Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3242/22.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
NEGÓCIOS FORMAIS
Nº do Documento: RP202304173242/22.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Consagra-se no artigo 236.º do Código Civil a chamada doutrina da impressão do destinatário, ao estabelecer que “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”, sem prejuízo de resultar do n.º 1 do artigo 238.º um limite a essa doutrina da impressão do destinatário, muito embora de alcance limitado aos negócios formais, ao estabelecer que nestes “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.
II - Nos negócios formais, por aplicação do referido em I, ,havendo que perguntar-se o que uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, colocada na posição das partes, deduziria do teor de uma cláusula incluída num contrato, importa que a interpretação a que se chega tenha, para poder valer, um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação / processo n.º 3242/22.4T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 3

Autora: AA
Ré: Hospital ..., EPE
________
Nélson Fernandes (relator)
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA intentou ação declarativa, com processo comum, contra Hospital ..., EPE, peticionando que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Autora e o Réu, com início em 13/11/2021, em consequência da denúncia por este do contrato de trabalho em comissão de serviço.
Para tanto alegou a Autora, em síntese: que detinha contrato de trabalho em funções públicas como administradora hospitalar e, ao abrigo da figura de cedência de interesse público pedida pelo Réu, foi autorizada a exercer funções junto deste como Diretora de Recurso Humanos a partir do dia 10/9/2020; na sequência da entrada em vigor do Regulamento Interno do Réu, em 29/4/2021, este, através da vogal do Conselho de Administração, BB, mandou celebrar com ela Autora um contrato de trabalho em comissão de serviço, regulada pelo Código do Trabalho, tendo ainda sido acordado que após o término da comissão de serviço a Autora continuaria a desempenhar no Hospital as funções inerentes à categoria profissional de administradora hospitalar, o que o Réu não veio depois a reconhecer, por entender que a posterior denúncia do acordo de cedência de interesse público pôs fim à relação contratual que mantinham as partes.

Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, foi notificada a Ré para contestar, o que esta veio a fazer, invocando desde logo a incompetência do Tribunal em razão da matéria e a sua ilegitimidade processual, e mais alegando, em síntese: que o único vínculo que as partes mantiverem foi através do acordo de cedência de interesse público e nunca celebrou nem teve intenção de celebrar com a Autora um contrato individual de trabalho, o qual, de qualquer modo, sempre estaria ferido de nulidade por insistir autorização do Governo conforme imposição legal, razão pela qual não possui este Tribunal poderes para o reconhecer.

Depois de fixado em €6.000,00 o valor da ação, aquando do saneamento dos autos foram julgadas improcedentes as exceções da incompetência do tribunal e da legitimidade invocadas pela Ré, após o que, invocando-se o disposto nos artigos 62.º, n.º 1 e 49.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo do Trabalho, o Tribunal considerou que não se mostrava necessária a identificação do objeto do processo e dos temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta (transcrição):
“Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo improcedente o pedido formulado pela autora, pelo que dele absolvo a ré.
Custas a cargo da autora.
Notifique.
Registe.”

2.1. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso, finalizando as alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
1 - Com presente recurso pretende a recorrente não só alterar a matéria de facto dada como assente, como também dar nota da sua discordância como a questão de direito foi decidida.
2 – Pela sua relevância para a decisão a proferir nos autos deve ser aditado um novo facto (Facto 25) com a seguinte redação: “Facto 25 – Os encargos salarias com a Autora constavam já da dotação global de pessoal constante do Plano de Actividades e Orçamento anual
3 – Face ao depoimento da testemunha Drª BB importa acrescentar um outro facto (facto 26) com a seguinte redacção: “Facto 26 - Antes da celebração do contrato de trabalho em comissão de serviço da Autora, o mesmo foi apreciado pelos recursos humanos e pelo gabinete jurídico”.
4 - A alínea a) dos factos não provados deve ser eliminada da factualidade não provada e passar para a factualidade provada (facto 27) com a seguinte redação: “Facto 27 - O nº 2 da cláusula primeira foi incluído em vários contratos de comissão de serviço celebrados após a entrada em vigor do Regulamento Interno, com conhecimento da vogal executiva do Conselho de Administração, BB”.
5 - Com o devido respeito por diferente opinião, entendemos que a factualidade dada como assente impunha uma decisão em sentido oposto ao que foi decidido na decisão recorrida.
6 - Se antes da celebração do contrato de comissão de serviço a Autora já exercia funções no Hospital ... e se prevê que após o seu términus continue a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de administrador hospitalar, não vemos que o possa continuar a fazer sem a existência de um vínculo laboral.
7 - Ou seja, o raciocínio subjacente à decisão recorrida, ainda que admissível quanto ao sentido literal da norma, omite a consequência inevitável que decorre dessa interpretação, nada esclarece sobre qual o vínculo laboral em que se traduziria essa continuidade de funções, que no fundo é a questão essencial a resolver nesta acção.
8 - Não vemos que possa ser outro que não o do contrato individual de trabalho por tempo indeterminada, atento o facto das outras modalidades de vínculo contratual (a termo) dependerem da verificação de determinados pressupostos que no caso presente não se verificavam.
9 - Em conclusão, a celebração de um contrato individual de trabalho era a consequência inevitável do que as partes acordaram no ponto 2 da clausula primeira do contrato quando clausularam que a Autora, após o términus da comissão de serviço, continuaria a desempenhar funções inerentes à de administradora hospitalar.
10 - O erro em que incorre a decisão recorrida é tratar a questão submetida apreciação como uma questão de interpretação de uma cláusula contratual - sobre a qual as partes não divergem -, quando o que aqui está verdadeiramente em causa são as consequências jurídicas ao nível do vínculo laboral da continuação em funções da Autora após o términus da comissão de serviço.
11 – Da factualidade provada não resulta a ideia de que o Hospital ... jamais quis assumir a possibilidade de, após o términus da comissão de serviço, a recorrente se manter no Hospital ... no exercício de funções inerentes á sua categoria profissional, antes pelo contrário.
12 – A justificação da aprovação do Regulamento Interno do Hospital é absolutamente irrelevante para a questão aqui em apreciação porque ele não pode determinar o tipo de vínculo laboral dos trabalhadores, neste particular é o Código do Trabalho que define os tipos de vínculo laboral permitidos.
13 - Se era para salvaguardar o aumento remuneratório, o lugar próprio para tal era a cláusula quarta do contrato respeitante à retribuição e outras prestações patrimoniais e não o ponto 2 da cláusula primeira.
14 - A Drª CC fez outras afirmações acima transcritas, no ponto 2.3.2. destas alegações, nas quais refere que, tal como os outros técnicos superiores, após o términus dos seus contratos de comissão de serviço, regressariam à sua situação de técnicos superiores, fazia sentido que a Autora ficasse como administradora hospitalar.
15 - Se o ponto 2 da cláusula primeira dos contratos de comissão de serviço da Autora e dos outros técnicos superiores era idêntico no essencial – só diferia quanto à função de cada um – esta cláusula não poderia ter outra leitura que não a de salvaguardar a manutenção da Autora no Hospital ..., porventura não na Direção de Recursos Humanos, cargo que desempenhava naquele momento, mas no exercício de outras funções inerentes à sua categoria profissional de administradora hospitalar.
16 - O contrato de trabalho em comissão de serviço da Autora foi previamente apreciado pelo departamento jurídico do Hospital ..., não podendo este ignorar as consequências jurídica da inclusão de tal cláusula no contrato celebrado com Autora.
17 - Se as consequências jurídicas da inclusão da referida cláusula não foram avaliadas em toda a sua extensão, então será um problema interno do Hospital ao qual a Recorrente é inteiramente alheia e pelo qual não pode ser penalizada.
18 - Não se pode é incluir uma cláusula no contrato – elemento objectivo – e depois não assumir o que lá se diz, uma vez que, ao total arrepio do que se havia comprometido nessa cláusula do contrato, o Hospital ... fez caducar, logo a seguir à denúncia da comissão de serviço, a relação laboral que mantinha com Autora.
19 - Resulta dos factos 12 a 14 da matéria assente que após ser feita a denúncia do contrato de comissão de serviço, o CA do Hospital ... ainda andou a negociar com a Autora a sua continuidade noutras funções inerentes à sua categoria profissional, no fundo dando respaldo ao que havia sido acordado no ponto 2 da cláusula primeira.
20 – No caso presente estavam preenchidos os dois requisitos que a lei impunha para o Réu poder celebrar contratos individuais de trabalho, a saber:
a) Os encargos salariais com celebração de um contrato individual com Autora, após o términus da comissão de serviço, não podia constituir um acréscimo da dotação global de pessoal prevista no Orçamento do Réu devido ao facto de tais encargos já estarem previstos anteriormente nessa dotação global; e.
b) A necessidade de autorização governamental do membro do Governo da área da saúde, já tinha sido dada quando a Autora ingressou no Hospital ..., como decorre do facto 3 da factualidade dada como assente.
21 - Verificado o cumprimento dos pressupostos necessários para o Réu poder celebrar contrato individual de trabalho com a Autora, só não o fez porque assim o entendeu em desrespeito pelo compromisso assumido no ponto 2 da cláusula primeira e não porque houvesse qualquer impedimento legal, como de alguma forma decorre do argumento invocado na decisão recorrida
Termos em que,
Julgando-se procedente o presente recurso, deve revogar-se a sentença recorrida e, consequentemente, julgar procedente a presente acção, com todas as consequências legais. Assim, se fazendo JUSTIÇA

2.2. Contra-alegou a Ré, requerendo ainda a ampliação do objeto do recurso, concluindo do modo seguinte:
1. Estudadas as conclusões da autora, grosso modo, entende a ré que o recurso interposto está votado ao insucesso, porquanto: da prova produzida, incluído da que foi carreada pela própria autora, não resulta qualquer erro de julgamento; o que a autora pretende viola lei de valor reforçado.
2. A recorrente não tem razão porque (1) mistura o enquadramento financeiro das obrigações da ré, que inclui obviamente o pagamento de todos os vínculos relacionados com prestadores de serviços, o pagamento de comissões de serviço, o pagamento de salários de trabalhadores entre muitas outras responsabilidades; (2) confunde uma autorização da tutela ministerial para autorizar a cedência de interesse público com a sua pretensão, de assacar um vínculo laboral; (3) junta, extemporaneamente, 3 contratos de trabalhadores do Hospital ... que são totalmente distintos do caso da autora, já que não têm por base quaisquer cedência de interesse público.
3. Por força do Aviso n.º 17381/2022, publicado no Diário da República, 2.ª série, parte C, no dia 6 de setembro de 2022, já junto aos autos antes da audiência de discussão e julgamento, a autora sempre fez parte, e ainda faz parte, dos quadros de pessoal da ACSS, I.P..
4. Na visão da recorrente, a ré teria os encargos salariais da autora devidamente aprovados pelo respetivo Ministro, atendendo à aprovação do plano de atividades efetivamente ocorrida, onde necessariamente estariam os custos laborais com a autora.
5. Neste sentido, o obstáculo previsto no artigo 157.º, número 1, parte final, do Decreto-Lei 84/2019, que impõe uma expressa autorização do membro do Governo para o recrutamento de trabalhadores com vista à constituição de um vínculo sem termo, estaria ultrapassado.
6. Neste seguimento, traz à colação as declarações da testemunha DD, que refere, grosso modo, que as despesas de todos os profissionais, incluindo da autora, estavam aprovadas no orçamento.
7. Assacar daqui a silogismo de que como os encargos salariais já estavam previstos e o plano de atividades foi aprovado, então havia autorização para a vinculação laboral da ré, não é aceitável.
8. Em primeiro lugar porque a cedência de interesse público impõe que o salário do respetivo trabalhador cedido seja pago pela entidade onde se encontra a exercer funções – sem que isso extinga o vínculo com a ACSS, IP e crie um vincula com a empresa pública.
9. Assim, as declarações da testemunha DD coincidem precisamente com aquele artigo 20.º do Decreto-Lei 133/2013 – a ré pagava à autora porque era nas suas instalações que a atividade em comissão de serviço, por força da cedência de interesse público, era exercida. Daí tais valores estarem no plano de atividades. Mas tal situação não implica qualquer assunção de responsabilidade laboral relativa à constituição por vínculo sem termo, como a autora quer fazer crer.
10. Em segundo lugar: tendo em conta a natureza pública da ré e as responsabilidades financeiras que sobre a mesma impendem, tem forçosamente de se entender que todos os custos (todos mesmo, sem exceção), designadamente os relacionados com recursos humanos, são financeiramente aprovados – todos.
11. E isto inclui obviamente, como a testemunha arrolada pela autora disse, custos com pessoal em todas as modalidades legalmente admissíveis: prestações de serviços, contratos individuais de trabalho, contratos em funções públicas, contratos individuais de trabalho a termo.
12. Em abstrato, a visão da autora impõe, em síntese, que todos os recursos humanos têm tacitamente uma vinculação de contrato individual de trabalho aprovada pelo membro do Governo respetivo porque o plano de atividades respetivo a final inclui os custos salariais. Não é, obviamente, assim. Esta tese constitui um desvirtuamento evidente do princípio do acesso à função pública em condições de igualdade, previsto no artigo 47.º, número 2 da Constituição.
13. Esta interpretação contra lege implicaria a aplicação dos recursos públicos para fins distintos daqueles a que estavam destinados e a utilização desses recursos contrária aos princípios da eficácia, eficiência e rentabilidade, violando por isso, na vertente financeira, o princípio da legalidade, e ainda os princípios da economia e da eficiência.
14. Numa palavra, é isto que a autora pretende: já que o Estado paga, então que seja ao abrigo de um contrato de trabalho. Não pode ser, obviamente, assim.
15. Em terceiro lugar: o facto de haver despesas com recursos humanos no plano de atividades, como tem de haver, não transfigura qualquer autorização expressa de constituição de vínculo laboral nos termos do artigo 230.º, número 2, alínea a) do DecretoLei 18/2017.
16. Em quarto lugar: a visão da autora não tem em conta que a constituição do vínculo pela aprovação do plano de atividades implica uma autorização expressa no ato de aprovação – o que não existiu obviamente no caso não tendo sequer a autora feito tal prova, por manifesta impossibilidade.
17. Isto é: a ré previu no plano de atividades os custos relacionados com o pagamento laboral da ré, como previu de todos os prestadores de serviços, como previu de todas as comissões de serviço, como previu de todas as cedências de interesse público e como previu de todos os restantes custos financeiramente planeados – e isso não se traduz em nenhum (1) ato, (2) expresso, de (3) autorização de recrutamento e (4) em relação à autora em especial.
18. Em quinto lugar: por outro lado, uma aprovação genérica, sem previsão expressa da constituição de vínculo laboral da ré seria nula, por força do artigo 157.º, número 12 e número 13 do Decreto-Lei 84/2019.
19. Numa palavra: o facto que a recorrente pretende aditar não tem qualquer relevância para «se saber se o Hospital ... estava impedido, ou não, neste caso de celebrar um contrato de trabalho», como defende a autora.
20. A recorrente tenta misturar uma autorização da tutela ministerial para autorizar a cedência de interesse público com a sua pretensão, de assacar um vínculo laboral.
21. Consta do facto número 3 que a cedência de interesse público foi «autorizada por despacho do Secretário de Estado da Saúde de 11 de agosto de 2020». Foi esta a única autorização ministerial que existiu.
22. A única autorização ministerial que existiu teve como teleologia a cedência de interesse público, ao abrigo do artigo 155.º, número 1, número 2 e número 4 do Decreto-Lei 84/2019; e não a «contratação da autora», conforme se verifica no documento 1 junto pela própria autora na petição inicial.
23. Aquele artigo 155.º, números 1, 2 e 4 do Decreto-Lei 84/2019 está, aliás, no preciso espírito do disposto no artigo 20.º, número 1 do Decreto-Lei 133/2013.
24. Por outro lado, nunca se pode dizer que a autora «ingressou no Hospital ...», como a mesma afirma.
25. A autora não ingressou porque nunca houve autorização do Ministério da Saúde e do Ministério das Finanças para a criação de um vínculo laboral além da cedência de interesse público;
26. A autora não ingressou porque tal ingresso colide frontalmente com o dever de exclusividade previsto no artigo 20.º da Lei 35/2014;
27. A autora não ingressou porque a mesma nunca perdeu o vínculo que tinha com a ACSS, IP quando teve a cedência de interesse público noutros 7 hospitais públicos ao longo da sua carreira, a que acresce a ré, num total de 8 hospitais públicos, ao abrigo do artigo 155.º, número 1, número 2 e número 4 do Decreto-Lei 84/2019.
28. A testemunha CC, que fez parte do Conselho de Administração, garantiu no seu depoimento, e igualmente durante a acareação, a centímetros da autora, que (1) quem fez as minutas contratuais foi a autora, (2) que nunca foi sua intenção ou do Hospital ... celebrar um contrato de trabalho, (3) que sabia que não o podia fazer por falta de autorização da tutela e (4) que nunca garantiu à autora que esta iria ficar no hospital até ao final da carreira.
29. No mesmo sentido, a testemunha EE afirmou que o contrato de comissão de serviço visava formalizar a aplicação do estatuto remuneratório aprovado pelo regulamento interno do hospital naquela altura (note-se que o Hospital ..., EPE foi criado pelo Decreto-Lei 75/2019 e que o regulamento só foi homologado ministerialmente em março de 2021.
30. Em suma: o facto número 22 não deve ser eliminado, por ter total correspondência com a prova feita.
31. Nem se diga que não havia fundamento para a comissão de serviço, como referente a autora no recurso, na página 11.
32. Em primeiro lugar, é a lei que o impõe, por força do artigo 13.º, número 3 do Decreto-Lei 101/80, relativo à carreira dos administradores hospitalares (sublinhado adicionado) e do artigo 20.º do Decreto-Lei 133/2013.
33. A recorrente junta, extemporaneamente, 3 contratos de trabalhadores do Hospital ... que são totalmente distintos do caso da autora, já que não dizem respeito a cedências de interesse público.
34. Os contratos que a recorrente junta às suas alegações de recurso tratam, novamente, de situação distinta da autora.
35. A assunção de cargos de coordenação e direção de serviços, dependente do mandato de 3 anos do Conselho de Administração, como consta do artigo 70.º do Regulamento Interno do Hospital ..., EPE, é sempre feita através de contrato de comissão de serviço - e só nisto há proximidade com a situação da autora.
36. Os contratos juntos não provam o que a autora quer – que com o termo da comissão de serviço a parte passe a ter um contrato individual de trabalho, que não havia antes, nos casos em que houve cedência de interesse público ao abrigo do artigo 155.º, números 1, 2 e 4 do Decreto-Lei 84/2019. Não há uma única situação assim.
37. Em suma: não deve ser aditado um facto número 26, por não ter correspondência com a prova feita; e não deve ser aditado um facto número 27, por não ter correspondência com a prova feita.
38. Não é verdade que «a celebração de um contrato individual de trabalho era a consequência inevitável do que as partes indiscutivelmente acordaram no ponto 2 da clausula primeira do contrato quando clausularam que a Autora, após o términus da comissão de serviço, continuaria a desempenhar funções inerentes à de administradora hospitalar».
39. A autorização ministerial que existiu teve como teleologia a cedência de interesse público, ao abrigo do artigo 155.º, número 1, número 2 e número 4 do Decreto-Lei 84/2019, e não a «contratação da autora», conforme se verifica no documento 1 junto pela própria autora na petição inicial.
40. A comissão de serviço celebrada assenta na cedência de interesse público e não em qualquer contrato de trabalho.
41. Por isso, terminando a comissão de serviço, sobrevinha ainda a cedência de interesse público; não houve por isso a constituição de qualquer outro vínculo laboral.
42. Por exemplo, em abstrato, nada impedia que a autora terminasse a sua comissão de serviço enquanto Diretora do Serviço de Recursos Humanos e passasse a coordenadora ou diretora de outro serviço – estava sempre enquadrada numa cedência de interesse público e não em qualquer contrato de trabalho com o Hospital ....
43. Por outro lado, é a lei que regula a carreira de administrador hospital que afasta a «celebração de um contrato individual de trabalho [como] a consequência inevitável»
44. O Decreto-Lei 84/2019, relativo às normas de execução do Orçamento do Estado, contém normas de valor reforçado porque as mesmas devem deve ser respeitadas por outras normas, nos termos do artigo 112.º, número 3, in fine, da Constituição.
45. Uma aprovação genérica, sem previsão expressa da constituição de vínculo laboral da ré seria nula, por força do artigo 157.º, número 12 e número 13 do Decreto-Lei 84/2019.
46. E em suma: a pretensão da autora violaria norma de valor reforçado - o que não é aceitável.
47. A ré está sujeita à tutela administrativa, por força do artigo 20.º do Decreto-Lei 18/2017.
48. Uma das dimensões em que este poder de tutela administrativa se reflete diz respeito ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego, por força do artigo 20.º, número 2, alínea f) do Decreto-Lei 18/2017 e do correspondente artigo 59.º, número 1 da Lei 75.º-B/2020, que aprovou o Orçamento de Estado para 2021.
49. Aqueles diplomas remetem a final para o artigo 157.º, número 1 do Decreto-Lei 84/2019.
50. Por sua vez, a aprovação do plano de atividades e orçamento está igualmente sujeito ao poder de tutela, por força do artigo 20.º, número 2, alínea a) do Decreto-Lei 18/2017, pelo que tem de ser aprovado pelo Ministro das Finanças.
51. Na eventualidade de não se ter verificado o disposto no ponto anterior, existe ainda a possibilidade, nos termos do artigo 157.º, numero 5 do Decreto-Lei nº 84/2019, de tal contratação ser possível, desde que sustentada numa análise custo-benefício, com fundamento na existência de relevante interesse público, seja ponderada a carência de recursos humanos, exista autorização pelo membro do Governo responsável pela área das finanças, após despacho favorável do membro do Governo responsável pela área da saúde e se encontrem preenchidos os pressupostos constantes das diversas alíneas constantes do referido número 5.
52. É este poder legal de tutela (que a ré está ope legis obrigada ao integral respeito), que levou a que a cedência de interesse público tenha sido constituída pela respetiva autorização do Governo.
53. Numa palavra: a autorização ministerial tem uma natureza constitutiva, porquanto é condição para a contratação de trabalhadores pela ré; natureza que não é alterada por qualquer declaração negocial.
54. Neste sentido, a autorização ministerial configura um requisito imperativo e cumulativo, que faz parte de um facto complexo que origina uma relação jurídica laboral no âmbito da ré – é por isso parte de um facto constitutivo, tendo natureza constitutiva.
55. Mesmo que a comissão de serviço não tivesse sido denunciada, a autora nunca poderia assacar um vínculo laboral, porquanto a constituição desse vínculo depende, por força de lei, da autorização do Governo decorrente de um procedimento formal individualizado – procedimento que nunca existiu, autorização que nunca foi praticada.
56. Como se viu, a autora pretende o reconhecimento de uma relação jurídica laboral que depende de um procedimento administrativo próprio que termina obrigatoriamente com um ato administrativo, emitido pelo membro do Governo responsável pela área das finanças.
57. A autorização do Governo, verdadeiro ato administrativo, tem uma natureza discricionária, dependente, grosso modo, da verificação e prossecução primária do interesse público.
58. Ora, a prossecução primária do interesse público decorre, tão-só, da função administrativa, pelo que a mesma cabe necessariamente ao poder executivo.
59. Estando-se perante um ato discricionário (que nunca existiu), então não pode o Tribunal decidir a eventual constituição de um vínculo que é constituível com um ato administrativo e dele depende totalmente, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.
60. Obliterando-se a necessidade da referida autorização ministerial resultaria a violação do artigo 47.º, número 2 da Constituição.
61. O acesso à função pública, qualquer que seja o seu vínculo, está sujeito ao respeito pelo princípio da legalidade, de acordo com o disposto no artigo 47.º, número 2 da Constituição.
62. A admissão da argumentação da autora pisaria irremediavelmente o conceito de acesso à função pública porque o possibilitaria fora da lei, sem respeito pelo princípio da legalidade e com total oposição do artigo 157.º do Decreto-Lei 84/2019.
NESTES TERMOS,
Farão V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, a habitual e sempre esperada JUSTIÇA.

2.4. O recurso foi admitido em 1.ª instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

3. Subidos os autos, pelo Exmo. Procurador-Geral Adjuto foi emitido parecer, a que alude o n.º 3 do artigo 87.º do CPT, no sentido da improcedência do recurso, referindo nomeadamente o seguinte:
“Não há dúvida, que o Réu não cumpriu com o acordado.
Com efeito, tendo a Autora sido, previamente, e a seu pedido, objeto de uma cedência de interesse publico, foi-lhe garantido pelo Réu, nos termos do n.º 2 da cláusula 1ª do contrato de trabalho em comissão de serviço, que, após o término da comissão de serviço, a Segunda Contratante continuará a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Administradora Hospitalar, categoria profissional da Autora.
Cláusula não cumprida, pois o Réu denunciou, antes, a cedência de interesse público e o dever de a Autora regressar ao vínculo original, ou seja, à ACSS, IP.”
Questão é a de saber que consequências tem este incumprimento contratual. Se o Réu ao celebrar um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço com a Autora a assumiu como sua trabalhadora, ou, finda a Comissão de Serviço, regressaria à situação anterior
O acordo, constava da referida cláusula contratual, que constitui uma promessa de contrato de trabalho. Não sendo cumprida, como não foi, não lhe é aplicável o disposto no art.º 830º do Código Civil.
Apenas daria lugar a responsabilidade nos termos gerais - art.º 103º, 2, do CT. Sendo certo que, o que a Autora pede é ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, que a vincula ao réu, Hospital ..., EPE., com início a 13/11/2021.
Assim, apesar de se reconhecer o incumprimento do Réu, não nos parece possível concluir pela existência de um contrato de trabalho.
*
3. Nestes termos, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, emite-se parecer no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.”

3.1. Notificadas as partes, não ocorreu pronúncia.
*
Cumpridas as formalidades legais, nada mais obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II- Questões prévias:
Junção de documentos:
Fazendo acompanhar a Recorrente as alegações de três documentos, constata-se que fez constar do corpo das alegações o seguinte: “como resulta da leitura da sentença recorrida, a não junção aos autos dos contratos de comissão de serviço dos outros técnicos superiores foi questão relevante na convicção que o Tribunal formou quanto à vontade real das partes na inclusão da cláusula aqui em discussão, razão pela qual a Recorrente vem agora, ao abrigo do disposto no artº 651º, nº 1, parte final, do CPC, juntar 3 (três) outros contratos de comissão de serviço, celebrados simultaneamente com o da Autora, com outros profissionais, com a mesma cláusula só diferindo na função que cada um deles desempenhava (Docs. 1, 2 e 3)”.
Como questão prévia, importando desde logo saber se pode ser admitida a junção dos documentos pretendida, em sede de recurso, diremos o seguinte:
Como sabemos, devendo a junção de documentos deve ser feita em princípio com o articulado em que se alegam os factos que constituem fundamento da ação ou da defesa (n.º1, do art.º 423.º do CPC), a lei permite, também, que a junção seja feita até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo neste caso a parte condenada em multa excepto se provar que não os pode oferecer com o articulado (n.º 2, do mesmo artigo 423.º). No entanto, para além desses casos, permite ainda a lei, após o limite temporal estabelecido naquele n.º 2, a junção documentos, mas restringida àqueles cuja “apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (n.º3, do mesmo art.º 423.º).
Por seu turno, como resulta do artigo 425.º do CPC, “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Resulta assim da conjugação destas disposições que a regra é a junção de documentos na 1.ª instância, com a amplitude permitida no referido artigo 423.º, sendo que, em conformidade com esse, o n.º 1 do artigo 651.º do CPC estabelece que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Deste modo, poderemos afirmar que a apresentação de documentos em sede de recurso assume natureza excecional, estando dependente da demonstração de que não foi possível a sua apresentação até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) ou, numa segunda ordem de razões, se a sua junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, sendo que, quanto a esta última situação, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a junção deve ser recusada quando os documentos visem provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não lhe servindo desde logo de pretexto válido invocar a surpresa quanto ao sentido da decisão (António Abrantes Geraldes, Recursos No Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 185). No mesmo sentido, reportando-se ao regime anterior, concluíam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ser “(..) evidente que (..) a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão proferida” (Manual de Processo Civil, 2.ª Ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, pp. 531 a 534). Por último, importa referir que é ao requerente que cabe justificar a apresentação dos documentos nesta fase, de modo a permitir o juízo sobre a respetiva admissibilidade, necessariamente enquadrada, como se disse, numa daquelas possibilidades.
Ora, no caso, o que é aplicável a todos os documentos que se pretendem juntar apenas em sede recursiva, claramente que não estamos perante qualquer das situações antes analisadas, pois que, não se demonstrando minimamente que não tivesse sido possível a sua apresentação em 1.ª instância nos termos que seria admissível, também não se pode dizer, desde logo porque se trata de alegação constante da petição inicial (artigo 10.º), chamando à apreciação o que antes dissemos, que se trate de junção que se tenha tornado apenas necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Concluindo, não se admite a requerida junção, com a consequente condenação da Requerente, por configurar a situação um incidente processual anómalo, nas respetivas custas, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

III. Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) matéria de facto; (2) o direito do caso – saber se o tribunal recorrido aplicou adequadamente o direito aos factos provados.
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IV – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Da sentença consta como factualidade provada a seguinte:
1. A autora celebrou um Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP) estando integrada no 2º grau do quadro da Carreira da Administração Hospitalar, cuja gestão compete à Administração Central do Sistema de Saúde, Instituto Público, I.P. (ACSS, IP).
2. O réu é uma Entidade Pública Empresarial (EPE) do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
3. A autora foi objeto de uma cedência de interesse publico a pedido do réu Hospital ..., EPE e autorizada por despacho do Secretário de Estado da Saúde de 11 de agosto de 2020, com efeitos a 24 de agosto deste mesmo ano.
4. A autora iniciou as suas funções no réu em 10 de setembro de 2020 como Diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos (SGRH) ao abrigo da cedência de interesse público.
5. Na sequência da aprovação do Regulamento Interno do Hospital ..., em 29 de abril de 2021 o réu procede à nomeação das Direções dos Serviço de Natureza Não Assistencial, com efeitos a 1 de abril deste ano, na qual a autora figura como Diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos.
6. Tendo iniciado as suas funções em 10/9/20 como Diretora dos Recursos Humanos, ainda na sequência da entrada em vigor do Regulamento Interno, o réu, através da vogal executiva do Conselho de Administração (CA), BB, manda celebrar com a autora um acordo que intitularam de “contrato de trabalho em comissão de serviço” com a produção de efeitos a 1 de abril de 2021.
7. A cláusula 8ª de tal acordo prevê que “as lacunas e omissões eventualmente emergentes do presente contrato serão integradas e resolvidas de harmonia com a legislação aplicável, nomeadamente pelo regime do contrato de trabalho em comissão de serviço, previsto nos artigos 161º a 164º do Código do Trabalho”.
8. A sua cláusula 1ª tem a seguinte redação:
1- Pelo presente, o Primeiro Contratante contra a Segunda Contratante para o exercício, em comissão de serviço, de funções inerentes ao cargo de Diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos.
2- As partes acordam que, após o término da comissão de serviço, a Segunda Contratante continuará a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Administradora Hospitalar.
3- Esta comissão de serviço rege-se pelo disposto no art. 161º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual”.
9. Por carta datada de 12/10/2021 o réu comunica à autora a denúncia do contrato de comissão de serviço celebrado a 1/4/2021 no prazo de 30 dias a contar da receção da carta.
10. Após, a autora é chamada ao Conselho de Administração onde estão presentes as Vogais executivas BB, FF e GG onde lhe é comunicado pela Administração que ia ser nomeada nova pessoa para a substituir na Direção do SGRH.
11. Nesta mesma reunião é a autora convidada para indicar outras funções/projeto que gostasse de desempenhar.
12. No dia 15/10/21, através de mail enviado à autora, a vogal executiva Drª. BB afirma a disponibilidade do réu para afetar aquela a um projeto que considere relevante, contribuindo para o interesse do Hospital.
13. Na resposta, a 18/10/21 a autora confirma a sua disponibilidade para continuar a participar/integrar um projeto relevante para o réu.
14. E em 21/10/21, na sequência do acordado na reunião com Administração em 14/10/21, envia à vogal executiva Drª GG um mail onde faz uma síntese do seu percurso profissional para que o réu pudesse escolher a área de trabalho onde o seu contributo pudesse ser mais útil em função das necessidades do Hospital.
15. Em 15/11/21 a autora recebe uma carta do réu a comunicar a denúncia do Acordo de Cedência de Interesse Público com a denúncia a produzir efeitos no prazo de 30 dias após a receção da mesma.
16. Por razões da sua vida pessoal e familiar, a autora comunica ao réu em finais de novembro/21, princípio de dezembro/21 a sua impossibilidade para comparecer ao trabalho no Hospital ... em 20/12/21.
17. Na sequência da comunicação de ausência ao trabalho a 20/12/21, a autora recebe em 10/12/21 resposta do réu informando da desnecessidade da mesma ser feita por nessa data inexistir vínculo contratual entre as partes.
18. A autora envia a este em 13/12/21 uma carta onde reafirma que a denúncia do acordo de Interesse Público não prejudica a manutenção do vínculo laboral atento o disposto no ponto 2 da cláusula primeira do Contrato de Trabalho.
19. Em resposta imediata o réu envia uma comunicação à autora, datada de 13/12/21, dando conta da sua posição jurídica quanto ao entendimento da autora em que reitera a denuncia da cedência de interesse público e o dever de regressar ao vínculo original, ou seja, à ACSS, IP.
20. O réu Hospital ..., E.P.E. é uma pessoa coletiva de direito público, de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, enquadrada no regime jurídico do setor público empresarial e criado pelo DL n.º 75/2019, de 30/5.
21. A elaboração do contrato em comissão de serviço, referido em 6., teve intervenção da autora.
22. O Conselho de Administração sabia que não podia haver qualquer contratação sem a autorização do membro do Governo e não quis eliminar a necessidade esta autorização.
23. De acordo com a cláusula 2ª do documento referido em 6., “a duração do presente contrato é a que se encontra prevista e disposta no art. 70º do Regulamento Interno do Hospital ..., E.P.E.”.
24. O artigo 70.º do referido regulamento previa que «O mandato dos profissionais nomeados coincide com a vigência do mandato do CA, sem prejuízo dos mesmos poderem ser exonerados por razões devidamente fundamentadas

Considerou-se de seguida que “não se provaram outros factos, nomeadamente:
a) que o n.º 2 da cláusula 1ª tenha sido incluída nos vários contratos de trabalho em comissão de serviço celebrados após a entrada em vigor do Regulamento Interno, por indicação da vogal executiva do Conselho de Administração, BB;
b) que antes de receber a carta referida em 9., a autora tenha sido chamada ao Conselho de Administração a 11/10/21, altura em que a vogal executiva BB informa a autora verbalmente que vai ser substituída na SGRH.”
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B) Discussão
1. Matéria de facto
1.1. Impugnação da matéria de facto
1.1. Critérios de admissibilidade
Dirigindo a Recorrente o recurso também à impugnação da matéria de facto, dispondo-se no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, aí se abrangendo, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente, importa, porém, nestes casos que esse observe o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[1]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[2].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[3] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPCivil[4].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016[5] que, “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.” Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[6] que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).” Ainda, por último, no mesmo sentido, conclui-se no Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de outubro de 2016[7] – proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada –, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.”[8]. Em conformidade com esse entendimento, aí se conclui, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.” Ainda mais recentemente, resulta do Acórdão do mesmo Tribunal de 5 de Setembro de 2018[9] que a “alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”, sendo que “não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”.
Por sua vez, agora no que concerne ao que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo aquelas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal superior, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração[10], exigindo-se ainda, também, que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”[11].
Apreciando, diremos o seguinte:

Ponto 22.º da factualidade provada:
Quanto a este ponto importa dizer que nada resulta das conclusões, o que, nos termos antes ditos, seria fundamento da rejeição do recurso nessa parte, pois que se limitou a fazer constar do corpo das alegações, a respeito do mesmo, de que “não há factualidade subjacente que permita levar tal factualidade à matéria assente não só porque a contratação da Autora jamais podia agravar a dotação global de pessoal, como também porque houve autorização governamental da área da saúde quando esta ingressou no Hospital ... ao abrigo da figura da cedência de interesse público” e que “face ao exposto, o facto 22 deve ser eliminado da factualidade assente”. Não obstante, a comportar esse ponto, como também o refere a Recorrente, “um mero juízo conclusivo e, nessa medida, não pode ser levado à matéria de facto”, nesta parte tratar-se-á de questão que sempre nos cumprirá, o que faremos assim de seguida.
Socorrendo-nos dos ensinamentos de Alberto dos Reis, a prova “só pode ter por objeto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é atividade estranha e superior à simples atividade instrutória”[129. Manuel de Andrade, por sua vez, sem deixar de afastar o Direito – ou dizer, juízos de direito – não deixava também de considerar como passível de constituir objeto de prova “tanto os factos do mundo exterior, como os da vida psíquica”, “tanto os factos reais (….) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes; vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou de conversão de negócios jurídicos, etc)», «Tanto os factos nus e crus (….) como os juízos de facto (….)”[13]. Também Anselmo de Castro referia que “toda a norma pressupõe uma situação da vida que se destina a reger, mas que não define senão tipicamente nos seus caracteres mais gerais”, como ainda que “a aplicação da norma pressupõe, assim, primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, que possam enquadrar-se na hipótese legal”, sendo “esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência” que “constituem, respetivamente, o facto e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto” – acrescentando de seguida: “E, segundo, um juízo destinado a determinar se os factos em concreto averiguados cabem ou não efetivamente na situação querida pela norma, típica e abstratamente nela descrita pelos seus caracteres gerais – juízo este já jurídico (o chamado juízo de qualificação ou subsunção), visto pressupor necessariamente interpretação da lei, isto é, do âmbito ou alcance da previsão normativa. Só por este seu diverso conteúdo, facto e direito, juízo de facto e de direito, se distinguem, pois não diferem em estrutura. Para o efeito é indiferente a natureza do facto: são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos. Do conteúdo que deve revestir decidirá apenas a norma legal. Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que a ele possa ou não chegar-se diretamente, ou somente através de regras gerais e abstratas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regras da experiência). Raros, aliás, são os casos em que o conhecimento do facto dispense esses juízos e possa fazer-se apenas na base de puras perceções.”[14] Não obstante, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2015[15], importará esclarecer que “A meio caminho entre os puros factos e as questões de direito situam-se os juízos de valor sobre matéria de facto, nos quais deverá distinguir-se entre aqueles para cuja formulação se há-de recorrer a simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, e aqueles cuja emissão apela essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista”.
Em face, pois, do enquadramento antes dado, entendemos que o teor do ponto 22.º, não obstante dizer respeito é certo a um estado interno ou psíquico, não deixa de se assumir, ainda assim, no âmbito da pronúncia em sede de matéria de facto, podendo enquanto tal essa integrar.
Em face do exposto, nada se imponto alterar quanto a esse ponto, que assim se mantém, de seguida procederemos à apreciação do demais que é objeto do recurso.

Aditamento de um novo facto / 25
Defende a Recorrente nas suas conclusões que, “pela sua relevância para a decisão a proferir nos autos deve ser aditado um novo facto (Facto 25) com a seguinte redação: “Facto 25 – Os encargos salarias com a Autora constavam já da dotação global de pessoal constante do Plano de Actividades e Orçamento anual”.
Para suportar a alteração, socorrendo-nos do corpo das alegações, indica o que diz resultar do depoimento da testemunha DD, transcrevendo e localizando passagens por referência ao registo da gravação.
Embora a Recorrente o não esclareça, assim indicando designadamente, tendo desde logo presente o regime que resulta do artigo 72.º do CPT, se estamos perante facto que tenha sido alegado e não o tendo sido qual a sua natureza e a razão ou fundamento legal que justificaria a sua inclusão em sede de recurso, constata-se, porém, que poderá ter-se por integrado no que alegou no artigo 45.º da petição inicial: “Com efeito, a despesa com a A. foi necessariamente inscrita nos planos de actividades e orçamento do R., posteriormente aprovados, para os anos económicos de 2021 e 2022.”
Pronunciando-se a Recorrida pela improcedência do recurso, porque consideramos cumpridos de modo bastante os ónus legais antes mencionados, cumprindo-nos apreciar, importa desde já esclarecer, em face designadamente da prova que é indicada para suportar o aditamento do novo facto, assim o depoimento da testemunha DD, que o Tribunal a quo, referindo-se a essa, apenas fez constar da motivação apenas o seguinte: “técnica superior que exerceu funções de Diretora Financeira do réu em regime de comissão de serviço entre março e dezembro de 2021 e afirmou não conhecer a específica relação jurídica da autora com o réu”.
Avançando-se na análise, resulta efetivamente do depoimento da referida testemunha – cujo registo de gravação, esclareça-se, ouvimos em sede recursiva –, o que aliás ressalta da transcrição que é feita nas alegações, que, estando as despesas de todos os profissionais do Hospital ... previstas no seu orçamento, também o estavam no que se refere à Autora, no entanto, tornando-se evidente que se está a referir a todos aqueles profissionais – que refere serem processados pelo serviço de recursos humanos –, mas esclarecendo-se que, fazendo o sistema da Direção Geral do Orçamento uma validação no sentido de verificar se os valores do mapa de pessoal são coincidentes com os valores apresentados no cômputo das despesas com o pessoal, neste caso pelo serviço de gestão financeira, a pergunta sobre o que incluem essas contas que estão no “Plano de Atividades e Orçamento” de despesas de pessoal respondeu que incluem prestadores de serviços, contratos de trabalho e comissões de serviço, mais acrescentando, perante observação de que inclui um bolo que o Hospital ... tem de pagar em relação a cada pessoa, “certo”.
Neste considerando, dando o referido depoimento efetivamente suporte bastante à afirmação de que os encargos salarias com a Autora constavam dotação global de pessoal constante do Plano de Atividades e Orçamento anual, impõe-se no entanto, para repor o rigor das coisas, também em face do que afinal resulta do referido depoimento – mas também da demais prova que foi produzida e que o Tribunal recorrido atendeu –, mas ainda em termos da própria conciliação com a demais factualidade provada, pois que dessa não pode ser afinal dissociada, em particular o que resulta do ponto 3.º provado, ou seja, que tendo aquela dotação afinal como base e pressuposto cada uma das específicas e diversas relações existentes, então, no que à Autora se refere, essa era a cedência de interesse publico a pedido do réu Hospital ..., EPE e que foi autorizada por despacho do Secretário de Estado da Saúde de 11 de agosto de 2020, com efeitos a 24 de agosto deste mesmo ano.
Nos termos expostos, adita-se um novo ponto, com a redação seguinte:
“25. Os encargos salariais referentes à cedência a que se alude no ponto 3.º constavam, tal como ocorria com os demais profissionais que exerciam atividade no Hospital, incluindo nomeadamente prestadores de serviços, trabalhadores contratados por contrato de trabalho e em comissão de serviço, constavam da dotação global de pessoal constante do Plano de Atividades e Orçamento anual.”

Aditamento de um novo facto / 26
Defende de seguida a Recorrente, referindo que com base no depoimento da testemunha BB, que importa acrescentar um outro facto (facto 26) com a seguinte redação: “Facto 26 - Antes da celebração do contrato de trabalho em comissão de serviço da Autora, o mesmo foi apreciado pelos recursos humanos e pelo gabinete jurídico”.
Mais uma vez socorrendo-nos do corpo das alegações, como único fundamento, refere a Recorrente que, “porque a questão da vontade das partes na celebração do contrato de trabalho em comissão de serviço, nomeadamente no sentido a dar ao nº 2 da cláusula primeira do contrato – aquela que é determinante para a solução a dar ao presente litígio –, importa trazer à factualidade assente alguns factos, a nosso ver relevantes, que nesta foram omitidos”, acrescentando que, “porque no facto 21 se diz que o contrato de comissão de serviço teve a intervenção da Autora, o que é verdade, também importa dizer que o mesmo foi apreciado quer pelos recursos humanos quer pelo gabinete jurídico”, dizendo que é o que resulta do depoimento da testemunha BB, transcrevendo e localizando passagem desse depoimento.
Defendendo a Recorrida a manutenção do julgado, importando que nos pronunciemos, valem aqui as observações que fizemos anteriormente sobre a circunstância de a Recorrente, também aqui, não ter esclarecido, o que se lhe impunha, tendo desde logo presente o regime que resulta do artigo 72.º do CPT, se estamos perante facto que tenha sido alegado e não o tendo sido qual a sua natureza e a razão ou fundamento legal que justificaria a sua inclusão em sede de recurso, com a agravante de, neste caso, sequer vislumbramos que se trate de matéria que tenha sido expressamente alegada. Por outro lado, ainda que tenha sido referido pela testemunha que indica o que agora pretende que seja ditado neste novo ponto, a verdade é que, mesmo que tal fosse por si só bastante para lhe dar suporte probatório, importaria que se vislumbrasse, o que não é o caso, qual a utilidade deste facto novo, lembre-se não alegado, para os destinos da ação.
Improcede, face ao exposto, o recurso também nesta parte.

Alínea a) da factualidade não provada
Defende ainda a Recorrente que o conteúdo desta alínea deve ser eliminada da factualidade não provada e passar para a factualidade provada (facto 27) com a seguinte redação:
“Facto 27 - O nº 2 da cláusula primeira foi incluído em vários contratos de comissão de serviço celebrados após a entrada em vigor do Regulamento Interno, com conhecimento da vogal executiva do Conselho de Administração, BB”.
Para suportar a alteração, socorrendo-nos do corpo das alegações, refere a Recorrente que a prova resultaria desde logo do depoimento da testemunha BB, baseando-se ainda no que constaria de outros contratos, assim documentos que pretendeu juntar com as alegações mas que, como antes o decidimos, não se admitiu a respetiva junção.
Resultando da motivação sobre a matéria de facto, designadamente, “no que respeita ao constante da alínea a) dos factos não provados, não foram juntos os contrato de comissão de serviço que na mesma altura foram assinados e o único contrato que a autora juntou (como doc. 5) a redação do n.º 2 da cláusula 1ª é diferente da do contrato da autora (aí se referindo expressamente à posterior celebração de contrato de trabalho sem termo, após obtida autorização governamental)”, apreciando, então, não tendo por uma lado sido admitida sequer a junção dos documentos em que a Recorrente se baseia, sequer resulta, salvo o decido respeito, do depoimento da testemunha que se indica, assim na passagem transcrita, adequada sustentação para que, afastando a que foi firmada em 1.ª instância por aplicação do princípio da livre apreciação da prova, possamos sustentar convicção diversa, nomeadamente a defendida pela Recorrente, do que resulta que o recurso não pode aqui proceder.
Carece assim de fundamento bastante o recurso também nesta parte.

1.2. Por decorrência do decidido anteriormente, a factualidade a atender para dizermos o direito no caso é aquela que como tal foi considerada pelo Tribunal a quo, mas com a alteração a que procedemos anteriormente.

2. O Direito do caso:
2.1. Apreciação do recurso
Insurge-se a Recorrente contra o decidido na sentença ainda no âmbito da aplicação do direito, invocando, em síntese, os seguintes argumentos:
- Se antes da celebração do contrato de comissão de serviço já exercia funções no Hospital ... e se prevê que após o seu términus continue a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de administrador hospitalar, o raciocínio subjacente à decisão recorrida, ainda que admissível quanto ao sentido literal da norma, omite a consequência inevitável que decorre dessa interpretação, nada esclarece sobre qual o vínculo laboral em que se traduziria essa continuidade de funções, que no fundo é a questão essencial a resolver nesta ação, sendo que, diz, outro não pode ser que o do contrato individual de trabalho por tempo indeterminada, atento o facto das outras modalidades de vínculo contratual (a termo) dependerem da verificação de determinados pressupostos que no caso presente não se verificavam – ou seja, a celebração de um contrato individual de trabalho era a consequência inevitável do que as partes acordaram no ponto 2 da clausula primeira do contrato, quando clausularam que a Autora, após o términus da comissão de serviço, continuaria a desempenhar funções inerentes à de administradora hospitalar;
- O erro em que incorre a decisão recorrida é tratar a questão submetida apreciação como uma questão de interpretação de uma cláusula contratual - sobre a qual as partes não divergem -, quando o que aqui está verdadeiramente em causa são as consequências jurídicas ao nível do vínculo laboral da continuação em funções da Autora após o términus da comissão de serviço, dendo que da factualidade provada não resulta a ideia de que o Hospital ... jamais quis assumir a possibilidade de, após o términus da comissão de serviço, se manter no Hospital ... no exercício de funções inerentes á sua categoria profissional, antes pelo contrário;
A justificação da aprovação do Regulamento Interno do Hospital é absolutamente irrelevante para a questão aqui em apreciação, porque ele não pode determinar o tipo de vínculo laboral dos trabalhadores, neste particular é o Código do Trabalho que define os tipos de vínculo laboral permitidos, sendo que, diz ainda, se era para salvaguardar o aumento remuneratório, o lugar próprio para tal era a cláusula quarta do contrato respeitante à retribuição e outras prestações patrimoniais e não o ponto 2 da cláusula primeira;
- Tendo o contrato de trabalho em comissão de serviço sido previamente apreciado pelo departamento jurídico do Hospital ..., não podendo este ignorar as consequências jurídica da inclusão de tal cláusula no contrato celebrado com Autora, se não foram avaliadas as consequências jurídicas da inclusão da referida cláusula em toda a sua extensão, então será um problema interno do Hospital, ao qual a Autora é inteiramente alheia e pelo qual não pode ser penalizada;
- Não se pode é incluir uma cláusula no contrato – elemento objetivo – e depois não assumir o que lá se diz, uma vez que, ao total arrepio do que se havia comprometido nessa cláusula do contrato, o Hospital ... fez caducar, logo a seguir à denúncia da comissão de serviço, a relação laboral que mantinha com Autora, para além de que resulta dos factos 12 a 14 da matéria assente que após ser feita a denúncia do contrato de comissão de serviço, o CA do Hospital ... ainda andou a negociar com a Autora a sua continuidade noutras funções inerentes à sua categoria profissional, no fundo dando respaldo ao que havia sido acordado no ponto 2 da cláusula primeira;
- No caso presente estavam preenchidos os dois requisitos que a lei impunha para o Réu poder celebrar contratos individuais de trabalho – a saber, os encargos salariais com celebração de um contrato individual com Autora, após o términus da comissão de serviço, não podia constituir um acréscimo da dotação global de pessoal prevista no Orçamento do Réu devido ao facto de tais encargos já estarem previstos anteriormente nessa dotação global, e a necessidade de autorização governamental do membro do Governo da área da saúde já tinha sido dada quando a Autora ingressou no Hospital ..., como decorre do facto 3 da factualidade dada como assente –, pelo que, verificado o cumprimento dos pressupostos necessários para o Réu poder celebrar contrato individual de trabalho com a Autora, só não o fez porque assim o entendeu em desrespeito pelo compromisso assumido no ponto 2 da cláusula primeira e não porque houvesse qualquer impedimento legal, como de alguma forma decorre do argumento invocado na decisão recorrida.
Por sua vez, pugnando pela improcedência do recurso, invoca a Apelada, nomeadamente, o seguinte:
- A recorrente não tem razão porque mistura o enquadramento financeiro das obrigações da ré, que inclui obviamente o pagamento de todos os vínculos relacionados com prestadores de serviços, o pagamento de comissões de serviço, o pagamento de salários de trabalhadores entre muitas outras responsabilidades, e confunde uma autorização da tutela ministerial para autorizar a cedência de interesse público com a sua pretensão, de assacar um vínculo laboral, quando, a ser assim, não se atenderia ao disposto no artigo 157.º, número 1, parte final, do Decreto-Lei 84/2019, que impõe uma expressa autorização do membro do Governo para o recrutamento de trabalhadores com vista à constituição de um vínculo sem termo;
- A recorrente tenta misturar uma autorização da tutela ministerial para autorizar a cedência de interesse público com a sua pretensão, de assacar um vínculo laboral, quando a única autorização ministerial que existiu teve como teleologia a cedência de interesse público, ao abrigo do artigo 155.º, número 1, número 2 e número 4 do Decreto-Lei 84/2019, e não a «contratação da autora», sem que, diz ainda, em abstrato, a sua visão impõe, em síntese, que todos os recursos humanos têm tacitamente uma vinculação de contrato individual de trabalho aprovada pelo membro do Governo respetivo porque o plano de atividades respetivo a final inclui os custos salariais, quando não é assim, constituindo essa tese um desvirtuamento evidente do princípio do acesso à função pública em condições de igualdade, previsto no artigo 47.º, número 2 da Constituição – esta interpretação contra lege implicaria a aplicação dos recursos públicos para fins distintos daqueles a que estavam destinados e a utilização desses recursos contrária aos princípios da eficácia, eficiência e rentabilidade, violando por isso, na vertente financeira, o princípio da legalidade, e ainda os princípios da economia e da eficiência, e, por outro lado, uma aprovação genérica, sem previsão expressa da constituição de vínculo laboral da ré seria nula, por força do artigo 157.º, número 12 e número 13 do Decreto-Lei 84/2019;
- A autora não ingressou no Hospital ...», como a mesma afirma, porque nunca houve autorização do Ministério da Saúde e do Ministério das Finanças para a criação de um vínculo laboral além da cedência de interesse público – só quanto a esta existiu ao abrigo do artigo 155.º, número 1, número 2 e número 4 do Decreto-Lei 84/2019 –, sendo que, acrescenta, para além de colidir tal ingresso colide frontalmente com o dever de exclusividade previsto no artigo 20.º da Lei 35/2014, a mesma nunca perdeu o vínculo que tinha com a ACSS, IP quando teve a cedência de interesse público, pelo que, terminando a comissão de serviço, sobrevinha ainda a cedência de interesse público;
- O Decreto-Lei 84/2019, relativo às normas de execução do Orçamento do Estado, contém normas de valor reforçado porque as mesmas devem deve ser respeitadas por outras normas, nos termos do artigo 112.º, número 3, in fine, da Constituição, sendo que uma aprovação genérica, sem previsão expressa da constituição de vínculo laboral seria nula, por força do artigo 157.º, número 12 e número 13 do Decreto-Lei 84/2019;
- A ré está sujeita à tutela administrativa, por força do artigo 20.º do Decreto-Lei 18/2017, e uma das dimensões em que este poder de tutela administrativa se reflete diz respeito ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego, por força do artigo 20.º, número 2, alínea f) do Decreto-Lei 18/2017 e do correspondente artigo 59.º, número 1 da Lei 75.º-B/2020, que aprovou o Orçamento de Estado para 2021 – a aprovação do plano de atividades e orçamento está igualmente sujeito ao poder de tutela, por força do artigo 20.º, número 2, alínea a) do Decreto-Lei 18/2017, pelo que tem de ser aprovado pelo Ministro das Finanças.
- A autorização ministerial tem uma natureza constitutiva, porquanto é condição para a contratação de trabalhadores pela Ré, natureza que não é alterada por qualquer declaração negocial, configurando aquela autorização um requisito imperativo e cumulativo, que faz parte de um facto complexo que origina uma relação jurídica laboral no âmbito da ré – mesmo que a comissão de serviço não tivesse sido denunciada, a autora nunca poderia assacar um vínculo laboral, porquanto a constituição desse vínculo depende, por força de lei, da autorização do Governo decorrente de um procedimento formal individualizado – procedimento que nunca existiu, autorização que nunca foi praticada;
- Estando-se perante um ato discricionário (que nunca existiu), então não pode o Tribunal decidir a eventual constituição de um vínculo que é constituível com um ato administrativo e dele depende totalmente, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, sendo que, obliterando-se a necessidade da referida autorização ministerial, daí resultaria a violação do artigo 47.º, número 2, da Constituição – o acesso à função pública, qualquer que seja o seu vínculo, está sujeito ao respeito pelo princípio da legalidade, de acordo com o disposto no artigo 47.º, número 2 da Constituição.
No parecer que emitiu, o Exmo. Procurador-Geral Adjuto, sustenta que, não sendo possível concluir pela existência de um contrato de trabalho, muito embora com fundamentos não coincidentes com os avançados na sentença, esta deve ser confirmada.
No âmbito da aplicação do direito, resulta da sentença recorrida o seguinte (transcrição):
«Pela presente ação pretende a autora ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho que a vincula ao réu, Hospital ..., EPE., com início a 13/11/2021.
O réu foi criado pelo DL n.º 75/2019, de 30/5, e dispõe o seu art. 1º, que o mesmo é uma “pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, nos termos do regime jurídico do setor público empresarial” (regime este aprovado pelo DL n.º 133/2013, de 3/10), integrando o Serviço Nacional de Saúde (SNS), para efeitos de aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro (entretanto revogado pelo DL n.º 52/2022 de 4/8), e cujos estatutos constavam, então, em anexo ao referido DL n.º 18/2017 (art. 5º).
No que respeita ao regime de pessoal, o art. 9º dispõe que “sem prejuízo das regras de transição de trabalhadores previstas no artigo 14.º, aos trabalhadores do Hospital ..., E. P. E., é aplicável o regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades constantes da secção iv do capítulo ii do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro, na sua redação atual”. Este diploma, no seu art. 27º (da secção iv do capítulo ii) estipulava que:
1 - Os trabalhadores das E. P. E., integradas no SNS estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, bem como ao regime constante dos diplomas que definem o regime legal de carreira de profissões da saúde, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos.
2 - As E. P. E., integradas no SNS devem prever anualmente uma dotação global de pessoal, através dos respetivos orçamentos, considerando os planos de atividade.
3- Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 31.º, as E. P. E., integradas no SNS não podem celebrar contratos de trabalho para além da dotação referida no número anterior.
A autora, por sua vez, celebrou contrato de trabalho em funções públicas, estando integrada na carreira da administração hospitalar, tendo sido objeto de uma cedência de interesse público a pedido do réu e autorizada por despacho de Secretário de Estado da Saúde de 11/8/2020, com efeitos a 24 de agosto do mesmo ano.
Esta carreira de administração hospitalar esta regulada pelo DL n.º 101/180, de 8/5, cujo n.º 3 do art. 13º previa a colocação dos administradores nos lugares previstos na tabela anexa em regime de comissão de serviço, cujo modo de cessação estava previsto nos n.º 3 e ss do art. 15º.
A Lei n.º 35/2014, de 20/6, que aprovou a Lei Geral do Contrato em Funções Públicas (revogando a anterior Lei n.º 12-A/2008, de 27/2) regula a cedência de interesse público, em especial nos seus art. 241º a 244º, prevendo o n.º 1 do art. 241 que “mediante acordo de cedência de interesse público entre empregador público e empregador fora do âmbito de aplicação da presente lei pode ser disponibilizado trabalhador para prestar a sua atividade subordinada, com manutenção do vínculo inicial.
E é no âmbito desta relação das partes, ao abrigo do regime da cedência de interesse público, que afirma a autora ter, entretanto, celebrado contrato de trabalho com o réu.
Antes da (pertinente) questão da validade substancial de um contrato de trabalho celebrado entre as partes nos moldes afirmados pela autora, suscitada pela ré, cumpre determinar da efetiva celebração de um contrato de tal natureza, da efetiva vontade das partes na sua celebração.
Afirma a autora que tal contrato foi celebrado em abril de 2021 (cerca de 7 meses após o acordo de cedência de interesse público e da autora iniciar funções no réu), com a assinatura do documento intitulado “contrato de trabalho em comissão de serviço”, que juntou com a petição inicial, que entraria em vigor assim que cessasse a comissão de serviço. Ainda segundo a autora tal vontade ficou expressa no teor do n.º 2 da cláusula 1ª.
O teor desta cláusula é o seguinte:
1- Pelo presente, o Primeiro Contratante contra a Segunda Contratante para o exercício, em comissão de serviço, de funções inerentes ao cargo de Diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos.
2- As partes acordam que, após o término da comissão de serviço, a Segunda Contratante continuará a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Administradora Hospitalar.
3- Esta comissão de serviço rege-se pelo disposto no art. 161º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual”.
A questão prende-se, então, com a interpretação a dar à redação dada pelas partes ao referido nº 2 da cl. 1ª do acordo celebrado a 1/4/2021.
A subsecção IV, do Título II, do Livro I do Código Civil dispõe acerca da interpretação e integração das declarações negociais (arts. 236º a 239º).
Para uma conceção voluntarista, a interpretação do negócio jurídico será a interpretação subjetiva: a procura da vontade real, a fixação do sentido pretendido, do sentido que o autor (da declaração) quis dar àquele. Para uma conceção declarativista, a interpretação do negócio jurídico será a interpretação objetiva: a fixação do sentido objetivo da declaração.
Segundo cremos, neste ponto há que combinar as teorias. A interpretação do negócio jurídico será a fixação do que, em face da declaração e da sua circunstância, objetivamente se há de ter por vontade real do declarante.
Parece-nos, portanto, não nos devermos desligar da vontade real. Esta permanece como tensor dos esforços interpretativos, mas o resultado destes deve ser uma conclusão objetiva sobre ela.
Preceitua o art. 236º do Código Civil, sob a epígrafe “Sentido normal da declaração”:
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conhecer a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
Em nossa opinião, o sentido a que o preceito faz referência é o sentido pretendido. Somente vale aquilo que como sentido pretendido for dedutível pelo homem normal e médio, colocado na posição do real declaratário.
Já quanto à expressão “colocado na posição do real declaratário”, ela quererá sobretudo dizer: dispondo dos elementos de interpretação de que o declaratário dispõe.
Este artigo impõe, como regra na interpretação dos negócios jurídicos, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário.
Faltando esse conhecimento, a declaração negocial valerá com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
Deste modo, na determinação do sentido normal da declaração ter-se-á de atender quer às circunstâncias verificadas aquando da emissão da declaração, quer a todas as anteriores e posteriores que com ela se relacionem.
No âmbito dos negócios formais, dispõe o n.º 1 do art. 238º do Código Civil, que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha no texto do documento o mínimo de correspondência, ainda que de forma imperfeita; todavia, tal sentido poderá, nos termos do n. 2 do mesmo preceito, ser válido se corresponder à vontade real dos declarantes e a isso se não opuserem razões determinantes de forma.
Na fixação desse sentido, frequentemente, é necessário apelar à conjuntura da emissão das declarações negociais, ao comportamento contemporâneo e posterior dos outorgantes, aos seus conhecimentos específicos, porque não podemos alhear-nos das circunstâncias concretas em que foram emitidas, que, muitas vezes, até alheias ao texto do documento, permitem fixar a intenção das partes (cf. Vaz Serra, RLJ 110, 41).
A autora iniciou funções junto da ré a 10 de setembro de 2020 como Diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos. Na sequência da aprovação do Regulamento Interno do Hospital ..., em 29 de abril de 2021 o réu procede à nomeação das Direções dos Serviço de Natureza Não Assistencial, com efeitos a 1 de abril deste ano, na qual a autora figura como Diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos.
Ainda na sequência da entrada em vigor desse Regulamento Interno, o réu, através da vogal executiva do Conselho de Administração, BB, manda celebrar com a autora um acordo que intitularam de “contrato de trabalho em comissão de serviço” com a produção de efeitos a 1 de abril de 2021.
Destes factos, alegados pela autora, resulta claro que a outorga do documento que intitularam as partes de “contrato de trabalho em comissão de serviço” esteve intimamente ligado com a entrada em vigor do Regulamento Interno do réu, e não na sequência de uma qualquer negociação ou acordo de alteração da posição contratual da autora perante o réu.
O sentido literal do n.º 2 da cláusula 1ª do documento, não tem também o alcance que a autora pretende atribuir-lhe. Na verdade, do mesmo resulta (tão só) que finda a comissão de serviço como Diretora de Recursos Humanos, a autora reassumiria as funções de administradora hospitalar (e como tal disponível para ingressar noutro serviço ou funções que lhe fossem propostas pelo réu).
A referência ao Código do Trabalho constante do n.º 3, também não permite concluir a vontade do réu em se vincular nos moldes pretendidos pela autora, pois é certo que o réu apenas se regula pelo Código do Trabalho nas relações de trabalho que assume, ainda que ao abrigo de uma cedência de interesse público como o foi com a autora (apenas possível por assim expressamente o admitir o art. 241º, n.º 1, da Lei n.º 35/2014) – cfr. art. 9º do DL n.º 75/2019.
Apesar da autora alegar que esta cláusula foi incluída nos vários contratos de comissões de serviços celebrados pela ré na mesma altura (após a entrada em vigor do regulamento), a verdade é que não o demonstra e apenas junta um documento que não contem igual redação (e onde, pelo contrário, se refere à celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, após obtida autorização governamental quando cessar a comissão de serviço, quando no contrato da autora nada é referido nestes termos).
Por outro lado, resultou ainda provado que a elaboração do contrato em comissão de serviço, referido em 6., teve intervenção da autora e o Conselho de Administração (no qual a interlocutora direta da autora, BB, se incluía) sabia que não podia haver qualquer contratação sem a autorização do membro do Governo (como decorria da do art. 27º e 20º, n.º 2, al. a), do DL 18/2017, de 10/2, então em vigor e mais tarde revogado pelo DL n.º 52/2022, e da Lei de Orçamento de Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, no seu art. 59º, n.º 2, com regulamentação no art. 157º do DL n.º 84/2019) - e não quis eliminar a necessidade esta autorização.
De todo o exposto resulta que, apesar do alegado pela autora, não resulta dos autos que as partes tenham celebrado um qualquer contrato individual de trabalho (ao abrigo do Código do Trabalho), nem que tenha sido vontade do réu em alguma vez se vincular nesses termos com a autora. Improcede, assim, a pretensão da autora.»
Em face dos fundamentos expressos na fundamentação antes citada, desde já diremos que acompanharmos no essencial os argumentos avançados na sentença, por não encontrarmos razões para considerarmos que, em face do quadro factual provado e chamando a esse a aplicação da lei, assista razão à Autora / recorrente, desde logo porque, com a natural salvaguarda do devido respeito por diverso entendimento – em que se admite que se possa incluir também o defendido pela mesma –, o teor da cláusula a que faz apelo para concluir que foi celebrado um contrato de trabalho, como ainda a factualidade provada, não permite, chamando à discussão e aplicação os critérios interpretativos, a conclusão a que a mesma chega.
Desde logo, a propósito da referência ao Código do Trabalho (CT) constante do n.º 3 da cláusula 1.ª e ainda cláusula 8.ª (“as lacunas e omissões eventualmente emergentes do presente contrato serão integradas e resolvidas de harmonia com a legislação aplicável, nomeadamente pelo regime do contrato de trabalho em comissão de serviço, previsto nos artigos 161º a 164º do Código do Trabalho”), não se pode sem mais concluir, como se diz na sentença, que o seu conteúdo permita dizer que a vontade das partes tenha sido a de se estarem nesse momento a vincular nos moldes defendidos pois que, mesmo que se pudesse esquecer a circunstância de o Réu, em função da natureza específica de cada um dos vínculos com que estejam a prestar funções os trabalhadores, se dever regular pela legislação que cada um daqueles regula (CT mas também legislação específica da contratação pública) – sendo que, no caso da Autora, dado o regime da sua vinculação (celebrou um Contrato de Trabalho em Funções Públicas, estando integrada no 2º grau do quadro da Carreira da Administração Hospitalar, cuja gestão compete à Administração Central do Sistema de Saúde, Instituto Público, I.P.) e que, sendo o Réu uma Entidade Pública Empresarial (EPE) do Serviço Nacional de Saúde (SNS), aquela foi objeto de uma cedência de interesse publico, a pedido do réu Hospital ..., EPE, autorizada por despacho do Secretário de Estado da Saúde de 11 de agosto de 2020, com efeitos a 24 de agosto deste mesmo ano (pontos 1.º a 3.º da factualidade provada) –, por outro lado, como fator determinante, visto apenas o teor literal das cláusulas que constam do documento a que a Autora faz apelo, ou seja o seu texto, não obstante ter-se feito constar que a comissão de serviço se rege pelo disposto no artigo 161.º e seguintes do CT, ali não se encontra, mesmo não se considerando agora a questão de saber se tal seria ou não ser legalmente possível em face do regime legal antes mencionado, suficiente apoio para uma interpretação no sentido de que tenha existido uma qualquer intenção, quando considerado o teor das referidas cláusula 8.ª e o n.º 2 da cláusula 1.ª (nomeadamente ao dizer-se neste que as partes acordam que, após o término da comissão de serviço, a Segunda Contratante continuará a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Administradora Hospitalar), no sentido de se estar a firmar um acordo no sentido de que, após a cessação da comissão de serviço em que a Autora se encontrava, esta permaneceria em exercício de funções no Réu, na consideração de que, afinal, para além do que diremos de seguida, mesmo a possibilidade de um acordo dessa natureza em face do que resulta do CT (onde está previsto no n.º 2 do artigo 162.º do CT, admitindo-se agora apenas em tese que pudesse ser atendido, em face da referência que é feita no n.º 3 da cláusula quando se fez constar que a comissão de serviço se rege pelo disposto no artigo 161.º e seguintes do CT), pressuporia que o texto lhe desse apoio, ainda que mínimo, o que verdadeiramente não é o caso. Ou seja, sem atender sequer à questão de saber se pode ou não ser afastado o regime legal aplicável, incluindo sobre a natureza da relação / vínculo que existia, em que se terá de ter presente, também, necessariamente, que era no seu âmbito que a Autora exercia funções no Réu, em face do teor conjugado dos referidos n.ºs 2 e 3 da cláusula 1.ª, importando perguntar, então, por aplicação das regras interpretativas a que se deverá atender, em particular o que resulta dos artigos 336.º e seguintes do Código Civil (CC), se é ou não sustentável um entendimento no sentido de que, como defende a Autora, foi intenção das partes celebrarem um contrato de trabalho sem termo, ou ainda, diga-se, como parece entender o Exmo. Procurador-Geral Adjuto no parecer que emitiu, neste caso no sentido de que se traduziria numa promessa de contratação[16], a resposta afigura-se-nos em ambos os casos negativa.
Na verdade, não se nos afigura que os critérios interpretativos, que importa aqui aplicar, permitam dar cabal sustentação a qualquer desses entendimentos, na consideração, desde logo, de que, consagrando o artigo 236.º do Código Civil (CC) a chamada doutrina da impressão do destinatário, ao estabelecer que “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”[17], mas consagrando porém o n.º 1 do artigo 238.º um limite a essa doutrina da impressão do destinatário muito embora de alcance limitado aos negócios formais – ao estabelecer que nestes “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”[18] –, devendo então perguntar-se se, no caso em análise, uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz[19], colocada na posição das partes, assim Autora e Réu, deduziria do teor das referidas cláusulas incertas no documento manifestações de vontade em qualquer dos aludidos sentidos, a resposta é na nossa ótica negativa, desde logo porque, ainda que se possa porventura ter por preenchida a exigência de forma para qualquer dessas situações (contrato de trabalho ou promessa de contrato), importaria, como resulta do citado n.º 1 do artigo 238.º, que qualquer dessas intenções, para poder valer, tivesse um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, sendo que, no caso, porém, apresentando-se tal conclusão como mais evidente no que se refere à intenção de celebração de um contrato de trabalho, pois que nada se refere de forma expressa nesse sentido, também no que se refere a uma qualquer promessa de contratação, que se admite ter porventura mais sustentação ao constar do contrato que após o término da comissão de serviço a Autora / aqui recorrente “continuará a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Administradora Hospitalar”, ainda assim a verdade é que, sem esquecermos que a designação dada ao documento foi a de “contrato de trabalho em comissão de serviço”, do seu texto, vista aquela referência, sequer se pode dizer que aquele declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a que antes nos referimos, possa deduzir, pois que tal não resulta expresso, ainda que de modo imperfeito, que a menção à continuação de exercício de funções não tenha apenas a ver com o que se refere logo de seguida, ou seja as funções inerentes à categoria profissional de Administradora Hospitalar, que era afinal a da Autora. Ou seja, o texto não dá apoio a que tal referência esteja ligada ao exercício de funções no Réu, pois que tal daí não se extrai em termos de texto, sendo antes mais consentânea, precisamente com esse texto, uma mera intenção de deixar expresso que a Autora, finda a comissão de serviço em que exerceu afinal funções de Diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos (SGRH) ao abrigo da cedência de interesse público (pontos 4.º e 5.º da factualidade provada), continuaria a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Administradora Hospitalar que antes da comissão de serviço já detinha (estava integrada no 2º grau do quadro da Carreira da Administração Hospitalar, cuja gestão compete à Administração Central do Sistema de Saúde, Instituto Público, I.P.).
Carece assim de adequado suporte o argumento da Recorrente no sentido de que, se antes da celebração do contrato de comissão de serviço já exercia funções no Hospital ... e se prevê que após o seu términus continue a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de administrador hospitalar, o raciocínio subjacente à decisão recorrida, ainda que admissível quanto ao sentido literal da norma, omite a consequência inevitável que decorre dessa interpretação, nada esclarece sobre qual o vínculo laboral em que se traduziria essa continuidade de funções, que no fundo é a questão essencial a resolver nesta ação, para dizer de seguida que outro não pode ser senão o do contrato individual de trabalho por tempo indeterminado (ainda, que a celebração de um contrato individual de trabalho era a consequência inevitável do que as partes acordaram no ponto 2 da clausula primeira do contrato, quando clausularam que a Autora, após o términus da comissão de serviço, continuaria a desempenhar funções inerentes à de administradora hospitalar”. Na verdade, como antes o dissemos, sem necessidade de outras considerações, os elementos dos autos, em particular o teor que se fez constar do contrato, não permite, salvo o devido respeito, tal conclusão. Como carece também de suporte a afirmação que faz de que incorra em erro a sentença ao fazer apelo às regras de interpretação da cláusula incerta no contrato, pois que, não sendo aliás verdade que não exista divergência entre as partes a seu respeito, a respeito das consequências jurídicas que menciona (ao nível do vínculo laboral da continuação em funções da Autora após o términus da comissão de serviço), não resulta é certo da factualidade provada a ideia de que o Hospital ... jamais tenha assumido a possibilidade de, após o términus da comissão de serviço, a Autora se manter no Hospital ... no exercício de funções inerentes á sua categoria profissional, no entanto, diversamente do que parece ter como subjacente com tal argumento, não resulta afinal, o que se assume como determinante, que tenha sido, seja no contrato seja através do seu comportamento posterior, uma qualquer obrigação de vinculação a essa vinculação, sendo que, como resulta do que antes dissemos, é disso que se trata para não se poder acompanhar o raciocínio da Recorrente. Ainda, agora sobre o argumento que avança a respeito de ser irrelevante a aprovação do Regulamento Interno do Hospital para a questão aqui em apreciação, nada se nos oferecendo dizer em contrário quando refere que esse não pode determinar o tipo de vínculo laboral dos trabalhadores, já porém, no mais, assim quando afirma que neste particular é o Código do Trabalho que define os tipos de vínculo laboral permitidos, importa desde já esclarecer que a eventual virtualidade de tal argumento pressuporia que, previamente, se pudesse ter concluído, o que não foi o caso, que tivesse havido efetivamente a intenção, defendida pela Recorrente, de celebração do contrato de trabalho, o que, pelas razões que dissemos não é o caso – ainda assim sempre se esclarecerá que não seria a conclusão a que chega a adequada, pois que nos casos, em que aliás se insere a Autora, em que ao vínculo é aplicável a legislação específica, deve ser essa a aplicada, nomeadamente a prevista para o contrato de trabalho em funções públicas, a que aliás alude a sentença e, diga-se, bem. Por último, carecendo de suporte factual a referência que faz a que o contrato de trabalho em comissão de serviço tenha sido previamente apreciado pelo departamento jurídico do Hospital ... (improcedeu, nos termos antes apreciados, o recurso na parte em que se pretendia a inclusão do ponto de facto correspondente), resulta já do que antes dissemos, pois que não demonstrado o pressuposto de que parte (de que da inclusão da cláusula no contrato a que alude resulte que o Réu se tenha comprometido a manter a Autora ao seu serviço), que carece de fundamento o que, a esse respeito se refere, incluindo a propósito do que possa resultar dos factos 12.º a 14.º da matéria provada, pois que, repete-se, uma coisa é a existência de obrigação de vinculação após a cessação da comissão de serviço no sentido de a Autora continuar a exercer funções no Réu, que no caso como vimos não se demonstra, e outra, já diversa, por decorrer de ato de vontade das partes após a cessação da comissão, de poderem eventualmente, realizando diligências nesse sentido, vir a acordar que exercesse essas funções.
Neste contexto, não nos merece reserva, para além do mais referente aos critérios interpretativos a atender a que se alude na sentença, a referência que nessa se faz a respeito da determinação do sentido normal da declaração, no sentido de se dever atender quer às circunstâncias verificadas aquando da emissão da declaração, quer a todas as anteriores e posteriores que com ela se relacionem, ou ainda, a respeito dos critérios previstos no n.º 1 do artigo 238.º do CC, ao afirmar-se designadamente, em face do que resulta da factualidade provada e que aí se indica, resultar “claro que a outorga do documento que intitularam as partes de “contrato de trabalho em comissão de serviço” esteve intimamente ligado com a entrada em vigor do Regulamento Interno do réu, e não na sequência de uma qualquer negociação ou acordo de alteração da posição contratual da autora perante o réu”, que “o sentido literal do n.º 2 da cláusula 1ª do documento, não tem também o alcance que a autora pretende atribuir-lhe” – “na verdade, do mesmo resulta (tão só) que finda a comissão de serviço como Diretora de Recursos Humanos, a autora reassumiria as funções de administradora hospitalar (e como tal disponível para ingressar noutro serviço ou funções que lhe fossem propostas pelo réu)”, que “a referência ao Código do Trabalho constante do n.º 3, também não permite concluir a vontade do réu em se vincular nos moldes pretendidos pela autora” e que “resultou ainda provado que a elaboração do contrato em comissão de serviço, referido em 6., teve intervenção da autora e o Conselho de Administração (no qual a interlocutora direta da autora, BB, se incluía) sabia que não podia haver qualquer contratação sem a autorização do membro do Governo”, para concluir que, “apesar do alegado pela autora, não resulta dos autos que as partes tenham celebrado um qualquer contrato individual de trabalho (ao abrigo do Código do Trabalho), nem que tenha sido vontade do réu em alguma vez se vincular nesses termos com a autora”, com a consequente afirmação de improcedência da ação.
Do antes exposto, ao ter-se concluído que não estamos perante a celebração de um qualquer novo contrato de trabalho (ou sequer promessa), resulta ficar prejudicada, porque com esse estaria relacionada, a apreciação da questão referente ao quadro legal a que esse deveria / teria de obedecer, aqui se incluindo as questões levantadas por Recorrente – nomeadamente a respeito de defender que estariam preenchidos os requisitos que a lei impunha para o Réu poder celebrar contratos individuais de trabalho –, como ainda pela Recorrida, respetivamente nas alegações e contra-alegações, a esse propósito.
Por decorrência de todo o exposto, claudicando os argumentos da Recorrente, improcede o presente recurso na vertente da aplicação do direito.

2.2. Ampliação do objeto do recurso
Requerendo a Ré, caso a pretensão da Recorrente procedesse, a ampliação do objeto do recurso – por, diz, ser a sentença “omissa em relação a: 1. Falta de autorização ministerial para a constituição de vínculo laboral; 1. Falta de atribuições jurisdicionais em relação ao conteúdo de ato discricionário da competência administrativa do Governo; 1. Violação do artigo 47.º, número 2 da Constituição” –, o conhecimento desta requerida ampliação, em face do decidido anteriormente, fica necessariamente prejudicada.

A responsabilidade pelas custas impende sobre a Autora / recorrente (artigo 527.º do CPC).
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Sumário do presente acórdão – artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
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V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, procedendo parcialmente na parte dirigida à impugnação da matéria de facto, em declarar no mais improcedente o recurso interposto pela Apelante, ficando prejudicado o conhecimento da ampliação do seu objeto requerida pela Apelada, confirmando-se por decorrência a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 17 de abril de 2023
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[2] Op. cit., p. 235/236
[3] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[4] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[5] www.dgsi.pt
[6] Processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1 (disponível igualmente em www.dgsi.pt
[7] Processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[8] Constando do mesmo Acórdão, em apoio do decidido, a referência à posição também já afirmada nos Acórdãos STJ de 01/10/2015 (p.824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p. 157/12.8 TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1)
[9] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, também em www.dgsi.pt.
[10] cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)
[11] cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt
[12] CPC ANOTADO, III, pág. 212
[13] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Lda, 1993, pág.194.
[14] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra – 1982; pág. 268
[15] Relator Conselheiro Melo Lima, in www.dgsi.pt.
[16] Para depois afirmar que, não havendo dúvidas que o Réu não cumpriu com o acordado (“com efeito, tendo a Autora sido, previamente, e a seu pedido, objeto de uma cedência de interesse publico, foi-lhe garantido pelo Réu, nos termos do n.º 2 da cláusula 1ª do contrato de trabalho em comissão de serviço, que, após o término da comissão de serviço, a Segunda Contratante continuará a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Administradora Hospitalar, categoria profissional da Autora. Cláusula não cumprida, pois o Réu denunciou, antes, a cedência de interesse público e o dever de a Autora regressar ao vínculo original, ou seja, à ACSS, IP”, como ainda que, sendo a questão colocada a de “saber que consequências tem este incumprimento contratual”, “se o Réu ao celebrar um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço com a Autora a assumiu como sua trabalhadora, ou, finda a Comissão de Serviço, regressaria à situação anterior”), mas que, constituindo o acordo que constava da referida cláusula contratual uma promessa de contrato de trabalho que não sendo cumprida, como não foi, não lhe é aplicável o disposto no artigo 830.º do Código Civil, apenas daria lugar, então, “a responsabilidade nos termos gerais - art.º 103º, 2, do CT”, mas que, porque o que “a Autora pede é ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, que a vincula ao réu, Hospital ..., EPE., com início a 13/11/2021”, apesar de se reconhecer o incumprimento do Réu, não será porém possível concluir pela existência de um contrato de trabalho.
[17] Vejam-se sobre a interpretação a propósito deste artigo: António Ferrer Correia, Erro e interpretação na teoria do negócio jurídico, Livraria Almedina, Coimbra, 2001 (reimpressão); Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II - Facto jurídico, em especial negócio jurídico, Livraria Almedina, Coimbra, 1974, págs. 304-320; Carlos Alberto da Mota Pinto / António Pinto Monteiro / Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 441-448; António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Tratado de direito civil, vol. II, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2014, págs. 673-748; Pedro Pais de Vasconcelos / Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria geral do direito civil, 9.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2019, págs. 544-555;
[18] Sobre a interpretação do art. 238.º do Código Civil, entre outros, vejam-se: Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, cit., pág. 315; Carlos Alberto da Mota Pinto / António Pinto Monteiro / Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, cit., págs. 448-450; António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, cit., págs. 751-752;
[19] Expressão de Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, cit., pág. 309.