro para esse efeito, sendo certo que o executado deslocou-se a Vigo, Espanha, juntamente com o reclamante e segundo a "estratégia" por este montada, e procedeu ao imediato depósito da quantia de € 2 000,00 em dinheiro numa conta bancária na Banco 1..., agência de Vigo, alegadamente pertencente ao reclamante e destinada a pagar as despesas de constituição e da contabilidade de uma sociedade comercial de direito espanhol, depósitos esses que o executado efetuou e que o reclamante fez seus e integrou no seu património, mas nenhuma sociedade foi constituída.

3.2.2.6

Foram várias dezenas de milhares de euros, o valor que foi assim sendo entregue pelo executado ao reclamante, com as mais variadas histórias, sendo certo que o reclamante conseguiu obter tais quantias por ter convencido o executado de que se não fossem entregues poderia sofrer as consequências de um arresto ou de uma penhora, que teria por objeto a sua residência, bem como a residência das suas filhas e que seria feita por solicitadores de execução, acompanhados pela polícia.

3.2.2.7

Para convencer o executado, o reclamante simulava telefonemas com os alegados solicitadores de execução, fazendo crer ao executado a dificuldade que tinha em demovê-los de fazer aquelas diligências e que tal só era possível através de pagamentos parciais das alegadas dívidas.

3.2.2.8

Foram várias dezenas de milhares de euros assim entregues pelo executado ao reclamante, que para o efeito se viu obrigado a recorrer a empréstimos de pessoas amigas, tal foi o estado de medo e inquietação em que se encontrava de ver concretizadas penhoras ou arrestos, designadamente na residência das suas filhas, quantias essas que aquele fez suas e integrou no seu património, sem que nada o justificasse.

3.2.2.9

No decurso de tal objetivo, o próprio reclamante, ainda insatisfeito com o dinheiro que havia assim obtido do executado, engendrou um outro plano para, segundo ele, evitar a realização de penhoras na metade indivisa do prédio melhor identificado na escritura pública de hipoteca que juntou na Reclamação de Créditos, convencendo o executado a realizar tal escritura.

3.2.2.10

De acordo com o plano engendrado pelo reclamante, convenceu o reclamado de que bastaria a existência do registo da hipoteca na parte do prédio pertencente a este para que os alegados credores do reclamado se sentissem inibidos de penhorar tal bem, convencendo o reclamado a ausentar-se da sua residência por vários dias para segundo aquele permitir a entrada [em vigor] de uma nova lei que era mais benéfica para ele e que só se aplicaria se o reclamado não fosse citado no âmbito da lei antiga.

3.2.2.11

O reclamante frequentava na altura o curso de solicitadoria, desconhecendo o reclamado se é ou não verdade e se o mesmo o terminou, sendo certo que se arrogava ter conhecimentos provenientes desse curso que frequentava.

3.2.2.12

O reclamante aparecia frequentemente ao reclamado, quer junto aos locais de trabalho deste, quer junto à sua residência, transmitindo a este uma grande preocupação e temor com o que lhe poderia acontecer, situação que foi gerando no reclamado algum pavor, que o determinou a agir do modo que o reclamante o ia convencendo.

3.2.2.13

O reclamante por várias vezes simulava telefonemas para alegados agentes de execução, na presença do reclamado, para o convencer da veracidade das suas histórias e, fundamentalmente, de que o reclamado corria sérios riscos de imediata penhora com remoção dos seus bens pessoais.

3.2.2.14

O reclamante convenceu ainda o executado a assinar várias declarações de dívida, cujos valores delas constantes eram colocados pelo reclamante a seu bel-prazer e sem que as mesmas tivessem alguma coincidência com a realidade, pois que jamais o executado foi devedor do exequente [ou reclamante?[13]] de qualquer quantia.

3.2.2.15

Relativamente à outorga da escritura e no sentido de mais facilmente convencer o executado a celebrar a mesma, o reclamante desde logo se prontificou a imediatamente emitir uma declaração para o registo de cancelamento da hipoteca, sendo emitida tal declaração, mas o reclamante foi adiando a sua assinatura e posteriormente recusou fazê-lo.

3.2.2.16

Não ocorreu nenhum empréstimo por parte do reclamante ao reclamado, e nenhuma dívida existe por parte do executado ao reclamante, bem antes pelo contrário, mas que será reclamada no momento e processo judicial próprio.

3.2.2.17

Por carta registada com AR, de 15 de julho de 2015, já o executado havia exigido ao reclamante a entrega de documento destinado ao registo do cancelamento da hipoteca, por se tratar de ato que não correspondia à verdade.

4. Fundamentos de direito

Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso

O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida em função da alteração da decisão da matéria de facto por que pugnou e, em todo o caso, porque entende dever ser admitido a produzir prova de que o declarado na escritura pública de confissão de dívida não corresponde à realidade, pois não está em causa uma declaração simulada mas sim um negócio usurário, ou seja a prova de um vício da vontade, nos termos gerais.

O recorrente questiona no recurso o direito de crédito do reclamante mas não critica a graduação de créditos a que o tribunal recorrido procedeu, razão pela qual o objeto do recurso se cinge à verificação do crédito reclamado.

Cumpre apreciar e decidir.

A simulação negocial verifica-se sempre que, por acordo entre declarante e declaratário, no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante (artigo 240º, nº 1, do Código Civil).

No caso dos autos, face à descrição dos factos que o ora recorrente fez na sua impugnação, não se vê que exista o acordo entre o declarante e o declaratário para enganar terceiros, antes é afirmado pelo recorrente ter sido enganado pelo recorrido. Por isso, na reapreciação da prova que este tribunal fez não se aplicaram as limitações probatórias previstas nos artigos 393º e 394º do Código Civil.

Estando em causa um documento autêntico, a sua força probatória plena cinge-se aos factos praticados ou percecionados pela autoridade ou oficial público documentador (veja-se o nº 1 do artigo 371º do Código Civil), nada obstando a que se demonstre que o declarado e plenamente provado não corresponde à realidade, nomeadamente porque o declarado foi em erro ou sob coação (veja-se o artigo 347º do Código Civil).

No caso dos autos importa ainda atentar que o título executivo que serve de base à reclamação de créditos é um reconhecimento de dívida (artigo 458º, nº 1, do Código Civil) e que neste caso, impendia sobre o ora recorrente o ónus de alegar e provar a inexistência de relação fundamental subjacente àquele reconhecimento.

Na verdade, embora na confissão de dívida se refira que a dívida reconhecida respeita a vários empréstimos feitos ao longo dos últimos meses pelo reclamante, esta indicação de causa é genérica, não sendo bastante para substanciar a causa do crédito reconhecido pelo reclamado. Daí que, neste circunstancialismo, tudo se deva passar como se o reconhecimento não indicasse a respetiva causa,  competindo ao ora recorrente a alegação e prova da inexistência de relação fundamental subjacente ao reconhecimento de dívida, sob pena de, não o fazendo, se manter vinculado ao reconhecimento de dívida por si efetuado.

Pelo exposto, seja porque a pretendida alteração da decisão da matéria de facto improcedeu, seja porque a força probatória da confissão de dívida que serve de base à reclamação de créditos não se mostra ilidida mediante a prova da inexistência da relação fundamental subjacente ao aludido reconhecimento, há que concluir pela total improcedência do recurso, devendo a sentença recorrida ser confirmada nos segmentos impugnados.

As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente por ter decaído nas suas pretensões recursórias (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por CC e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 30 de janeiro de 2023, nos segmentos impugnados.

Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


***

O presente acórdão compõe-se de trinta e uma páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 04 de março de 2024
Carlos Gil
Mendes Coelho
Eugénia Cunha
________________
[1] No requerimento executivo, em sede de alegação factual, os exequentes alegaram o seguinte: “1- O exequente AA, juntamente com o executado, LL e MM foram sócios da sociedade "A..., Lda", NIPC ..., com sede na Rua ..., da Póvoa de Varzim. - cfr. documento que se junta sob o n.º 1. 2- Nessa qualidade, em nome daquela sociedade, contrariam, todos e/ou alguns deles, junto da Banco 2... entre outros, os seguintes financiamentos: - Mútuo com aval, n.º ..., no valor de € 50.000,00, datado de Fevereiro de 2012, pelo prazo de 10 anos. - Mútuo com aval, n.º ..., no valor de € 80.000,00, datado de Fevereiro de 2010, pelo prazo de 12 anos. 3- Celebraram ainda com a Banco 2...,CRL, os seguintes financiamentos: - Contrato de locação financeira mobiliária n.º ... e respetivo aditamento, no valor de € 10.900,00, datado de Junho de 2010, pelo prazo de 5 anos. - Contrato de locação financeira mobiliária n.º ..., no valor de € 61.130,00, datado de Junho de 2010, pelo prazo de 5 anos. - Contrato de locação financeira mobiliária n.º ..., no valor de € 12.663,55, datado de Junho de 2010, pelo prazo de 3 anos. - Contrato de locação financeira mobiliária n.º ..., no valor de € 17.142,80, datado de Junho de 2010, pelo prazo de 5 anos. - Cfr. documentos que se juntam. 4- Os referidos sócios, nomeadamente aqui exequentes e o executado foram co-avalistas, com renuncia ao beneficio da excussão prévia, dos contratos mencionados supra. 5- Sucedeu contudo que, por escritura pública outorgada no dia 18 de Setembro de 2012, no Cartório Notarial de NN, sito na Praça ...,
rés-do-chão, na cidade da Póvoa de Varzim, o executado constituiu a favor dos exequentes hipoteca voluntária sobre metade indivisa do prédio urbano, composto por um edifício de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, com sótão e logradouro, sito na Praça ..., freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., da Póvoa de Varzim, registado a favor do executado pela apresentação ..., de 06-06-2008 e inscrito na altura da outorga da dita escritura na matriz predial urbana sob o artigo ..., da Póvoa de Varzim, atualmente sob o artigo 7619º, da União de freguesias ..., ... e .... - cfr escritura de hipoteca que se junta. 6- Tal hipoteca encontra-se averbada a favor dos exequentes pela apresentação ..., de 18/09/2012 - cfr. caderneta predial e certidão que se juntam. 7- A hipoteca destinou-se a garantir o bom e integral pagamento de todas e quaisquer responsabilidades, no valor global de € 231.836,41, decorrentes para os exequentes dos contratos de financiamento contraídos junto da Banco 2... e Banco 2..., melhor identificados supra. 8- Assim como das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e solicitadores que os exequentes houverem de fazer para garantia e assegurar o bom cumprimento das responsabilidades decorrentes daqueles contratos, fixadas em € 10.000,00. 9- Ficou ainda acordado e consignado nessa escritura de hipoteca, que o incumprimento de qualquer um dos contratos mencionados supra apenas poderia dar lugar a execução da hipoteca na data em que os exequentes fossem acionados em juízo ou quando tal incumprimento seja superior a 90 dias.- cfr. escritura de hipoteca. 10- Sucedeu que a referida sociedade "A..." incumpriu todos os contratos mencionados supra. - cfr. documentos que se juntam. 11-Tendo inclusive sida declarada insolvente. - cfr edital que se junta. 12- Tendo tomado conhecimento desse facto, os exequentes negociaram junto da Banco 2... o pagamento extra-judicial dos leasings ..., ..., ... e .... 13- Aceitou a Banco 2... receber dos exequentes somente 25% dos valores em divida – no montante à data de € 7.244,49 e ainda desonerá-los dos restantes 75%.- cfr documentos. 14- Não conseguiram no entanto identica negociação com a Banco 2.... 15- Por esse motivo, a referida Banco 2... intentou contra a "A...", os exequentes, o executado e LL, ação executiva n.º 2381/13.7TBPVZ - J4 - 1ª Seção de execução - Inst. Central - comarca do Porto para cobrança do mútuo n.º ..., assim como intentou contra a "A...", os exequentes, o executado, LL e MM e esposa, ação executiva n.º 2382/13.5TBPVZ - J4- 1ª Secção de execução - Inst. Central - comarca do Porto, para cobrança do múto n.º .... 16- Deduziram os exequentes em ambos os processos, embargos de executado, bem como deduziram incidente de prestação de caução no proc 2381/13.7TBPVZ, no que despenderem € 1.326,00,00 em taxas de justiça. - cfr documentos. 17- No entanto, a caução foi indeferida, pelo que o exequente marido teve 1/3 do seu vencimento penhorado e assim como tiveram ambos os exequentes a sua casa de habitação penhorada a ordem desses autos. 18- Nessa sequência, os exequentes, juntamente com os co-avalistas MM e esposa, negociaram com a Banco 2..., o pagamento daqueles processos. 19- A exequente daqueles processos - Banco 2... - somente aceitou negociar com os aqui exequentes e o demais sócio MM se estes liquidassem a totalidade da dívida existente naquela instituição em nome da "A...". 20- Por esse motivo, a 25-11-2015, os exequentes celebraram com a referida instituição bancária contrato de mútuo com hipoteca no montante de € 107.221,51. - cfr escritura que se junta. 21- Tendo essa quantia sida utilizada para pagamento da totalidade da divida reclamada no proc 2381/13.7TBPVZ, no montante de € 65.565,16 e 50% da divida reclamada no proc 2382/13.5TBPVZ, no montante de € 40.454,04. 22- Pagaram ainda por exigência da Banco 2..., metade do saldo negativo da conta a ordem da "A...", no montante de € 1.202,30. - cfr documentos que se juntam. 23- Após esse pagamento, os exequentes interpelaram o executado para este lhes reembolsar a quantia de € 113.263,70 (€ 7.244,49 dos leasings + € 40.454,04 do proc 2382/13.5 TBPVZ + € 65.565,16 do proc 2381/13.7TBPVZ), em conformidade com o acordado na escritura he hipoteca voluntária junta supra.- Cfr. documento que se junta. 24- O executado contudo nada pagou aos exequentes. 25- Pelo que, deve o executado aos exequentes a referida quantia de € 113.263,70 paga pelos exequentes à Banco 2... e Banco 2.... 26- Desde 14-07-2014, venceram-se juros de mora calculados até ao dia de hoje, 30-12-2015, à taxa legal cível, sobre a importância de € 7.244,49, no montante de € 423,95. 27- Desde 09-12-2015 (data da declaração de quitação por parte da Banco 2...), venceram-se juros de mora calcualdos até ao dia de hoje, à taxa legal cível, sobre a importância de € 106.019,21, no montante de € 243,99. 28- Pelo que deve o executado aos exquentes a quantia de € 667,94. 29- Deve ainda o executado aos exequentes a quantia de € 1.326,00 paga a titulo de taxas de justiça no ambito daqueles dois processos na medida em que esse reembolso se encontra dentro da previsão da alinea a) da escritura de hipoteca. 30- Em consonância com a previsão da alinea b), da escritura de hipoteca, deve ainda o executado reembolsar os exequentes de todas as despesas judiciais que os exequentes terão de fazer para verem satisfazeitos o seu crédito, nomeadamente honorários de advogado e solicitadores. 31- A título de honorarios de advogado, no decorrer do processo, acordaram os exequentes pagar a sua mandatária a quantia de € 6.000,00, acrescidos de IVA a taxa legal em vigor, no montante de € 7.380,00. 32- Assim deve o executado aos exequentes a quantia global de € 122.637,64, acrescidos de despesas judiciais, honorários de solicitador e juros vincendos. 33- Podendo por esse motivo os exequentes requererem a execução da hipoteca. 34- O que pretendem com esta ação. 35- A presente execução segue a forma sumária nos termos do artigo 550º, n.º 2, alinea c), do CPP.”
[2] Na realidade, do documento autêntico oferecido pelo reclamante para comprovação desta alegação resulta inequívoco que a escritura pública foi celebrada em 27 de novembro de 2013.
[3] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 30 de janeiro de 2023.
[4] € 74 850,00.
[5] Imagine-se um caso de acidente de viação em que foi julgada não provada a matéria da dinâmica do acidente alegada para fundamentar responsabilidade por facto ilícito e dos danos e o recorrente insurge-se apenas contra a decisão da matéria de facto relativa aos danos, não impugnando a decisão relativa à dinâmica do sinistro e insistindo pela reunião dos pressupostos do nascimento da obrigação de indemnizar com base em facto ilícito.
[6] Atenta a impugnação da decisão da matéria de facto são de relevar as três cópias dos rostos de cheques oferecidos pelo ora recorrido com a sua resposta à impugnação em 29 de setembro de 2016 e impugnados pelo reclamado no seu requerimento de 10 de outubro de 2016 mas apenas quanto ao seu alcance probatório: a) cópia do rosto de um cheque com o nº ..., sacado sobre a conta do Banco 3..., Banco 3..., com o nº ..., no montante de € 3 800,00, emitido na Póvoa de Varzim, com data de 22 de agosto de 2013, por alguém que assinou com o nome “CC”, tendo dois traços paralelos transversais e sem indicação de beneficiário; b) cópia do rosto de um cheque com o nº ..., sacado sobre a conta do Banco 3..., Banco 3..., com o nº ..., no montante de € 6 000,00, emitido na Póvoa de Varzim, com data de 04 de janeiro de 2014, por alguém que assinou com o nome “CC”, tendo dois traços paralelos transversais e indicando-se como beneficiário DD; c) cópia do rosto de um cheque com o nº ..., sacado sobre a conta do Banco 3..., Banco 3..., com o nº ..., no montante de € 5 000,00, emitido em Esposende, com data de 04 de janeiro de 2014, por alguém que assinou com o nome “CC”, tendo dois traços paralelos transversais e indicando-se como beneficiário DD.
[7] Não obstante a morada que indicou ser a que já constava da procuração junta aos autos em 03 de junho de 2022 e com a mesma data.
[8] Porém, a morada que o reclamado indicou como sendo a sua é igual à da morada desta testemunha.
[9] Não é de mais repetir que a livre apreciação não corresponde de modo algum à “intime conviction” a que aludia o artigo 342º do Code de L´Instruction Criminelle que se transcreve: “La loi ne demande pas compte aux jurés des moyens par lesquels ils se sont convaincus; elle ne leur prescrit point de règles desquelles ils doivent faire particulièrement dépendre la plenitude et la suffisance d´une preuve; elle leur prescrit de s´interroger eux-mêmes dans le silence et le recueillement, et de chercher, dans la sincérité de leur conscience, quelle impression ont faite sur leur raison les preuves rapportées contre l´accusé et les moyens de sa defense. La loi ne leur dit point: Vous tiendrez pour vrai tout fait attesté par tel ou tel nombre de témoins; elle ne leur dit pas non plus: Vous ne regarderez pas comme sufisamment établie toute preuve qui ne sera pas formée de tel procès-verbal, de telles pièces, de tant de témoins ou de tant d´indices; elle ne leur fait que cette seule question, qui renferme toute la mesure de leurs devoirs: Avez-vous une intime conviction?” Na tradução do Bacharel Luiz Beltrão da Fonseca Pinto de Freitas da obra de Gustave Bacle de Lagrèze, intitulada, Sciencia Moral e Codigo do Jury, Porto, 1880, páginas 116 e 117: “Não pede a lei conta aos jurados dos meios, porque chegaram à convicção: não lhes preceitua regras das quaes devam especialmente pôr dependentes a plenitude e sufficiencia d´uma prova; prescreve-lhes que se interroguem a si mesmos no silencio e recolhimento, e catem na sinceridade da sua consciência a impressão, que lhes fizeram na intelligencia as provas produzidas contra o réo, e os argumentos da sua defesa. Não lhe diz a lei: Tereis por verdadeiro todo o facto attestado por tal ou tal numero de testemunhas; não lhes diz tãopouco: Reputareis sufficientemente evidenciada, toda a prova que fôr instruída de tal processo verbal, de taes peças, de tantas testemunhas ou de tantos indicios; faz-lhes unicamente esta pergunta, que encerra toda a medida dos seus deveres: Tendes uma convicção intima?” Sublinhe-se que a não exigência de fundamentação da convicção probatória decorria da circunstância do julgamento da matéria de facto ser feita por um júri, constituído por iguais do acusado, estando assim diretamente ligada à ideia de soberania popular: o povo nunca se engana e não tem que prestar contas do exercício do seu poder soberano. Na atualidade, alguma doutrina sustenta que só a um tribunal de júri é lícito reapreciar a decisão da matéria de facto proferida por outro tribunal de júri, sustentando assim a inconstitucionalidade material das normas que permitem a um coletivo constituído exclusivamente por juízes profissionais reapreciar e alterar a decisão da matéria de facto proferida por um tribunal de júri (assim veja-se Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 145º, páginas 316 a 329).
[10] Veja-se a propósito o artigo 43º do Código do Notariado.
[11] Pelo contrário, o reclamado reconheceu a sua assinatura e a letra com que foram preenchidos os três documentos oferecidos pelo reclamante na sua resposta à impugnação da reclamação de créditos.
[12] Expurgados das meras remissões probatórias.
[13] Contudo, este ponto de facto corresponde ao que foi alegado no artigo 17 da impugnação da reclamação de créditos.