Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DO ROSÁRIO MARTINS | ||
Descritores: | PRINCÍPIO NE BIS IDEM UNIDADE CRIMINOSA DECLARAÇÃO DE PERDA DE VANTAGEM | ||
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Nº do Documento: | RP2025011519207/09.9TDPRT.P2 | ||
Data do Acordão: | 01/15/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O arguido não pode ser julgado pelos factos dos presentes autos por força do princípio ne bis in idem por os mesmos fazerem parte integrante da unidade criminosa descrita nos factos apreciados num outro processo em que o arguido foi condenado pelo mesmo tipo de crime. II - Tendo resultado provada a prática de factos ilícitos e a obtenção de vantagens ilegítimas por parte do arguido, que apenas não deve ser punido por força do princípio ne bis in idem, não tendo ocorrido a declaração de perda de vantagem naquele processo em que o arguido foi condenado, essa declaração deverá ter lugar no âmbito dos presentes autos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo 19207/09.9TDPRT.P1 Comarca do Porto Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 6 Acordam em conferência os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO I.1 Por acórdão proferido em 16.07.2024 foi decidido: “1) Julgar verificada a exceção da prescrição do procedimento criminal quanto aos crimes imputados ao arguido AA, com a consequente extinção da sua responsabilidade criminal. 2) Julgar verificada a violação do princípio ne bis in idem, com referência aos factos objeto do presente processo e aqueles outros pelos quais os arguidos BB, CC, AA, "A...", atualmente "B..., S.A." foram acusados e julgados no âmbito do Proc. n. 2271/03.0IDPRT, por se integrarem na mesma resolução criminosa iniciada em 2000 e que se prolongou até 2004, determinando o consequente arquivamento dos autos. 3) Condenar o arguido DD pela prática, como coautor material, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 103°, n.°s 1 e 2 e 104°, n.°s 1 e 2 do RGIT, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, com a condição de o mesmo pagar, em tal período, a quantia correspondente à vantagem patrimonial pelo mesmo auferida e correspondente ao IVA não pago, no valor de € 123.759,63 (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta e nove euros e sessenta e três cêntimos). 4) Absolver todos os arguidos da prática do crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo art. 256°, n.° 1, alínea a), do Código Penal que lhes estava igualmente imputado. 5) Julgar procedente o pedido de perda de vantagens a favor do estado e condenar os arguidos, solidariamente, no pagamento do montante de €520.342,48, quantia que era devida ao Fisco e de que o Estado desapossado pelo crime de fraude fiscal, sem prejuízo da satisfação dos direitos patrimoniais do Estado por outra via, nomeadamente execução fiscal.” ** I.2. Recurso da decisãoO arguido DD interpôs recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral): “I) O Arguido foi acusado da prática em co-autoria, de um crime de fraude fiscal qualificada p.p. pelas disposições conjugadas do artigo 26º do C.P. e dos artigos 103, nº 1, al. a) e c) e 104º, nºs 1 e 2 do RGIT e atualmente previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 103, nºs 1 al. a) e c) e artigo 104º nºs 1 e 2, e das al. a) e b) do nº 3 do RGIT e em concurso um crime de falsificação de documentos, p.p. pelo disposto no artigo 256º, nº 1 a) do C.P. II) E condenado pela prática como co-autor material de um crime de Fraude Fiscal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, com a condição de pagar em tal período, a quantia correspondente à vantagem patrimonial pelos mesmo auferida e correspondente ao IVA não pago, no valor de 123.759,63€ (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta e nove euros e sessenta cêntimos), e, III) no pagamento do montante de 520.342,48€ que era devido ao Fisco e de que o Estado foi desapossado pelo crime de fraude fiscal. IV) Na Douta Acusação (ponto 30 a 34) é imputado ao Arguido, que no ano de 2004, mais concretamente entre 16/02/2004 e 23/03/2004, a emissão de 24 (vinte e quatro) faturas a “A...”, num total de 651.366,55€ (seiscentos e cinquenta e um mil trezentos e sessenta e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescido de IVA no montante de 123.759,63€ (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta e nove euros e sessenta e três cêntimos), V) E que não correspondem a serviços e/ou bens efetivamente prestados, uma vez que o mesmo foi objeto de diversas ações inspetivas, relativamente aos anos de 2001 (dois mil e um) a 2004 (dois mil e quatro), e foi verificado que as compras de sucata não tinham subjacente qualquer relação comercial, bem como não possuía meios físicos que lhe permitisse desenvolver a atividade de compra e venda de sucata. VI) Ora, o Arguido já foi julgado e condenado pelos factos que aqui lhe são imputados, no âmbito do processo comum coletivo 707/06.9JAPRT do extinto 2º Juízo Criminal de Gondomar, conforme certidão cujo código de acesso foi …. VII) Bem como, esses mesmos factos foram objeto de uma Decisão Instrutória, no âmbito do processo nº 703/06.6JAPRT que corre termos no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 1, que julgou procedente a exceção do caso julgado, conforme certidão que se junta com o código ....... VIII) Ou seja, neste último processo, também foi imputado ao Arguido a emissão de faturas que não tinham subjacente qualquer transação comercial, nos anos de 2004 (dois mil e quatro) e 2005 (dois mil e cinco), IX) que se substancia na prática de 3 (três) crimes de fraude fiscal, p.p. pelo artigo 103º, nº 1, alínea a) e nº 2 e artigo 104º, nº 2 da Lei 15/2001 de 05/06, nos anos económicos de 2004 (dois mil e quatro), 2005 (dois mil e cinco) e 2006 (dois mil e seis). X) Ficando assente, entre outros factos, que o arguido atuou dedicou-se à emissão e utilização de faturas a terceiros, noas anos de 2002 (dois mil e dois) a 2005 (dois mil e cinco) e que não tinham subjacente qualquer transação comercial. XI) Pelo que o ano de 2004 (dois mil e quatro) está inserido nesse mesmo período temporal. XII) O tribunal de Santa Maria da Feira, considerou que estava em causa o mesmo “ pedaço de vida, ou seja as condutas aqui em apreço, se tivesse sido apreciadas no mesmo processo, teriam sido integradas nos mesmos tipos de crimes pelos quais o arguido foi condenado e que correspondem ao mesmo tipo de crime aqui em análise”. XIII) pese embora, os factos aqui em causa não foram apreciados nos processos suprarreferidos, no entanto o crime de fraude fiscal não é um crime continuado, ou seja o dolo é único, cobrindo toda a conduta criminosa, e nos termos do artigo 29º nº 5 da CRP “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prártica do mesmo crime”. XIV) Pelo que estando em causa o mesmo tipo de crime, o mesmo pedaço de vida, ano de 2004 o arguido não pode ser condenado pelos mesmos factos por efeito da violação do princípio ne bis in idem. XV) Tal argumento serviu de base à extinção do procedimento criminal para a sociedade Arguida A...”, descrita como beneficiária das faturas emitidas pelo aqui Arguido. XVI) Os factos aqui em causa remontam ao ano de 2004 (dois mil e quatro), mais concretamente a 16 de fevereiro de 2004 a 23 de março de 2004, data da emissão das faturas, que releva para efeitos de contagem da prescrição, conforme posição dominante da jurisprudência, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03 de março de 2017, “A consumação do crime de fraude fiscal, enquanto momento relevante para a fixação do início do decurso do prazo de prescrição do procedimento, ocorre na ocasião de emissão da fatura falsa, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte.” XVII) O Recorrente foi constituído arguido em 15 de novembro de 2018; XVIII) O art.º 21º do RGIT (Lei 15/2001) estipula que o procedimento criminal por crime tributário, extingue-se, por efeito da prescrição logo que sobre a sua prática sejam decorridos 5 (cinco) anos, sem prejuízo dos prazos estabelecidos no C.P. (artigo 118º), dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos; XIX) A prática dos factos, aqui em análise, ocorreu aquando da emissão das faturas, mais concretamente entre 16/02/2004 e 23/03/2004, pelo que a prescrição ocorreu em 23/03/2014, XX) Uma vez que não existiu quanto a este arguido qualquer suspensão prevista no referido artigo 118º do C.P, conforme consta da douta sentença na página 76. XXI) Muito menos a suspensão do processo conforme se passará a explanar. XXII) A decisão de suspensão do procedimento criminal, é uma decisão discricionária, uma vez que o artigo 47º, nº 1 do RGIT não contém um princípio de suspensão automática. XIII) Pois ela ocorrerá na situação em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados. XXIV) A matéria criminal qui em causa, não é de tal forma complexa que o próprio tribunal criminal não pudesse julgar tal conduta; XXV) Estão em causa faturas emitidas pelo Arguido, entre 16 de fevereiro de 2004 e 23 de março de 2004 a A.... XXVI) Nem em momento alguma tal decisão administrativa serviu de base à condenação do aqui Arguido, pois a própria prova produzida em audiência de julgamento, não versou os relatórios relativos a este Arguido. XXVII) Pelo que a suspensão não lhe pode ser oponível, ao suspender o processo violou o princípio da suficiência do processo penal. XXVIII) O Recorrente, ainda não tinha essa qualidade, quando foi proferido o douto despacho do tribunal a suspender o procedimento criminal. XXIX) Nem dele teve conhecimento, pois apenas foi constituído arguido em 15 de novembro de 2018, ou seja, muito depois do prazo de dez anos, pelo que o crime nessa data se encontrava prescrito. XXX) Pelo que ocorreu a prescrição do crime de fraude fiscal, em 23/03/2014. XXXI) E à data da prolação da sentença já tinham passado mais de 20 anos desde a data da prática do crime, XXXII) a interpretação vertida na sentença proferida pelo douto Tribunal a quo imputa injustificadamente ao arguido inconvenientes que obstam inclusive ao livre desenvolvimento da sua personalidade extensível ao desenvolvimento pleno das suas atividades profissionais, mantendo por mais de 20 anos uma constante incerteza jurídica. XXXIII) O que viola os mais elementares direitos constitucionais, nomeadamente o artigo 2.º e 32.º, n.º 2, da CRP, ao impedir o julgamento do arguido de obter uma decisão em prazo razoável, mantendo-se com o estatuto de arguido por um período indeterminado. XXXIV) Pelo que deve ser declarado prescrito o crime de que vem acusado o arguido DD. XXXV) O tribunal deu como provado os factos constantes da Acusação Pública quanto ao aqui Recorrente, nomeadamente que a sociedade arguida “A..., S.A.”, atualmente sob a designação comercial de “B..., S.A.”, estava - à data dos factos – enquadrada, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), no regime geral de determinação do lucro tributável e, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal mensal. XXXVI) O arguido DD, à data dos factos, encontrava-se coletado como “Prestador de Serviços” (CAE ...), pela Repartição de Finanças de Gondomar-1, enquadrado para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Cat. B, Rendimentos Profissionais, no regime da contabilidade organizada e em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado no regime normal trimestral, sendo que atualmente se encontra com atividade cessada com efeitos reportados a 31 de dezembro de 2007 (cfr. prints cadastrais de fls. 2351 a 2354) XXXVII) Os referidos arguidos projetaram e acordaram entre si a simulação de operações comerciais entre as respetivas empresas e a sociedade “A..., S.A.”, com o objetivo de conseguirem benefícios patrimoniais indevidos, em particular, créditos de imposto sobre o Estado, a título de reembolso de IVA. XXXVIII) Quanto a este fornecedor, a sociedade “A..., S.A.”, no exercício de 2004, contabilizou 24 (vinte e quatro) faturas no total de €651.366,55, mais IVA de €123.759,63, num total de €775.126,18, emitidas por DD. XXXIX) As faturas emitidas por este fornecedor não correspondem a serviços e / ou bens efetivamente prestados. XL) O principal fornecedor de DD, durante os anos de 2002 a 2004, que era EE (NIF ......), não tinha, no aludido período, qualquer tipo de meios que lhe permitissem desenvolver a atividade que as faturas por si emitidas indiciam. XLI) Entre outubro e dezembro de 2004, verificou-se o aparecimento de faturas de aquisição de mercadorias emitidas em nome de FF (NIF ......), no valor total de €765.258,58 (com IVA incluído), sendo que este contribuinte, no aludido período, não se encontrava registado para o exercício de qualquer atividade comercial / industrial, nem tinha qualquer tipo de meios humanos ou materiais que lhe permitissem desenvolver o tipo de atividade comercial, em concreto “Comércio de Sucatas” que as faturas emitidas em seu nome querem fazer crer. XLII) As instalações que o arguido DD dispunha, à data, eram num espaço nas traseiras da habitação onde residia com os pais – pequeno armazém, com cerca de 200 m2 -, não tendo quaisquer funcionários ao seu serviço, apenas estando o próprio como estando afeto à atividade comercial, declarando como seu vencimento mensal um valor próximo do SMN. XLIII) No aludido armazém estavam apenas armazenadas pequenas quantidades de sucata e tinha um forno para fundição de lingotes de latão. XLIV) Os arguidos diminuíram o IVA que teriam de entregar nos Cofres do Estado, já que o IVA a pagar em relação a cada período é determinado através da dedução do montante liquidado nas faturas emitidas do quantitativo constante das faturas de aquisições que conferem tal direito. XLV) E diminuíram o IVA que tinham que entregar ao Estado, obtendo, assim, uma vantagem patrimonial indevida correspondente à quantia de IVA que, por força daquela dedução fraudulenta, deixaram de pagar ao Estado. XLVI) Os arguidos decidiram em conjugação de esforços e mediante um plano prévio traçado, inserir as faturas mencionadas, as quais não correspondem a transações reais, na contabilidade da, representada pelos arguidos que conseguiram, dessa forma, diminuir o IRC a entregar ao Estado. XLVII) Defraudaram deste modo a Fazenda Nacional ao fazerem crer aos respetivos Serviços da Administração Tributária que a declaração de rendimentos apresentada ao Fisco se baseava em documentos que titulavam verdadeiras transações, induzindo-os cm erro quanto à sua autenticidade. XLVIII) Conseguiram desta forma, com que tal quantia de IRC não entrasse nos cofres do Estado e locupletaram-se com a mesma. XLIX) Os arguidos atuaram por si, no interesse das respetivas sociedades, na qualidade de seus representantes legais com o propósito de não pagarem integralmente o imposto devido ao Estado. L) Obtendo uma vantagem patrimonial ilegítima de €520.342,48 (€1.892.154,42 x 25%+10%) que corresponde ao imposto que a sociedade “A..., S.A.” deixou de pagar, fazendo diminuir dessa forma o erário público no mesmo montante. LI) Os arguidos, ao introduzirem na contabilidade da sociedade faturas que não correspondiam a transações reais para diminuírem o valor do IRC e do IVA a pagar, o que conseguiram empolando os custos da empresa, ao fazerem constar tais valores na declaração de rendimentos Modelo 22 colocaram em crise a segurança e o tráfico jurídico em especial o tráfico probatório que tais documentos gozam no mundo jurídico, comercial e fiscal. LII) Os emitentes das faturas supra elencadas, fizeram-no com a consciência de que os valores e serviços nelas contidos não se tinham verificado, tendo ainda plena consciência de que essas mesmas faturas, porque documentos fiscalmente relevantes, se destinavam a ser utilizadas pela sociedade “BB” para defraudar o Estado, através da redução ilícita dos impostos a serem pagos. LIII) Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, em conjugação de esforços e de intenções. LIV) Além do mais bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. LV) Os autos estiveram suspensos nos termos do art. 47º do RGIT desde 29/05/2013, porquanto a sociedade “A..., S.A.”, procedeu à impugnação judicial das liquidações de IVA de janeiro a julho de 2004 e setembro, outubro e dezembro de 2004 e fevereiro de 2005 no âmbito do Proc. n.º 1981/08.1BEPRT e procedeu à impugnação das liquidações de IRC dos anos de 2004 e 2005, alegando que todas as transações subjacentes às faturas que emitiu ocorreram efetivamente. LVI) Em resultado das referidas Impugnações Judiciais, que correram termos sob os n.ºs 1981/08.1BEPRT (IVA anos de 2004 e 2005) e 1980/08.3BEPRT (IRC anos de 2004 e 2005), foram proferidas decisões pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto - Acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo constantes do Vol. VI de fls. 1927 a 2081 LVII) O arguido DD foi constituído arguido em 15/11/2018; LVIII) A acusação pública foi deduzida nestes autos no dia 11/11/2019, tendo sido notificada aos arguidos por cartas datadas de 28/11/2019, depositadas em 02/12/2019. LIX) Os arguidos foram notificados da acusação em 07/12/2019. LX) Os factos acusatórios, não foram corroborados em julgamento, nem sequer foi efetuada qualquer prova quanto aos mesmos. LXI) Nenhuma das testemunhas inquiridas pelo tribunal depôs sobre os factos que o Recorrente era acusado. LXII) Nenhum dos Senhores Inspetores Tributários analisaram os factos imputados ao aqui Recorrente. LXIII) Nem o douto Acórdão proferido na sua motivação faz qualquer referência ao depoimento das testemunhas para fundamentar a sua condenação. LXIV) A testemunha GG, Inspetor Tributário à data dos factos, quando questionado pela Exma. Senhora Juiz quanto à intervenção que teve nas inspeções disse: 00:03:51 “Eu inspecionei diretamente dois C... e D...…” ; LXV) A testemunha HH, Inspetora Tributária da cujo depoimento se encontra gravado, 00:02:24 “… só fiz o relatório com os elementos de outros colegas…” LXVI) A testemunha II, Inspetora tributária que inspecionou apenas a empresa E..., 00:00:54, e após instância da Exma. Senhora Procuradora da República volutou a confirmar que apenas inspecionou a E... 00:01:23, que nem sequer é Arguida nos presentes autos. LXVII) JJ, também Inspetor Tributário referiu que conhecia o Recorrente, fez a inspeção ao Senhor DD mas ao ano 2005, 00:01:11 a 00:01:39 “ … segundo o que verifiquei do processo BB, o Sr DD não tem qualquer tipo de correção no ano de 2005.” e 00:02:36 “… fiz o ano de 2005 do Senhor DD, só…não fui eu que fiz a inspeção ao ano de 2004. LXVIII) Mais nenhuma prova foi realizada em audiência de julgamento. LXIX) Nenhuma das testemunhas depôs sobre quaisquer factos constantes da Acusação, que conforme se referiram, foram julgados ao fim de 20 anos, o que impede inclusive o próprio arguido de se defender, face ao decurso do tempo. LXX) Ora, nenhum dos Senhores Inspetores corroborou quaisquer factos, inclusive, muitos dos relatórios resultaram da análise de ações inspetivas levadas a cabo por outros Senhores Inspetores, que não figuram como testemunhas nos presentes autos. LXXI) Nem daí pode decorrer que o Recorrente obteve qualquer vantagem patrimonial e muito menos a quantia a que foi condenado correspondente à vantagem patrimonial no montante de 123.759,63€, nem muito menos da quantia de 520342,48€, por violação ao princípio do in dúbio pro reo. LXXII) Relevando o descrito no acórdão da Relação de Évora, no processo nº 217/16.6GAVRS.E1, de 21.03.2017, disponível em www.dgsi.pt, quanto ao princípio do in dúbio pro reo, deve considerar-se o seguinte: “4 – O principio in dúbio pro reo não é o primeiro passo na apreciação probatória mas sim uma forma de ultrapassar um impasse probatório em sede factual e que ocorre a final, na apreciação probatória.” LXXIII) Pois se assim não for, e se os relatórios inspetivos, são prova bastante para a condenação, então não havia qualquer fundamento legal, para a suspensão do procedimento criminal. LXXIV) Pelo que, in casu existe erro notório na apreciação da prova, pois que desta e da sua correta apreciação, deveria o tribunal a quo, senão optar pela absolvição do arguido, por falta de prova, atingir idêntica decisão absolutória pela aplicação do princípio in dubio pro reo, consagrado constitucionalmente no artº 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa; XXV) Com a condenação, solidária do Recorrente, no pagamento da quantia global de 520.342,48€, o Recorrente é duplamente condenado. LXXVI) O dano e a vantagem coincidem, a realidade é a mesma, pelo que esta condenação constitui uma dupla punição do agente. LXXVII) E tal pedido está sujeito ao prazo de prescrição geral que é 20 anos, conforme artigo 309º do Código Civil e por isso como os factos ocorreram em fevereiro e março de 2004 e condenação ocorreu em 16 de julho de 2024, encontra-se o mesmo prescrito.” Pugna pela revogação do acórdão: - declarando-se a violação dos princípios ne bis in idem, in dubio pro reo e princípio da suficiência do processo penal, bem como declarar a prescrição do procedimento criminal e o pedido de perda de vantagem, e: - declarando-se a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ao abrigo da al. a), do nº 2 do art.º 410º do C.P.P., considerando os factos supra recorridos como não provados, substituindo-a por outra que se coadune com a pretensão exposta, absolvendo o arguido do crime de que vem acusado. ** I.3. Resposta do Ministério PúblicoO Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela sua improcedência e confirmação da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos: “1- O arguido DD, ora recorrente, foi condenado pela prática como co-autor material de um crime de Fraude Fiscal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, com a condição de pagar em tal período, a quantia correspondente à vantagem patrimonial pelo mesmo auferida e correspondente ao IVA não pago, no valor de 123.759,63€ (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta e nove euros e sessenta cêntimos), e no pagamento do montante de 520.342,48€ que era devido ao Fisco e de que o Estado foi desapossado pelo crime de fraude fiscal. 2- O Tribunal a quo não violou o principio ne bis in idem porquanto a factualidade apreciada reporta-se aos anos de 2004 e 2005 e tais factos não foram anteriormente julgados. 3– A invocada prescrição do procedimento criminal não ocorreu pois independentemente de o recorrente ter ou não sido constituído arguido, a verdade é que a suspensão nos termos do artº 47º do RGIT decretada nos autos, suspendeu a contagem do prazo prescricional também para os denunciados ainda não constituídos arguidos, pelo que não se verifica a referida prescrição porquanto a constituição de arguido veio interromper o prazo de prescrição. 4– Pelos mesmos motivos também não ocorreu a prescrição do pedido de perda de vantagem do Estado. 5– O Tribunal a quo fez uma correta valoração da prova documental e pericial já constante dos autos e da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, que apreciou segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador, não existindo qualquer erro notório na apreciação da prova.” ** I.4. Parecer do Ministério PúblicoNesta Relação o Ministério Público emitiu parecer desfavorável ao provimento do recurso. ** I.5. Resposta ao parecerFoi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público. ** I.6. Foram colhidos os vistos e, de seguida, o processo foi à conferência.**** II- FUNDAMENTAÇÃOII.1. Objecto do Recurso Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do CPP (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95). Assim, da análise das conclusões do recorrente DD extraímos sequencialmente as seguintes questões que importam apreciar e decidir: 1ª Violação do princípio ne bis in idem; 2ª Prescrição do procedimento criminal; 3ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto dada como provada; 3ª Violação do princípio in dubio pro reo; 4ª Dupla punição na condenação solidária no pagamento do pedido de perda de vantagens a favor do Estado; 5ª Prescrição do pedido de perda de vantagens a favor do Estado. * Conheceremos os fundamentos do recurso pela sua ordem lógica das consequências da sua eventual procedência e influência preclusiva.*** II.2. Acórdão recorrido (que se transcreve na parte com relevo para apreciação do recurso)“II. Fundamentação de Facto Da prova produzida, resultaram os seguintes: 1. Factos Provados: 1) A sociedade arguida "A..., S.A.", atualmente sob a designação comercial de "B..., S.A.", estava - à data dos factos - enquadrada, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), no regime geral de determinação do lucro tributável e, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal mensal (cfr. prints cadastrais de fls. 2291 a 2294). 2) O arguido BB foi Presidente do Conselho de Administração da sociedade "A..., S.A." (cfr. certidão a fls. 2287 e print a fls. 2295). 3) O arguido DD, à data dos factos, encontrava-se coletado como "Prestador de Serviços" (CAE ...), pela Repartição de Finanças de Gondomar-1, enquadrado para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Cat. B, Rendimentos Profissionais, no regime da contabilidade organizada e em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado no regime normal trimestral, sendo que atualmente se encontra com atividade cessada com efeitos reportados a 31 de dezembro de 2007 (cfr. prints cadastrais de fls. 2351 a 2354). 4) O arguido CC foi legal representante da "E..., Lda.", partilhando os poderes de gestão corrente e os poderes de decisão relativamente à vida da sociedade com pessoa que não foi possível apurar (cfr. certidão comercial a fls. 2326 e print a fls. 2332). 5) Os referidos arguidos projetaram e acordaram entre si a simulação de operações comerciais entre as respetivas empresas e a sociedade "A..., S.A.", com o objetivo de conseguirem benefícios patrimoniais indevidos, em particular créditos de imposto sobre o Estado, a título de reembolso de IVA. Assim, Quanto ao emitente "E..., Lda.": 6) A sociedade "E..., Lda." emitiu 23 (vinte e três) faturas que foram contabilizadas pela sociedade "A..., S.A.", no exercício de 2004, as quais são descritas no quadro que se segue, totalizando o valor de €733.889,14, a que acresce IVA de €139.438.95, no valor total de 873.328,09 (cfr. cópias constantes do Vol. II, de fls. 495 a 563). 7) Conforme se segue: 8) Tais faturas não correspondem à prestação efetiva de qualquer serviço e / ou bens, ou seja, não tem subjacente qualquer transação real. 9) Isto porque, nos exercícios económicos de 2003 a 2006, a sociedade "E..., Lda." não possuía estrutura humana e logística para exercer a atividade declarada (cfr. auto de notícia de fls. 893, do Vol. III). 10) Na morada da sede da sociedade "E..., Lda." existia apenas um terreno murado e um espaço onde se encontrava um pequeno contentor (cfr. Vol. I, a fls. 362). 11) Em 2003 e 2004, a sociedade "E..., Lda." arrendou um estaleiro, sito em ..., mas mantiveram-se tais instalações encerradas, não havendo qualquer movimento de entrada e saída de mercadorias, tratando-se de um armazém com uma área entre 200 e 300 m2 e sem divisões. 12) No seu interior, não existia qualquer equipamento, a não ser uma máquina de corte e prensagem de sucata, em estado degradado e sem qualquer sinal de que estivesse em uso (cfr. Vol. I a fls. 363). 13) Após a venda de um camião, da marca SCANIA, com capacidade para transportar 40.000 Kg, a sociedade "E..., Lda." passou a possuir apenas viaturas ligeiras de mercadorias e passageiros (cfr. Vol. I, a fls. 363 e 364). 14) O seu legal representante, CC trabalhava por conta de outrem em atividade diversa do setor da sucata, tendo auferido rendimento pagos pela sociedade “F..., LDA.”. 15) O quadro de pessoal da sociedade “E..., Lda.” é composto por quatro funcionários nos anos de 2003, 2004 e 2005 (cfr. Vol. I, a fls. 365). 16) O crescimento nas vendas ocorrido de 2004 para 2005 não teve reflexo, em termos de acréscimo, nos outros custos inerentes à atividade, designadamente no que respeita ao nível do transporte de mercadorias. Quanto ao emitente DD: 17) Quanto a este fornecedor, a sociedade “A..., S.A.”, no exercício de 2004, contabilizou 24 (vinte e quatro) faturas no total de €651.366,55, mais IVA de €123.759,63, num total de €775.126,18 (cfr. cópias dos documentos que constam no Vol. II de fls. 442 a 493), emitidas por DD. 18) Conforme quadro que se segue: 19) As faturas emitidas por este fornecedor não correspondem a serviços e / ou bens efetivamente prestados. Isto porque 20) O principal fornecedor de DD, durante os anos de 2002 a 2004, que era EE (NIF ......), não tinha, no aludido período, qualquer tipo de meios que lhe permitissem desenvolver a atividade que as faturas por si emitidas indiciam (cfr. Vol. I, a fls. 376 e Relatório de Inspeção constante do Vol. III de fls. 839 a 883, respetivamente). 21) Entre outubro e dezembro de 2004, verificou-se o aparecimento de faturas de aquisição de mercadorias emitidas em nome de FF (NIF ......), no valor total de €765.258,58 (com IVA incluído), sendo que este contribuinte, no aludido período, não se encontrava registado para o exercício de qualquer atividade comercial / industrial, nem tinha qualquer tipo de meios humanos ou materiais que lhe permitissem desenvolver o tipo de atividade comercial, em concreto “Comércio de Sucatas” que as faturas emitidas em seu nome querem fazer crer (cfr. Vol. I, a fls. 376 e Relatório de Inspeção constante do Vol. III de fls. 839 a 883, respetivamente). 22) As instalações que o arguido DD dispunha, à data, eram num espaço nas traseiras da habitação onde residia com os pais – pequeno armazém, com cerca de 200 m2 -, não tendo quaisquer funcionários ao seu serviço, apenas estando o próprio como estando afeto à atividade comercial, declarando como seu vencimento mensal um valor próximo do SMN (cfr. registos constantes da base de dados da Segurança Social). 23) No aludido armazém estavam apenas armazenadas pequenas quantidades de sucata e tinha um forno para fundição de lingotes de latão. Vendas de mercadorias da sociedade “A..., S.A.”: 24) As vendas contabilizadas pela sociedade “A..., S.A.”, nos exercícios económicos de 2004 e 2005, dividem-se pelo mercado nacional e externo, com larga predominância deste último, conforme quadro: 25) A sociedade "A..., S.A." declarou, entre outras, às empresas espanholas "G..., SL" e "H..., S.A." e à holandesa "I... B.V. J... B.V", cujas faturas não respeitam a sequência cronológica e a numeração é feita manualmente, como é o caso das faturas: a) n.º 205, datada de 03/02/2004, enquanto a n.º 204 é registada como emitida em 06/02/2004; b) n.º 216 é datada de 26/03/2004, enquanto a n.º 217 apresenta com data 24/03/2004. 26) As matrículas das viaturas e os números dos reboques constam das faturas, quando os veículos que asseguram o transporte pertencem a terceiros, cuja matrícula aquando da emissão se desconhece e a data do carregamento ocorre entre 7 a 15 dias após a sua emissão. 27) Com efeito, na fatura n.º ... emitida para a “G..., SL” em 14/01/2004, consta um “Camião matrícula ..-..-ND (...)” e “Camião matrícula ..-..-PM (L-...)”, quando as datas indicadas para os carregamentos se verificaram, respetivamente, em 29/01/2004 e 30/01/2004. (cfr. Vol. I, a fls. 385). 28) A sociedade “A..., S.A.”, nos anos de 2004 e 2005, registou transmissões intracomunitárias com a “G..., SL” nos moldes seguintes: a) Aquela empresa espanhola declarou aquisições a empresas portuguesas que solicitam de forma generalizada reembolsos de IVA e declarou um elevado número de transmissões para a empresa “K... Unipessoal, Lda.” (NIPC ...); b) A sociedade “K... Unipessoal, Lda.” não possuía, à data, estrutura empresarial e nunca exerceu a atividade que se propôs realizar, não tendo sido a verdadeira destinatária das aquisições intracomunitárias (sujeito passivo), muito embora tenha sido usado para tal o seu número de identificação fiscal. 29) Resultaram correções técnicas, em sede de IVA e IRC, nos valores de €1.683.585,28 e €388.808,48 para 2004 e de €73.652,50 e €13.993,98 para 2005, respetivamente. 30) A sociedade “A..., S.A.”, ao integrar na sua contabilidade faturas fictícias, deduziu indevidamente IVA que, em 2004, ascende aos valores que se discriminam: em janeiro €73.429,45, em fevereiro €36.454,31, em março €105.225,01, em abril €21.617,63, em maio €17.486,36, em setembro €58.972,40 e em outubro €26.979,15, valores estes que correspondem ao IVA mencionado nas faturas e que permitiu à aludida sociedade apurar imposto (a pagar) inferior ao que apuraria sem a sua contabilização. Assim: 31) No que concerne ao IRC, foram considerados como custos, os valores das faturas contabilizadas supra contabilizadas, sendo que, por aplicação da taxa de IRC vigente, terá conduzido a uma diminuição do imposto devido no valor de acrescido dos legais acréscimos obtendo uma vantagem patrimonial para o ano de 2004 de €520.342,48 (€1.892.154,42 x 25%+10%) que corresponde ao imposto que a sociedade "A..., S.A." deixou de pagar fazendo diminuir dessa forma o erário público no mesmo montante. 32) Agindo assim, os arguidos diminuíram o IVA que teriam de entregar nos Cofres do Estado, já que o IVA a pagar em relação a cada período é determinado através da dedução do montante liquidado nas faturas emitidas do quantitativo constante das faturas de aquisições que conferem tal direito. 33) E diminuíram o IVA que tinham que entregar ao Estado, obtendo, assim, uma vantagem patrimonial indevida correspondente à quantia de IVA que, por força daquela dedução fraudulenta, deixaram de pagar ao Estado. 34) Os arguidos decidiram em conjugação de esforços e mediante um plano prévio traçado, inserir as faturas mencionadas, as quais não correspondem a transações reais, na contabilidade da, representada pelos arguidos que conseguiram, dessa forma, diminuir o IRC a entregar ao Estado. 35) Defraudaram deste modo a Fazenda Nacional ao fazerem crer aos respetivos Serviços da Administração Tributária que a declaração de rendimentos apresentada ao Fisco se baseava em documentos que titulavam verdadeiras transações, induzindo-os cm erro quanto à sua autenticidade. 36) Conseguiram desta forma, com que tal quantia de IRC não entrasse nos cofres do Estado e locupletaram-se com a mesma. 37) Os arguidos atuaram por si, no interesse das respetivas sociedades, na qualidade de seus representantes legais com o propósito de não pagarem integralmente o imposto devido ao Estado. 38) Obtendo uma vantagem patrimonial ilegítima de €520.342,48 (€1.892.154,42 x 25%+10%) que corresponde ao imposto que a sociedade “A..., S.A.” deixou de pagar, fazendo diminuir dessa forma o erário público no mesmo montante. 39) Os arguidos, ao introduzirem na contabilidade da sociedade faturas que não correspondiam a transações reais para diminuírem o valor do IRC e do IVA a pagar, o que conseguiram empolando os custos da empresa, ao fazerem constar tais valores na declaração de rendimentos Modelo 22 colocaram em crise a segurança e o tráfico jurídico em especial o tráfico probatório que tais documentos gozam no mundo jurídico, comercial e fiscal. 40) Os emitentes das faturas supra elencadas, fizeram-no com a consciência de que os valores e serviços nelas contidos não se tinham verificado, tendo ainda plena consciência de que essas mesmas faturas, porque documentos fiscalmente relevantes, se destinavam a ser utilizadas pela sociedade “BB” para defraudar o Estado, através da redução ilícita dos impostos a serem pagos. 41) Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, em conjugação de esforços e de intenções. 42) Além do mais bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. * Das contestações dos arguidos AA e CC:43) A sociedade “E...” possuía um estabelecimento comercial arrendado, sito na Rua ..., em ..., em relação aos qual suportava a renda mensal ilíquida de €2.694,88, sendo o respetivo senhorio a sociedade “L..., S.A.”, pessoa coletiva nº ..., com sede na Rua ..., ... Matosinhos. 44) O correspondente contrato de arrendamento perdurou durante todo o ano de 2004. 45) No mesmo período temporal, a aludida possuía um outro estabelecimento comercial, situado na Rua ..., freguesia ..., em Vila Nova de Gaia, pelo qual pagava a renda mensal líquida de €249,40. * Mais se provou:46) O arguido BB (pessoalmente e enquanto legal representante da arguida sociedade) foi constituído arguido em 21/05/2010 (cfr. fls. 1306 47) Os autos estiveram suspensos nos termos do art. 47º do RGIT desde 29/05/2013, porquanto a sociedade “A..., S.A.”, procedeu à impugnação judicial das liquidações de IVA de janeiro a julho de 2004 e setembro, outubro e dezembro de 2004 e fevereiro de 2005 no âmbito do Proc. n.º 1981/08.1BEPRT e procedeu à impugnação das liquidações de IRC dos anos de 2004 e 2005, alegando que todas as transações subjacentes às faturas que emitiu ocorreram efetivamente. 48) Em resultado das referidas Impugnações Judiciais, que correram termos sob os n.ºs 1981/08.1BEPRT (IVA anos de 2004 e 2005) e 1980/08.3BEPRT (IRC anos de 2004 e 2005), foram proferidas decisões pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto - Acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo constantes do Vol. VI de fls. 1927 a 2081 (com trânsito em julgado a 21/03/2018 (fls. 1926) e Vol. VII de fls. 2129 a 2231, quanto aos fornecedores “C..., Lda.”, “D..., Unipessoal, Lda.” e “M... Unipessoal, Lda.”, foi decidido que a Administração Tributária não logrou reunir indícios suficientes de que a escrita da Impugnante não merecia credibilidade, porquanto se limitou a extrair consequências do “rótulo de emitentes de faturação falsa” colocado àqueles fornecedores, em particular (cfr. Vol. VI, fls. 1747 a 1786, 1788 a 1822, respetivamente). 49) O arguido DD foi constituído arguido em 15/11/2018 (fls. 2106). 50) O arguido CC foi constituído arguido em 10/11/2018 (fls. 2099). 51) O arguido AA foi constituído arguido em 02/06/2020 (fls. 2717). 52) A acusação pública foi deduzida nestes autos no dia 11/11/2019, tendo sido notificada aos arguidos por cartas datadas de 28/11/2019, depositadas em 02/12/2019 (fls. 2606 a 2608 – vol. VIII). 53) Os arguidos foram notificados da acusação em 07/12/2019. 54) No Proc. 271/03.1IDPRT foram acusados, entre outros, os aqui arguidos BB, AA, CC e a sociedade “A..., S.A.”, pela prática igualmente de um crime de fraude fiscal qualificado, abrangendo a alegada atividade delituosa os exercícios fiscais entre 1999 e 2003 (cfr. fls. 4 a 8 do Vol. I). 55) Nesse processo era imputada a emissão de faturas a favor da sociedade arguida “A..., S.A.”, ora arguida, entre 2000 e 2003, sem corresponderem a efetivas transações comerciais. 56) No aludido Proc. n.º 271/92.1IDPRT o aqui arguido BB foi condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 103º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 104º, n.º 2 do RGIT na redação dada pela Lei n.º 60-A/2005 de 30 de dezembro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição do arguido, no prazo da suspensão, efetuar o pagamento à Administração Fiscal da quantia de €1.260.888,61, ficando ainda subordinada a regime de prova, nos termos a definir pelo IRS; o aqui arguido AA foi condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 103º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 104º, n.º 2 do RGIT na redação dada pela Lei n.º 5/01 de 05 de junho e pela Lei n.º 60-A/2005 de 30 de dezembro, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição do arguido, no prazo da suspensão, efetuar o pagamento à Administração Fiscal da quantia de €908.439,71, ficando ainda subordinada a regime de prova, nos termos a definir pelo IRS; a ora sociedade arguida foi condenada pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 7º, n.º1, 103º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 104º, n.º 2 do RGIT na redação dada pela Lei n.º 5/01 de 05 de junho e pela Lei n.º 60-A/2005 de 30 de dezembro, na pena de 600 dias de multa, à taxa de €10; e o aqui o arguido CC foi absolvido nos aludidos autos. 57) No aludido processo existiam mais arguidos, para além dos mencionados supra, sendo que o aqui arguido DD não era arguido no dito processo. 58) No aludido Proc. n.º 271/03.0IDPRT foram investigados os anos de exercício fiscal de 1999 a 2003, pela alegada prática de crimes de fraude fiscal, sendo que já havia a suspeita da alegada prática de factos semelhantes quanto aos exercícios de 2004 e 2005, os quais são os julgados nos presentes autos (cfr. Parecer da AT, a fls. 2366 dos autos) 59) Uma vez que não estava ainda totalmente apurada pela investigação a alegada vantagem patrimonial obtida em 2004 e 2005, foi o processo separado relativamente a esses 2 anos, abrangendo o Proc. n.º 271/03.0IDPRT o período imediatamente anterior, entre 1999 a 2003 (cfr. fls. 4 a 8 do Vol. I). 60) Os arguidos BB, AA, CC e a sociedade “A..., S.A.”, adotaram, ao longo dos anos de 2000 a 2004, uma conduta concertada na execução da resolução que por acordo tomaram de, naqueles anos, integrarem na contabilidade da sociedade arguida faturas que não titulavam reais e efetivas transações comerciais entre as entidades que nelas figuram, com o objetivo de obter benefícios patrimoniais, particularmente em sede de IVA, à custa do Estado. * 61) O arguido CC não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC (cfr. CRC constante dos autos e emitido em 21/03/2024).62) O arguido BB tem os seguintes antecedentes criminais (cfr. CRC constante dos autos e emitido a 21/03/2024): -por acórdão proferido em 10/01/2013, transitado em julgado em 06/03/2013, proferido no âmbito do Proc. n.º 271/03.0IDPRT, foi o arguido condenado pela prática, em 01/01/2003, de um crime de fraude fiscal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e com obrigação do pagamento à administração fiscal da quantia de €1.260,888,61, pena esta extinta em 06/09/2021. 63) O arguido DD tem os seguintes antecedentes criminais (cfr. CRC constantes dos autos, emitido em 22/03/2024): -por sentença proferida em 28/04/2005, transitada em julgado em 04/05/2006, proferida no âmbito do Proc. n.º 685/00.8TAGDM, foi o arguido condenado pela prática, em 22/11/2000, de 2 crimes de exploração ilícita de jogo, nas penas de 90 dias de prisão, substituídos por 90 dias de multa, à taxa diária de €10, 70 dias de multa, à taxa diária de €10, 120 dias de prisão, substituídos por 120 dias de multa, à taxa diária de €10 e 80 dias de multa, à taxa diária de €10, penas estas já extintas pelo pagamento; -por acórdão proferido em 06/05/2010, transitado em julgado em 12/07/2010, proferido no âmbito do Proc. n.º 707/06.9JAPRT, foi o arguido condenado pela prática, em 2005 e 2006, de 3 crimes de fraude fiscal qualificada, um crime de detenção de arma e um crime de branqueamento, na pena de 8 anos de prisão efetiva e uma pena de 300 dias de multa, à taxa de €8, no montante global de €2.400, multa esta já paga, tendo sido concedida liberdade definitiva ao arguido, com referência ao dia 28/11/2015, da pena que cumpriu à ordem do Proc. n.º 707/06.9JAPRT (em 22/02/2016). 64) O arguido AA tem os seguintes antecedentes criminais (cfr. CRC constante dos autos, emitido a 21/03/2024): -por acórdão proferido em 10/01/2013, transitado em julgado em 06/03/2013, proferido no âmbito do Proc. n.º 271/03.0IDPRT, foi o arguido condenado pela prática, em 01/01/2003, de um crime de fraude fiscal, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e com obrigação do pagamento à administração fiscal da quantia de €908.439,71, pena esta extinta em 06/06/2021; -por sentença proferida em 16/12/2015, transitada em julgado em 29/09/2016, proferida no âmbito do Proc. n.º 3931/11.9TAVNG, foi o arguido condenado pela prática, em 14/10/2004, de um crime de fraude fiscal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e com obrigação do pagamento à administração fiscal da quantia de €317.168,22, pena esta extinta em 29/09/2019. * Provou-se também:65) O arguido BB nasceu no dia ../../1962, tendo atualmente 62 anos, sendo que, à data dos factos (14/10/2004), tinha 42 anos de idade. 66) O arguido DD nasceu no dia ../../1973, tendo atualmente 51 anos, sendo que, à data dos factos (23/03/2004), tinha 31 anos de idade. 67) O arguido CC nasceu no dia ../../1967, tendo atualmente 57 anos, sendo que, à data dos factos (14/10/2004), tinha 37 anos de idade. 68) O arguido AA nasceu no dia ../../1961, tendo atualmente 63 anos, sendo que, à data dos factos (14/10/2004), tinha 42 anos de idade. * 69) Resulta ainda dos autos relativamente ao arguido BB (cfr. teor do relatório social datado de 27/04/2023, juntos aos autos):-À data dos alegados factos BB residia com o cônjuge, advogada, e a descendente do casal, então menor de idade, estudante, em apartamento propriedade da descendente, por doação, localizado em fração no quarto andar do mesmo prédio onde presentemente reside. Presentemente, o arguido encontra-se a residir com o cônjuge, advogada, de 60 anos, da qual se encontra separado judicialmente de pessoas e bens, desde cerca de 2017. Vivem em apartamento arrendado, tipologia 4, com condições de habitabilidade, localizado em zona sem significativa incidência de problemáticas sociais e/ou criminais. A descendente, presentemente com 31 anos, autonomizou-se há cerca de 3 anos. -O arguido retrata, ao longo dos anos, uma dinâmica familiar e conjugal apoiante e solidária, que se manterá atualmente, não obstante a separação conjugal. -À data dos factos, BB, licenciado em Economia, exercia funções de Presidente do Conselho de Administração da empresa “A...”, empresa constituída em sociedade com as três irmãs, uma das quais sócia-gerente e que terá abdicado do seu papel na administração da empresa em 2004. A empresa teria como atividade primordial o comércio de metais não ferrosos, no espaço intracomunitário, segundo reporta, encontrando-se sem atividade desde 2006/2007 (data que não soube precisar), altura em que deixou de auferir vencimento e a empresa alterou a sua designação para “B..., S.A”, passando a ter como única atividade a gestão do património imobiliário da mesma, reportando a venda do último imóvel desta, este ano, em hasta pública. -BB abriu, em 2007, a empresa “N..., Lda.”, na área do comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos, tendo exercido funções de sócio gerente até 2013, altura em que encerrou a atividade da empresa, encontrando-se desempregado desde então. -BB não foi capaz de precisar a sua situação financeira pessoal à data dos alegados factos, atendendo ao período de tempo entretanto decorrido, ainda assim, avaliou a situação económica familiar de então como equilibrada e confortável, relatando que subsistia do seu salário, na ordem dos 2800/3000 euros líquidos, e dos rendimentos de trabalho do cônjuge, advogada, sendo que as principais despesas do agregado se prendiam com os consumos domésticos da habitação e a mensalidade do colégio da descendente. -Presentemente, o arguido, laboralmente inativo, não dispõe de rendimentos próprios, reportando que o cônjuge lhe concede uma pensão de alimentos mensal de €500 para que este possa fazer face às suas despesas pessoais. As despesas inerentes à habitação, nomeadamente a renda (€885,42) e os consumos domésticos (cerca de €125), são assumidas pelo cônjuge. -À data dos factos, BB geria o seu quotidiano em função da atividade profissional e a vida pessoal e familiar. Presentemente, o quotidiano do arguido é ocupado com suporte que presta à atividade profissional do cônjuge, reportando auxiliar a mesma de forma informal em algumas tarefas de caráter administrativo quando esta necessita, e com os passatempos, ver televisão e fazer jogging. -Relatou ainda, que até recentemente, pese embora a situação de inatividade da empresa “B..., S.A”, despendia parte do seu tempo na gestão do património e resolução das solicitações judiciais pendentes. -No âmbito da anterior condenação, BB foi rigoroso e colaborante em todo o processo de acompanhamento exercido pelos nossos serviços, sem que tivesse havido qualquer irregularidade. Não obstante esta atitude responsável, não conseguiu pagar à administração fiscal a totalidade da quantia em causa nos presentes autos. -O arguido reconhece a ilicitude da tipologia de crime pelo qual vem acusado, não obstante relativamente à anterior condenação adota um discurso de externalização e minimização da culpa. Face ao presente confronto com o sistema da administração da justiça penal, revela constrangimento e ansiedade, associa o mesmo ao anterior processo em que foi condenado, avaliando a sua situação judicial como tendo um impacto negativo na sua vida pessoal e familiar, provocando ao longo dos anos desgaste emocional. 70) Resulta ainda dos autos relativamente ao arguido CC (cfr. teor do relatório social datado de 12/04/2023, juntos aos autos): -CC é o terceiro elemento da fratria de seis descendentes, oriundo de meio sociofamiliar de modesta condição socioeconómica. O seu processo de socialização, percecionado como harmonioso e gratificante, decorreu junto dos progenitores e fratria. -O progenitor trabalhava como serralheiro e a progenitora como empregada de limpeza, caracterizando enquadramento socioeconómico familiar descrito, na generalidade, como carenciado. -O percurso escolar do arguido foi pautado por dificuldades de adaptação, quer ao ensino como à aprendizagem de conteúdos, fatores que determinaram a primeira retenção, ao nível do 1º ano do ensino básico, e consequentemente o recurso a acompanhamento clínico, por comportamentos de ansiedade e hiperatividade. -O arguido registou, posteriormente, duas retenções no 6º ano de escolaridade, associadas a absentismo e desinvestimento escolar, com abandono dos estudos aos 16 anos de idade, altura em que iniciou a atividade laboral como operário fabril em empresa local de fabrico de molduras, onde permaneceu durante cerca de 3 anos. -Posteriormente, o arguido integrou funções na “O...”, em .../Vila Nova de Gaia, onde se manteve durante cerca de 12 anos, como ajudante de motorista e empregado de armazém. -Colaborou como sócio-gerente na empresa de sucata “P..., Lda.”, dos cunhados AA / coarguido e KK, e como empregado de armazém e sócio-gerente na empresa “Q..., Lda.”, empresas coarguidas em processos da mesma natureza. -Em termos familiares, o arguido estabeleceu relação de matrimónio aos 21 anos (a incluir a respetiva enteada, com então 3 anos de idade), sendo que da constância matrimonial o casal tem uma descendente em comum, de 30 anos de idade, autonomizada, a residir no estrangeiro. A enteada, de 40 anos, encontra-se igualmente autonomizada. -Ao período temporal a que se reportam os factos descritos na acusação, o arguido encontrava-se laboralmente ativo como empregado de armazém, a trabalhar por conta de outrem, e a assumia a gerência da empresa arguida “E..., Lda. Em termos familiares, CC mantinha integração no agregado constituído pelo cônjuge, doméstica, enteada e filha do casal, na morada correspondente aos autos, em .../Vila Nova de Gaia. -A atividade profissional do arguido gerava rendimentos que permitiam a garantia de economia familiar equilibrada, com satisfação das necessidades básicas e respetivos encargos, designadamente a prestação bancária relativa à habitação, no valor de cerca de €320. -Pese embora se encontre divorciado desde 07/11/2011, o arguido voltou a integrar o agregado, após residir durante cerca de dois anos e meio em quarto arrendado, com a perspetiva de, àquela época, proporcionar equilibrado ambiente familiar à descendente do casal, e consequentemente com a expectativa de reconciliação conjugal, enquadramento habitacional que tem vindo a perpetuar. O agregado reside em apartamento de tipologia 2, com inserção social tida como ajustada e discreta. O casal tem mantido coabitação amigável, onde o arguido contribui financeiramente para o cumprimento dos encargos habitacionais, bem como dos encargos com a descendente, que conta com recente integração laboral no estrangeiro, após conclusão de estudos ao nível do ensino superior, mas com dependência financeira dos progenitores. -A situação económica do agregado continua a ser avaliada como estável e suficiente perante os encargos familiares, verificando-se perceção de equilíbrio na gestão doméstica e financeira. -A ex-mulher trabalha, desde 2011, como empregada de armazém na empresa “R..., Unipessoal, Lda.”, em .../Vila Nova de Gaia, propriedade da irmã, KK. -A enteada, de 40 anos de idade, autonomizada, ao nível familiar e socioprofissional, a residir em .../Vila Nova de Gaia, trabalha como funcionária administrativa na empresa “S..., Lda.”, pertencente ao tio materno, AA. -CC mantém convivialidade descrita como positiva e harmoniosa com os elementos familiares e com os progenitores, residentes em freguesia local de proximidade do local de trabalho do arguido, desconhecendo os mesmos a presente situação processual. -Nos tempos livres, o arguido privilegia o espaço doméstico, onde a leitura e os jogos de computador e consola se apresentam como áreas de interesse. -Desde 25/02/2008 que o arguido desempenha funções como operador de grua na empresa de gestão global de resíduos “T..., S.A.”, com sede em .../Vila Nova de Gaia, auferindo o vencimento ilíquido no valor de €1.180. -Cumpre o pagamento de penhora no valor de €166, por referência a processo desta natureza. -O arguido mantém censura e sentido crítico relativamente à natureza dos crimes pelos quais está acusado, pese embora a respetiva minimização por força das influências profissionais e da existência de processos anteriores correlacionados. O arguido enfrentou três anteriores julgamentos por factos da mesma natureza criminal. Não obstante, a pendência do presente processo mantém-se fonte de ansiedade e preocupação, considerando a vivência de inerentes constrangimentos pessoais e familiares. A presente situação jurídico-penal continua a ser oculta aos progenitores e maioria dos irmãos, por considerar que o seu conhecimento provocaria elevado impacto junto dos mesmos. 71) Resulta ainda dos autos relativamente ao arguido AA (cfr. teor do relatório social datado de 27/04/2023, juntos aos autos): -À data dos factos, AA tinha a sua residência na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, integrando agregado familiar composto pelo cônjuge e dois filhos menores, constituindo-se o arguido como a principal figura de suporte familiar e económico, perante a situação de inatividade do cônjuge, portadora de deficiência. -Ao nível laboral, dedicava-se à gerência de empresas no sector do comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos, nomeadamente a empresa “U..., Unipessoal, Lda.”. -Posteriormente, em julho de 2000, vem a constituir a empresa “S..., Lda.”, no mesmo sector de atividade, à qual se dedica atualmente. -Em 2008, sofreu Acidente Vascular Cerebral, acentuando as dificuldades de articulação verbal já evidenciadas desde criança. O arguido revelou dificuldades de aprendizagem associadas a problemas na fala não diagnosticados e que terão condicionado significativamente as suas competências relacionais e de sociabilidade, reforçando um temperamento introspetivo e reservado, com propensão para o isolamento. -Tem habilitações académicas ao nível do 4º ano de escolaridade concluído aos 15 anos de idade. -Atualmente, AA mantém a sua residência na morada dos autos, tratando-se de habitação própria, de construção térrea e de tipologia 3 e que oferece ajustadas condições de habitabilidade. Encontra-se inserida em zona periurbana de Vila Nova de Gaia, sem associação a fenómenos de exclusão social e/ou marginalidade, com o arguido a merecer ajustada aceitação social no meio de residência. -Após o falecimento do cônjuge, em maio de 2018, o agregado familiar é agora composto pelo arguido e pelo filho de 30 anos, portador de problemas de saúde. O filho mais novo do arguido, agora com 25 anos, mantém atualmente a sua residência em casa da avó materna. -Mantém atividade laboral como gerente da empresa “S..., Lda.”, a operar na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, e que tem no seu âmbito de intervenção a compra e venda de todo o tipo de materiais, reciclagem e sucatas. O arguido aufere vencimento declarado de €705, enquanto membro de órgão estatutário da sociedade, que canaliza para o pagamento dos consumos domésticos, referenciados na ordem dos €150, aos quais acrescem despesas com alimentação, pelo que avalia as suas condições económicas como precárias, mas suficientes para assegurar as suas necessidades de subsistência. -Os filhos do arguido exercem igualmente atividade laboral na empresa “S..., Lda.”, como funcionários de escritório e de armazém, recebendo vencimento de €900, que canalizam para poupanças e despesas pessoais. -AA refere quotidiano centrado no exercício das funções laborais e atividades domésticas, mantendo interação social diminuta. -AA mostra capacidade de compreensão sobre a ilicitude de crimes de idêntica natureza aos quais vem acusado, aguardando com expectativa o desfecho do processo, que antecipa, contudo, como positivo. cv-O presente processo não acarretou especiais repercussões na vida do arguido, mantendo o mesmo padrão vivencial nos diferentes contextos laboral, familiar e social. 2. FACTOS NÃO PROVADOS: Das contestações dos arguidos AA e CC: a) Que o arguido AA exercesse poderes de gestão e de decisão relativamente à vida corrente da sociedade “E...” até ao cancelamento da mesma. b) No que se refere à sociedade “E...”, as mercadorias discriminadas nas faturas em causa foram efetivamente transportadas e entregues nas instalações da sociedade “A...” e foi efetiva e integralmente pago o preço nas mesmas referido. c) Nesse estabelecimento comercial realizou-se, designadamente no decurso do o ano de 2004, o depósito e a recolha de mercadorias, em concreto metais ferrosos e não ferrosos, vulgo sucata, provenientes de fornecedores, bem como a respetiva carga e transporte, com destino a diversos clientes, entre os quais se incluía a sociedade “A...”. d) No estabelecimento comercial, situado na Rua ..., freguesia ..., em Vila Nova de Gaia, eram igualmente processadas mercadorias e existiam funcionários ao serviço da mesma, bem como diversos equipamentos e veículos associados ao manuseamento e transporte dessas mesmas mercadorias, à semelhança do que existia no estabelecimento comercial situado em .... 3. MOTIVAÇÃO: O Tribunal fundou a sua convicção, no que respeita à factualidade provada e não provada, nos depoimentos prestados pelas testemunhas HH (Inspetora das Finanças e conhecer o arguido BB do exercício das suas funções), GG (Inspetor de finanças à data dos factos (atualmente em licença sem vencimento) e conhecer os arguidos BB e DD do exercício das suas funções), II (Inspetora das finanças e conhecer o arguido CC do exercício das suas funções), JJ (Inspetor Tributário, conhece pessoalmente apenas o arguido DD, sendo que relativamente aos demais apenas do processo; efetuou uma ação inspetiva ao arguido DD relativa ao ano de 2005), LL (ROC; conhece o arguido BB, tendo prestado serviços na sociedade arguida desde a sua constituição, de 2001 até 2012), MM (trabalhou na sociedade A... desde junho de 1966 a 2005, NN (conhece o arguido CC desde 2008), OO (irmã do arguido BB), PP (amigo do arguido BB) e QQ (amigo do arguido BB) e nos documentos juntos aos autos, designadamente a certidão advinda do Proc. n.° 271/03.0IDPRT, de fls. 3 a 322 (Vol. I), o auto de notícia de fls. 323, o Relatório de Inspeção Tributária, datado de 03/06/2008, de fls. 331 a 392, elaborado pela Inspetora Tributária HH, documentos de Banco 1... de fls. 797 a 825, informação geral relativa ao arguido DD de fls. 826 a 836, informação relativa ao arguido DD, de fls. 837 a 883, elaborada peloInspetor Tributário GG, informações de fls. 884 a 892, auto de notícia, datado de 21/04/2008, levantado por II, Inspetora Tributária, a fls. 893 a 896, faturas, recibos e guias de remessa de fls. 968 e ss., a certidão da sociedade arguida "BB" constante de fls. 1296 a 1300, os Estatutos da sociedade arguida de fls. 1301 a 1305, certidão da sociedade "E..." e documentação relativa à constituição dessa sociedade, a fls. 1356 e ss. e 1405 a 1414, impugnação judicial intentada de fls. 1691 a 1729, despacho proferido em 29/05/2013 a suspender os presentes autos, a fls. 1825, a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 08/02/2018, de fls. 1927 a 2081, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 10/05/2018, a fls. 2130 a 2281, certidão permanente da sociedade arguida de fls. 2287 a 2290, elementos referentes ao contribuinte de fls. 2291 a 2325, certidão permanente da sociedade E... de fls. 2326 e 2327, informações relativas ao contribuinte de fls. 2328 a 2363, Parecer datado de 07/08/2019, elaborado pela Instrutora RR, a fls. 2364 a 2386 verso, o relatório de inspeção tributária da sociedade E..., elaborado a 21/04/2008, pela Inspetora II, de fls. 3221 a 3262 e o Anexo A de onde consta a copia do Acórdão proferido em 10/01/2013, no âmbito do Proc. n.° 271/03.0IDPRT, criticamente apreciados e conjugados com as conclusões que derivam da aplicação de regras da lógica e da experiência comum ao caso concreto. Antes de mais, cumpre salientar que, na falta de elementos de prova que sustentem, cabalmente e com o rigor e a segurança exigíveis, a factualidade imputada ao arguido, persistirá a dúvida razoável sobre a verificação e/ou a autoria dos factos, pelo que, de acordo com o princípio fundamental da presunção de inocência do arguido, plasmado no art. 32°, n°2, da CRP, tal incerteza não poderá desfavorecê-lo (in dubio pro reo). Em fase anterior à do julgamento, os arguidos não prestaram declarações perante autoridade judiciária (Juiz de Instrução e/ou Ministério Público) sobre os factos que integram o objeto da acusação, pelo que não há declarações a valorar como meio de prova ao abrigo dos arts. 141°, n.° 1 e n.° 4, al. b), 355°, n.°s 1 e 2 e 357°, n.° 1, al. b) e n.°s 2 e 3, do CPP. Vejamos: Como resulta da análise do processo, os presentes autos tiveram na sua origem uma certidão extraída do Inquérito n.° 271/03.0IDPRT, que correu termos na Secção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia, sendo que os factos ali investigados respeitam à prática dos crimes de associação criminosa e fraude fiscal qualificada, perpetrados por diversos operadores no setor da sucata, entre os anos que remontam a 1999 a 2003 (cfr. Anexo I - "Certidão do despacho final proferido nos autos n. 271/03.0IDPRT"). O «volume, complexidade e abrangência da informação» inserta no Inquérito n.° 271/03.0IDPRT implicou a necessidade de «delimitar o seu objeto, viabilizando a produção de prova de forma mais eficaz» e, nessa senda, apenas abrangeu a atividade delituosa circunscrita aos exercícios fiscais entre 1999 e 2003 (cfr. fls. 4 a 8 do Vol. I). Desta feita, a autonomização do presente Processo prende-se com a ação inspetiva desenvolvida pela Direção de Finanças do Porto, centrada nos anos de 2004 e 2005, à sociedade "A..., S.A", ora arguida. Sobre a referida sociedade recaíam suspeitas de utilização de faturação "falsa", com o escopo de obter, em sede de IVA e IRC, vantagens patrimoniais indevidas à custa do erário público (cfr. fls. 1415 a 1420 do Vol. IV). A referida ação inspetiva, que se circunscreveu aos já aludidos exercícios económicos de 2004 e 2005 teve como móbil a informação que instruiu o pedido de reembolso de IVA relativo ao mês de dezembro de 2004 (cfr. fls. 25 do Anexo I - certidão do despacho final proferido no Proc. n.° 271/03.0IDPRT). Assim, verificou-se através do exame aos registos contabilísticos, complementado com a informação resultante dos anexos recapitulativos de clientes e fornecedores, que a ora sociedade arguida "A..." registou na sua escrita, durante os exercícios económicos de 2004 e 2005, a titulo de compras, faturas de sujeitos passivos, seus fornecedores, em concreto: SS, DD, a sociedade "E..., Lda.", a sociedade "C..., Lda.", "D..., Unipessoal, Lda." e "M... Unipessoal, Lda." (cfr. quadro constante do Vol. I, a fls. 335). Face à procedência parcial das impugnações judiciais intentadas, cingiu-se a análise apenas a três dos fornecedores da sociedade arguida: SS, DD, a sociedade "E..., Lda.", Nestes autos, não nos iremos pronunciar sobre a alegada conduta imputada a SS, pois relativamente a este arguido ocorreu a separação de processos. Com base nos sobreditos elementos, foi possível apurar, nos exatos termos dados como demonstrados, a materialidade relativa ao objeto das sociedades consideradas, bem como a matéria concernente às respetivas datas de constituição, aos termos de representação delas por banda das pessoas acima identificadas e tudo o mais quanto se deu por demonstrado com respeito às vicissitudes que se verificaram com relevo nos períodos em alusão nos autos. Complementarmente atendeu-se aos elementos decorrentes dos relatórios elaborados pelas competentes Direções de Finanças, na sequência das ações inspetivas levadas a efeito àquelas sociedades, cujos teores foram confirmados pelos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, pelos respetivos inspetores / técnicos tributários. Centremo-nos então na análise da prova que resulta relativamente à sociedade "E..., Lda." e a DD. A prova assentou e alicerçou-se fundamentalmente no Parecer, nos Relatórios e nos elementos documentais recolhidos pela Administração Tributária e que constam dos autos. Assim, dos relatórios periciais juntos aos autos, conjugados com os depoimentos dos inspetores ouvidos em audiência, ficou clara a demonstração do que na acusação se descrevia quanto ao esquema fraudulento existente entre as diversas sociedades e o modo como isso se refletia na contabilidade de cada uma das empresas. Com base nos elementos documentais juntos aos autos, foi possível apurar, nos exatos termos dados como demonstrados, a materialidade relativa ao objeto das sociedades consideradas, bem como a matéria concernente às respetivas datas de constituição, aos termos de representação delas por banda das pessoas acima identificadas e tudo o mais quanto se deu por demonstrado com respeito às vicissitudes que se verificaram com relevo nos períodos em alusão nos autos. Complementarmente atendeu-se aos elementos decorrentes dos relatórios elaborados pelas competentes Direções de Finanças, na sequência das ações inspetivas levadas a efeito àquelas sociedades, cujos teores foram confirmados pelos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, pelos respetivos inspetores / técnicos tributários. Os depoimentos dos Inspetores Tributários foram fundamentais para esclarecer o vertido no Parecer e para explicar como chegaram às conclusões contidas nos Relatórios das ações inspetivas desenvolvidas. Foram consistentes e pormenorizados nas suas declarações, revelando conhecimento preciso e rigoroso de toda a prova documental existente, fazendo o cruzamento da mesma e respondendo de forma clara e objetiva a todas as instâncias, tudo isto criticamente apreciado e conjugado com a restante prova testemunhal e com as conclusões que derivam da aplicação de regras da lógica e da experiência comum ao caso concreto. Vejamos, em concreto, o apurado: I. "E..., Lda." Como resulta dos autos, designadamente do teor da certidão comercial a fls. 2326 e print a fls. 2332) - objeto de cancelamento de matrícula, o aqui arguido CC foi legal representante da sociedade "E..., Lda.". Quanto a esta sociedade e ao seu papel foi relevante o depoimento da testemunha HH, Inspetora Tributária que elaborou o Relatório de Inspeção Tributária, datado de 03/06/2008, e constante de fls. 331 a 392 (Vol. I), em conjugação com o depoimento da testemunha II, Inspetora Tributária que procedeu à ação inspetiva à sociedade "E..." e que confirmou o teor do auto de notícia por si elaborado, em 21/04/2008, constante de fls. 893 a 896 (Vol. III). Verificou-se que foram emitidas por esta sociedade 23 faturas, faturas estas que foram contabilizadas pela sociedade arguida "A...", no exercício fiscal de 2004. Tais faturas mostram-se elencadas e identificadas a fls. 360 do Vol. I e totalizam o montante de €733.889,14, ao qual acresce IVA de €139.438.95, no montante global (com IVA) de €873.328,09 (cfr. cópias de fls. 495 a 563 do Vol. II) - cfr. quadro de fls. 360 (Relatório de Inspeção Tributária de fls. 331 a 392 do Vol. I. Resultou ainda da ação inspetiva, cujas conclusões estão plasmadas no Parecer junto aos autos, datado de 07/08/2019, a fls. 2364 a 2386 verso, e confirmadas em juízo pela testemunha II, Inspetora Tributária que foi responsável pela ação inspetiva à sociedade "E..., Lda.", tendo elaborado o auto de notícia constante de fls. 893 a 896, do Vol. III. Resulta, assim, que, nos exercícios económicos de 2003 a 2006, que a referida sociedade mantinha uma atividade muito residual, sendo que o seu legal representante, o aqui arguido CC tinha uma profissão distinta, sendo trabalhador por conta de outrem, em concreto a sociedade "F..., Lda.", que tinha como atividade a montagem de trabalhos de carpintaria, tendo o arguido CC auferido, nos anos de 2005 e 2006, rendimentos pagos pela dita empresa, conforme resultou da consulta do anexo J da declaração anual de informação contabilística e fiscal desse contribuinte. Ficou assim patente que esta sociedade era gerida pelo seu legal representante juntamente com outra pessoa que, nestes autos, não foi possível averiguar. Na verdade, do teor dos relatórios referentes às ações inspetivas, designadamente à sociedade "E...", consegue concluir-se quem é a pessoa que exercia, juntamente com o legal representante, a gestão corrente da empresa. No entanto, tais conclusões advieram das próprias declarações dos próprios arguidos que, em julgamento, não quiseram prestar declarações, direito que lhes assiste e pelo qual não podem ser prejudicados. Por outro lado, nenhuma outra prova se fez, designadamente prova testemunhal. Daí se ter dado como não provado que fosse o arguido AA a exercer tais funções de facto. Deste modo, apenas podemos afirmar que o arguido CC era o legal representante da sociedade "E..." e concluir que, como legal representante que era, geria os destinos da mesma, não tendo ficado provado que era exclusivamente "gerente de Direito". Mais foi verificado que a sociedade "E..." tinha sede na Travessa ..., ..., em ..., em Vila Nova de Gaia, sendo que esta morada era, em simultâneo, igualmente morada da sede da sociedade "S..., Lda.", da qual eram sócias, TT (a partir de 2004) e KK (desde 2000), irmã do aqui arguido AA (que também foi sócio da empresa até 2000) e também ela funcionária da sociedade "E..." no ano de 2006, conforme resulta do anexo J da declaração anual de informação contabilística e fiscal entregue pela própria sociedade "E...'' para os anos de 2003 a 2006. À data da inspeção, tal morada correspondia a um espaço ao ar livre onde se encontrava um pequeno contentor, sendo que a testemunha HH visitou tal espaço a 20/11/2007, facto que fez constar no Relatório de Inspeção Tributária que elaborou e confirmado em juízo, tendo constatado que na dita rua estreita sem saída existia um terreno murado, cujo portão se encontrava fechado. Entre 2003 e 2006, a sociedade "E... arrendou um terreno, sito na Rua ..., ..., ..., sendo que, em 06/02/2008 (portanto, numa data posterior), foi verificado que se tratava de um terreno a céu aberto e nos anos de 2003 e 2004, a mesma sociedade arrendou um estaleiro em ... que, entre fevereiro e junho de 2004, período em que decorreu ação inspetiva, foi verificado que as instalações estavam fechadas, não tendo sido verificado qualquer movimento de entrada e saída de viaturas e mercadorias. Foi depois verificado tratar-se de um armazém com uma área entre 200 e 300 m2 e sem divisões, sem qualquer equipamento, com exceção de uma máquina de corte e prensagem de sucata, em estado degradado e sem qualquer sinal de que estivesse em uso, tendo sido ainda verificada a ausência de qualquer mercadoria, a não ser cerca de 100 kg de resíduos de metais misturados com terra. Para transporte de mercadorias, a sociedade tinha um camião SCANIA, com a matrícula ..- ..-PS e com capacidade para transportar 40.000 kg que, no entanto, vendeu à sociedade "D... Unipessoal, Lda.", em janeiro de 2003, sendo que, a partir dessa data, fica a dispor apenas de um veículo ligeiro de mercadorias (um Mitsubishi com a matricula ..- ..-QA e capacidade para transportar de 2.830 a 5.130 Kg), o qual é vendido em 2005, sendo que adquire nesse mesmo ano um veículo ligeiro de passageiros, da marca Mercedes-Benz, com a matricula ..-..-ZP, pelo valor de €45.000. Por outro lado, quanto a imobilizado corpóreo, e de acordo com os mapas de amortizações e reintegrações dos anos de 2003, 2004 e 2005, a referida sociedade tinha apenas uma escavadora giratória adquirida em março de 2003 e um ralenizador (Telma / 54), este abatido em 2003, sendo que nos anos de 2004 e 2005 não adquiriu quaisquer máquinas ou ferramentas, tendo, no entanto, um volume de faturação elevado, tendo duplicado em 2005 face ao ano de 2004, num aumento de €3.087.183,23. Foi ainda efetuada análise ao número de funcionários existentes na sociedade "E..." e foi verificado que tem apenas 4 funcionários nos anos de 2003, 2004 e 2005: uma chefe de armazém (TT), uma empregada de limpeza (UU), um fiel de armazém (VV) e escrituraria de terceira (WW) - cfr. quadro de fls. 364 constante do Relatório de Inspeção Tributária. Ora, tal número de funcionários não é minimamente compatível com o já aludido aumento da faturação, ocorrido no ano de 2005, no valor de €3.087.183,23, pelo que este enorme incremento de faturação não foi acompanhado por qualquer alteração no quadro de pessoal desse ano. Outra análise efetuada foi aos custos no exercício da atividade da empresa, designadamente ao nível de custos com gasóleo, ferramentas e utensílios de desgaste rápido, material de escritório, rendas, comunicação, transporte de mercadorias, deslocações e estadias, conservação e reparações, remunerações de pessoal, tendo-se verificado que o dito crescimento exponencial de venda ocorrido entre 2004 e 2005 não teve reflexo em termos de acréscimo nos outros custos inerentes à atividade. Sendo de concluir, face aos valores apuradores, por ex. ao nível do transporte de mercadorias, não obstante do crescimento de 68,7% desta rubrica de 2004 para 2005, os valores que assume nestes anos são se mostram plausíveis, em termos de percentagem, no volume de vendas declaradas (o valor destes transportes corresponde a 0,63% das vendas declaradas no ano 2004 e a 0,48% das vendas declaradas no ano 2005). Além do mais, a maior parte destes transportes é faturado pela já falada sociedade "S..., Lda." (89% no ano 2004 e no 95% no ano 2005), da qual é também sócia TT, que surge aqui como chefe de armazém (quadro de fls. 364). Já no que se refere a Rendas e Alugueres, a variação notada surge na sequência da cessação, em 2004, do contrato de arrendamento das instalações situadas em ..., o que não deixa de ser estranho deixar de ter necessidade dessas instalações, pelas quais pagou, em 2004, rendimentos prediais no valor de €27.579,52, conforme o anexo J, precisamente numa altura em que se verifica o exponencial aumento do volume de faturação No que respeita ao circuito financeiro evidenciado pela documentação e respetivos registos contabilísticos, quer na ótica dos recebimentos, quer em relação aos pagamentos, observou-se que: os cheques circulam e o dinheiro entra e sai das contas bancárias com uma enorme fluidez, ou seja, paga-se (a fornecedores) e recebe-se (de clientes) sem qualquer tipo de problemas; no que respeita aos pagamentos a "fornecedores", o facto de estarem documentados através de cheques emitidos sobre as contas bancárias da "E...", tal não comprova a efetiva existências das alegadas transações, conforme apurado no âmbito da ação inspetiva anteriormente efetuada, com extensão aos anos 2003, 2004 e 2005, dirigida à sociedade "V..., Lda.", uma das fornecedoras da "E...". Na verdade, verificou-se que as faturas de venda que a sociedade "V..., Lda." emitiu para a "E...", nos anos de 2004 e 2005, foram pagas através de cheques, sendo que tais foram levantados a dinheiro ao balcão (com exceção de um cheque que foi depositado), sendo seus beneficiários: XX, AA, YY, ZZ, AAA, KK, BBB (cfr. informação do Banco 1... - cópias dos cheques), sendo assim de concluir que os cheques dados em pagamento tiveram, quase na sua totalidade, outro destinatário que não o suposto fornecedor. Foi possível ainda aferir que as faturas de venda de sociedade "V..., Lda." para a "E...", nos montantes de €956.078,82 no ano de 2004 e de €3.964.584,99 no ano de 2005, corresponderam a 33% e 60% das compras contabilizadas pela "E..." naqueles anos, respetivamente. Relativamente a outros supostos fornecedores da "E...", nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, que foram objeto de ações inspetivas, constatou-se, a partir da análise da sua contabilidade e documentos de suporte que os pagamentos das supostas vendas não foram refletidos na contabilidade como tendo sido depositados em qualquer conta bancária em nome do fornecedor, tendo-se verificado ainda que, relativamente aos cheques recebidos dos seus clientes, estes são na sua maioria apresentados ao balcão da entidade financeira para depósito, procurando fornecer aspetos de normalidade e credibilidade às operações que lhe estão subjacentes, sendo possível concluir, até pelo referido supra, que o dinheiro retornasse aos utilizadores das suas faturas. Da análise da carteira de clientes e de fornecedores da "E...", entre os anos 2003 e 2006, verificou-se que existe uma grande variação dos clientes e fornecedores ao longo desses exercícios, sendo poucos os casos em que os clientes e fornecedores num ano coincidem com os dos anos seguintes, o que não é típico no negócio das sucatas que se caracteriza por uma escassez de mercadorias, ainda para mais com este volume de negócio, sendo assim de esperar uma maior constância na carteira de fornecedores, sobretudo quando estão em causa fornecimentos de grandes quantidades de mercadorias, sendo igual raciocínio aplicado à carteira de clientes. Efetuada uma análise dos documentos de venda emitidos pela "E...", bem como dos documentos de transporte referentes às compras e vendas declaradas, detetou-se em 2004, o seguinte: tal como em 2003, também de janeiro a setembro de 2004, de acordo com as guias de remessa emitidas pela "E..." para efeitos de transporte, as mercadorias teriam sido carregadas nas instalações arrendadas de .... Também em 2004, a maior parte das guias de remessa / transporte recolhidas relativas aos "fornecedores" da "E..." indicam como local de descarga .../ V. N. Gaia, o que obrigaria ao transporte das mercadorias de Gaia para ..., para o que a "E..." teria de dispor de um veículo pesado, já que do seu imobilizado não fazia parte nenhum, como também necessitaria de recursos humanos para efeitos de transporte, carga e descarga, o que não se verificava. Por outro lado, analisadas as quantidades constantes das faturas de compra em contrapartida com as quantidades assinaladas nas faturas de venda emitidas pela "E...", verificou-se que, no início do ano de 2004, relativamente a algumas faturas de compras e de vendas, as quantidades e natureza do material "comprado" coincidiam com a quantidade e natureza do material "vendido", conforme o quadro de fls. 370 (Relatório de Inspeção Tributária), o que leva a concluir, por ser mais compaginável e pela comparação entre as datas das faturas de compra e as das faturas de venda, que as mercadorias adquiridas seriam vendidas no mesmo estado. Sendo que, uma análise dos documentos de transporte relativos àquelas faturas de compra e de venda permite concluir que não teria sido possível que algumas daquelas vendas pudessem ter ocorrido, conforme quadro de fls. 370 (Vol. I), o que leva a concluir que as vendas tituladas pelas faturas com os n.°s ..., ..., ... e ..., todas para a sociedade arguida "A..." não existiram, senão vejamos: -no dia 21/01/2004, a "E..." está a carregar em ..., às 15 horas, mercadoria que estaria a vender, para tal utilizando o reboque L-... da "S..., Lda."; no entanto, não possuía ainda a mercadoria, uma vez que, apenas às 17h30m do mesmo dia, essa mercadoria estaria carregada, no mesmo reboque, em ... com destino às suas instalações em Gaia; -no dia 23/01/2004, a "E..." está a carregar, em ..., às 16h10m, mercadoria que estaria a vender, para tal utilizando o reboque L-... da "S..., Lda."; no entanto, não possuía ainda a mercadoria, já que, apenas às 18 horas do mesmo dia, essa mercadoria estaria a ser carregada, no mesmo reboque, em ... com destino às suas instalações em Gaia, -no dia 26/01/2004, a "E..." está a carregar, em ..., às 14h20m, mercadoria que estaria a vender, para tal utilizando o reboque L-... da "S..., Lda."; no entanto, não possuía ainda a mercadoria, já que, apenas às 20 horas do mesmo dia, essa mercadoria estaria a ser carregada, no mesmo reboque, em ... com destino às suas instalações em Gaia; -no dia 26/01/2004, a "E..." está a carregar, em ..., às 16h30m, mercadoria que estaria a vender, para tal utilizando o reboque L-... da "S..., Lda."; no entanto, não possuía ainda a mercadoria, já que, apenas às 19h30m do dia seguinte, essa mercadoria estaria a ser carregada, no mesmo reboque, em ... com destino às suas instalações em Gaia. Além do mais, verificou-se, de acordo com o inventário de existências em 31/12/2003, a "E..." apenas possuía 155.396 Kg de alumínio, o que significa que todo o cobre alegadamente vendido no ano de 2004 teria que ser adquirido pela empresa nesse mesmo ano. As compras e vendas de cobre declaradas pela "E...", nos meses de janeiro e fevereiro de 2004, são suportadas pelas faturas que se mostram discriminadas no quadro n.° 2, de fls. 372 (Vol. I), sendo que, se considerarmos que algumas faturas de compra e venda respeitam a mercadorias "compradas" e "vendidas" no mesmo estado (considerando aqui as coincidências em termos de quantidades e de datas), conclui-se que, a dada altura, a "E..." está a vender mercadorias que não possuiu - cfr. quadro de fls. 373 (Vol. I). Ou seja, em 07/02/2004, a "E...", através das faturas n.° ..., estaria a vender cobre que não possuía. Foi ainda constatado que os documentos de venda e de transporte são emitidos pela "E...'' informaticamente, tendo-se verificado, pela análise das faturas e guias de remessa emitidas que integram contabilidade, que o programa informático utilizado permite a alteração dos dados constantes dos documentos, bem como a emissão de mais do que um documento com mesmo número (cfr. fls. 374, Vol. I). Em suma, a conjugação de todos estes elementos, permite concluir que (cfr. teor do Relatório de Inspeção Tributária): Considerando todos os elementos que referimos, assentes no quadro que descrevemos relativamente ao desenvolvimento da atividade da sociedade "E..." nos anos em análise, nomeadamente em termos de estrutura empresarial, evolução da carteira de fornecedores e clientes, circuito financeiro associado às compras e vendas, a falta de credibilidade do programa informático utilizado para a emissão de faturas e documentos de transporte, as diversas inconsistências encontradas quando analisadas as faturas de compra e de venda e os documentos de transporte nos termos supra aludidos, é de concluir que esta sociedade, a ter exercido atividade em 2003, 2004, 2005 e 2006, fê-lo apenas de forma residual. Na verdade, nos anos em causa e no que respeita a compras, a "E..." utilizou faturas relativas a compras de sucata que não têm subjacente qualquer relação comercial com os emitentes identificados nessas mesmas faturas, sendo que, em termos percentuais, essas faturas de compra ("falsas") corresponderam a 96,6%, 98,1%, 96,5% e 96,6% do total das compras contabilizadas pela "E...", nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, respetivamente. Deste modo, conhecendo-se - através das faturas emitidas pelos seus principais "fornecedores' nos anos de 2003 a 2006 (nomeadamente, W..., Lda., V..., Lda., X... Unipessoal, Lda. e Y... e não Ferrosos, Lda.) - que as mercadorias supostamente transacionadas pela "E..." eram, sobretudo, cobre, alumínio e latão, em quantidades e valores bastante elevados, será de se questionar: a origem das mesmas, onde e a quem, pois só poderiam advir de empresas produtoras desses resíduos ou de empresas comerciais com dimensão e potencial capaz de gerir um negócio de sucatas com a diversidade e tonelagem evidenciada. Sendo relevante quanto a este ponto o facto de, no circuito documental analisado, não existir uma única empresa com capacidade para satisfazer tais fornecimentos de sucata nas quantidades e peso, na diversidade e num curto espaço de tempo. Assim, é de concluir que as faturas emitidas pela "E..." para a sociedade arguida "A..." não correspondiam a transações efetivas e reais (cfr. fls. 374 e 375, Vol. I). II. DD: O sujeito DD encontra-se coletado em IRS para a categoria B de rendimentos (Rendimentos Empresariais), estando registado em IVA para a atividade de "Comércio por grosso de Sucatas e de Desperdícios Metálicos - CAE 51571", no regime normal de periodicidade trimestral, desde 04/11/1997. Quanto a este "fornecedor", a sociedade arguida "A...",no exercício do ano de 2004, contabilizou 24 faturas - constantes do quadro de fls. 376 (Vol. I) - no total de €651.366,55, mais IVA de €123.759,63 (cfr. cópias dos docs. de fls. 442 a 492, do Vol. II). A atividade de DD foi objeto de ação inspetiva, centrada na atividade desenvolvida nos exercícios económicos de 2001 a 2004 e concluiu-se que utilizou faturas relativas a compras de sucata que não têm subjacente qualquer relação comercial com os emitentes identificados nessas mesmas faturas. Assim, da conjugação dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, com os elementos documentais constantes nos autos, mormente o relatório da ação inspetiva realizada a este sujeito, foi possível concluir que o arguido DD utilizou faturas relativas a compras de sucata que não tinham subjacente qualquer relação comercial com os emitentes identificados nessas mesmas faturas, uma vez que esses alegados "fornecedores" não tinham, naquele período, qualquer tipo de meios que lhes permitissem desenvolver a atividade (cfr. fls. 376, do Vol. I e Relatório de Inspeção Tributária, de fls. 839 a 883, Vol. III). Tal prova assentou na conjugação dos diversos documentos juntos aos autos, em concreto as faturas emitidas pelo arguido e que foram contabilizadas na sociedade "A...", datadas entre 16/01/2004 e 27/09/2004, num montante global de €651.366,65 (sem IVA) e €775.126,18 (com IVA). Através do procedimento inspetivo dirigido à atividade declarada pelo sujeito passivo DD, no âmbito do comércio de "sucatas", relativamente aos exercícios de 2001 a 2004, conclui-se, de acordo com o Relatório de Inspeção elaborado em 09/05/2006, que o principal fornecedor de DD, durante os anos de 2002 a 2004, que era EE (NIF ......), não tinha, no aludido período, qualquer tipo de meios que lhe permitissem desenvolver a atividade que as faturas por si emitidas indiciam. Por outro lado, entre outubro e dezembro de 2004,verificou-se o aparecimento de faturas de aquisição de mercadorias emitidas em nome de FF (NIF ......), no valor total de €765.258,58 (com IVA incluído), tendo-se apurado no âmbito das inspeções efetuadas, que este este contribuinte, no aludido período, não se encontrava registado para o exercício de qualquer atividade comercial / industrial, nem tinha qualquer tipo de meios humanos ou materiais que lhe permitissem desenvolver o tipo de atividade comercial, em concreto "Comércio de Sucatas" que as faturas emitidas em seu nome querem fazer crer. Além do mais, e relativamente aos meios humanos e técnicos indispensáveis ao exercício duma atividade, verifica-se que o arguido DD dispunha, à data, de um pequeno armazém, com cerca de 200 m2, nas traseiras da sua casa de habitação, onde residia com os seus pais. Nesse armazém estavam armazenadas pequenas quantidades de sucata e tinha um forno para fundição de lingotes de latão. Tais instalações não eram minimamente compatíveis com o volume de negócios declarado em 2004, nem possuía funcionários ao seu serviço, dado que os registos constantes da base de dados da Segurança Social só evidenciam o próprio como estando afeto à atividade comercial. Ora, considerando o negócio / setor de atividade em causa e as exigências do mesmo, é de concluir que essas instalações não são minimamente compatíveis com o volume de negócios declarado em 2004. Por outro lado, nos exercícios de 2001 a 2004, apenas se encontra registado como funcionário afeto à atividade comercial desenvolvida por DD, o próprio empresário, declarando como seu vencimento mensal um valor próximo do SMN (conforme análise efetuada à contabilidade do mesmo e consulta dos registos constantes da base de dados da Segurança Social e da Direção Geral dos Impostos). O equipamento de transporte existente para os exercícios de 2001, 2002 e 2003, consistia numa "Toyota ...", com capacidade para cerca de 8,2 toneladas. Apesar de a sua capacidade máxima de carga ser de cerca de 8,2 toneladas (peso máximo que está autorizado a transportar), foi observado que, numa boa parte das cargas declaradas nas faturas de DD, principalmente no exercício de 2004, esta viatura foi responsável, por inúmeras vezes, pelo transporte (de uma só vez) de cargas com pesos claramente acima da sua capacidade máxima (em alguns casos, de mais de 20 ou 30 toneladas). A 20/05/2004, DD adquiriu uma nova viatura pesada para o transporte de mercadorias. Esta viatura tem como capacidade máxima autorizada a transportar 17.000 Kgs. No entanto, de acordo com a inscrição aposta nas faturas, foi responsável pelo transporte, por diversas vezes, de cargas claramente acima da sua capacidade máxima. Face aos elementos apurados e analisados, é de concluir que os alegados fornecedores de DD, designadamente o dito EE e CCC, não possuíam qualquer tipo de capacidade nem meios humanos, materiais ou financeiros que permitissem desenvolver a atividade que as suas faturas pretendem demonstrar, pelo que conclui que estas faturas também não tiveram subjacente qualquer operação comercial. Pelo que necessariamente se terá de concluir que também DD não possuía capacidade instalada para desenvolver a atividade nos valores e quantidades declarados, não possuindo os meios humanos, materiais ou financeiros que permitissem desenvolver a atividade de comércio por grosso de sucatas nos valores declarados, pelo que é de concluir que exercia a sua atividade de forma aparente e fictícia (cfr. fls. 375 a 379, do Vol. I). Deste modo, considerando que DD declarou, no anexo P relativo ao de 2005, como seu maior fornecedor CCC, que aliás representa 94,65% da totalidade das compras a fornecedores efetuadas nesse período, e que, como vimos, este último não possuía os meios humanos, materiais ou financeiros que lhe permitissem desenvolver a atividade de comércio por grosso de sucatas nos valores declarados, é de concluir que DD atuou como emitente e utilizador de faturação não correspondente com mercadoria efetiva comprada e vendida, exercendo a sua atividade de forma aparente e fictícia. Do exposto, conclui-se que as faturas emitidas por este sujeito passivo para a sociedade arguida "BB, SA" não correspondem a transações reais e efetivas. III. Das vendas de mercadorias da sociedade arguida: Resulta da prova produzida, designadamente das ações inspetivas realizadas, espelhadas nos relatórios e parecer juntos aos autos, que as vendas contabilizadas pela referida sociedade, nos exercícios económicos de 2004 e 2005, dividem-se pelo mercado nacional e externo, muito embora, este último se sobreponha ao primeiro já que as vendas no mercado português ascendem apenas a 3,3% do total do volume de negócios declarado (cfr. quadro constante a fls. 383, do Vol. I). A aludida sociedade declarou vendas às empresas espanholas, "G..., SL" e "H..., S.A." e à holandesa "I... B.V. J... B.V". Ora, analisadas as faturas, é possível concluir que, no que respeita à emissão de faturas, as mesmas não respeitam a sequência cronológica e a numeração é feita manualmente, o que contraria o disposto no art. 35° do CIVA, sendo exemplos: a fatura n.º ..., datada de 03/02/2004 e a fatura n.º ..., de 06/02/2004, a fatura n.º ..., onde consta como data de emissão 26/03/2004 e a n.° 217 de 24/03/2004. Por outro lado, as matrículas das viaturas e números dos reboques constam das faturas de forma inexplicável uma vez que os veículos que asseguram o transporte pertencem a terceiros, cuja matrícula, aquando da emissão, se desconhece e a data do carregamento ocorre entre 7 a 15 dias após a sua emissão. A título de exemplo, na fatura n.º ..., emitida para a "G..., SL", em 14/01/2004, foi indicado "Camião matricula ..-..-ND (...)" e "Camião matrícula ..-..-PM (L-...)", quando as datas indicadas para os carregamentos, a crer nos CMR das duas empresas transportadoras, se verificaram, respetivamente, em 29/01/2004 e 30/01/2004. (cfr. fls. 385, Vol. I). Foi apurado, que a empresa espanhola "G..., SL" já havia declarado aquisições a empresas portuguesas que solicitaram, de forma generalizada, reembolsos de IVA, declarando um grande volume de transmissões para a empresa "K... UNIPESSOAL, LDA." (NIPC ...), onde se constatou, no âmbito da ação inspetiva respetiva, que que não tinha estrutura empresarial e "nunca exerceu a actividade que se propôs realizar, não tendo sido a verdadeira destinatária das aquisições intracomunitárias (sujeito passivo), muito embora tenha sido usado para tal o seu número de identificação fiscal". (cfr. fls. 386, Vol. I). Por fim, a Administração Fiscal Espanhola informou que a "G..., SL" figura em numerosos relatórios da SEPBLAC (Comissão de Prevenção de Branqueamento de Capitais e Infrações Monetárias), pela sua possível participação numa rede organizada de fraude ao IVA e « parece indicar que parte dos pagamentos realizados pela G..., SL para o exterior e muito particularmente para Portugal, terão voltado em dinheiro para Espanha, alimentando deste modo, um possível "carrossel", com a finalidade de repetir artificialmente as operações de pagamento ao exterior por parte da G..., SL, a qual obteria assim reembolsos do IVA suportado». Deste modo, quanto às vendas declaradas pela sociedade arguida para o mercado intracomunitário, em particular o mercado espanhol, o que a este respeito se deu como provado resulta da documentação recolhida no âmbito da ação inspetiva realizada pelo Inspetor tributário GG que procedeu à sua análise. A factualidade provada relativa às sociedades espanholas, bem como as vendas efetuadas de novo para o mercado português, resultam das informações prestadas pela administração fiscal espanhola, bem como das diligências efetuadas no âmbito da ação inspetiva à sociedade arguida e informações obtidas através do sistema VIES. A circunstância de as empresas espanholas, ao declararem compras à sociedade Z... liquidarem e deduzirem simultaneamente o IVA e de, ao declararam vendas para o mercado português, não liquidarem IVA, resulta do regime IVA nas transmissões intracomunitárias, ao tempo em vigor, regras que naturalmente eram do conhecimento dessas empresas. Em conclusão: Da prova produzida, mormente da conjugação dos elementos documentais juntos aos autos, do Parecer elaborado e dos Relatórios Inspetivos existentes, suportada ainda nos depoimentos prestados em julgamento pelos Srs. Inspetores Tributários, é de concluir que os sujeitos passivos considerados como fornecedores pela sociedade "A..." desenvolviam uma atividade aparente e fictícia, uma vez que os mesmos foram utilizados para participar no circuitodocumental da "sucata", ora como empresas "substitutas", colocadas entre os originários fornecedores e os verdadeiros adquirentes ou como meras emitentes de faturas falsas, sem qualquer transação real subjacente (cfr. fls. 1417, Vol. IV). Essas entidades tinham, como objetivo único, titular, por substituição, transações para as quais não foi emitido o respetivo documento, ou simular transações inexistentes, conferindo sempre, em qualquer dos casos, o direito à dedução a jusante do IVA indicado como liquidado (cfr. fls. 388 e 389, Vol. I). Os dados objetivos que resultaram comprovados relativamente aos aludidos fornecedores, apreciados globalmente e à luz das regras da experiência e do normal acontecer na atividade comercial, tendo ainda em conta as particularidades do sector em causa, conduziu à convicção segura que a faturação emitida em seu nome e contabilizada na sociedade arguida como compras não têm subjacente a relação comercial que titulam. Da conjugação dos elementos descritos supra resulta comprovado que a E... e DD, no ano de 2004, não tinham estrutura empresarial, designadamente instalações, funcionários, equipamentos, viaturas, suscetível de servir de base ao desenvolvimento da atividade comercial de sucata e possibilitar o volume de negócios que as faturas refletem. Assim, dos relatórios periciais juntos aos autos, conjugados com os depoimentos dos Inspetores ouvidos em audiência, ficou clara a demonstração do que na acusação se descrevia quanto ao esquema fraudulento existente entre as diversas sociedades e o modo como isso se refletia na contabilidade de cada uma das empresas. Do acervo documental resulta demonstrado um esquema concertado pelos arguidos de defraudação do Erário Público que, partindo de determinadas empresas - através das quais se criava um circuito de papel de venda de mercadorias - se permitia instituir em simultâneo uma cadeia que possibilitava às empresas intervenientes beneficiar de indevidos reembolsos de IVA. Tudo isto conjugado leva-nos a concluir pela existência de um esquema fraudulento, num contexto comercial incompreensível, exceto num quadro de emissão de faturação falsa. Todos estes factos que ficaram demonstrados conduzem-nos à conclusão que estamos perante uma rede organizada, que envolve todas estas empresas e pessoas singulares, que criaram este esquema, suportado num conjunto de operações, facto que lhes permitiu obter vantagens patrimoniais em sede de IVA, designadamente com a obtenção de reembolsos indevidos. Em abono deste raciocínio que, conforme flui dos depoimentos referidos, mormente dos Inspetores ouvidos, corroboram os relatórios das ações inspetivas realizadas às sociedades, existe uma série de factos que sustentam estas conclusões. A análise da prova documental, sustentada no Parecer elaborado e nos depoimentos prestados em audiência pelos inspetores tributários são esclarecedores quanto à existência deste esquema fraudulento com recurso à utilização de faturas falsas, facto que permitiu aos arguidos criar circuitos fictícios que visavam obter vantagens patrimoniais, mormente em sede de IVA através da obtenção de reembolsos indevidos. Como sabemos, no âmbito da criminalidade organizada, económica e financeira, a prova indiciária, circunstancial ou indireta, por vezes, é mesmo o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto ilícito e à descoberta dos seus autores. Ora, no caso em apreço, o Tribunal retirou as suas ilações por via da concatenação de vários elementos (os enunciados supra) e esclarecimentos dos Srs. Inspetores que prestaram depoimentos, aos nossos olhos, isentos e seguros e forneceram a indicação de um conjunto de factos de onde se extrai as conclusões vertidas, espelhando o percurso efetuado pelos arguidos e por estas sociedades, explicando devida e detalhadamente em audiência as razões pelas quais chegaram às conclusões vertidas no Parecer e nessa âmbito foi cabalmente exercido o contraditório, tendo as diversas testemunhas respondido a todas as instâncias. In casu, os referidos factos probandi depreendem-se da compaginação das circunstâncias acima apontadas. Por conseguinte, todos os descritos factos e circunstâncias, avaliados à luz das regras da experiência de vida e segundo um juízo de normalidade, permitem concluir, sem que subsista qualquer dúvida, de que os arguidos praticaram os factos de que vêm acusados e nos moldes supra descritos. Por outro lado, dos demais depoimentos produzidos, designadamente as testemunhas indicadas pela defesa, não se extrai qualquer elemento relevante, quer num quer noutro sentido, ou que acrescentem algo de novo ao já mencionado, não conseguindo abalar as conclusões que o Tribunal retirou dos diversos elementos juntos aos autos, nos termos expendidos supra. Na verdade, os seus depoimentos não foram, quanto a nós, suficientes e clarificadores o necessário para abalar a convicção do Tribunal, criada com base na conjugação da diversa prova documental, nos termos elencados, sustentada pelos depoimentos dos Srs. Inspetores Tributários. Por sua vez, os arguidos que estiveram presentes na audiência de julgamento fizeram uso da prerrogativa que lhes é conferida por lei, remetendo-se ao silêncio, situação que não os pode prejudicar, mas perdendo a oportunidade de apresentar a sua versão sobre os factos, apresentando uma explicação que contrariasse as conclusões apresentadas pelos Srs. Inspetores. Ou seja, da conjugação de tudo quanto vem de se dizer resulta que existe prova firme e segura para que o Tribunal considere como provado o que vem alegado na acusação, ficando assim claro que os arguidos com a sua conduta lograram obter uma vantagem indevida. A ponderação conjugada de todos os elementos acima referidos conduziu à convicção que as faturas emitidas e constantes dos autos para a sociedade arguida, no ano de 2004, nesta sociedade contabilizadas como compras, não correspondem a reais e efetivas transações celebradas. É óbvio que os arguidos rodearam-se de cautelas, no sentido de não serem descobertos pela Autoridade Tributária, porém, na formação da convicção, não está o juiz impedido de usar presunções baseadas em regras da experiência, ou seja, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos. Ensina Vaz Serra que «ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência de vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência». Mas,«a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável». «Há de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiencia, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitraria ou dominada por impressões». Está em causa a emissão de faturas falsas, tema sobre o qual assim se sintetizou a pronúncia do Acórdão da Relação do Porto de 09/04/2014 (Proc. n.° 31/06.7IDVRL.P1, relatado pela Desembargadora Eduarda Lobo): «Através da emissão de facturas falsas o agente visa documentar operações económicas que não são verdadeiras, ou porque pura e simplesmente não existem, ou pelo menos não existem nos exactos termos que aparentam. Assim, o objetivo que subjaz à emissão de faturas falsas radica frequentemente na documentação falsa de custos fiscais, assegurando, deste modo, a diminuição de lucros com importantes consequências na determinação da matéria coletável (IRC) ou mesmo a obtenção ilícita de reembolsos fiscais (IVA). Na trilogia proposta por Nuno Sá Gomes (in Relevância Jurídica, penal e fiscal das facturas falsas e respectivos fluxos financeiros e da sua eventual destruição pelos contribuintes, Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, n° 377, DGI, Jan-Mar.1995, pág. 9), tipificam-se três modalidades de facturas falsas: a) facturas falsas stricto sensu - conferidas pelo emitente-utilizador a empresas inexistentes; b) facturas forjadas - conferidas pelo emitente-utilizador a empresas existentes mas sem conhecimento destas últimas e c) facturas de favor - emitidas por um terceiro em resultado de acordo com o utilizador que as incorpora na sua contabilidade fiscal, existindo pagamento de uma quantia ao emitente ou mediante faturas emitidas gratuitamente. Nos dois primeiros casos a emissão de faturas falsas ocorre através de um ato unilateral do infrator e não há qualquer operação/relação económica. Na última situação, a emissão de faturas falsas pode ocorrer mediante acordo entre duas pessoas para prejudicar o Estado Fiscal.». «(...) Apurada a utilização de documento falso, para efeitos de determinação da matéria coletável ou de obtenção de reembolso fiscal, acompanhado da consciência e vontade da realização do tipo de ilícito, tanto basta para responsabilizar o utilizador pelo crime de fraude fiscal, verificados que se mostrem todos os restantes elementos objetivos do tipo." A prova do elemento subjetivo é sempre indireta e deve ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum, o que sucedeu no caso em análise. Na realidade, o processo psíquico em que assenta a verificação do dolo, porque nasce e se desenvolve no pensamento íntimo mais profundo do ser humano, excetuando uma manifestação espontânea do agente, só se manifesta através de um acertado juízo de inferência, colhido de elementos objetivos conhecidos. Na realidade, os comportamentos desencadeados pelos mencionados arguidos, espelhados na factualidade descrita supra, denunciam, de modo inequívoco, a vontade em obter benefícios económicos que sabiam ser ilegítimos, o que conseguiram, causando, dessa forma, prejuízo ao Estado. De facto, a vontade de realização dos factos queda como provada atento o manifesto e óbvio: quem se propõe emitir e registar na contabilidade faturas que sabe serem forjadas, criando, na Administração Tributária, a convicção de que tais dados são verdadeiros é porque quer obter benefícios a que sabia não ter direito e, bem assim, causar prejuízo ao Estado, já que sabe que os bens / serviços discriminados nas faturas em questão não correspondiam a quaisquer prestações de serviços ou transações levadas a cabo entre aquelas sociedades / entidades. No que respeita à voluntariedade dessas condutas e à sua consciência da ilicitude das condutas dos arguidos dadas como provadas e da sua postura em audiência de julgamento, concluímos, sem margem para qualquer dúvida, que estes têm e, tinham à data dos factos, capacidade de distinguir entre o bem e o mal e de se determinar de acordo com essa avaliação. A consciência da ilicitude resulta do facto de se tratar de uma conduta axiologicamente relevante, ou seja, qualquer pessoa sabe que não pode declarar fiscalmente falsos custos, criando, para o efeito, um estratagema com vista a obter benefícios económicos indevidos, prejudicando o erário público. Não há, assim, nenhuma dúvida que os arguidos atuaram com vontade intencionalmente direcionada, de forma consciente e com pleno conhecimento da ilicitude penal dos seus comportamentos. Por fim se diga que, os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas também pelos arguidos não lograram convencer da verificação de uma realidade contrária, sendo certo que, e como já se disse, remetendo-se os arguidos ao silêncio na audiência, abstiveram-se de fornecer um contributo eventualmente relevante para a formação da convicção diversa da gerada no espírito do Tribunal, designadamente contraditando as indicações factuais facultadas pelos aludidos elementos probatórios, em que assentaram as conclusões extraídas e, aliás, também expressas no já mencionado Parecer. Ficou assim patente que os arguidos combinaram entre si este estratagema, visando assim locupletar-se de verbas a que não tinham direito. Consistia tal estratagema, desenhado em conjunto pelos arguidos, em incorporar na contabilidade daquela sociedade, de forma sistemática e reiterada, faturas fictícias, que não titulavam qualquer operação efetivamente realizada entre essas empresas, registando-as e discriminando-as, para efeitos de declaração em sede de IVA. Todos os arguidos agiram de forma deliberada, em ação conjunta e concertada, com a consciência de que ludibriavam os serviços da Administração Fiscal, bem como com a intenção de obterem vantagem patrimonial indevida. Para prova das condições familiares, pessoais, profissionais e socioeconómicas dos arguidos teve o Tribunal em consideração o teor dos relatórios sociais junto aos autos e o que resulta do compulso dos autos e do que os arguidos referiram aquando da sua identificação. O Tribunal teve ainda em conta os CRC'S juntos aos autos e as certidões do registo da sociedade arguida. * * * III. Enquadramento jurídico-penal dos factosOs arguidos BB, DD, AA e CC encontram-se acusados da prática, em coautoria material e em concurso efetivo, de: -um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 26° do código Penal e 103°, n.° 1, alíneas a) e c) e 104°, n.°s 1 e 2 do RGIT e atualmente previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 103°, n.° 1, alíneas a) e c) e 104°, n.° 1 e n.° 2 alíneas a) e b) e n.° 3 do RGIT; -um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo art. 256°, n.° 1, alínea a), do Código Penal. A sociedade arguida "A..., Lda.", por força do disposto no art. 7° do RGIT, incorreu na prática de dois crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 103°, n.° 1, alíneas a) e c) e 104°, n.° 1 e n.° 2, alíneas a) e b) e n.° 3 do RGIT e atualmente previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 103°, n.° 1, alíneas a) e c) e 104°, n.°s 1 e 2, alíneas a) e b) do RGIT. I. Cumpre, antes do mais, analisar a questão invocada da violação do princípio ne bis in idem: O arguido A... invoca, na sua contestação, a alegada violação do princípio non bis in idem, dizendo que a acusação e a pronúncia violam o disposto no art. 29°, n.° 5, da CRP e no art. 30°, n.°s 1 e 2 do CP, uma vez que se está na presença, nos dois processos, de um único crime sob a forma de crime continuado, estando-se em face de um crime exaurido, o qual abrange a prática de um conjunto de condutas reiteradas por um dado período - 1999 a 2005 -, todas elas se reportando à alegada emissão de faturas que não correspondiam a verdadeiras transações comerciais com o intuito de lesar os cofres do Estado, sendo que os arguidos BB, a sociedade arguida, AA e CC já foram julgados no Proc. n.° 271/03.0IDPRT por factos idênticos, reportados ao período entre 1999 e 2004, sendo que neste processo encontra-se abrangido o ano de 2004. A questão suscitada contende, assim, com a definição do"objeto do processo" e com os limites objetivos do princípio ne bis in idem. O art. 29°, n.° 5, da CRP dispõe que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. O citado preceito, ao dispor que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, consagra o princípio non bis in idem, o qual comporta duas dimensões: (a) como direito subjetivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra atos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objetivo (dimensão objetiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto - cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, ed. revista, Coimbra, 2007, pág. 497. Proíbe-se, assim e rigorosamente, "o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é obvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime»" - cf. idem, ibidem, pág. 497. Como se salienta no Acórdão da Relação do Porto de 10/07/2013, disponível em www.dgsi.pt:"Muito sinteticamente diremos que o ne bis in idem tem por finalidade obstar a uma dupla submissão de um indivíduo a um mesmo processo, por um lado tendo em vista assegurar a sua paz jurídica e configurando, de outro passo, uma limitação ao poder punitivo do Estado.". Deste modo, e estando o nosso processo penal assente numa estrutura acusatória, a proibição da dupla apreciação significa que ninguém pode ser julgado mais de uma vez e não, como por vezes é referido, que ninguém pode ser punido mais de uma vez. Para a decisão a tomar quanto à questão suscitada, há que atentar no seguinte: No Proc. 271/03.1IDPRT foram acusados, entre outros, os aqui arguidos BB, AA, CC e a sociedade "A..., S.A.", pela prática igualmente de um crime de fraude fiscal qualificada, abrangendo a alegada atividade delituosa os exercícios fiscais entre 1999 e 2003 (cfr. fls. 4 a 8 do Vol. I). Nesse processo era imputada aos arguidos a emissão de faturas a favor da sociedade arguida entre 1999 e 2003, sem corresponderem a efetivas transações comerciais. Realizado que foi o julgamento, nos aludidos autos, o arguido BB foi condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 103°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 e 104°, n.° 2 do RGIT na redação dada pela Lei n.° 60-A/2005 de 30 de dezembro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição do arguido, no prazo da suspensão, efetuar o pagamento à Administração Fiscal da quantia de €1.260.888,61, ficando ainda subordinada a regime de prova, nos termos a definir pelo IRS; o arguido AA foi condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 103°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 e 104°, n.° 2 do RGIT na redação dada pela Lei n.° 5/01 de 05 de junho e pela Lei n.° 60-A/2005 de 30 de dezembro, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição do arguido, no prazo da suspensão, efetuar o pagamento à Administração Fiscal da quantia de €908.439,71, ficando ainda subordinada a regime de prova, nos termos a definir pelo IRS; a sociedade arguida foi condenada pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 7°, n.°1, 103°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 e 104°, n.° 2 do RGIT na redação dada pela Lei n.° 5/01 de 05 de junho e pela Lei n.° 60-A/2005 de 30 de dezembro, na pena de 600 dias de multa, à taxa de €10; o arguido CC foi absolvido nos aludidos autos. No aludido processo existiam mais arguidos, para além dos mencionados supra, sendo que o aqui arguido DD não era arguido no dito processo, não estando por isso abrangido pelo ne bis in idem. Nos presentes autos, está em apreciação a eventual prática de um crime de fraude fiscal qualificada relativamente ao ano de 2004. Os factos imputados aos arguidos BB, AA, CC e a sociedade "A..., S.A." e DD, reportam-se a faturas emitidas a favor da sociedade arguida, da qual o ora contestante era o legal representante, referentes ao ano de 2004, sem que, alegadamente, titulem efetivas transações comerciais. Os presentes autos tiveram início com uma certidão extraída do citado Inquérito n.° 271/03.0IDPRT, que correu termos na Secção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia, sendo que os factos ali investigados respeitavam à prática dos crimes de associação criminosa e fraude fiscal qualificada, perpetrados por diversos operadores no setor da sucata, entre os anos que remontam a 1999 a 2003 (cfr. Anexo I sob o título "Certidão do despacho final proferido nos autos n.º 271/03.0IDPRT"). Em ambos os processos os arguidos foram acusados pela prática, em coautoria, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos conjugadas dos arts. 103°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 e 104°, n.° 2 do RGIT. Atentas estas ocorrências processuais, cabe apreciar se, in casu, há violação princípio constitucional ne bis in idem, cujo alcance reveste uma dimensão transversal a todo o processo na medida em que impede – rectius proíbe - o julgamento, a perseguição penal, de alguém, mais do que uma vez, pela prática do mesmo crime: Como já se disse, a CRP consagra o princípio ne bis in idem ao dispor, no seu art. 29°, n.° 5, que "Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime". Este princípio está relacionado com aquilo a que se tem denominado o efeito negativo do caso julgado, o qual consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 3^edição, pág. 42). A lei fundamental, ao referir-se ao duplo julgamento e ao mesmo crime carece, contudo, de interpretação. A referência a "duplo julgamento" não pode ser entendida no seu estrito sentido técnico-jurídico, tendo de ser interpretada num sentido mais amplo, de forma a abranger, não só o julgamento, mas também outras situações de valor equivalente, designadamente, aquelas em que num processo é proferida decisão final, sem que, no entanto, tenha ocorrido julgamento. Como a jurisprudência salienta, este «mesmo crime» "não deve nem pode ser interpretado no seu sentido técnico-jurídico", significando, aqui, "um comportamento de um agente espacio-temporalmente delimitado e que foi objecto de uma decisão judicial, melhor, de uma sentença ou de decisão que se lhe equipare"- cf. Acórdão do STJ, de 15/03/2006, Proc. n.° 05P4403, in www.dgsi.pt. É o que sucede com a declaração judicial de extinção da responsabilidade criminal por amnistia, por prescrição do procedimento ou por desistência de queixa - cfr. Acórdão do STJ de 15/03/2006, relado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, disponível in www.dgsi.pt. Relativamente ao segmento "mesmo crime" também não pode ser interpretado no seu estrito sentido técnico-jurídico. Como refere o citado Acórdão do STJ de 15/03/2006: "Assim, crime significa, aqui, um comportamento de um agente espácio-temporalmente delimitado e que foi objecto de uma decisão judicial, melhor, de uma sentença ou de decisão que se lhe equipare. Entender o termo "crime" empregue no n.° 5 do artigo 29°, da Constituição, como referência a um determinado tipo legal, a uma certa e determinada descrição típica normativa de natureza jurídico-criminal, seria esvaziar totalmente o conteúdo do preceito, desvirtuando completamente a sua ratio e em frontal violação com os próprios fundamentos do caso julgado. Um tal entendimento, traduzir-se-ia numa insuportável violação da paz jurídica e da segurança do cidadão, ao ponto de afectar e destituir de sentido - ao esvaziar todo o conteúdo útil do caso julgado - a própria estrutura acusatória em que assenta o nosso direito processual penal. (...) O termo "crime" não deve pois ser tomado ao pé-da-letra, mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado de facto ou um acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado facto já julgado - e não tanto de um crime - que se quer evitar. O que o artigo 29.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa proíbe, é no fundo que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal.". Assim, o conteúdo e limites do caso julgado só podem ser fornecidos pelo objeto do processo; sendo o objeto do processo o mesmo estamos perante a exceptio judicati, caso contrário não ocorre violação do princípio in bis in idem. Como escreve Fernanda Palma, "O princípio non bis in idem é a expressão da garantia de que a perseguição criminal mediante o processo penal não é instrumento de arbitrariedade do poder punitivo, utilizável renovadamente e sem limites, mas é antes um modo controlável e garantido de aplicação do Direito Penal (...)" - cfr. "Direito Penal", Parte Geral, I, pág. 136]. Dito de outro modo: o "bis" vedado pelo princípio constitucional não respeita tão só à sanção, estendendo-se antes ao próprio processo, seja qual for o seu resultado. Orientação seguida no Acórdão da Relação de Lisboa de 13/04/2011 (Proc. n.° 250/06.6PCLRS.L1-3), cujo sumário diz: "II - O caso julgado é um efeito processual da sentença transitada em julgado, que por elementares razões de segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material). III- Transcendendo a sua dimensão processual, a proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos faz que o conjunto das garantias básicas que rodeiam a pessoa ao longo do processo penal se complemente com o princípio ne bis in idem ou non bis in idem, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva. IV- Esta limitação visa limitar o poder de perseguição e de julgamento, autolimitando-se o Estado e proibindo-se o legislador e demais poderes estaduais à perseguição múltipla e, consequentemente, que exista um julgamento plural." No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STJ de 15/03/2006 (Proc. n.° 05P4403), onde se defende que o que art. 29°, n.° 5, da CRP, "proíbe é, no fundo, que um mesmo e concreto objeto do processo possa fundar um segundo processo penal". O princípio do caso julgado é um corolário lógico do princípio constitucional ne bis in idem (art. 29°, n.° 5, da CRP). Constitui uma garantia pessoal do cidadão perante o ius puniendi de não voltar a ser criminalmente perseguido pelos factos ou "acontecimento histórico" pelos quais já foi julgado (cf. Beling, apud Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, policopiado, Coimbra, 1968, pág. 211), em nome da segurança jurídica e da paz jurídica do arguido. O princípio non bis in idem encontra-se intrinsecamente ligado ao princípio da vinculação temática do tribunal. Com efeito, para evitar a dupla responsabilização do arguido pela prática de um mesmo crime, impõe-se definir o objeto do processo, que delimitará os poderes de cognição do juiz e, consequentemente, a extensão do caso julgado: para além dos factos plasmados na acusação formal, a sentença só poderá atender aos factos instrumentais, que, embora não escritos no despacho de acusação, ainda se relacionam com o objeto do processo e, por isso, ainda participam dele, quando considerado na sua unidade. Esta vinculação do tribunal ao objeto previamente delimitado funda-se na garantia fundamental de defesa do arguido (art. 32°, n.° 1, da CRP), que deve ter a oportunidade de se defender plena e eficazmente das imputações que lhe são feitas: factos (o tema da prova, composto pelos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico) e direito (a qualificação jurídica do tema da prova). A par do princípio da vinculação temática do tribunal, vigora o princípio da unidade ou indivisibilidade do objeto do processo (penal), segundo o qual o tribunal está obrigado a conhecer e julgar todos os factos que compõem o objeto processual em sentido amplo, i.e., tem de apreciar e valorar não apenas os factos que integram a acusação formal (objeto do processo em sentido técnico), mas também todos aqueles que se encontrem com estes em relação de unidade, do ponto de vista subjetivo, histórico, finalista, temporal, etc. Configura, nesta medida, uma exceção ao princípio da identidade do objeto processual, justificada pelo interesse da realização da justiça material e permite concluir que o objeto em sentido técnico é tendencialmente estável - cfr. Marques Ferreira, "Da alteração dos factos objecto do processo penal", in RPCC, 1991, n.° 2, pág. 225. Ao ne bis in idem liga-se igualmente o princípio da consumpção, segundo o qual o objeto do processo deve considerar-se irrepetivelmente decidido, mesmo que não tenha sido conhecido e julgado na sua globalidade. Quer isto dizer que "o conhecimento e decisão do objecto do processo deverá considerar-se como tendo esgotado a sua apreciação jurídico-criminal (i.e., como tendo cumprido o princípio da indivisibilidade), ainda que efectivamente ou de facto, essa apreciação não tenha sido esgotante (como podia e devia ter sido)" - cfr. Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, policopiado, Coimbra, 1968, pág. 205. Feitas estas considerações, cabe apreciar se o objeto do presente processo se integra no objeto do Proc. n.g 271/03.0IDPRT. Compulsados os autos verificamos que no aludido Proc. n.° 271/03.0IDPRT foram investigados os anos de exercício fiscal de 1999 a 2003, pela alegada prática de crimes de fraude fiscal, sendo que já havia a suspeita da alegada prática de factos semelhantes quanto aos exercícios de 2004 e 2005, os quais são os julgados nos presentes autos. Na verdade, resulta do relatório que "os factos participados nos presentes autos e circunscritos aos anos de 2004 e 2005, já haviam sido objecto de investigação pela Polícia Judiciária no âmbito do Inquérito n.º 271/03.0IDPRT" - Parecer da AT, a fls. 2366 dos autos. Quando o dito processo teve início não estava ainda apurada a vantagem patrimonial alegadamente obtida pelos arguidos no ano de 2004 e 2005, sendo que, "o volume, complexidade e abrangência da informação» inserta no Inquérito n.° 271/03.0IDPRT implicou a necessidade de «delimitar o seu objeto, viabilizando a produção de prova de forma mais eficaz»" e, nessa senda, abranger a atividade delituosa circunscrita aos exercícios fiscais (já) enunciados, entre 1999 e 2003 (cfr. fls. 4 a 8 do Vol. I). Neste âmbito, foi realizada ação inspetiva circunscrita aos exercícios económicos de 2004 e 2005, tendo como móbil a informação que instruiu o pedido de reembolso de IVA relativo ao mês de dezembro de 2004, donde resultaram indícios de que a sociedade "A..." estava a utilizar faturas "falsas", ou seja, faturas não correspondentes cuja inveracidade intelectual tinha por escopo enganar o Estado (cfr. terminologia a fls. 25 do Anexo I sob o título Certidão do despacho final proferido nos autos n.° 271/03.0IDPRT). Dado que no circuito comercial foi possível identificar que a sociedade arguida "A..." se tratava dum "operador de fim de linha", ou seja, aquele que beneficiava das reais vantagens da fraude por estar em situação de solicitar reembolsos de IVA (ou poder vir a solicitar), afigurou-se proeminente averiguar toda a cadeia de faturação a montante que sustentava as sucessivas compras e vendas supostamente fictícias. Por outro lado, os autos estiveram suspensos, nos termos do art. 47° do RGIT, desde 29/05/2013, porquanto a sociedade "A...", procedeu à impugnação judicial das liquidações de IVA de janeiro a julho de 2004 e setembro, outubro e dezembro de 2004 e fevereiro de 2005 no âmbito do Proc. n.° 1981/08.1BEPRT e procedeu à impugnação das liquidações de IRC dos anos de 2004 e 2005, alegando que todas as transações subjacentes às faturas que emitiu ocorreram efetivamente. Em resultado das Impugnações Judiciais, que correram termos sob os n.°s 1981/08.1BEPRT (IVA anos de 2004 e 2005) e 1980/08.3BEPRT (IRC anos de 2004 e 2005), foram proferidas decisões pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto - Acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo constantes do Vol. VI de fls. 1927 a 2081 (com trânsito em julgado a 21/03/2018 (fls. 1926)) e Vol. VII de fls. 2129 a 2231), quanto aos fornecedores "C..., Lda.", "D... unipessoal, Lda." e "M... Unipessoal, Lda.", foi decidido que a Administração Tributária não logrou reunir indícios suficientes de que a escrita da Impugnante não merecia credibilidade, porquanto se limitou a extrair consequências do "rótulo de emitentes de faturação falsa" colocado àqueles fornecedores, em particular (cfr. Vol. VI, fls. 1747 a 1786, 1788 a 1822, respetivamente). Por seu turno, quanto aos fornecedores SS, DD e a sociedade "E..., Lda.", as impugnações não implicaram a anulação das liquidações adicionais. Em ambos os processos os arguidos estão acusados pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto nos arts. 103° e 104° do RGIT, em virtude da execução de esquema de fraude carrossel nacional e também transnacional. No fundo estão acusados, em coautoria, de adotarem um esquema em que são "lançadas" na contabilidade da sociedade arguida faturas correspondentes a serviços que nunca aconteceram, como se efetivamente tivessem ocorrido e o respetivo preço houvesse sido pago, o que possibilitou a apresentação à administração fiscal da declaração de IVA, deduzido do IVA inscrito nas faturas "fictícias", beneficiando, assim, a mesma de um crédito (reembolso) a que não tinha direito. No cotejo dos factos de um processo e de outro, verifica-se que estes arguidos são os mesmos (não obstante, no Proc. n.° 271/03.0IDPRT estarem ainda acusadas outras pessoas e no presente, além dos arguidos comuns, o arguido DD) e o modo de atuação foi o mesmo, visando, com a utilização de faturas falsas na contabilidade da sociedade arguida, a dedução do IVA nelas constantes e o aumento fictício dos custos da atividade daquela sociedade, com a consequente diminuição do lucro tributável em sede de IRC. Por outro lado, verifica-se que o período é contínuo - de 1999 a 2004 - não existindo qualquer hiato temporal, tudo apontando para uma única resolução criminosa. No aludido processo, não obstante a existência de diversas entidades emitentes em diversos momentos (quer contemporâneos, quer sucessivos), foi considerado existir apenas uma única resolução criminosa, com início no ano de 2000 e que se prolongou no tempo até 2003. Vejamos: Nos termos do art. 30°, n.° 1 do C.P, "o número de crimes determina-se pelo número de tipos de efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente". No caso, estando em causa um só tipo legal, o número de crimes eventualmente cometidos pelos arguidos há-de ser aferido em função do critério contido no segundo segmento da norma referida, ou seja, pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente, o que, por sua vez, implica saber se estamos perante uma única resolução crimina uma pluralidade de resoluções. A realidade que emerge da factualidade provada é a de que os arguidos adotaram, ao longo dos anos de 2000 até pelo menos o ano de 2004, a conduta concertada na execução da resolução que por acordo tomaram de, naqueles anos, integrarem nas contabilidades da sociedade arguida faturas que não titulavam reais e efetivas transações comerciais entre as entidades que nelas figurava, com o objetivo de obterem benefícios patrimoniais, particularmente em sede de IVA, à custa do Estado. Verificou-se, pois, uma única resolução, de que os factos praticados (descritos no Proc. n.° 271/03.0IDPRT e nestes autos) constituíram atos de execução, embora prolongados no tempo e, assim sendo, verifica-se um único crime, não obstante terem sido apresentadas em momentos temporais distintos as respetivas declarações fiscais, sendo certo que se verifica identidade do bem jurídico violado (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 11/04/2012, Proc. n.° 43/07.2IDPRT, disponível em www.dgsi.pt). Na verdade, da prova produzida nestes autos, entende-se que existe, de facto, apenas uma única resolução criminosa. ou seja, os aludidos arguidos tomaram a decisão conjunta de assim proceder em 2000 estendendo-se tal conduta até 2004, abrangendo assim, a dita única resolução, ambos os processos. Estes arguidos são comuns (com exceção do dito arguido DD), a conexão temporal é evidente (os factos em causa no dito processo reportam-se aos exercícios económicos dos anos de 2000 a 2003 e os factos imputados aos aqui arguidos reportam-se ao ano de 2004, donde resulta evidente a existência de proximidade espácio-temporal) e o modus operandi é em tudo idêntico. Por outro lado, e não menos importante, aquando da investigação no aludido processo, os factos relativos aos exercícios económicos de 2004 e 2005 já eram conhecidos, apenas não tendo sido aí investigados por uma opção da administração fiscal. Como vimos, a autonomização dos presentes autos prende-se com a ação inspetiva desenvolvida pela Direção de Finanças do Porto, centrada nos anos de 2004 e 2005, à sociedade arguida no âmbito da qual resulta a utilização de faturação "falsa" com o escopo de obter, em sede de IVA e IRC, vantagens patrimoniais indevidas à custa do erário público (cfr. fls. 1415 a 1420 do Vol. IV), situação que, como se disse, já era conhecida e apenas não foi alvo de investigação no aludido processo por opção da autoridade tributária, não podendo os arguidos ser prejudicados por tal facto. Pelo que, os factos em apreciação nestes autos, se tivessem sido abrangidos no aludido processo, já tinham sido objeto de apreciação, discussão e julgamento, tendo os arguidos, a provar- se tal matéria, sido condenados numa única pena. Desta feita, constatando-se, no cotejo entre as duas acusações proferidas, a identidade, para além dos arguidos, dos factos, quer no que respeita às faturas inscritas na contabilidade, sendo igual o modus operandi, fazendo-se, nos dois libelos acusatórios menção à formação do propósito e da estratégia por bando dos arguidos e que conduziu à emissão das faturas por terceiros, em nome da sociedade arguida, que não se reportavam a qualquer negócio ou prestação de serviço, e utilizar tais "documentos" na contabilidade da sociedade arguida, deduzindo o valor do IVA neles constantes como tendo sido pago, e aumentando ficticiamente os custas da sua atividade, com a consequente diminuição do lucro tributável, perante este quadro, configura-se, globalmente, um só crime de fraude fiscal qualificada (aliás como igualmente foi qualificado no Acórdão do Proc. n.° 271/03.0IDPRT), cometido através do mesmo artifício, mediante um único desígnio criminoso, num período com conexão temporal - de 2000 a 2004, sem qualquer interregno temporal. De facto, apelando ao critério de valoração social do acontecimento ou comportamento trazido a juízo, o "pedaço de vida" descrito em ambas as acusações é o mesmo. E, se se tiver presente a definição do que seja o"objeto do processo" - imprescindível para se assentar no que se deve ter pelo "mesmo crime" (art. 29°, n.° 5 do CPP) - privilegiando nós os critérios de valoração social, em que "decisivo será, quer a valoração social, quer a imagem social do acontecimento ou comportamento trazido a juízo e consequentemente, a forma como o pedaço de vida é representado ou valorado do ponto de vista do homem médio - da experiência social se se preferir -, quer a salvaguarda da posição da defesa do arguido. Sempre que ao pedaço individualizado de vida, trazido pela acusação, se juntem novos factos e dessa alteração resulte uma imagem ou uma valoração não idênticas àquela criada pelo acontecimento descrito na acusação, ou que ponha em causa a defesa, estaremos perante alteração substancial dos factos"- [cfr. Frederico Isasca, in "Alteração dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português", Almedina, pág. 143 a 145; seguindo idêntica orientação vide, entre outros, os Acórdãos do STJ de 15/03/2006 (Proc. n.° 05P4403), 30/10/1997 (Proc. n.° 97P230), de 08/10/2008 (Proc. n.° 06P3203) e de 30/10/1997 (Proc. n.° 97P230)], a conclusão não pode ser outra senão a de que, em ambos os processos, em causa está o mesmo crime. Quer os factos do Proc. n.° 271/03.0IDPRT, quer os dos presentes auto, configuram o alegado recebimento de faturas falsas, sem que tenha existido transação, com a mesma intenção (diminuição das receitas tributárias do estado), com mesmo modus operandi (inscrição na contabilidade de faturas que não correspondem a qualquer operação ou serviços prestados, com vista a aumentar os custos contabilísticos da mesma), com o mesmo fim (diminuir o valor dos pagamentos ou aumentar o valor do reembolso) e um único tipo de ilícito típico (crime de fraude fiscal qualificada). Em ambos os processos, as pessoas físicas e jurídicas envolvidas foram as mesmas (arguidos BB, a sociedade arguida, AA e CC). Estes arguidos tiveram uma única resolução criminosa, repetida ao longo dos anos de 2000 a 2004, fruto de uma única resolução criminosa e, portanto, de um dolo único, sendo alheio a esta o facto de ter existido separação de processo. Na mesma linha, veja-se o Acórdão do STJ de 15/03/2006 (Proc. n.º 05P4403), já citado, o qual, perfilhando o entendimento de que o inciso “mesmo crime” não deve ser interpretado no seu estrito sentido técnico-jurídico, reportando-se antes a “um comportamento de um agente espáciotemporal delimitado”, defende que o termo “crime” “não deve pois ser tomado ao pé-da letra, mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado de facto ou um acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime” e que o que art. 29º, n.º 5, da CRP, “proíbe é, no fundo, que um mesmo e concreto objeto do processo possa fundar um segundo processo penal”, esclarecendo que neste domínio o “comportamento referenciado ao facto, como expressão da conduta penalmente punível, não pode deixar de ser o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação e julgamento de um tribunal”, daqui resultando “que todos os factos praticados pelo arguido até decisão final e que diretamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido haverão de ser considerados como fazendo parte do objeto do processo. Deste modo, de acordo com esta visão naturalística, ter-se-á de concluir que ainda que aqueles não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, certo é não poderem ser posteriormente apreciados, já que a sua apreciação violaria frontalmente a regra do ne bis in idem, entrando em aberto conflito com os fundamentos do caso julgado”, defendendo na esteira de Cavaleiro de Ferreira (cf. Curso de Processo Penal, III, 1958, págs. 52/53) que «Os “mesmos factos” (…) serão ainda idêntico facto quando a identidade real não for total, mas apenas parcial». Quanto a esta matéria vide Acórdão da Relação de Coimbra de 27/11/2019, disponível em www.dgsi.pt. Pelo exposto, os factos constantes do presente processo relativos aos arguidos BB, AA, CC e à sociedade “A..., S.A.”, por inseridos na mesma resolução criminosa iniciada em 2000 e que se prolongou até 2004, estão cobertos pela proibição do non bis in idem, manifestação substantiva do princípio do caso julgado. 2. Da prescrição: Vêm os arguidos AA e CC, na sua contestação, invocar a prescrição do procedimento criminal. Cumpre apreciar e decidir: A prescrição, enquanto causa de extinção da responsabilidade criminal, encontra-se regulada nos arts. 118° a 126° do Código Penal - prescrição do procedimento criminal e prescrição das penas e das medidas de segurança. A prescrição traduz-se na renúncia do Estado ao seu direito de punir, ditada pelo decurso de um certo lapso de tempo que apaga a exigência de justiça e, consequentemente, a necessidade de retribuição penal para a satisfazer. É hoje aceite a teoria jurídico-material da prescrição, tanto a nível doutrinal como jurisprudencial. Recorde-se o Assento do STJ, de 19/11/1975, onde se considerou que a lei sobre a prescrição é de natureza substantiva. «Tal natureza determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição das respetivas normas ao princípio da aplicação retroativa do regime jurídico mais favorável ao agente de uma infração. O princípio da aplicação do regime mais favorável no tocante às normas sobre prescrição, significa que nenhuma lei sobre prescrição mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos pode ser aplicada, bem como deve ser aplicado sempre, mesmo retroativamente, o regime da prescrição que eventualmente se mostre mais favorável ao agente da infração. O regime jurídico aplicável a uma qualquer infração penal é constituído por um complexo de normas jurídicas em que se inscrevem, entre outras, normas legais que se referem à qualificação jurídica, à determinação da sanção e seus efeitos, à extinção do procedimento, às causas de justificação, à prescrição do procedimento. Deste modo, tendo sucedido regimes penais diversos, haverá sempre que ponderar até à decisão que, segundo as possibilidades processuais, possa constituir a decisão final, qual dos regimes sucessivos é mais favorável ao agente. Mas, estando em causa a prescrição do procedimento criminal, a determinação do regime mais favorável constitui um procedimento metodológico complexo, dependendo da consideração de vários pressupostos, quer diretamente materiais (o prazo de prescrição), como da conjugação do tempo com os atos processuais relevantes e de cujos efeitos depende a contagem do prazo de prescrição.» (cfr. Acórdão do STJ, de 12/11/2008, proferido no Proc. n.° 08P2868 e acessível em www.dgsi.pt/jstj). Nestes autos é imputada aos arguidos a prática, em coautoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 103°, n.° 1, alíneas a) e c) e 104°, n.°s 1 e 2 do RGIT e, atualmente, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 103°, n.° 1, alíneas a) e c) e 104°, n.° 1 e n.° 2, alíneas a) e b) e n.° 3 do RGIT. Os factos que alicerçam tal imputação reportam-se ao exercício da sociedade no ano de 2004. O art. 103° - que surge com a Lei n.° 15/2001, de 5 de junho [que aprovou o Regime Geral das Infrações Tributárias] - sofreu uma única alteração, a introduzida pela Lei n.° 60-A/2005, de 30 de dezembro, e que não tem qualquer relevância para a situação que nos ocupa. O instituto da prescrição do procedimento criminal foi, também, sujeito a alterações desde o ano de 2006, com a introdução de crimes a que corresponde um prazo prescricional de 15 anos e com a introdução de novas causas de suspensão. Vejamos: Dispõe o art. 103° do RGIT, na sua atual redação, sob a epígrafe "Fraude", que "1 – Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. 2- Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15.000. 3- Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária. Por seu turno, preceitua o art. 104°, na sua atual redação, sob a epígrafe "Fraude qualificada", que "1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias: a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária; b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções; c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções; d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária; e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro; f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável; g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais. 2 - A mesma pena é aplicável quando: a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50.000. 3 - Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200.000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas. 4 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.° 1 do presente preceito com o fim definido no n.° 1 do artigo 103.° não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.". O art. 103° do RGIT, na redação dada pela Lei n.° 107-B/2003 de 31 de dezembro, sob a epígrafe "Fraude", dispõe que "1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. 2- Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 7500. 3- Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.". Por seu turno, preceitua o art. 104°, na redação da Lei n.° 107-B/2003, de 31 de dezembro, sob a epígrafe "Fraude qualificada", que "1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivasquando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias: a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária; b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções; c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções; d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária; e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro; f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável; g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais. 2- A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente. 3- Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.° 1 do presente preceito com o fim definido no n.° 1 do art. 103° não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber. O art. 21° do RGIT, sob a epígrafe "Prescrição, interrupção e suspensão do procedimento criminal" dispõe que: "1 - O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos. 2- O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos. 3- O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. 4- O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.° 2 do artigo 42.° e no artigo 47.°.". Nos termos do art. 21°, n.° 1 do RGIT, o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos, sendo que o disposto no n.° 1 não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos. Estão em causa factos praticados no ano de 2004 (última fatura emitida em 14/10/2004), pelo que cumpre saber que redação da Lei será aplicável, sendo que, a pena é equivalente: o limite máximo de prisão é de 5 anos. Assim, nos termos do art. 118°, n.° 1, alínea b) do Código Penal é de dez anos o prazo de prescrição quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos. Desta feita, o prazo de prescrição nos autos é de 10 anos. E considerando a qualificação jurídica dos factos (crime de execução permanente) o prazo da prescrição só começa a correr a partir do dia em que cessa a consumação - último ato de execução - cfr., neste sentido, o decidido no Acórdão da Relação do Porto de 23/10/2002, proferido no Proc. n.° 0240367, disponível em www.dgsi.pt. No caso em apreço, face aos factos descritos na acusação, a última fatura cuja emissão consubstancia o último ato de execução do crime imputado aos arguidos tem a data de 14/10/2004 (data da última fatura contabilizada), pelo que será essa a data a atender para o início do cômputo do prazo prescricional. Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 08/03/2017 (Proc. n.° 1596/03.0JFLSB.L1-3): "O crime de fraude fiscal através de faturas falsas ou de favor insere-se na categoria de crime de perigo abstrato na forma de crime de aptidão. A idoneidade objetiva da concreta atividade ou conduta desenvolvidas para criar alguma das situações expressamente previstas no preceito incriminador (não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem a diminuição das receitas tributárias) integra a factualidade típica, encontra-se sujeita a prova e a valoração judicial. A consumação do crime de fraude fiscal, enquanto momento relevante para a fixação do início do decurso do prazo de prescrição do procedimento, ocorre na ocasião da emissão da fatura falsa, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte.". E Acórdão da Relação de Lisboa de 25/01/2017 (Proc. n.° 714/11.0IDLSB-C.L1-3): "O crime de fraude fiscal através da utilização de faturas falsas ou de favor tem a natureza de crime de perigo ou de aptidão. O bem jurídico direta e primacialmente protegido pela norma incriminadora não é o património fiscal como tal, mas sim a segurança e a fiabilidade do tráfico jurídico com documentos no domínio específico da prática fiscal. A eventual verificação do resultado lesivo é apenas relevante na escolha e determinação da medida concreta da pena. A sua consumação ocorre na ocasião em que o agente, com intenção de lesar o Fisco, atenta contra a verdade e a transparência exigidas na relação fisco-contribuinte e emite as faturas fictícias idóneas a diminuir as receitas tributárias. O elemento relevante para a fixação da competência é o local onde ocorreu a emissão das faturas fictícias.". Também o Acórdão da Relação de Lisboa de 17/01/2017 (Proc. n.° 5/11.6IDFUN.L1-5): "O crime de fraude fiscal, com recurso a faturas falsas ou fictícias, consuma-se na data da emissão dessas faturas, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte (declaração periódica do IVA ou a entrega anual da declaração do IRC, sendo para efeitos de consumação irrelevantes tais declarações. Por remissão direta do R.G.I.T. (art. 21°, n° 2), é de aplicar (atenta a moldura penal correspondente) neste tipo de crime, não o disposto no seu art. 21°, n° 1, mas antes o disposto no art. 118°, n° 1, alínea b), do Código Penal, sendo, pois, o prazo de prescrição de 10 anos e não 5 anos e, é assim, independentemente de se tratar de pessoa singular ou de pessoa coletiva, não obstante a esta última apenas poder ser apenas aplicada pena de multa.". Por fim, o Acórdão da Relação de Lisboa de 25/02/2015: "O crime de fraude fiscal previsto e punido no art° 103° do RGIT constitui um crime de perigo, bastando para a sua consumação que se comprove que o agente quis a respetiva ação ou omissão e que elas eram adequadas e preordenadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas, não se exigindo que se efetive a obtenção indevida de tais vantagens patrimoniais em prejuízo do fisco. Estando em causa o cometimento do crime (qualificado) através de faturas falsas, tratando-se de um crime de perigo, o momento relevante para o efeito da consumação do crime é o da data de emissão das faturas em que o agente, com intenção de lesar o Fisco, atenta contra a verdade e transparência exigidas na relação Fisco-contribuinte. Para a punição do agente basta comprovar que ele quis incorporar aquelas faturas na sua contabilidade e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais.". Assim, na ausência de quaisquer causas de suspensão ou interrupção, a prescrição ocorreria em 14/10/2014 (14/10/2004 + 10 anos). Este prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal. A suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.° 2 do art. 42° e no art. 47° do RGIT. A causa de suspensão da prescrição estabelecida no art. 7°, n.° 3, da Lei n.° 1-A/2020 [que aprovou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID -19] não se aplica, in casu, por se destinar, apenas, aos factos praticados na sua vigência (cfr., neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, de 24/07/2020, proferido no Proc. n.° 128/16.5SXLSB.L1-5, Acórdão da Relação de Évora, de 23/02/2021, proferido no Proc. n.° 201/10.3GBVRS.E1 e Acórdão da Relação do Porto, de 14/04/2021, proferido no Proc. n.° 300/19.6Y9PRT-B.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt). O art. 120° do Código Penal regula as causas de suspensão da prescrição e preceitua que: "1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo; c) Vigorar a declaração de contumácia; ou d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado; f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos. 3- No caso previsto na alínea c) do n.° 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição. 4- No caso previsto na alínea e) do n.° 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo. 5- Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional. 6- A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.". E o art. 121° regula as causas de interrupção da prescrição, dispondo que: "1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se: a) Com a constituição de arguido; b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; c) Com a declaração de contumácia; d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido. 2- Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 3- Sem prejuízo do disposto no n.° 5 do artigo 118.°, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo. Por seu turno, o art. 47° do RGIT, sob a epígrafe "Suspensão do processo penal tributário" dispõe que: "1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças. 2 - Se o processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie. Cumpre neste momento averiguar se existiram causas de interrupção e / ou suspensão. Entre 2004 e 2014, das causas de suspensão previstas no art. 118° do Código Penal, não ocorreu nenhuma. Já para o arguido BB (pessoalmente e enquanto legal representante da arguida sociedade), este foi constituído arguido em 21/05/2010, pelo que nessa data se interrompeu o prazo de prescrição, começando a correr novo prazo de 10 anos, o que leva a que a prescrição apenas ocorresse, quanto a estes dois arguidos, em 21/05/2020. Por seu turno, o arguido DD foi constituído arguido em 15/11/2018 (fls. 2106) e o arguido CC foi constituído arguido em 10/11/2018 (fls. 2099). Por fim, o arguido AA apenas foi constituído arguido em 02/06/2020 (fls. 2717 - Vol. IX). Os autos estiveram suspensos nos termos do art. 47° do RGIT desde 29/05/2013, porquanto a sociedade "A..., S.A.", procedeu à impugnação judicial das liquidações de IVA de janeiro a julho de 2004 e setembro, outubro e dezembro de 2004 e fevereiro de 2005 no âmbito do Proc. n.° 1981/08.1BEPRT e procedeu à impugnação das liquidações de IRC dos anos de 2004 e 2005, alegando que todas as transações subjacentes às faturas que emitiu ocorreram efetivamente. Em resultado das referidas Impugnações Judiciais, que correram termos sob os n.°s 1981/08.1BEPRT (IVA anos de 2004 e 2005) e 1980/08.3BEPRT (IRC anos de 2004 e 2005), foram proferidas decisões pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto - Acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo constantes do Vol. VI de fls. 1927 a 2081 (com trânsito em julgado a 21/03/2018 (fls. 1926) e Vol. VII de fls. 2129 a 2231, quanto aos fornecedores "C..., Lda.", "D..., Unipessoal, Lda." e "M... Unipessoal, Lda.", foi decidido que a Administração Tributária não logrou reunir indícios suficientes de que a escrita da Impugnante não merecia credibilidade, porquanto se limitou a extrair consequências do "rótulo de emitentes de faturação falsa" colocado àqueles fornecedores, em particular (cfr. Vol. VI, fls. 1747 a 1786, 1788 a 1822, respetivamente). * Alegam igualmente os arguidos AA e CC, nas suas contestações, que, relativamente a eles, nunca existiram causas de suspensão do decurso do prazo de prescrição previsto na lei, motivo pelo qual em relação a eles se mostra extinto, por efeito da prescrição, o procedimento criminal, por força do art. 21°, do RGIT, tendo em conta a data em que o correspondente ilícito de considerou consumado, uma vez que a suspensão da prescrição prevista no art. 47° do RGIT ocorre apenas em relação aos arguidos que impugnaram e não em relação aos demais arguidos, que não impugnaram as correspondentes liquidações, nem contribuíram para a criação de uma causa de suspensão da tramitação do processo criminal.Cumpre assim saber se a suspensão ocorrida por força do art. 47° do RGIT abrange os sujeitos não impugnantes. Vejamos: Como bem referem os contestantes, a impugnação judicial de determinada situação tributária tem carácter individual e pessoal pelo que apenas pode condicionar os efeitos da sua ação em relação ao impugnante e não em relação a quem não é parte na impugnação, nem nela interveio. A suspensão do processo penal fiscal (art. 47°, n.° 1 do RGIT) em consequência de impugnação judicial, configurando um desvio ao princípio da suficiência do processo penal, só reveste caráter obrigatório se a mesma for absolutamente necessária para a decisão da questão prejudicada (crime fiscal ou tributário), de modo que se lhe apresente como um antecedente lógico- jurídico, com caráter autónomo e condicionante do conhecimento da questão principal. O art. 47°, n.° 1 do RGIT dispõe que "se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças". Ora, instaurada impugnação judicial pelo titular do direito respetivo, nos prazos contemplados na lei, relacionada com processo penal tributário com uma pluralidade de sujeitos, o carácter e individual daquela não impede, sem mais, a suspensão quanto aos demais não impugnantes, que estão, relativamente ao impugnante, em relação de comparticipação criminosa, sendo que a lei não distingue entre arguidos ou suspeitos. Aliás, as causas de suspensão ao nível tributário são analisadas sob um ponto de vista objetivo, curando de saber se a questão é ou não prejudicial. No caso em apreço, os arguidos estão acusados em coautoria, estando numa relação de comparticipação criminosa. Pelo que, nestes casos, a relação de prejudicialidade abrange também os comparticipantes pois que a decisão definitiva obtida na impugnação judicial pode vir a afetar o objeto do processo penal quanto ao apuramento da situação tributária e à concretização da vantagem indevidamente obtida, necessários para a qualificação dos factos como crime. Assim, o período de suspensão abrange todos os arguidos, incluindo os arguidos CC e AA. Neste sentido, cfr. Acórdão da Relação do Porto de 05/12/2020, disponível em www.dgsi.pt. * Assim, e como já disse, o processo esteve suspenso de 29/05/2013 a 21/03/2018.À data daquela suspensão, faltava decorrer, para o termo do prazo de prescrição: -quanto aos arguidos BB e sociedade, 6 anos, 11 meses e 22 dias (por força da interrupção ocorrida aquando da sua constituição como arguidos); -quanto aos restantes arguidos,16 meses e 16 dias. Pelo que, em 21/03/2018 (fim da suspensão) reiniciou-se a contagem do prazo de prescrição, pelo que o procedimento prescreveria: -quanto aos arguidos BB e sociedade, em 15/02/2025; -quanto aos restantes arguidos, em 06/08/2019. Sucede que antes desta última data (06/08/2019), os imputados DD e CC foram constituídos arguidos: -DD foi constituído arguido em 15/11/2018 (fls. 2106); -CC foi constituído arguido em 10/11/2018 (fls. 2099); Em cada uma destas datas, operou a interrupção do prazo prescricional, começando a correr novo prazo de 10 anos, o que leva a que o procedimento apenas prescrevesse: -quanto ao arguido DD, em 15/11/2028; -quanto ao arguido CC, em 10/11/2028; Só assim não será no que toca ao arguido AA. Este apenas foi constituído arguido em 02/06/2020 (fls. 2717 - Vol. IX), data na qual já o prazo de prescrição em relação a si tinha decorrido na íntegra (em 06/08/2019 - antes mesmo da dedução da acusação), pois até então não tinha ocorrido qualquer outra causa de suspensão ou interrupção. Por outro lado, a acusação pública foi deduzida nestes autos no dia 11/11/2019, tendo sido notificada aos arguidos por cartas datadas de 28/11/2019, depositadas em 02/12/2019 (fls. 2606 a 2608 - vol. VIII), pelo que se consideram os arguidos notificados em 07/12/2019. Nesta data, ocorreu nova interrupção do prazo de prescrição, começando a correr novo prazo de 10 anos, pelo que em relação a todos estes arguidos, o procedimento apenas prescreveria em 08/12/2029. Na data da notificação da acusação, ocorre igualmente uma causa de suspensão (que não pode exceder 3 anos (art. 120°, n.° 1, alínea b) e n.° 2 do CP). Ou seja, o prazo de prescrição esteve suspenso de 07/12/2019 a 07/12/2022, data em que começou a correr o prazo de 10 anos decorrente da interrupção ocorrida aquando da notificação da acusação. Em conclusão, a prescrição quanto aos arguidos BB e sociedade, DD e CC, apenas ocorreria em 07/12/2032. Há que atender, porém, ao disposto no n.° 3 do art. 121° do CP, que dispõe que: "sem prejuízo do disposto no n.° 5 do artigo 118.°, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade". Face a esta norma, tendo o prazo de prescrição tido início em 14/10/2004, o máximo (10 anos mais 5, sem considerar as causas de suspensão) seria atingido em 14/10/2019. A esta data haverá que adicionar os períodos em que o prazo de prescrição esteve suspenso: -4 anos, 9 meses e 23 dias por força da pendência da impugnação tributária (art. 47° do RGIT); -3 anos, pela pendência do processo após a notificação da acusação (art. 120°, n.° 1, alínea b) e n.° 3 do CP). Adicionando estes 7 anos, 9 meses e 23 dias àquela data de 14/10/2019, conclui-se que o máximo previsto no n.° 3 do art. 121° do CP apenas será atingido (sem prejuízo de outras suspensões que possam ocorrer entretanto) em 06/08/2027. Sendo esta data anterior à que acima se apontou de 07/12/2032 (sem prejuízo, uma vez mais, de, entretanto, ocorrerem outras suspensões), será naquela data de 06/08/2027 que ocorrerá a prescrição do procedimento criminal para todos os arguidos, com exceção, como se disse, para o arguido AA cujo prazo de prescrição já havia decorrido, tendo prescrito em 06/08/2019. Em conclusão, o procedimento criminal está prescrito quanto ao arguido AA desde 06/08/2019, não ocorrendo a prescrição em relação a nenhum dos demais arguidos. (…) VII. Da perda da vantagem patrimonial O Ministério Público veio requerer a perda da vantagem patrimonial nos termos do art. 110° e 111°, n.°s 2 e 4, do Código Penal, no valor global de €520.342,48, quantia que era devida ao Fisco e de que o Estado desapossado pelo crime de fraude fiscal, sem prejuízo da satisfação dos direitos patrimoniais do Estado por outra via, nomeadamente execução fiscal. Dispõe o art. 110° do Código Penal, que: "1 - São declarados perdidos a favor do Estado: a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 2- O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem. 3- A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado. 4- Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.°-A. 5- O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. 6- O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.". O art. 111° do Código Penal dispõe que: "1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada. 2- Ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando: a) O seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiver retirado benefícios; b) Os instrumentos, produtos ou vantagens forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência; ou c) Os instrumentos, produtos ou vantagens, ou o valor a estes correspondente, tiverem, por qualquer título, sido transferidos para o terceiro para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109.° e 110.°, sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida. 2- Se os produtos ou vantagens referidos no número anterior não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.°-A. 3- Se os instrumentos, produtos ou vantagens consistirem em inscrições, representações ou registos lavrados em papel, noutro suporte ou meio de expressão audiovisual, pertencentes a terceiro de boa-fé, não tem lugar a perda, procedendo-se à restituição depois de apagadas as inscrições, representações ou registos que integrarem o facto ilícito típico. Não sendo isso possível, o tribunal ordena a destruição, havendo lugar à indemnização nos termos da lei civil.". A perda de vantagens está prevista no Título III que dispõe sobre as consequências jurídicas do facto. Ora, como é sabido, a perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção. Como ensina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 315, em anotação ao art. 111°, não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende uma condenação. Trata- se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, "mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objecto" (Figueiredo Dias, 1993: 638, e apontando também nesse sentido, Maia Gonçalves, 2007: 436, anotação 3§, ao art. 111°, considerando que o preceito tem em vista "mais uma perigosidade em abstracto" e visa a "prevenção da criminalidade em geral", Leal Henriques e Simas Santos, 2002: 1162 e 1164, e Sá Pereira e Alexandre Lafayette, 2007: 299, anotação ao artigo 111°. Acresce ainda que a natureza de tais disposições não é pacífica, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Com efeito, como já referido, para Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, "As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 638, a mesma não deve ser considerada uma pena acessória "(...) mas uma providência sancionatória análoga à medida de segurança. Análoga, pelo menos, no sentido em que é sua finalidade prevenir a prática de futuros crimes, mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito. Com efeito, ao contrário de Damião da Cunha, Figueiredo Dias não considera este instituto como pena acessória pois esta implica a culpa - dolo - do agente. Sendo considerado um instituto criado para a prevenção geral do crime, no seguimento da ideia que "o crime não compensa", para a aplicação de tal instituto basta que tenha existido uma facto típico-ilícito e não necessariamente culposo. Para Pedro Caeiro, em Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 21, n°2, "Sentido e função do instituto da perda de vantagens relacionadas com o crime no confronto com outros meios de prevenção da criminalidade reditícia (em especial os procedimentos de confisco in rem e a criminalização do enriquecimento ilícito), "o instituto da perda de vantagens do crime configura- se como um tertium genus. Ou seja, não configura uma pena acessória porque se basta com um facto típico e ilícito, não carecendo de estar verificada a culpa na sua produção, mas também não configura uma medida de segurança uma vez que esta implica que se confirme a perigosidade de o agente vir a praticar factos homogéneos, (...) a pena exige a culpa; a medida de segurança exige a perigosidade do agente; a perda basta-se, muito prosaicamente, com a existência de vantagens patrimoniais obtidas através da prática do crime.". No caso em apreço, ficou apurado que a factualidade inserta nestes autos se mostra abrangida, em relação aos arguidos BB, AA, CC e à sociedade "A..., S.A.", na resolução iniciada em 2000 e já julgada no Proc. n.° 271/03.0IDPRT. Deste modo, os factos aqui apurados e considerados provados, relativos ao ano de 2004, mostram-se aí abrangidos. Situação distinta serão as consequências a retirar relativamente à perda de vantagens a favor do Estado. Tendo resultado provada a prática do crime e a obtenção de vantagens ilegítimas por banda dos arguidos - apenas os arguidos não tendo aqui sido punidos por força do princípio ne bis in idem e não tendo sequer havido declaração de perda no âmbito do outro processo - terá de ser procedente tal pedido de perda de vantagens. Assim, e no caso, resultou provado que com as descritas condutas criminosas os arguidos, em virtude do não pagamento à Autoridade Tributária do que era devido, obtiveram uma vantagem no valor global de €520.342,48, quantia correspondente ao IVA que devia ter sido pago e não foi, pelo que, e em conformidade, condenam-se os mesmos a pagar à Autoridade Tributária, de forma solidária, a referida quantia, procedendo nesta medida o requerimento formulado pelo Ministério Público (cfr. neste sentido, Acórdão da Relação de Guimarães de 27/05/2019, disponível em www.dgsi.pt).” *** II.3. Apreciação do recursoII.3.1. Da violação do princípio ne bis in idem §1. O recorrente alega sucintamente: já foi julgado e condenado pelos factos imputados nos presentes autos no processo colectivo 707/06.9JAPRT do extinto 2º Juízo Criminal de Gondomar; os factos imputados nos presentes autos foram objecto de uma decisão instrutória do processo 703/06.6JAPRT que corre termos no Juízo Central Criminal de Santa Maia da Feira, Juiz 1, que julgou procedente a excepção do caso julgado. * §2. Com interesse para a apreciação da questão enunciada importa ter presente os seguintes elementos factuais e ocorrências processuais que constam dos autos:i) No âmbito dos presentes autos foi deduzida acusação contra o recorrente, entre outros, imputando-lhes a prática, em co-autoria, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) e n.º 3 do RGIT, com base nos factos dados como assentes nos pontos 1, 3, 6, 17 a 19, 20 a 23, 32 a 42 do acórdão supra transcrito no ponto II.2. ii) No processo 707/06.9JAPRT do extinto 2º Juizo Criminal de Gondomar, foi proferido acórdão em 06.05.2010, transitado em julgado, que, entre outros arguidos, condenou o recorrente (para além de outros crimes), pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pela conjugação das normas consagradas na alínea c) do n° 1 e n° 2 do artigo 103°, e no n° 2 do artigo 104°, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 05 de Junho, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (praticado em nome individual), de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pela conjugação das normas consagradas no n° 1 do artigo 6o, na alínea c) do n° 1 e n° 2 do artigo 103°, e no n° 2 do artigo 104°, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 05 de Junho, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (praticado como representante da sociedade arguida "M... Unipessoal, Lda") e de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pela conjugação das normas consagradas no n° 1 do artigo 6o, na alínea c) do n° 1 e n° 2 do artigo 103°, e no n° 2 do artigo 104°, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 05 de Junho, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (praticado como representante da sociedade arguida "Aa..., SA"), tendo sido dados como provados os seguintes factos (que aqui relevam): “I. a. Os arguidos DD, DDD, EEE, FFF, CCC, EE, GGG, HHH, III, ZZ, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU e VVV, ou encontram-se colectados junto da administração fiscal para o exercício de actividades relacionadas com a comercialização de metais e sucatas, ou trabalham ou trabalharam nesta área, em nome individual, como representantes de pessoas colectivas, ou ainda como funcionários de sociedades que se dedicam ou dedicaram ao comércio de resíduos metálicos, conhecendo o desenvolvimento da actividade neste sector e as obrigações fiscais inerentes à mesma. e. Por esta razão, pelo menos os arguidos DD, DDD, EEE, CCC, EE, GGG, III, ZZ, JJJ, KKK, LLL, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU e VVV, nos termos a seguir referidos em II- a XIII-, criaram ou contribuíram para criar um circuito comercial aparente, sendo que, como também se referirá em II- a XIII-, alguns dos arguidos colectaram-se nas finanças e induziram outros arguidos a colectar-se nas finanças para o exercício de actividade no ramo das sucatas, com o único intuito de emitirem facturas, recibos e guias de remessa que não tinham subjacente qualquer relação comercial ou que tinham subjacentes transacções comerciais por valores muito inferiores aos facturados, mas que iriam ser utilizadas na contabilidade de outros arguidos, para que estes justificassem aquisições de mercadoria sem factura e/ou empolassem os custos da sua actividade, pagando, a título de imposto, quantias inferiores às que deveriam pagar, ou mesmo recebendo reembolsos. f. Como contrapartida pela emissão de documentos a que não correspondia verdadeira transacção (pelo menos entre os intervenientes que nessa qualidade figuravam no documento), os arguidos emitentes receberam dos arguidos utilizadores das mesmas um valor variável, que normalmente correspondia a uma percentagem do valor da mercadoria facturada ou a um valor fixo pré-acordado. II a. O arguido DD, com o NIF ......, a 04 de Novembro de 1997 declarou perante a administração fiscal o início de actividade de «comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos», a que anteriormente correspondia o CAE 51571 e actualmente corresponde o CAE 46771, tendo declarado a cessação da sua actividade a 31 de Julho de 2005, possuindo domicílio fiscal na rua ..., ..., ..., ..., .... b. Em sede de IVA, o arguido DD ficou enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral até 31 de Dezembro de 2004, altura em que foi integrado no regime normal de periodicidade mensal. c. Durante o período em que o arguido DD exerceu em nome individual a actividade por que estava inscrito, procedeu com regularidade ao envio das declarações periódicas previstas na alínea c) do n° 1 do artigo 29° e no artigo 41° do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado. d. A 13 de Outubro de 2004, o arguido DD constituiu a arguida "M..., Unipessoal, Lda", NIF ......, de que é único sócio e gerente, nessa mesma data declarando o início de actividade daquela no «comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos», a que anteriormente correspondia o CAE 51571, e actualmente corresponde o CAE 46771, apresentando domicílio fiscal na rua ..., ..., ..., ..., .... e. Esta sociedade surgiu na sequência de uma acção inspectiva efectuada pela administração fiscal ao arguido DD, e foi constituída por este com o objectivo de iludir a administração fiscal, e, gradualmente, transferir para aquela empresa a actividade que exercia em nome individual, o que ocorreu com a declaração de cessação da actividade em nome individual do arguido DD, comunicada a 31 de Julho de 2005. Em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado, a sociedade "M..., Unipessoal, Lda", ficou enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral até 31 de Dezembro de 2006, altura em que ficou integrada no regime normal de periodicidade mensal, e, quanto ao Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, ficou sujeita ao regime geral de determinação do lucro tributável. A arguida "M..., Unipessoal, Lda", procedeu com regularidade ao envio das declarações periódicas previstas na alínea c) do n° 1 do artigo 29° do no artigo 41° do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, até ao momento em que declarou a cessação da sua actividade, o que ocorreu a 30 de Março de 2007. Sucede que quer o arguido DD, quer as arguidas "M..., Unipessoal, Lda", e "Aa..., SA", apenas parcialmente se dedicavam à compra e venda de desperdícios metálicos, e sobretudo à emissão de facturas que não tinham subjacente a transacção comercial que titulavam. Sucede que quer o arguido DD, quer as arguidas "M..., Unipessoal, Lda", e "Aa..., SA", apenas parcialmente se dedicavam à compra e venda de desperdícios metálicos, e sobretudo à emissão de facturas que não tinham subjacente a transacção comercial que titulavam. n. Com efeito, o arguido DD e as referidas sociedades, de que aquele era o representante, estavam integrados num circuito documental de emissão de documentos de venda que não titulam negócios reais, tendo como objectivo permitir aos operadores utilizadores das facturas obter o reembolso do Imposto Sobre o Valor Acrescentado nelas liquidado, a sua inclusão nos custos de actividade e a correspondente diminuição do imposto a pagar, com obtenção de um título para justificar a existência de mercadoria introduzida no circuito económico sem documento de venda válido no plano fiscal. o. Para dar suporte à sua actividade e à dos restantes operadores do circuito, criando a imagem de que a totalidade das transacções comerciais declaradas correspondiam à realidade, o arguido DD procedeu à angariação de emitentes de documentos de venda através, quer do recurso a outros operadores do circuito que se constituíam com o intuito de emitir as referidas facturas, quer através do aliciamento de toxicodependentes e de pessoas que se encontravam em dificuldades económicas, a quem convencia, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, a colectar-se para o exercício da actividade de venda de sucata e/ou a emitir facturas timbradas em nome daqueles, cuja emissão o DD controlava consoante as necessidades dos operadores do circuito, sendo ele quem geria e intermediava as relações entre os operadores que emitiam facturas falsas e aqueles que as utilizavam. p. Por sua vez, quando o arguido DD emitia, a favor de um dos operadores do circuito, documento de venda a que não correspondia real transacção, também recebia uma contrapartida monetária. q. Nos anos de 2002 a 2005, o arguido DD contabilizou como compras documentos de venda emitidos pelas seguintes entidades, nos seguintes valores: - no ano de 2002 - € 299 939,56 (quantia que inclui € 45 080,68 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado) a EE (representando 82,47% do valor total das compras nesse ano declaradas); - no ano de 2003 - € 606 905,62 (quantia que inclui € 96 900,90 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado) a EE (representando 87,92% do valor total das compras nesse ano declaradas); - no ano de 2004 i. € 4 523 117,92 (quantia que inclui € 722 178,39 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado) a EE (representando 77,77% do valor total das compras nesse ano declaradas); ii. € ... 074,44 (quantia que inclui € 122 184,15 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado) a CCC (representando 13,15% do valor total das compras nesse ano declaradas); - no ano de 2005 i. € 4 567 986,25 (quantia que inclui € 729 342,36 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado) a CCC, valor que representa pelo menos 93% do total das facturas de compra contabilizadas pelo arguido DD no ano de 2005; ii. € 114 545,88 (quantia que inclui € 18 288,83 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado) a "Ab..., Lda"; iii. € 20 681,00 (quantia que inclui € 3 302,00 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado) a "Ac..., Lda"; iv. € 5 845,88 (quantia que inclui Imposto Sobre o Valor Acrescentado) a SSS € 709,24 (quantia que inclui Imposto Sobre o Valor Acrescentado) a JJJ; r. Sucede que, não obstante o arguido DD ter declarado a realização do volume de transacções comerciais acima indicado, tal facto não corresponde à realidade, sendo que as pessoas indicadas como seus principais «fornecedores» (concretamente os arguidos EE e CCC) não tinham naquele período qualquer tipo de meios que lhes permitissem desenvolver a actividade que as facturas indiciam. IV- A) a. No final do ano de 2004, como os serviços de finanças estavam a investigar a actividade do arguido EE, o arguido DD decidiu deixar de utilizar as facturas emitidas por aquele. b. Então, o arguido EE, sabendo que o arguido CCC, NIF ......, se encontrava numa situação de dificuldade financeira, apresentou-o ao arguido DD para que aquele o substituísse na posição de emitente de facturas. c. Assim, ainda no ano de 2004, o arguido DD abordou o arguido CCC, e pediu-lhe que lhe entregasse o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte, o que o arguido CCC fez, tendo em contrapartida o arguido DD entregue € 1 250,00. d. Alguns dias mais tarde, os arguidos DD e CCC deslocaram-se a uma tipografia, e aí o arguido CCC assinou uma requisição para impressão de livros de facturas timbrados em seu nome, que foram levantados e pagos pelo arguido DD, que ficou com aqueles na sua posse. e. A partir dessa data, o arguido DD começou a preencher as facturas impressas em nome do arguido CCC como se fossem emitidas por este e correspondessem a vendas por este efectuadas, nomeadamente ao próprio arguido DD, o que não correspondia à verdade. f. Como compensação pela utilização das facturas impressas em nome do arguido CCC, o arguido DD entregava periodicamente àquele cerca de € 100,00 a €200,00. g. O arguido CCC, no ano de 2004, não possuía instalações, meios de transporte nem funcionários, pelo que não podia proceder à venda da mercadoria facturada em seu nome. h. Apesar disso, o arguido CCC emitiu a favor do arguido DD as facturas no valor global de € 765 074,44 (que inclui € 122 184,14 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado). VII- A) a. Do acima exposto em III- e IV- resulta que, das compras declaradas pelo arguido DD nos anos de 2002 a 2005, de todo não correspondem a qualquer transacção real 82,47% das referentes ao ano de 2002, 87,92% das referentes ao ano de 2003, 90,93% das referentes ao ano de 2004, e pelo menos 95% das referentes ao ano de 2005. b. No entanto, o arguido DD procedeu à integração na sua contabilidade das facturas de venda, acima referidas, para si emitidas pelos arguidos EE, CCC e JJJ, e à consideração dos valores nelas constantes na elaboração das declarações fiscais de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e Imposto Sobre o Valor Acrescentado. c. Assim, contabilizou e declarou valores de compras de sucata, nos anos de 2002 a 2005, com base em documentos de compra falsos, com a única intenção de justificar os documentos de venda que ia emitindo, e, simultaneamente, compensar o Imposto Sobre o Valor Acrescentado que neles indicava como liquidado. d. Nos anos de 2002 a 2005, o arguido DD, nas declarações de Imposto Sobre o Valor Acrescentado entregues, declarou compras e vendas nos vários períodos, com o correspondente Imposto Sobre o Valor Acrescentado liquidado e deduzido, com o seguinte saldo em cada um dos anos(…). f. O arguido DD, nos anos de 2002 a 2005, emitiu a favor de terceiros documentos de venda nos seguintes valores globais: 2002: € 393 904,16 (valor que inclui € 60 570,71 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado); 2003: € 699 121,39 (valor que inclui € 111 624,64 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado); 2004: € 5 889 124,70 (valor que inclui € 939 820,94 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado); 2005: € 4 925 658,30 (valor que inclui € 787 422,10 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado). b. No ano de 2004, o arguido DD emitiu documentos de venda, designadamente, a favor de: a. SSS, no valor global de € 256 740,00, o que corresponde a 5,19% do total facturado nesse ano; b. JJJ, no valor global de € 224 185,00, o que corresponde a 4,53% do total facturado nesse ano; c. "Ac..., Lda". no valor global de € 211 457,00, o que corresponde a 4,27% do total facturado nesse ano; d. "Ab... Lda". no valor global de € 182 662,00, o que corresponde a 3,69% do total facturado nesse ano; e. "Ad.... Unipessoal. Lda". no valor global de € 111 095,00, o que corresponde a 2,24% do total facturado nesse ano; f. "A. JJJ. Lda". no valor global de € 67 901,00, o que corresponde a 1,37% do total facturado nesse ano; g. "M... Unipessoal, Lda", no valor global de € 2 350,00, o que corresponde a 0,05% do total facturado nesse ano. i. Sucede que o arguido DD não possuía condições para vender a quantidade de mercadoria acima referida, correspondendo a sua real actividade, no máximo, a 13% do valor total declarado. j. Com efeito, além de não possuir fornecedores que lhe vendessem as quantidades de material em questão, como resulta do acima exposto, também não possuía meios e infra-estruturas adequadas à comercialização desse volume de transacções. k. Para o exercício da sua actividade, nos anos de 2002 a 2004, o arguido DD apenas possuía instalações nas traseiras da casa onde residia, que tinham cerca de 200 m2, e que apenas permitiam armazenar pequenas quantidades de sucata, bem como um forno para fundição de lingotes de latão. I. O arguido DD, entre 2001 e 2004, não tinha funcionários ao seu serviço. r. As contas bancárias de que o arguido DD é titular em termos financeiros não reflectem a actividade que declarou entre 2001 e 2005, pois, apesar dos valores envolvidos, não se identifica um único pagamento a fornecedores que na contabilidade se indique como tendo sido efectuado através dessas contas, e apenas um recebimento, relativo a 2005, no valor de € 12 948,39, se mostra registado na contabilidade como tendo sido feito através de cheque. s. O recebimento das facturas (com excepção da factura nº ..., emitida a favor de "Ae..., Lda", no valor de € 12 948,39, relativa ao exercício de 2005) emitidas pelo arguido DD foi declarado contabilisticamente como tendo sido efectuado em numerário. t. Sucede que tal não correspondia integralmente à verdade, u. Com efeito, foram simulados os pagamentos de mercadoria ao arguido DD relativos a pelo menos parte das vendas declaradas, sendo que, apesar de contabilizados como sido realizados em numerário na esmagadora maioria das ocasiões, a entrega de numerário não ocorreu. v. Ao arguido DD apenas era paga pelo utilizador do documento de venda uma percentagem do valor titulado por esse documento simulado, a título de pagamento pela emissão do mesmo, que não tinha subjacente a transacção comercial que titulava. x. Do exposto resulta que, dos documentos de venda emitidos pelo arguido DD, relativos à totalidade das suas vendas dos anos de 2002 a 2005, não traduzem reais transacções por não se referirem a relação comercial entre aquele e os beneficiários dos documentos de venda, o que excede o valor máximo de € 500 000,00 em 2004, e € 300 000,00 em 2005.” iii) No processo 703/06.6JAPRT, do Juizo Central Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 1, em 10.12.2012 foi proferida decisão instrutória (que se transcreve na parte com relevo para apreciação da suscitada questão recursiva): “O arguido DD veio fundamentar o seu requerimento com a excepção do caso julgado alegando que foi já julgado (e condenado) pelos factos que aqui lhe são imputados no âmbito do processo comum colectivo processo n°. 707/06.9 JAPRT do 2o juízo criminal do Tribunal de Gondomar. Foi junta aos autos certidão extraída dos autos em causa. Cumpre apreciar desde já. Nos termos do artigo 497°, n.° 1 do CPC (aplicável por força do disposto no artigo 4o do CPP) "as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado." Já nos termos do artigo 498° do CPC: "1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3- Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4- Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido." * Nos presentes autos estão em causa, entre outros, os seguintes factos imputados ao arguido:. no período compreendido nos anos de 2004 e 2005 - o arguido DD, quer a empresa criada pelo mesmo arguido, a "M..., Unipessoal, Lda" (ver ponto seguinte), dedicaram-se essencialmente à emissão de facturas que não tinham subjacente as transacções comerciais que titulavam – . O DD é emitente de facturação falsa para a Af..., no ano de 2004, no valor de € 1.338.004,11 sem IVA, o qual ascende a € 263.720,41, no ano de 2005, no valor de € 402.007,51 sem IVA, o qual ascende a € 76.381,43. . A 13 de Outubro de 2004, o arguido DD constituiu a arguida "M..., Unipessoal, Lda", NIF ......, de que é único sócio e gerente. Nessa mesma data declarou início de actividade no «comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos», a que correspondia o «CAE 51571», actualmente corresponde o «CAE 46771», apresentando domicílio fiscal na rua ..., ..., ..., ..., ... (cfr. fls. 11100 e fls. 12, volume a, Anexo F/45). Esta sociedade surgiu na sequência de uma acção inspectiva realizada pela administração fiscal ao arguido DD. Foi constituída com o objectivo de iludir a administração fiscal e, gradualmente, transferir para aquela empresa a actividade que exercia em nome individual. A M... é emitente de facturação falsa para a Af..., no ano de 2004. no valor de € 92.137.75 sem IVA, o qual ascende a € 17.506,17, no ano de 2005, no valor de € 525.414,70 sem IVA, o qual ascende a € 102.738,45 e para a Ag... no ano de 2006, no valor de € 7.300.219,40 sem IVA, o qual ascende a € 1.553.046,11. * Assim estão imputados ao arguido a prática dos seguintes crimes: - três crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103°, n.°1, al. a), e n.° 2 e 104°, n.° 2 da Lei n 0 15/2001, de 05/06, nas redacções dadas pela lei n.° 60- A/2005, de 30.12, Lei n.° 53-A/2006, de 29.12, e Lei n.° 64-A/2008, de 31.12 (RGIT), (praticado nos anos económicos de 2004, 2005 e 2006):. Em nome individual (anos de 2004 e 2005) como emitente para a Af..., SA; . Através da M..., Lda (ano de 2005) como emitente para a Af..., SA; . Através da M..., Lda (ano de 2006) como emitente para a Ag..., SA; * Cumpre ainda dizer que na acusação aqui proferida é dito também, em relação ao arguido, o seguinte:. Os arguidos WWW, XXX, YYY, ZZZ e AAAA, contaram com a colaboração dos arguidos BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, CCC, FFFF, GGGG, HHHH, DD, IIII, EE, JJJJ, KKKK, LLLL, MMMM e NNNN, que em nome individual ou através de sociedades que constituíram, procuraram simular o exercício de uma actividade comercial. . Estes indivíduos, não desconheciam que a sua participação se inseria num projecto criminoso de emissão de facturação falsa com vista a defraudar o Estado Português em IVA e IRC, tanto mais que não exerciam qualquer actividade comercial, tudo se resumindo ao preenchimento desses documentos fiscalmente relevantes, sempre que necessário e lhes fosse solicitado, daí retirando proventos que lhes eram proporcionados pelos mentores de todo o projecto criminoso, os cinco Af.... . Essa actividade em nome individual ou através das sociedades que criaram, nomeadamente a Ah..., Lda, X..., Lda, M..., Lda, Ai..., Lda, Aj..., Lda, Ak..., lda, Al..., Lda, Am..., Lda, Y..., Lda, An..., Lda, Ao..., Lda e Ap..., Lda, assentava numa construção contabilística, maquilhada a montante (fornecedores) geralmente por indivíduos carenciados economicamente e a jusante com maior rigor por forma a que as utilizadoras dessas facturas (entre outras as empresas dos Af...) se pudessem escudar num circuito financeiro aparentemente real. . Estes arguidos, emitentes de facturação falsa a título individual ou através de empresas que de direito e fiscalmente existiam mas, de facto, unidades produtivas ficcionadas, renovaram o seu propósito criminoso em relação a cada exercício fiscal em que operaram em nome individual ou através dessas "empresas". . Todos os arguidos quiseram e conseguiram causar prejuízo à administração tributária, cientes que a contabilização de facturação falsa, permitia às empresas receptoras a dedução do montante do IVA inserto nessas facturas. Sabiam também que obtinham vantagens ao nível do IRC pela via do empolamento de custos, assentes no pretenso pagamento de facturas a esses emitentes. . Com tal actuação, os arguidos violaram a segurança e confiança no tráfego jurídico, em especial o valor probatório dos referidos documentos, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos fiscais. . Ao omitirem e ao forjar as declarações apresentadas nos moldes acima narrados, colocaram em causa o património da Administração Fiscal, apoderando-se de receitas de IVA e de IRC, a verdade das respectivas situações tributárias, violando os deveres de colaboração e lealdade para com o Fisco. . Os arguidos, agiram ainda em representação e interesse das sociedades arguidas . Agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticavam factos proibidos e punidos criminalmente, renovando o propósito criminoso de defraudar fiscalmente o Estado Português em cada uma das descritas actuações. * Já no acórdão proferido no âmbito do processo comum colectivo 707/06.9JAPRT, do 2o juízo criminal de Gondomar, foi o arguido condenado, entre outros, pela prática de três crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e punidos pelos artigos 103°, n.° 1, c), 2 e 104°, n.° 2 do RJIT; 6o, 103°, n.° 1, c) e 104°, n.° 2 do RJIT; 6o, 103°, n.° 1, c) e 104°, n.° 2 do RJIT. Dos factos dados como assentes em tal processo ficou assente que; PONTO II dos factos assentes: a) O arguido criou (ou contribuiu para criar), juntamente com outros, "um circuito comercial aparente"; factos 5 e 7, por exemplo b) o arguido actuou por si e através da sociedade "M...", constituída em 2004, dedicando-se quer à emissão quer à utilização de facturas que não tinham subjacente a transacção comercial que titulavam; - factos 15 e 24; c) o arguido e a referida sociedade estavam integrados num circuito documental de emissão de documentos de venda que não titulam negócios reais; facto 25 d) mas também contabilizava, como compras, documentos de venda emitidos por terceiros que também não correspondiam à realidade; facto 28 e) estão em causa factos relacionados com a emissão de facturas em favor de terceiros, por parte do arguido DD, e que remontam aos anos de 2002 a 2005 (factos 287 a 291 e 308 a 311). f) Mas também com a emissão de facturas em favor de terceiros, e relativas aos anos de 2004 a 2007 - factos 380, 381 e 396 a 408 * Está em causa o mesmo período temporal - 2004 a 2006 - sendo que, na parte em que o arguido e a sociedade "M..." figuram como emitentes de facturas sem correspondência com a realidade, não está é beneficiária nem a sociedade "Af... nem a sociedade "Ag..., SA".Podemos, contudo, dizer que está em causa o mesmo "pedaço de vida" sendo mesmo de dizer que, se tivessem sido apreciadas, no mesmo processo, estas várias condutas, as mesmas teriam sido integradas nos mesmos tipos de crime pelos quais o arguido foi condenado anteriormente (e que, recorde-se, correspondem aos mesmos tipos de crime aqui em análise). É certo que as concretas condutas do arguido não foram apreciados no processo de Gondomar e supra identificado. Terá esse facto alguma consequência? Analisando o tipo de crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103° da Lei n.° 15/2001, de 05/06, na redacção dada pela lei n.° 60-A/2005, de 30.12, é a seguinte a redacção do mesmo: "1, Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. 2. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas." No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Abril de 2012, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador, Dr. ____ e disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte, a propósito deste tipo de crime: "Integram o tipo objectivo do crime de fraude fiscal dois elementos, a saber: as condutas ilegítimas tipificadas no n°. 2 do art0. 23° do RJIFNA e no n°. 2 do art0. 103° do RGIT e que consistem: na alteração de factos ou valores fiscalmente relevantes; na omissão de declarações; e na celebração de negócio simulado; e o evento perigoso: exige-se que tais condutas sejam dirigidas à obtenção indevida de benefício fiscal, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais, com a consequente diminuição das receitas tributárias. Entre as "condutas ilegítimas tipificadas" integram-se as que consistem na "ocultação ou alteração de factos ou de valores fiscalmente relevantes". A «alteração» consubstancia-se na modificação intencional daqueles elementos e a «ocultação» no encobrimento de factos a eles respeitantes. A aludida «ocultação» pode ser praticada por omissão, podendo esta ser total (quando pura e simplesmente se omita a declaração, situação prevista na al. b) do n°. 2 do art°. 23° RJIFNA e na al. b) do n°. 1 do art°. 103° do RGIT), ou apenas parcial (quando na declaração apresentada não sejam relevados factos ou valores que o devessem ser, ou seja, quando o agente não os declara integralmente, situação prevista na al. a) do n°. 2 do art°. 23° RJIFNA e na al. a) do n°. 1 do art°. 103° do RGIT) - [...]. Quer o RJIFNA, quer o RGIT não contêm uma definição de documentos fiscalmente relevantes, sendo necessário recorrer à lei fiscal, por forma a detectar quais os livros e documentos exigidos por esta. «A ocultação ou alteração de factos ou valores», através da falsificação ou viciação dos «livros e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei fiscal», pode traduzir-se na omissão de registo de receitas ou proveitos auferidos, ou na contabilização de custos inexistentes ou superiores aos reais a coberto de "facturas falsas"» [...]. [...].(...) O crime de fraude fiscal está, pois, estruturado como um delito de falsidade, embora pré-ordenado à produção de um resultado: o prejuízo patrimonial do Fisco. Contudo, esse resultado lesivo não integra a factualidade típica, o crime consumar-se-á mesmo que nenhum dano ou enriquecimento ilegítimo venha a ter lugar [...]. Assim, a fraude fiscal consuma-se quando o agente com a intenção de lesar patrimonialmente o Estado/Fisco (visando obter vantagens patrimoniais indevidas e consequente diminuição das receitas tributárias), atenta contra a verdade e transparência exigidas na relação Fisco-contribuinte, através de qualquer das modalidades de conduta legalmente tipificadas, aptas a atingir o resultado lesivo (dano/enriquecimento ilegítimo), mesmo que este não chegue a verificar-se. Estamos perante um tipo de crime que a doutrina tem classificado como de resultado cortado ou, mais genericamente, de tendência interna transcendente, pois que, se no plano objectivo basta que se verifique uma das condutas típicas previstas e a susceptibilidade dessa conduta (em termos de a mesma comportar um risco típico, uma possibilidade séria de produção) causar diminuição das receitas tributárias, no plano subjectivo exige-se, para além do dolo genérico, uma intenção de diminuir as receitas fiscais do Estado [...]. O resultado é antecipado para um momento anterior ao do dano material, para o momento em que o património fiscal do Estado é colocado numa insegurança tal que a respectiva lesão fica dependente tão-só do acaso [...]. [...](...) Significa isto que, pode ser co-autor ou cúmplice de um crime de fraude fiscal, independentemente da conduta que o integra ser realizada por acção ou por omissão, pessoa que não seja sujeito da relação jurídico-tributária desde que outrem, de quem é comparticipante tenha essa qualidade. Analisado o tipo objectivo do crime de fraude fiscal, e para a decisão a tomar, parece-nos ser de recorrer ao disposto no artigo 79°, n.° 2, apesar de não estarmos perante a prática de um crime continuado. Conforme se escreveu no acórdão do STJ de 18 de Fevereiro de 2010, em www.dgsi.pt (relatado pelo Conselheiro Souto de Moura), e a propósito da origem daquele preceito e da sua interpretação, a "jurisprudência deste STJ havia maioritariamente abandonado a posição de Eduardo Correia, nos termos da qual, nenhuma das condutas anteriores à condenação transitada em julgado, descobertas após esta, e integradas na continuação, poderiam ser tidas em conta (ainda em consonância com a posição deste autor pode ver-se v. g. o Ac. deste STJ de 15/3/2006, P° 4403/05, 3a Secção). (...) A jurisprudência dominante entendia (...) ser possível a ultrapassagem do suposto limite derivado do caso julgado, o qual, no caso de crime continuado, se assumiria sob a condição rebus sic stantibus, embora dentro de certos parâmetros. Disse-se no Acórdão deste S T J de 8/3/2006 (P° 4401/05, 5a Secção): "Conforme corrente jurisprudencial dominante neste tribunal, a sentença que incidiu sobre infracções parcelares integradas num crime continuado, não constitui caso julgado impeditivo do julgamento das que só posteriormente foram descobertas, pois o princípio ne bis in idem, se constitui obstáculo a que uma pessoa seja condenada duas vezes pelos mesmos factos, não pode constituir fundamento para que fiquem por punir factos que nunca foram julgados." Entendemos portanto que, quando o art° 29° n° 5 da Constituição refere, que "Ninguém pode ser julgado mais que uma vez pela prática do mesmo crime", está no fundo a pretender que um objecto do processo idêntico não possa procedimentos crime separados e sucessivos. Mas, em matéria de crime continuado, dada a ficção jurídica em que assenta a sua construção, poder-se-á considerar desfeita a identidade do objecto do processo, não só em face do acrescentamento de condutas que, isoladas, seriam, cada uma delas, um crime, como sobretudo se uma das novas condutas, considerada em si, representasse um crime punido mais severamente. A divisão passou a ser então, entre a posição maioritária dos que pensavam, que deviam ser consideradas as condutas novas, só se entre elas houvesse alguma que assumisse maior gravidade (assim v. g. entre outros, Ac. do S T J de 10/4/2002 - P° 228/02, de 3/3/2004 - P° 4013/03, ambos da 3a Secção, o acórdão acima parcialmente transcrito, ou o Ac. de 31/1/2008), e a posição de quem entendia que as condutas novas sempre deveriam ser tidas em conta, por o seu número acrescido dever ter reflexo na punição. Assim pensou o acórdão agora recorrido (tal como o Ac. do S T J de 4/5/83, (P° 36975, da 3a Secção), da Rei. Guimarães de 22/11/2004, (P° 1598/04), ou da 2a Secção da Rei. do Porto de 3/5/2006, (P° 42865/05). Aderimos à jurisprudência dominante deste S T J, que vai no primeiro sentido, e que viria, no nosso entender, inclusivamente, a obter consagração legislativa. O acrescentamento do n° 2 do art° 79° do C P afastou as objecções que antes ainda se podiam levantar à consideração de toda e qualquer conduta nova, objecções que se baseariam no respeito pelo caso julgado ou pelo princípio ne bis in idem. Mandou atender à conduta que integre a continuação, e que se tenha descoberto depois do trânsito em julgado da primeira condenação, já transitada, desde que se trate de uma conduta mais grave do que as que já tinham sido conhecidas, determinando-se que nesse caso "a pena que lhe for aplicável substitui a anterior". E agora das duas uma: ou se entende que a lei veio consagrar uma solução, que apelidaremos de compromisso, entre a tese "preclusiva" de Eduardo Correia, impeditiva da consideração de toda e qualquer conduta nova, e a tese da maior abertura, segundo a qual toda e qualquer conduta nova terá que ser ponderada, para possível reflexo na pena, ou então aderimos a esta última posição, mesmo depois da introdução do dito n° 2 do art° 79° do C P. Mais uma vez vem ao de cima a aporia segurança (estabilidade das decisões), e justiça. De um lado, uma admissão de desrespeito pelo já decidido, mas só no caso de haver conduta mais gravemente punida que se tenha descoberto de novo, porque, quer se queira quer não, continuamos no âmbito de uma unidade criminosa. Do outro lado, a defesa de uma justiça material que ficaria defraudada, e se não tivessem em conta todos os actos praticados, pelo agente da mesma continuação. Independentemente da crítica, de que possa ser passível a solução legislativa encontrada, parece-nos que a mesma aponta claramente para a referida solução compromissória. Se o legislador se limitou a dizer que, depois de uma decisão transitada, o conhecimento de novos factos que integram a continuação, originará [sempre] o repensar de uma nova pena que substituiria a anterior, então ter-se-á exprimido muito mal. A redacção apresentada aponta claramente para o estabelecimento de uma condição: o repensar de uma nova pena que substitua a anterior, é possível, só "Se (...) for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação". É que, se depois de se admitir a ultrapassagem do caso julgado devendo ponderar-se todos os factos novos conhecidos, se viesse acrescentar que se deveria ter em conta a pena abstracta mais grave relativa a um desses factos novos, estar-se ia a dizer o óbvio, por maioria de razão. A solução legal desinteressou-se, portanto, de agravar a responsabilidade do agente, apenas em virtude de uma reiteração, que simplesmente passasse a ver-se acrescida. Acresce que "condutas mais graves" serão aquelas que integrem um tipo próximo do da condenação transitada (que proteja substancialmente o mesmo bem jurídico), mas com uma moldura penal mais severa. Na verdade, as condutas punidas pelo mesmo tipo legal, integrantes da continuação, que simplesmente revelem, no caso, um grau de ilicitude maior, ver-se-ão, nesta linha, consumidas pela condenação já julgada. É que a expressão "conduta mais grave", do n° 2 do art° 79° do C P, é também empregue no n° 1 do preceito, e aí não oferece dúvida que a gravidade da conduta se afere pela pena aplicável, e portanto, pela moldura abstracta do crime (cf. Ac. do S T J de 31/1/2008, P° 1411/07, 5a Secção, ou de 2/4/2008, P° 4197/07, 3a Secção, e, na doutrina, P. P. Albuquerque in "Comentário ao Código Penal", pag. 249, ou V. Sá Pereira e A. Lafayette in "Código Penal Anotado e Comentado", pag. 240)." * Apesar de não estarmos, conforme dissemos, perante a figura do crime continuado - uma vez que, dos factos constantes da acusação, estaremos perante um só crime, renovando-se a resolução criminosa em cada ano civil, o que é certo é que estamos perante uma resolução criminosa do arguido que abrange, pelo menos em cada ano de 2004 a 2006, os factos aqui em apreciação, estando em causa a mesma actuação, embora para beneficiários das facturas diferentes.Estando em causa o mesmo tipo de crime (e não condutas mais gravosas) temos de concluir que, efectivamente, o arguido DD não pode ser julgado pelos factos constantes da presente acusação por efeito do caso julgado.” * §3. O princípio ne bis idem, expresso no artigo 29, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) proíbe que os factos imputados a um cidadão, num processo penal e em qualquer fase do processo, sejam avaliados mais que uma vez.O princípio ne bis in idem tem, pois, por finalidade obstar a uma dupla submissão de um indivíduo a um mesmo processo. O que se proíbe é que um comportamento espacio-temporalmente caracterizado, um determinado acontecimento histórico, um facto naturalístico concreto ou um pedaço de vida de um indivíduo já objeto de uma sentença ou decisão que se lhe equipare possa fundar um segundo processo penal, independentemente do nomem iuris que lhe tenha sido ou venha a ser atribuído, no primeiro ou no processo subsequentemente instaurado – neste sentido, vide os acórdãos do TRP de 10.07.2013, relatado por Alves Duarte e do TRC de 22.03.2023, relatado por Maria José Guerra, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. O princípio ne bis in idem, visa evitar que exista um julgamento plural do mesmo facto de forma simultânea ou sucessiva, funcionando como a excepção do caso julgado e a litispendência que constitui uma emanação daquele mesmo princípio; o conceito necessário de mesmo (identidade) crime tem que ver não apenas com o mesmo agente (sem o qual nunca será o mesmo) e a mesma vítima mas essencialmente com o mesmo facto histórico localizado no tempo e no espaço – neste sentido, vide o acórdão do TRP de 25.01.2017, relatado por José Carreto, acessível em www.dgsi.pt. O objecto de cada processo penal é definido na acusação respectiva, pela narração de factos que dela consta, ou seja, pelos vários factos singulares que formam, quando aglutinados, o pedaço de vida em que se traduz o facto processual (cfr. Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, 2ª edição, 1995, Almedina, pág. 97), objecto que deverá manter-se, tendencialmente, inalterado, até ao trânsito da sentença que a tenha apreciado. É este pedaço/acontecimento de vida, enquanto pedaço da vida social, cultural e jurídica de um indivíduo que se sujeita à apreciação judicial, portanto, numa perspectiva da valoração e imagem social da conduta, ou seja, na perspectiva de como o homem médio vê e entende o acontecimento submetido a juízo (Frederico Isasca, ob. cit., págs. 93 e 240). Ora, como se explanou no acórdão do TRC de 09.03.2016, relatado por Isabel Valongo “o objecto do processo é formado por todos os factos perpetrados pelo arguido até à decisão final que de forma directa se correlacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido. Os factos que não foram apreciados e que deviam tê-lo sido por fazerem parte integrante do mesmo “recorte de vida” não podem ser posteriormente apreciados, uma vez que essa apreciação constituiria flagrante violação do princípio ne bis in idem. Assim, seguindo a posição que é unânime na nossa doutrina, a expressão “mesmo crime” não deve ser interpretada, no discurso constitucional, no seu estrito sentido técnico-jurídico, “mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado de facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui um crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado facto já julgado – e não tanto de um crime – que se quer evitar.” (veja-se os acórdãos do STJ de 15.03.2006, relatado por Oliveira Mendes e o acórdão do TRC de 28.05.2008, relatado por Alberto Mira, ambos acessíveis em www.dgsi.pt). Deste modo, definitivamente julgado o facto típico acusado, a questão que se coloca, como pressuposto da exceptio rei judicatae, é a de precisar a identidade daquele facto e a identidade do “novo” facto a julgar, de modo a concluir se são, ou não, o mesmo facto, a mesma realidade ou acontecimento de vida. E para este efeito, o crime deve considerar-se o mesmo quando exista uma parte comum entre o facto histórico julgado e o facto histórico a julgar e que ambos os factos tenham como objecto o mesmo bem jurídico ou formem, como acção que se integra na outra, um todo do ponto de vista jurídico (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, págs. 44-45). “Nestes termos, o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. Isto significa que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que directamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efectivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, não podem ser posteriormente apreciados”(Frederico Isasca, ob. cit., págs. 242 e 229). * §4. Revertendo estas breves considerações ao caso em apreço, dos elementos dos autos acima elencados temos que ter presente que o recorrente foi condenado no processo 707/06.9JAPRT do extinto 2º Juizo Criminal de Gondomar, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pela conjugação das normas consagradas na alínea c) do n° 1 e n° 2 do artigo 103°, e no n° 2 do artigo 104°, ambos do RGIT por: i) ter utilizado, em nome individual, entre 2002 a 2005, facturas ou documentos equivalentes de venda emitidos por terceiros que não correspondiam a verdadeiras transacções, registando-os na sua contabilidade, pretendendo dessa forma evitar o pagamento do Imposto Sobre o Valor Acrescentado que liquidava nos documentos que emitia, e diminuir o valor a pagar, a título de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares; ii) ter emitido, em nome individual, entre 2002 a 2005, facturas ou documentos equivalentes de venda a favor de diversas entidades que não correspondiam a verdadeiras transacções, por estes terceiros registados nas respectivas contabilidade, pretendendo dessa forma evitar o pagamento do Imposto Sobre o Valor Acrescentado que os utilizadores desses documentos liquidavam nos documentos que por sua vez emitiam, e diminuir o valor pelos mesmos pagar a título de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.Por sua vez, no âmbito dos presentes autos constata-se que o recorrente foi condenado pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 103º. n.ºs 1 e 2 e 104º, n.ºs 1 e 2 do RGIT por ter emitido, em nome individual, nos meses de Fevereiro e Março de 2004, facturas a favor da sociedade arguida A..., SA que não correspondiam a serviços e/ou bens efectivamente prestados. Daqui decorre que o período temporal dos presentes autos – Fevereiro e Março de 2004 – está compreendido no período temporal dos factos pelo quais o recorrente foi condenado no âmbito do processo 707/06.9JAPRT. E, sendo certo que, na parte em que o recorrente, a título individual, figura como emitente de facturas sem correspondência com a realidade, não consta como beneficiária a sociedade arguida nos presentes autos, afigura-se-nos que estamos perante o mesmo "pedaço de vida" desde logo por que se a conduta em apreço nos presentes autos tivesse sido apreciada no aludido processo 707/06.9JAPRT, a mesma teria sido inevitavelmente integrada no mesmo tipo de crime pelo qual o recorrente foi aí condenado (e que corresponde ao mesmo tipo de crime aqui em análise) e, consequentemente, nesta parte teria sido condenado numa única pena. De facto, apesar da concreta conduta do recorrente aqui em causa não ter sido apreciada no referido processo 707/06.9JAPRT, cremos que os factos no âmbito dos presentes autos, ocorridos nos meses de Fevereiro e Março de 2004, constituem parte integrante da unidade criminosa descrita nos factos dados como provados no processo 707/06.9JAPRT acima elencados. Dito de outro modo. Os factos julgados nestes autos perpetrados pelo recorrente nos meses de Fevereiro e Março de 2004, formam uma unidade com aqueles que foram apreciados no processo 707/06.9JAPRT, com trânsito em julgado, uma vez que estamos perante uma única resolução criminosa que abrange os anos de 2002 a 2004, enquadrando-se os factos aqui em apreciação numa mesma actuação (mesmo modo operandis), embora para beneficiário diferente das facturas emitidas pelo recorrente. Assim, estando em causa o mesmo tipo de crime temos de concluir que, efectivamente, recorrente não pode ser julgado pelos factos constantes na decisão recorrida por efeito do caso julgado. Nesta conformidade, não podiam ser agora apreciados aqueles factos ocorridos em Fevereiro e Março de 2004, sob pena de violação do princípio ne bis in idem. Neste conspecto, o acórdão recorrido ao condenar o arguido DD ora recorrente pela prática de um crime de fraude fiscal previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 103º. n.ºs 1 e 2 e 104º, n.ºs 1 e 2 do RGIT violou o princípio ne bis in idem. Procede, pois, o recurso neste segmento. * §5. Consequências da verificada violação do princípio ne bis in idemO conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente acima enunciadas – prescrição do procedimento criminal, impugnação da decisão sobre a matéria de facto dada como provada e violação do princípio in dubio pro reo – fica prejudicado com a verificação da violação do princípio ne bis in idem. ** II.3.2. Do pedido de perda de vantagens a favor do Estado§1. O recorrente entende que a condenação solidária no pagamento da quantia global de € 520.342,48 consubstancia uma dupla punição. Para tal limitou-se a alegar que o dano e a vantagem coincidem e, por isso, a condenação constitui uma dupla punição. Não compreendemos que espécie de valimento pretende o recorrente extrair do seu argumento recursivo para absolvição do pedido de perda de vantagens. Por um lado, a condenação do arguido pelo crime de fraude fiscal não impede de todo a condenação no pagamento do pedido de perda de vantagens a favor do Estado. Como se escreveu no acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 5/2024, de 11.04.2024, relatado por Leonor Furtado (publicado no DR Série I, n.º 90, de 09.05.2024) “Efectivamente, no caso dos crimes fiscais, a natureza da relação jurídica tributária subjacente à prática do crime é diferente da natureza da obrigação de restituição da vantagem patrimonial indevidamente obtida com a prática desse crime. Subsistindo o dano, consistente na vantagem patrimonial indevidamente obtida, mantem-se a obrigação de restituição, através da declaração de perda dessa vantagem patrimonial, que se integra na reacção jurídico-penal a que a prática do crime dá lugar. Assim sendo, a perda de vantagens deve ser decretada sempre que ocorram vantagens adquiridas pelo agente, para si ou para terceiros, decorrentes da prática do facto ilícito, considerando que se trata de instituto autónomo em relação à indemnização de perdas e danos emergentes da prática de crime, pois, esta tem uma natureza fundamentalmente ressarcitória, distinta daquela outra natureza sancionatória. Neste sentido, afirma FILIPA NUNES CUNHA: “(…) São realidades distintas, pelo que não se pode confundir a perda de vantagens com a pretensão indemnizatória, sendo de refutar, por completo, a forçada sobreposição destes dois institutos até como modo de sustentar o afastamento da perda de vantagens nos casos em que o ofendido comunique ao processo que pretende obter ressarcimento dos danos causados com o crime por outra via que não através do pedido de indemnização civil. Processualmente não se confundem, pois, repetimos, a perda de vantagens é uma providência de carácter sancionatório e a indemnização civil é uma medida de natureza civil, apesar de enxertada numa acção penal.” – vd. em “A admissibilidade de (co)existência do confisco e outros mecanismos de recuperação de vantagens no âmbito dos crimes tributários”, Revista do Ministério Público 151, Julho-Setembro de 2017, cit., pág. 187. E, mesmo que a vantagem obtida corresponda integralmente ao prejuízo causado ao lesado, cremos que, ainda nesses casos, deverá ser decretada a perda da vantagem. Como explica GERMANO MARQUES DA SILVA, a propósito do imposto devido no crime tributário, “(…) Parece-nos que, mesmo neste caso, o Tribunal deve condenar na perda de vantagem correspondente, ainda que se entretanto tiver sido pago o imposto em dívida deva considerar não haver já lugar à condenação por essa vantagem pertencer ao Estado a título de imposto já cobrado, e na execução da sentença deva ter-se em conta se a vantagem que corresponda integralmente ao imposto evadido foi entretanto recebido pela Autoridade Tributária.” – Direito Penal Tributário, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2.ª Edição revista e ampliada, 2018, cit., pp. 140-141.” Aliás, mesmo que nos presentes autos tivesse sido deduzido pedido de indemnização civil a perda de vantagem não podia deixar de ser declarado por parte do tribunal recorrido conforme foi decidido pelo referido acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 5/2024. Por outro lado, tendo resultado provada a prática de factos ilícitos e a obtenção de vantagens ilegítimas por parte do recorrente - apenas não devendo ser punido por força do princípio ne bis in idem conforme nos termos acima decididos – e não tendo havido declaração de perda de vantagem no âmbito do referido processo 707/06.9JAPRT deverá manter-se a condenação da 1ª instância do pedido de perda de vantagens. De facto, como esclarece o referido acórdão do STJ n.º 5/2024 (com sublinho agora aposto) “A finalidade da providência da perda de vantagens consiste na reafirmação da força da vigência da norma e na resposta ao alarme social que pode advir da convicção de que o “crime compensa”, pelo que, são pressupostos do seu decretamento a prática de um facto ilícito típico (e não de um crime, enquanto facto típico, ilícito, culposo e punível), e a existência de proventos económicos. É suficiente que o facto ilícito típico tenha sido cometido, independentemente da punição do seu autor ou da sua actuação culposa e é irrelevante a aplicação de uma pena ou sequer a existência de um juízo de condenação. Neste sentido, veja-se o que se disse nos acórdãos do STJ, de 12/09/2019, Proc. n.º 736/03.4T0PRT.P2, “(…) A perda de vantagens implica a ocorrência de facto ilícito típico e existência de vantagens, proveitos, devendo aplicar-se o instituto mesmo que não seja possível sujeitar o arguido a condenação. É o que sucede em caso de prescrição do procedimento criminal, quando esteja já estabelecida a comprovação de que as coisas, direitos ou vantagens tenham sido obtidas através de facto ilícito típico…”; e de 21/03/2018, Proc. n.º 736/03.4T0PRT.P2.S1, “(…)Os pressupostos do instituto da perda de vantagens são: a ocorrência de facto ilícito típico, ou seja, de facto antijurídico; a existência de vantagem, ou seja, de proveitos. (…) A circunstância de a lei exigir, tão só, a ocorrência de facto ilícito típico (e não a ocorrência de crime), conduz a que o instituto seja aplicável ao respectivo agente, ainda que não seja possível sujeitá-lo à condenação, à cominação de uma pena. Daí que possa e deva ser aplicado no caso de prescrição do procedimento criminal, quando já esteja estabelecida a comprovação de que as coisas, direitos ou vantagens tenham sido obtidos através de facto ilícito típico…” – ambos em www.dgsi.pt.” * §2. O recorrente alega ainda a prescrição do pedido de perda de vantagens.Argumenta que tal pedido está sujeito ao prazo de prescrição geral de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil. Antes de mais importa referir que, ao contrário do que o recorrente quer fazer crer, no caso em apreço não tem lugar a aplicação do prazo previsto no artigo 309º do Código Civil. Para tal, basta atentarmos à natureza do instituto da declaração da perda de vantagens para chegarmos a essa conclusão. A este propósito, veja-se o explanado no acórdão do STJ, de 29.04.2020, relatado por Lopes da Mota (acessível em www.dgsi,pt) quando diz que (com sublinhado aposto) “(...) a declaração de perda, independentemente da classificação que lhe possa ser atribuída, sendo uma consequência jurídica de carácter patrimonial dos ilícitos cometidos, não é uma pena nem uma medida de segurança, nem uma forma de indemnização civil por danos emergentes do crime, regulada na lei civil (artigo 129.º do Código Penal, Título VI da Parte Geral). Devendo notar-se, a este propósito, que a perda não se inclui nos capítulos relativos às penas (Capítulo II), às penas acessórias e efeitos das penas (Capítulo III) ou às medidas de segurança (Capítulo VII), mas num capítulo autónomo (Capítulo IX) do Título III (Das consequências jurídicas do crime) da Parte Geral (Livro I) do Código Penal.”. Conforme explicita o referido acórdão do STJ n.º 5/2024 (com sublinhado aposto) “Seguindo o entendimento da maioria da doutrina – a perda de vantagens é uma providência sancionatória que preconiza o exercício do ius punendi estadual –, há que concluir que este instituto não se confunde com uma medida de natureza civil – acção cível enxertada no processo penal – com objectivo de reparação dos danos civis emergentes da prática do facto ilícito. (…). GERMANO MARQUES DA SILVA refere mesmo que “(…) Devemos ter presente que o instituto de perda de vantagens não se confunde nem com a indeminização civil emergente da prática do crime nem com a obrigação tributária, embora materialmente interconexos, mas processualmente distintos. (…) A indeminização tem por fim ressarcir os danos causados pelo crime, a perda de vantagens tem natureza sancionatória análoga à da medida de segurança.” – em “Direito Penal Tributário”, 2.ª Edição revista e ampliada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, cit., pp. 140-141.” Deste modo, atenta natureza do crime imputado ao recorrente – crime de fraude fiscal - há que aplicar as regras da prescrição contempladas no âmbito do RGIT, em conjugação com as regras da prescrição reguladas no Código Penal para apreciação da questão suscitada pelo recorrente. Assim, aderindo às considerações expendidas no acórdão recorrido acima transcrito quanto à questão da prescrição do procedimento criminal e que aqui damos por reproduzidas, não estando prescrito o crime imputado ao recorrente nos presentes autos, também não está prescrito o pedido de perda de vantagens a favor do Estado. Como tal, mantém-se, nesta parte, a decisão recorrida. **** III- DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, decide-se: a) Julgar verificada a violação do princípio ne bis in idem, com referência aos factos objeto do presente processo, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que condena o recorrente pela prática do crime de fraude fiscal previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 103º. n.ºs 1 e 2 e 104º, n.ºs 1 e 2 do RGIT; b) Confirmar, no demais, a decisão recorrida nos termos acima decididos. * Sem custas criminais (artigo 513º, nº 1 do CPP).* Porto, 15.01.2025Maria do Rosário Martins Luís Coimbra José Quaresma |