Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1509/19.8T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
RECONVENÇÃO
PODERES DE ADEQUAÇÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RP20210126/1509/19.8T8GDM.P1
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A acção de divisão de coisa comum é assim uma acção de natureza real e constitutiva, na medida em que implica uma modificação subjectiva e objectiva do direito real que incide sobre a coisa. Comporta processualmente duas fases distintas, uma declarativa a que se reportam os art.ºs 925.º a 928.º do C.P.Civil e outra executiva, nos termos do art.º 929.º do C.P.Civil. A fase declarativa processa-se de acordo com as regras aplicáveis aos incidentes da instância, e só assim não será se o Juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que os autos deverão seguir os termos do processo comum.
II - Inexistindo qualquer divergência entre as partes relativamente à existência de compropriedade do imóvel em apreço por ter sido por ambos adquirido, nem quanto à natureza indivisível da coisa, e não tendo invocada em sua defesa qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, a acção tem de ser totalmente procedente, encerrando-se a fase declarativa da acção.
III – O pedido reconvencional fundamentado em despesas alegadamente efectuadas apenas pela ré na aquisição e manutenção do imóvel cuja divisão se peticiona, e outras decorrentes da vida em comum havida entre as partes, com vista ao reconhecimento desse crédito sobre o autor a ser efectivado/compensado aquando da adjudicação ou venda do imóvel, não é admissível à míngua da não verificação de qualquer requisito substancial de conexão, cfr. n.º2 do art.º 266.º do C.P.Civil.
IV- Estando por força da lei encerrada a fase declarativa da acção de divisão de coisa comum, arrendada estava também a possibilidade de o juiz, à luz do preceituado no n.ºs 2 e 3 do art.º 37.º do C.P.Civil, adequar a formas de processo (declarativos) para admitir o pedido reconvencional.
V - Mas mesmo que assim se não entenda, certo é que o que se pretende com a reconvenção é acautelar um eventual direito de crédito a ser realizado/concretizado num futuro incerto ou eventual, ou seja, aquando da adjudicação ou venda do imóvel a terceiro – fase executiva da presente acção de divisão de coisa comum, todavia, a admissibilidade do pedido reconvencional não pode depender de condição futura e incerta, exigindo-se que os respectivos requisitos se mostrem reunidos aquando da sua dedução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 1509/19.8 T8GDM.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Gondomar - Juiz 2
Recorrente – B…
Recorrido – C…
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – C… intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Gondomar a presente acção especial para divisão de coisa comum, contra B…, pedindo que fosse a ré condenada a reconhecer a individualidade do prédio do identificado em causa, ser esse prédio adjudicado em conferência de interessados, em caso de acordo, ou, se este não ocorrer, ser vendido
Para tanto alegou, em síntese que por escritura pública de contrato de compra e venda com mútuo, hipoteca e fiança outorgada a 22 de Novembro de 2017, autor e ré adquiriram, em comum com determinação de parte e de direito, a fracção autónoma designada pelas Letras HB, correspondente ao 3.º direito destinada à habitação e a fracção autónoma designada AP, correspondente a cave, Lugar AP de garagem com entrada pelo n.º.. da …, destinado a estacionamento, ambas do prédio sito na Rua …, n.º .., Bloco ., da Freguesia …, Município ….
Tal imóvel é indivisível e não pretende permanecer na indivisão.
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A ré, pessoal e regularmente citada, veio contestar e deduziu pedido reconvencional, pedindo que seja absolvida da instância por ilegitimidade, e ainda que deve a reconvenção ser julgada procedente por provada, e o autor/reconvindo condenado a pagar-lhe o valor de €3.855,77, correspondentes a metade dos custos tidos desde a aquisição até então com a manutenção com o imóvel supra referido, e ainda nos valores que se venham a pagar até à decisão desta acção, quantias acrescidas de juros calculados à taxa legal desde a data da notificação da reconvenção até efectivo pagamento.
Alegou para tanto a ilegitimidade passiva por ausência na acção do credor hipotecário.
Aceitou a aquisição do bem por ambos, entendendo que a quota-parte do autor não se se situa em ½, mas em valor diverso e inferior à sua, pois tem sido a ré quem tem vindo a suportar as despesas na aquisição do imóvel, tem vindo a fazer os pagamentos à credora hipotecária e suportando as demais despesas com condomínio.
Por fim, assentiu não ser o imóvel divisível.
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O autor apresentou réplica respondendo à matéria de excepção e deduzindo pedido de intervenção principal provocada do credor hipotecário e impugnou o pedido reconvencional.
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Foi admitido o pedido de intervenção principal provocada da instituição bancária, que apresentou requerimento nos autos, pedindo que seja reconhecido o crédito que quantifica.
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Foi fixado o valor da causa e após foi proferida decisão de não admissibilidade do pedido reconvencional, de onde consta: “Não se admite o pedido reconvencional formulado pela R., em face dos fundamentos que se seguem.
(…)
Em conclusão, e voltando à afirmação por que começamos, inexiste fundamento substancial e processual que permita conhecer o pedido reconvencional formulado pela R., o que impede ser o mesmo admitido (…)”.
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De seguida foi proferida decisão sumária do pedido de divisão de coisa comum tendo-se, em consequência, declarou-se que B… e C… são comproprietários do imóvel designado pela o imóvel designado por fracção autónoma, designada pela letra «HB», correspondente a uma habitação, no terceiro andar direito (bloco C), com entrada pelo n.º .. e a fracção «AP» correspondente a cava, Lugar AP de garagem com entrada pelo n.º .., destinado a estacionamento do prédio descrito na Conservatória do Registo de Gondomar sob o n.º 1436, e inscrito na matriz sob o artigo 14055, sito na Rua …, …, …, Rua …, .., .., .. e …, ., .., .., da freguesia …, Gondomar; mais de declarou ser indivisível em substância o imóvel e fixaram-se as quotas das partes em metade para cada um.
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Inconformada com a tal decisão, dela veio a requerida recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que admita o pedido reconvencional por si formulado, com as consequências legais.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, que é muito, entende a recorrente que o Tribunal a quo, não atendeu nem valorou devidamente todos os elementos constantes dos autos, na elaboração da douta decisão proferida, pelo que não pode conformar-se com a mesma.
2. A decisão do Tribunal a quo de não admitir o pedido reconvencional é destituída de fundamento e contraria a vasta jurisprudência sobre esta temática nomeadamente (v.g. Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 25.09.2014, 25.05.2017 e 20.09.2018, Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.09.2015, de 15.03.2018 e de 07.05.2019, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 17.01.2019, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01.10.2019, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
3. Dos requisitos substanciais da reconvenção plasmados no artigo 266.º, n.º 2 do C.P.C., não resulta qualquer limitação à dedução de reconvenção em sede de processo especial, conquanto tais requisitos substanciais se mostrem respeitados e é vasta a Jurisprudência da qual resulta a admissibilidade de dedução de pedido reconvencional em processos especiais de divisão de coisa comum como atrás referido, desde que, tal como já mencionado, os requisitos substanciais do n.º 2 do artigo 266.º do C.P.C. se mostrem respeitados.
4. Nesta esteia, o pedido reconvencional deduzido nos autos é admissível ao abrigo do disposto nos artigos 266.º, n.º 2, alínea c) e n.º 3 do C.P.C.
5. Pois que, o ordenamento jurídico nacional estipula que uma Reconvenção deve ser aceite se respeitar determinados requisitos substantivos, mas também requisitos processuais, como sejam a manutenção da competência do Tribunal, a manutenção da forma de processo, a manutenção das partes primitivas.
6. Por sua vez, o novo Código do Processo Civil reforçou dos poderes de direcção, agilização, adequação e gestão processual do juiz.
7. Desta forma, o Tribunal a quo em vez de decidir em primeiro lugar da possibilidade de proferir logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão para, em face disso, concluir depois pela incompatibilidade de tramitação, deveria começar por, reconhecendo o interesse relevante na admissão da reconvenção e, verificada a impossibilidade de conhecer sumariamente das questões suscitadas, mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
8. Ao não admitir o pedido reconvencional o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 2.º, 6.º, n.º 1, 266.º, 547.º e 926.º e seguintes, todos do C.P.C.1.
9. Apesar do disposto no artigo 266.º, n.º 3 do C.P.C., estatuir que não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, em todo o caso, admite excepções a esta regra, nomeadamente, no caso do Juiz a autorizar ao abrigo do disposto no artigo 37.º, n.º 2 e 3 do C.P.C., isto é, sempre que haja interesse relevante ou seja indispensável para uma justa composição do litígio.
10. A douta decisão recorrida impediu a justa composição deste litígio ao coartar a possibilidade de a recorrente ver reconhecido o seu crédito e poder compensá-lo com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao recorrido.
11. Sendo o prédio indivisível, como já se admitiu nos autos, a sua divisão implicará que o mesmo seja adjudicado a um dos comproprietários contra o pagamento das respectivas tornas pelo que, tendo apenas um dos comproprietários, no caso a apelante, pago os encargos e despesas de aquisição das fracções, nomeadamente custos de formalização do empréstimo bancário e impostos, designadamente imposto municipal sobre transmissões onerosas e imposto de selo, de empréstimo bancário relativo ao prédio, quer nos inerentes seguros (vida e lar), quer de condomínio e outras despesas correntes como electricidade, água e telecomunicações, deverá ser compensada por este seu crédito no pagamento das tornas.
12. A admissão e apreciação do pedido reconvencional é essencial para, em conferência de interessados, “ser fixado o valor das tornas que o comproprietário que adjudique o prédio terá de pagar ao outro”.
13. Devendo, por conseguinte, ser alterada no sentido de ser admitida a reconvenção/compensação deduzida pela recorrente e, em consequência, os presentes autos prosseguirem como processo comum com vista a ser reconhecido o seu crédito sobre o autor, ora recorrido, no montante de 3.855,77 euros, correspondentes a metade dos custos tidos desde a aquisição até à data da Contestação e manutenção com o imóvel supra referido, e os valores que se venham a pagar até à decisão desta acção, quantias acrescidas de juros calculados à taxa legal desde a data da notificação da reconvenção até efectivo pagamento.
14. O não reconhecimento desse direito implica o enriquecimento sem causa do comproprietário, aqui apelado, de que ele beneficiará quer em caso de adjudicação, quer em caso de venda.
15. A reconvenção deve ser admitida, sob pena de, assim não acontecendo, se dar cobertura a uma situação ilegítima.
16. A adjudicação ou a venda e, em especial, nesta segunda hipótese, a lei não faculta à recorrente empobrecida outro meio de ser indemnizada.
17. O que fica exposto será realçado pelo facto de o imóvel ser reconhecidamente indivisível, como já se disse.
18. No caso vertente, a admissão da reconvenção e o seu processamento não afecta, de forma relevante, a tramitação do processo de divisão de coisa comum. Pelo contrário poderá, na perspectiva da recorrente, afastar futuras litigâncias.
19. Deste modo, prosseguindo os autos os seus ulteriores trâmites até final, condensando-se, assim, num só processo todas as questões de facto e de direito que se levantam no âmbito de uma mesma relação jurídica, que assim se verão discutidas numa só sede e num só momento, como objectivo de rapidamente alcançar a paz jurídica entre os dois sujeitos.
20. Nesta confluência, deve a decisão recorrida ser alterada nos precisos termos peticionados.

O requerente/apelado juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Da admissibilidade ou não do pedido reconvencional formulado pela ora apelante.
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Como se deixou acima consignado a 1.ª instância decidiu que “in casu” o pedido reconvencional formulado pela ré, oara apelante, era inadmissível. Para tanto considerou, além do mais, que: “(…) A presente acção para divisão de coisa comum foi intentada pelo autor assente no facto de as partes através de contrato de compra e venda terem adquirido em partes iguais o imóvel que id., o qual disse ser indivisível.
Contestou a ré, assumindo ser o imóvel indivisível, alegando, todavia, que o valor das quotas não é igual, sendo o valor da sua quota superior ao valor da quota do autor uma vez que pagou integralmente diversas dividas referentes ao mesmo e que identifica.
Deduziu pedido reconvencional pedindo a condenação do autor no pagamento da quantia de €3.855,77 referente a metade dos custos tidos desde a aquisição e manutenção do imóvel e os que venha a pagar até decisão, acrescido de juros de mora.
Apresentou o autor resposta quanto à matéria de excepção, sustentando ser o pedido reconvencional inadmissível, impugnando a matéria que o sustenta, e advogando ser o valor das quotas igual para cada um dos comproprietários.
(…)
A presente acção configura, nos termos delimitados na petição inicial a uma acção especial de divisão de coisa comum, que segue os termos do disposto nos art.ºs 925.º e ss. do CPC.
Por seu lado, o pedido reconvencional efectuado pela ré é que o autor seja condenado no pagamento de um valor que totaliza e alega ter sido suportado quando cabia ao autor pagá-lo.
Visto o pedido assim delimitado, salvo melhor entendimento, não se vê qualquer conexão material delimitada nas alíneas do art.º 266.º do CPC – acompanhando-se o pensamento vertido no Ac RC de 12/03/2013, rel. Sílvia Pires, in dsgi.pt onde se afirma que, pretendendo somente os AA porem termo à indivisão do prédio, esta situação não tem fundamento na existência de qualquer direito de crédito-, e, para além disso, ainda que se entendesse que ali cabia, sempre faltaria o pressuposto formal de que depende ser admitida esta acção cruzada.
Mas ainda que se entendesse que há conexão material que permitisse deduzir pedido reconvencional desse ponto de vista, entende-se, sempre salvo melhor entendimento, que a forma de processo em face do litigio que a ré visa dirimir com o pedido reconvencional implicaria a assunção de uma transfiguração da forma de um processo cujo pedido inicial tem em vista a divisão da coisa comum que entorpeceria o resultado pretendido com a presente acção: pôr fim à indivisão.
Por outras palavras e começando por ver o regime da acção para divisão de coisa comum temos que a presente acção configura, conforme avançamos já, nos termos delimitados na petição inicial a uma acção especial de divisão de coisa comum, que segue os termos do disposto nos art.ºs 925 e ss. do CPC.
Na verdade, todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas – art.º 925.º do CPC.
Esta acção termo por objectivo pôr termo à contitularidade de direitos reais, sendo o meio processual que dá expressão ao direito consagrado nos art.ºs 1412.º, n.º1 e 1413.º, n.º1 do C. Civil, na medida em que nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão – Ac RC de 12/03/2013, rel. Sílvia Pires.
De acordo com o art.º 926.º, nº 1 do CPC, os requeridos são citados para contestar, no prazo de 30 dias, oferecendo logo as provas de que dispuserem.
Seguidamente, se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º; da decisão proferida cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo – art.º 962/2 do CPC.
Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum. – art.º 962/3 do CPC.
Determina o n.º4 da citada disposição que, ainda que as partes não hajam suscitado a questão da indivisibilidade, o juiz conhece dela oficiosamente, determinando a realização das diligências instrutórias que se mostrem necessárias –– art.º 962/2 do CPC.
Se tiver sido suscitada a questão da indivisibilidade e houver lugar à produção de prova pericial, os peritos pronunciam-se logo sobre a formação dos diversos quinhões, quando concluam pela divisibilidade– art.º 962/5 do CPC.
Fixados os quinhões, realiza-se a conferência a que alude o disposto no art.º 929.º do CPC.
Sendo a coisa indivisível, a conferência tem em vista o acordo dos interessados na respectiva adjudicação a algum ou a alguns deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes. Na falta de acordo sobre a adjudicação, é a coisa vendida, podendo os consortes concorrer à venda.
No caso, não há desacordo quanto ao facto de a coisa ser indivisível e, como veremos, o fundamento trazido pela ré no sentido de que o valor das quotas não de metade para cada um é totalmente infundado.
Isto para dizer que os autos permitem desde já a prolação da decisão quanto à indivisibilidade da coisa, fixação de quinhões, nos termos adiante explanados, com a oportuna marcação de conferência de interessados, podendo a acção terminar desde que as partes, através do seus ilustres mandatários, estabeleçam contactos prévios com vista à composição do litigio, podendo inclusive nessas prévias negociações introduzir as questões que as partes se referem nos articulados e chegarem a acordo, findando os autos.
Admitir o pedido reconvencional implicaria permitir que os autos prosseguissem com os termos subsequentes do processo comum, para, em última análise, averiguar e fazer prova sobre quando, como, por quem foram efectuados os pagamentos, em audiência de discussão e julgamento com prolação de sentença, quando, nesta primeira fase processual importa somente saber: se existe uma situação de compropriedade e se o bem é (in)divisível, fixando os respectivos quinhões.
Como vimos já decorre do teor da contestação da R., que a mesma admite a celebração do contrato de compra e venda do imóvel assim como que o bem é indivisível, razão pela qual nada impede que assim decida em conformidade, conforme o disposto no art.º 926.º do CPC.
Por outra parte, a fixação dos quinhões depende do que está previsto no art.º 1043.º do C. civil, daqui decorrendo e acompanhando a jurisprudência vertida no Ac RL de 04.03.2010, rel. Fátima Galante, in dgsi.pt que: «Afirmando-se na escritura de aquisição que a mesma é feita em comum e partes iguais é irrelevante a eventual desigualdade de contribuição de cada um dos consortes para a liquidação do respectivo preço.».
A reconvenção, quando muito e de acordo com alguma jurisprudência, só seria admissível se as questões trazidas pela ré pudessem ser sumariamente decididas, o que não é manifestamente o caso, para o que basta ler os articulados para assim concluir, razão pela qual, nada impedindo que a fase declarativa se encerre, sem outras delongas e entorpecimentos processuais (…)”.
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- Da admissibilidade ou não do pedido reconvencional formulado pela ora apelante.
O art.º 1412.º do C.Civil atribui a cada comproprietário o direito de exigir a divisão. Trata-se de um direito potestativo destinado a dissolver a relação de compropriedade, objectivado nos art.ºs 925.º a 929.º do C.P.Civil.
A cessação da situação de compropriedade implica, como é manifesto, o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes, tendo por objecto a mesma coisa; tem lugar a constituição de situações de propriedade singular sobre cada uma das parcelas da coisa dividida (se for divisível), cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, pág.335. No caso de indivisibilidade material da coisa, essa cessação da situação de compropriedade será realizada por acordo na sua adjudicação a algum dos titulares do direito de compropriedade e preenchimento dos quinhões dos outros com dinheiro, ou na falta de acordo, pela venda executiva e subsequente repartição do seu produto na proporção das quotas de cada um, cfr. art.º 929.º n.º 2 do C.P.Civil.
A acção de divisão de coisa comum é assim uma acção de natureza real e constitutiva, na medida em que implica uma modificação subjectiva e objectiva do direito real que incide sobre a coisa, pois, caso se verifique a divisibilidade da coisa, o direito de compropriedade será fragmentado, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao objecto e, nos casos de indivisibilidade, o direito de compropriedade transforma-se em direito de propriedade singular, passando a ser seu titular outro ou outros sujeitos.
Ora, preceitua o art.º 925.º do C.P.Civil, a respeito da petição do processo especial de divisão de coisa comum, que “todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
A acção de divisão de coisa comum, como acção especial, comporta processualmente duas fases distintas, uma declarativa a que se reportam os art.ºs 925.º a 928.º do C.P.Civil e outra executiva, nos termos do art.º 929.º do C.P.Civil.
A fase declarativa processa-se de acordo com as regras aplicáveis aos incidentes da instância, como determina o n.º2 do art.º 926.º C.P.Civil, e só assim não será se o Juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que os autos deverão seguir os termos do processo comum, cfr. art.º 926.º nº 3 do C.P.Civil.
Como já se referiu acima, trata-se de uma acção real, sujeita a registo, e cuja causa de pedir é a situação de compropriedade e cujo pedido é a cessação dessa compropriedade, pela divisão material se a coisa for divisível, não o sendo pela adjudicação a uma das partes ou pela venda a terceiro, preenchendo-se assim em dinheiro as quotas de cada um dos comproprietários.
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No caso dos autos, inexiste qualquer divergência entre as partes relativamente à existência de compropriedade do imóvel em apreço (fracção autónoma para habitação e fracção autónoma para aparcamento) por ter sido por ambos adquirido, nem quanto à natureza indivisível da coisa.
Destarte e dúvidas não podem restar de que a acção tem de ser totalmente procedente, já que ambas as partes estão de acordo quanto à verificação dos fundamentos que impõem a procedência do direito potestativo do autor de querer por termo a essa situação de compropriedade, cfr. art.º 1412.º do C.Civil. Logo, bem andou a 1.ª instância ao seguir o preceituado no n.º2 do art.º 926.º do C.P.Civil, e porque, na realidade não havia qualquer dissenso entre as partes quanto ao objecto do processo, julgar sumariamente o pedido como o fez.
Mas como se viu também, a contestação da ré, que como se disse confessa os fundamentos de facto e de direito do direito arrogado pelo autor, vem mostrar que entre autor e ré existem divergências reais, decorrentes do que cada um, alegadamente, despendeu na aquisição e manutenção da coisa. Ou seja, diz a ré/apelante que “as despesas realizadas pela ré, quer no pagamento de empréstimo bancário relativo ao prédio, quer nos inerentes seguros” e outras, “numa situação em que o pagamento caberia a ambos, autor e ré, gera na esfera jurídica da ré, um direito a ser ressarcida em ½ das despesas”. Daí pretender ser compensada com o crédito do autor em tornas.
Despesas, essas, alegadamente suportadas na íntegra pela ré/apelante, assim discriminadas:
-€2.006,07, pelo pagamento de empréstimo bancário e inerentes seguros, até 30.04.2019;
- €3.132,79, em despesas inerentes à compra, seguros de vida do autor e ré, seguro do lar, custos de formalização do empréstimo bancário e impostos;
- €92,30, de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis;
- €651,36, em imposto de selo;
-€87,65, por documentos necessários à formalização da compra e venda, nomeadamente, cópias do Alvará de Licença emitido pela Câmara Municipal … e respectiva certidão, outras certidões camarárias e certidões do registo predial;
- €936,38, em prestações de condomínio;
- €138.95, pelo contrato de prestação de serviços contratualizado pelo autor com a empresa de telecomunicações, nomeadamente serviço de comunicações fixas e televisão, a partir de Agosto de 2018 no valor actual de €32,99/mês;
- €666,04, com electricidade, entre Janeiro e Setembro de 2018, período em que ambos habitavam o imóvel, e consequentemente vem a ré peticionar do autor, em sede de reconvenção, o pagamento, por eventual compensação no que ele tiver a haver por via da adjudicação ou venda da coisa.
Em suma, cumpre agora apurar se na presente acção de divisão de coisa comum, a reconvenção, com estes fundamentos, não é admissível, ou inversamente, como pretende a ré/apelante, a admissão e apreciação do pedido reconvencional é essencial para, em sede de conferência de interessados, “ser fixado o valor das tornas que o comproprietário que adjudique o prédio terá de pagar ao outro”.
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Ora, preceitua o art.º 266.º do C.P.Civil, sob a epígrafe “Admissibilidade da reconvenção”, que:
“1. O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
3. Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos ou o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações. (…).”
A reconvenção permite que, a bem da economia processual e do alcançar da justiça material, se alargue o objecto do processo, nele se dirimindo um conflito entre o autor e o réu, em que o réu se apresenta como demandante e o autor como demandado. Para tal, é necessário que, além da adequabilidade da apreciação dos dois litígios do ponto de vista formal, cfr. n.º 3 do art.º 266.º do C.P.Civil, exista conexão relevante entre ambos.
Em suma, pode o réu, além da estrita defesa que oponha ao autor tanto através de excepções genéricas (do conhecimento oficioso do tribunal desde que os respectivos factos constem do processo), como de excepções específicas (que tão-somente podem ser tomadas em conta quando alegadas), formular pedidos contra o autor (reconvenção).
Com a reconvenção modifica-se o objecto da acção. Pois que esta, em vez de ficar circunscrita ao pedido formulado pelo autor, passa a ter também por objecto um pedido formulado pelo réu.
A reconvenção deve ser configurada como um cruzamento de acções, como uma espécie de contra-acção (Wiederklage), cfr. Prof. Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. I, pág. 170, consistindo num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constitui uma contra-acção que se cruza com a proposta pelo autor (que, no seu âmbito, é réu, enquanto o réu nela toma a posição de autor – respectivamente, reconvindo e reconvinte).
Como acima já se deixou consignado a ré na sua contestação não impugnou os factos alegados pelo autor, antes os confessou, nem se opôs ao pedido pelo mesmo formulado e, consequentemente não invocou em sua defesa qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Ora, no que concerne aos requisitos substantivos ou materiais de admissibilidade da reconvenção, dúvidas não temos de que os mesmos “in casu” se não verificam.
Na verdade é manifesto que o pedido reconvencional formulado pela ré não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa. Desde logo porque como se disse, a ré não invoca em sua defesa qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, para poder fundamentar o seu pedido reconvencional. Por outro lado, o facto jurídico que serve de fundamento ao pedido formulado pelo autor é tão só a situação real de compropriedade, logo, resta-nos concluir que o pedido reconvencional formulado pela ré não emerge desse facto jurídico, cfr. al. a) do n.º2 do art.º 266.º do C.P.Civil.
O pedido do autor não é de entrega da coisa e nem a ré peticiona o reconhecimento de direito a benfeitorias ou a despesas feitas com a coisa, logo, também temos de concluir que o pedido reconvencional em causa se integra na previsão da al. b) do n.º2 do citado preceito legal.
Nem a ré pretende, por via do pedido reconvencional, obter em seu benefício o mesmo efeito jurídico que o autor pretende, cfr. al. d) do n.º1 do mesmo preceito.
Por fim, sendo manifesto que a ré/apelante, como alega, pretende o reconhecimento de um crédito para obter um eventual compensação futura e incerta, todavia tal não se integra na al. c) do n.º 2 do art.º 266.º do C.P.Civil, desde logo porque, como se disse a acção de divisão de coisa comum é uma acção de escopo real e, como se viu, o autor não formula qualquer pedido de pagamento ou reconhecimento de qualquer crédito sobre a ré, logo.
E assim sendo temos de concluir que o pedido formulado pela ré não tem qualquer conexão substantiva com o objecto da presente acção, sendo antes um pedido (acção) absolutamente autónoma a esta e como tal inadmissível.
Mais, como se viu, em face da posição que a ré tomou em sede da sua contestação quanto ao objecto da acção, ou seja, não contestou a situação de compropriedade, e igual proporção, das partes relativamente ao imóvel em apreço, nem a situação da sua indivisibilidade material, por força da lei, cfr. n.º2 do art.º 926.º do C.P.Civil, a acção de divisão de coisa comum tinha de encerrar aí a sua fase declarativa, e assim, deixando de existir essa mesma fase, ela, por impossibilidade jurídica, nunca se poderia transmutar, em acção de processo comum e eventualmente admitir a dedução de pedido reconvencional.
E tendo, por força da lei, sido encerrada a fase declarativa da acção de divisão de coisa comum, arrendada estava também a possibilidade de o juiz, à luz do preceituado no n.ºs 2 e 3 do art.º 37.º do C.P.Civil, adequar a formas de processo (declarativos) para admitir o pedido reconvencional.
Todavia e, como resulta bem demonstrado, quer pelo que deixámos consignado, pelo teor da decisão recorrida, quer pelo teor das alegações e contra-alegações deste recurso e atentas as citações jurisprudenciais aí feitas sobre a questão em apreço, temos de concluir que a decisão da questão em apreço nestes autos não tem sido pacífica na nossa jurisprudência.
No sentido da admissibilidade de pedido reconvencional na acção de divisão de coisa comum veja-se, por exemplo, os Acs. R.L. de 15.03.2018; R.E. 17.01.2019; de R.G. de 20.09.2018. E no sentido também por nós ora defendido, embora como fundamentação por vezes diversa, veja-se, entre outros, os Acs. da R.C. de 12.03.2013; da R.E. de 22.03.2018; da R.L. de 4.03.2010, de 30.06.2009, de 11.01.2018 e de 25.06.20, todos in www.dgsi.pt.
No fundo o que a ré/apelante pretende é acautelar um eventual direito de crédito a que se arroga sobre o autor e a ser realizado/concretizado num futuro incerto ou eventual, ou seja, aquando da adjudicação ou venda do imóvel a terceiro – fase executiva da presente acção de divisão de coisa comum, mas como se refere, e bem, no Ac. da Rel. de Lisboa de 25.06.2020, in www.dgsi.pt, “A admissibilidade do pedido reconvencional não pode depender de condição futura e incerta, exigindo-se que os respectivos requisitos se mostrem reunidos aquando da sua dedução, sendo que o funcionamento da compensação, nos termos previstos pelo art.º 847.º do CC, segundo o Prof. Menezes Cordeiro, in Obrigações, 1980, 2.º, 221, depende da verificação dos seguintes requisitos: a existência de dois créditos recíprocos; a exigibilidade do crédito do autor da compensação; que as obrigações sejam fungíveis e da mesma espécie e qualidade; a não exclusão da compensação pela lei; a declaração da vontade de compensar – o que não ocorre”.
Por fim sempre se dirá que é manifesto que o actual C.P.Civil reforçou os poderes de direcção, agilização, adequação e gestão processual do juiz e que “in casu” a eventual admissão do pedido reconvencional formulado pela ré poderia dirimir um global conflito existente entre as partes decorrente da sua passada vida em comum, mas a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, logo não se pode pretender que no uso dos supras referidos poderes do juiz se admita que por via de uma única e global acção se possa vir a dirimir todos os eventuais litígios existentes entre as partes, sejam quais forem os fundamentos de facto e de direito a que cada um se arroga.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, julgam-se as conclusões da ré/apelante improcedentes, confirmando-se a decisão recorrida.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela ré/apelante

Porto, 2021.01.26
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues