Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
789/12.4TBAMT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE DA CITAÇÃO
PRAZO DE ARGUIÇÃO
JUNÇÃO DE PROCURAÇÃO FORENSE
Nº do Documento: RP20220407789/12.4TBAMT-A.P1
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A junção de procuração outorgada a Advogado não implica, de forma automática, que possa ser considerada intervenção relevante para efeitos do art.º 189º do CPC, havendo que ponderar qual o sentido e/ou objetivo com que foi junta a procuração e as circunstâncias em concreto.
II - No caso em que é emitida e entregue ao mandatário uma certidão donde constam todos os dados relevantes para se apurar da regularidade da citação, o prazo para suscitar a falta ou nulidade da citação conta-se a partir da entrega da certidão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 789/12.4TBAMT-A.P1


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – RESENHA HISTÓRICA DO PROCESSO
1. Em 2012, o Banco 1..., SA instaurou execução contra AA e BB, entre outros, pelo valor de € 67.289,69.
Como título executivo apresentou uma escritura pública de mútuo, com hipoteca e fiança, que se havia destinado à compra de habitação; alegou que os Executados deixaram de pagar as prestações acordadas, tendo o contrato sido resolvido. Os Executados AA e BB foram acionados na qualidade de fiadores de todas as obrigações dos mutuários, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia.
A execução prosseguiu os seus termos, o imóvel foi vendido e, ainda que sem pagamento integral da quantia exequenda, a execução foi declarada extinta em 2017, nos termos do art.º 750º nº 2 do Código de Processo Civil (CPC).
Em dezembro de 2020, os Executados AA e BB vieram suscitar incidente de falta e nulidade da sua citação, pedindo a declaração de nulidade de todo o processado posterior ao requerimento executivo. Em resumo, invocaram que toda a execução correu à sua revelia, que apenas dela tiveram conhecimento já depois dos autos estarem findos e na sequência de diligências efetuadas depois de terem sido citados para uma ação pauliana que corre termos pelo Juízo Local Cível de Amarante; que são emigrantes em Andorra, onde vivem há cerca de 30 anos e deslocando-se a Portugal apenas nas férias de Verão; que nunca residiram nas moradas onde se tentou a citação pelo que, a posterior citação edital não respeitou as formalidades legais.
A Exequente respondeu, suscitando a extemporaneidade desse pedido.
Em 2021 o M.mº Juiz julgou o incidente improcedente, com a seguinte fundamentação:
«A nulidade da citação é legalmente tratada segundo duas modalidades: a falta de citação, que vem prevista nos arts. 187.º a 190.º do NCPC; e a nulidade da citação propriamente dita, por preterição de formalidades impostas por lei, que vem prevista no art. 191.º do NCPC.
Quanto ao prazo para a arguição da falta de citação, prevê o art. 198.º, n.º 2, do NCPC, complementado, quanto ao processo executivo, pelo art. 851.º, n.ºs 1 e 3, do NCPC, que a nulidade por falta de citação pode ser suscitada a todo o momento, enquanto o processo corra à revelia do citando e tal nulidade não se considere sanada.
No que concerne à sanação da falta de citação, dispõe o art. 189.º do NCPC, que, “se o réu…intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade”, sendo que se deve entender por «intervenção no processo» qualquer ato susceptível de por termo à revelia e que, no fundo, revele, através de intervenção processual, que o réu passou a ter conhecimento da pendência do processo. No conceito de intervenção processual relevante para este efeito, integram-se quaisquer atos processuais, nomeadamente a apresentação de contestação/embargos e incluindo a mera junção de procuração a favor de mandatário judicial, pois tal tem a virtualidade de fazer cessar a revelia, como resulta dos arts. 566.º e 567.º do NCPC. Daí que, se o réu/executado deduzir embargos e/ou juntar procuração a favor de mandatário judicial sem arguir logo a falta de citação, a nulidade daí decorrente considera-se sanada – neste sentido, entre outros, Ac. RP de 25.11.2013, proc. 192/12.6TBBAO, em www.dgsi.pt.
Acresce que, atento o disposto no art. 851.º do NCPC, cuja formulação do texto legal poderá suscitar interpretação no sentido de a invocação da nulidade da citação poder ocorrer a todo o tempo, importa frisar que, segundo a interpretação que se reputa de correta e coerente com todo o sistema, a possibilidade de invocação da nulidade da citação aqui prevista, se é certo que se verifica a todo o tempo, ainda assim depende de um requisito essencial (para além da própria falta/nulidade da citação), que é de que o executado esteja em situação de revelia, como resulta do n.º 1 do preceito legal – já Alberto dos Reis assim o defendia, por referência ao anterior e idêntico art. 921.º do CPC, conforme explanou em “Processo de Execução”, volume 2º, Coimbra Editora, 1982, p. 441. E, aliás, nem outra solução se reputa de razoável, pois interpretação contrária que viabilizasse que a nulidade da citação pudesse ser invocada muito depois de o executado ter conhecimento do processo e/ou de nele ter tido intervenção permitiria o absurdo de, sem razão que não fosse acolher o interesse do executado em provocar a anulação de todo um processo simplesmente quando o decidisse fazer e assim evitar os prejuízos do mesmo, se eternizar a hipótese de anulação do processo executivo.
Daí que, cessando a revelia do executado, cessa também a possibilidade de o executado arguir a falta/nulidade da citação “a todo o tempo”, tendo de se limitar aos prazos legais daquela arguição.
Além disso, nesta mesma sequência argumentativa, a situação de “revelia” a que o art. 851.º do NCPC atribui relevância, na perspetiva de a nulidade da citação poder ser invocada a todo o tempo (e não só no prazo normal de invocação de nulidades, nos termos dos arts. 149.º e 199.º do NCPC), deve, até pelas diferenças existentes entre as ações declarativas e executivas, ser interpretada de forma restritiva, no sentido de abranger apenas as situações em que não seja razoável exigir ao executado que, em face do ato da citação e/ou dos demais atos em que seja visado, conheça a pendência da execução contra si e a nulidade da citação, ou seja, as situações em que o executado, não só não intervém no processo por alguma forma, como também para ele não tenha sido citado ou notificado de outro ato de molde a poder conhecer a nulidade. Aproveitando as palavras expostas na argumentação do Ac. STJ de 05.06.2012 (proc. 409/10.1TCFUN, em www.dgsi.pt), “a não se entender assim, criar-se-ia uma insuportável situação de incerteza e prolongada insegurança na ordem jurídica, ao permitir-se que, durante décadas…se pudessem vir invocar pretensos vícios de uma anterior citação…”, entendendo o presente tribunal que tal é inadmissível quando, seja pelo ato de citação ocorrido, seja por atos subsequentes, o interessado não poderia ter deixado de se aperceber da execução e da alegada nulidade.
Prosseguindo, a falta da citação considera-se sanada se o executado intervier no processo sem arguir logo a falta da citação, admitindo-se que a expressão “logo”, pelo menos quando esteja em causa a intervenção por mera junção de procuração a favor de advogado, deva ser entendida no sentido do prazo geral da prática de atos, ou seja, no prazo de 10 dias, nos termos do art. 149.º, n.º 1, do NCPC.
Nesta parte, importa salientar que, se é verdade que alguma jurisprudência recente tem vindo a sustentar que a mera junção de procuração já não deve ser entendida como intervenção relevante no processo, para os efeitos em causa, o certo é que tal contraria a globalidade da jurisprudência até agora conhecida e, no entender do tribunal, não deve ser acolhida.
Na verdade, a tese de que se impõe uma “interpretação atualista quanto aos efeitos relacionados com a apresentação de uma procuração forense, de modo a evitar que a simples junção de instrumento de mandato forense não implique direta e necessariamente a preclusão da possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação”, parte, no entender do presente tribunal: por um lado, de uma premissa que não se verifica na realidade, ou seja, de que a tramitação eletrónica dos autos alterou a possibilidade de consulta do processo, passando a ser imprescindível a junção de procuração prévia; e, por outro lado, porventura, duma interpretação diferente da expressão “logo” referida no art. 189.º do NCPC.
Em primeiro lugar, como se sustentou no Ac. RG de 09.05.2019 (proc. 3398/08.9TBBRG, em www.dgsi.pt), “a tramitação eletrónica do processo não alterou a possibilidade do…mandatário do…executado consultar os autos antes de juntar a procuração e que, caso tal ocorra por qualquer razão prática, sempre pode dar conhecimento aos autos dessa limitação, beneficiando, pois, do prazo para a prática desse ato, pela simples aplicação do regime do justo impedimento.”. Em segundo lugar, em rigor, a tramitação eletrónica dos processos e o acesso à distância até favoreceram a possibilidade de consulta e perceção de eventuais nulidades em tempo mais célere e de forma mais eficiente, de tal modo que, hoje, a junção de procuração configura elemento que até se pode associar mais intensamente à capacidade de conhecimento do processo e das eventuais nulidades. Basta, para o efeito, comparar com o que sucedia no regime em que a consulta do processo apenas se processava fisicamente, quando a parte juntava procuração por correio, pois, neste caso, tal junção nem sequer significava necessariamente proximidade física com o tribunal/processo. Em terceiro lugar, fazendo-se a interpretação da expressão “logo” prevista no art. 189.º do NCPC como o presente tribunal acima apresentou (ou seja, no prazo de 10 dias após a junção da procuração), então, os fundamentos para a aludida interpretação “atualista” não têm qualquer razão de ser, pois o executado pode juntar procuração e arguir a nulidade no prazo de 10 dias, o que é mais do que suficiente para conhecer eventuais nulidades. Assim sendo, reitera-se que a junção de procuração configura intervenção no processo adequada a sanar a falta da citação – neste sentido, entre outros, rebatendo a argumentação da jurisprudência recente em sentido contrário, ver Ac. RG de 09.05.2019 acima citado.
Além disso, na sequência do acima exposto, a nulidade da citação tem de ser arguida, sob pena de ser sanada, no prazo de 10 dias, após alguma intervenção do executado no processo ou quando ocorra outra circunstância (nomeadamente notificação do executado) que implique o conhecimento da pendência da execução e da nulidade ou que torne exigível tal conhecimento ao executado, agindo com a diligência devida, nos termos dos arts. 199.º, n.º 1, e 851.º, n.º 1, do NCPC, na interpretação acima sustentada. Isto posto, revertendo ao caso dos autos, os executados, em 2018, não só juntaram procuração a favor de advogado, como apresentaram requerimento absolutamente revelador do conhecimento da pendência da execução e da citação, como ainda foram notificados pelo agente de execução de certidão certificadora do processo e da prévia citação dos executados. E a verdade é que os executados apenas vieram arguir a falta/nulidade em apreço por requerimento de 2020, ou seja, muito mais de 10 dias depois. O requerimento de 2018 revela que os executados conheciam a pendência do processo executivo que contra si corria, e, no fundo, que, a não terem sido regularmente citados/notificados, ocorria a falta/nulidade de citação que apenas agora, mais de mais de dois anos depois, vieram invocar. Recorrendo às palavras do citado Ac. RG de 09.05.2019, devidamente adaptadas ao caso dos autos, da simples junção de procuração ao processo (sendo que, no caso dos autos, o requerimento de 2018 e a notificação subsequente até revelam muito mais do que isso) pode-se concluir que o executado “tinha conhecimento e acesso aos autos e por isso tinha (ou podia ter tido) conhecimento da omissão da sua citação; há que entender-se que se a não invocou quando juntou a procuração foi porque não quis dela prevalecer-se, sanando-se a nulidade proveniente de tal omissão.”.
Por conseguinte, seguindo a argumentação jurídica exposta, conclui-se que, pelo menos em 2018, sempre teria cessado a situação de “revelia” que releva para o efeito da arguição da nulidade por falta de citação a que respeita o art. 851.º do NCPC. E, por isso, o prazo para arguir a nulidade por falta de citação teria de ser o prazo geral de 10 dias previsto no art. 149.º do NCPC.
Acontece que, quando os executados vieram arguir a falta/nulidade da citação, em 2020, já há muito que havia decorrido o referido prazo para a arguição da falta/nulidade da citação.
Deste modo, a arguição de nulidade mostra-se também extemporânea.
Assim sendo, por tudo o acima exposto, é improcedente a arguida falta/nulidade da citação.».

2. Inconformados com tal decisão, dela vêm apelar os Executados, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O tribunal a quo indeferiu a arguida falta/nulidade de citação para a execução por considerar que a arguição de nulidade se mostra extemporânea.
2. Alicerçando a sua argumentação no facto de os ora recorrentes terem junto aos autos procuração a favor de advogado em 26.06.2018, considerando o Mmo Juiz a quo que “a junção de procuração configura intervenção no processo adequada a sanar a falta da citação”.
3. A jurisprudência mais recente tem vindo a considerar que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial não é suficiente para fazer pressupor o conhecimento do processo nos termos e para os efeitos do disposto pelo art. 189.º do Código de Processo Civil” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 23-01-2020 no P. 17/19.1T8PVL.G1; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.09.2020 proferido no âmbito do P. 7365/16.0T8LRS-A.L1-7 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22.10.2020 proferido no P. 926/19.8T8STB.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
4. Não tendo os executados tido qualquer intervenção nos autos de execução, que há muito se encontravam findos, a mera junção de procuração, com o único intuito de requerer uma certidão para juntar a outro processo, não tem a virtualidade de sanar a nulidade decorrente da falta de citação.
5. Sendo que para efeitos de eventual sanação da nulidade decorrente da falta de citação apenas releva a efetiva intervenção no processo e não o mero conhecimento da sua pendência (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 02-10-2003, no P. 03B2478, disponível em www.dgsi.pt).
6. Face ao exposto deveria ter sido apreciada a questão da falta/nulidade da citação para a execução arguida pelos ora recorrentes, por ter sido tempestivamente suscitada, seguindo-se os demais termos legais.
7. Ao indeferir a arguida falta/nulidade de citação para a execução, por considerar a arguição extemporânea, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, fazendo uma errada interpretação e aplicação do direito, violando dessa forma os preceitos legais vertidos nos artigos 187.º, 188.º, n.º 1, al. c), 189.º, 191.º, n.º 1, 198.º, n.º 2 e 851.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, bem como o princípio de tutela jurisdicional efetiva e do acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da tutela da confiança que decorre do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2.º da mesma Lei Fundamental.
8. Impondo-se, por isso, revogar o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que considere tempestiva a arguição da falta/nulidade da citação para a execução, ordenando-se ao tribunal recorrido que aprecie a mesma, seguindo-se os demais termos legais.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o douto despacho proferido pelo tribunal a quo e substituído por outro que considere tempestiva a arguição da falta/nulidade da citação para a execução, ordenando-se ao tribunal recorrido que aprecie a mesma, seguindo-se os demais termos legais.
3. Não houve contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. OS FACTOS
Na decisão recorrida foram considerados os seguintes factos (que os Recorrentes não questionam):
a) A execução foi deduzida contra os executados requerentes e outros em 18.04.2012;
b) Tendo sido realizadas as diligências mediante as quais se considerou a citação dos executados;
c) Prosseguindo a instância executiva em conformidade;
d) E vindo a ser provisoriamente extinta, por decisão do agente de execução de 06.07.2017, com fundamento em falta de bens penhoráveis, nos termos do art. 750.º do NCPC.
e) Os executados requerentes apresentaram nos presentes autos o requerimento datado de 26.06.2018, no qual juntaram procuração a favor de advogado e requereram o que consta do requerimento, que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo o seguinte:
“CC, advogada, portadora da cédula ..., com escritório na Rua ..., ... Amarante na qualidade de mandatária dos executados, nos autos em referência, AA e BB, conforme procuração que junta, em que é exequente Banco 1..., SA, vem requerer a V. Exª se digne certificar-lhe o seguinte:
· Qual a morada que constava nos referidos autos do executado AA;
· Qual a morada indicada pelo exequente da executada BB;
· Se o executado foi citado em 20.04.2014 na pessoa de DD;
· Se a executada foi citada editalmente;
· Se o imóvel penhorado – prédio urbano destinado a habitação, composto de casa de um piso, com a superfície coberta de 130 m2 e logradouro com a área de 820 m2, sito na Rua ..., anterior lugar..., União de freguesias ..., ... e ..., anterior freguesia ... (extinta) concelho de Amarante, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o nº ...-. freguesia ... (extinta) (ainda como parcela de terreno para construção) inscrito provisoriamente na matriz sob o artigo ... da freguesia ... (extinta), que proveio do artigo ... urbano da freguesia ... (extinta) foi vendido em 23 de maio de 2014 por € 27.600,00.
A requerida certidão destina-se a instruir a ação pauliana registada com o nº 359/17.0T8AMT que corre termos pelo Juízo Local Cível da Comarca de Amarante do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este.”
f) Por ofício de 21.09.2018, o qual consta dos autos e se dá por reproduzido, o agente de execução remeteu à mandatária constituída pelos executados requerentes a certidão solicitada, constando desta, além do mais, a certificação da citação dos executados requerentes para a execução.
g) Os executados requerentes vieram arguir a falta/nulidade da citação para a execução por requerimento de 15.12.2020.

5. APRECIANDO O MÉRITO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art. 666º do CPC.
No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR: a junção de procuração outorgada a Advogado pode ser considerada intervenção relevante para efeitos do art.º 189º do CPC?

5.1. Nulidade e falta de citação
A noção de citação é-nos dada pelo art.º 219º nº 1 do CPC: a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender.
A citação é um dos atos essenciais no processo. É através dela que se torna efetivo o direito ao contraditório e à defesa, direitos estes consagrados na Constituição como direitos fundamentais (art.º 20º da CRP) e considerados também princípios estruturantes do processo civil (art.º 3º do CPC). Porque assim é, a lei regula a sua efetivação dos maiores cuidados.
Esse ato de citação pode conter vícios, distinguindo o CPC entre falta de citação e nulidade da citação.
Considera-se que há falta de citação quando o ato é completamente omitido, estando as diversas situações discriminadas nas diversas alíneas do nº 1 do art.º 188º do CPC, designadamente quando se tenha empregado indevidamente a citação edital.
A falta de citação tem por consequência a anulação de todo o processo após a petição inicial, salvando-se apenas esta: art.º 187º al. a) do CPC. É de conhecimento oficioso: art.º 196º do CPC.
Registe-se ainda que, sendo vários réus, em litisconsórcio voluntário (como é aqui o caso), nada se anula; procede-se à citação que faltou e esse réu pode ainda vir deduzir a sua defesa: art.º 190º do CPC.
Porém, a anulação deixa de operar, por se considerar sanada, se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação: art.º 189º do CPC.
Noutros casos, a citação é efetuada, mas tem outros vícios. Aqui, já não se trata de falta de citação, mas de nulidade da citação.
São os casos previstos no art.º 191º do CPC: a inobservância das formalidades previstas na lei para a efetivação da citação. Essas formalidades são as que constam dos art.º 222º a 246º do CPC.
Nesta variante de vícios, há que atender que não é a omissão de uma qualquer formalidade que produz a nulidade da citação; nos termos do art.º 195º do CPC, só é decretada a nulidade se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado. Por outro lado, o não cumprimento das formalidades legais não é de conhecimento oficioso, tendo a falta de ser invocada pelo réu, logo na contestação ou na primeira intervenção que tiver no processo ou no prazo de 10 dias: art.º 197º a 199º do CPC.
Quanto às consequências, em termos práticos pouco divergem das situações de falta. Verificada a omissão de alguma formalidade, e que essa falta é prejudicial ao réu, o juiz decreta a nulidade da citação e, não de todos os atos subsequentes à petição inicial, mas apenas de todos os atos posteriores que dela dependam absolutamente: art.º 195º do CPC. O réu será de novo citado e admitido a praticar todos os atos normais do processo. Também aqui, se o réu não invocar a nulidade, ou o fizer depois do prazo, considera-se sanada a irregularidade cometida e suprida a nulidade.

5.2. Abordagem da questão em concreto
Perspetivando o enquadramento jurídico analisado nos pontos anteriores, há então que decidir se a junção de procuração outorgada a Advogado pode ser considerada intervenção relevante para efeitos do art.º 189º do CPC.
A nossa primeira perspetiva é que a resposta tanto pode ser positiva como negativa. Tudo dependerá do quadro de circunstâncias em concreto, sabido, como é, existirem decisões jurisprudenciais num e noutro sentido. E, analisadas essas decisões, verificamos que a divergência das soluções encontradas teve essencialmente em conta os contornos factuais da situação em causa.
O art.º 189º do CPC (anterior art.º 196º) fala apenas em “intervir no processo”. Sabendo-se que o vocábulo intervir, olhado no sentido estrito, tem, no processo civil, um sentido ativo, de prática de algum ato jurídico-processualmente relevante, no âmbito do encadeamento de atos que formam/conformam um processo, a doutrina foi-se afirmando no entendimento de que a intervenção relevante deve significar algo que proporcione o conhecimento do processado.
«Ao intervir, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir juris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se.» [1]
«Uma outra característica das nulidades relativas é serem sanáveis pelo decurso do tempo. (…)
O referido prazo contar-se-á ou a partir da intervenção efectiva (da parte ou do mandatário) no processo, posteriormente à prática da nulidade, qualquer que seja a forma que tal intervenção revista (…).» [2]
Se o réu «(…) compareceu, isto é, se interveio na ação, constituindo mandatário, escolhendo domicílio, deduzindo qualquer arguição ou incidente, já nada importa que tenha ou não sido citado, que a citação haja ou não sido pessoal, que nela se tenham ou não observado as formalidades legais. O facto de ter vindo ao processo cobre as irregularidades que porventura se hajam cometido quanto à citação.» [3]
Em situações próximas da aqui discutida nos autos, as decisões jurisprudenciais têm abordado problemas de natureza mais objetiva, decorrentes das implicações de alterações legais na tramitação processual. Em concreto, os acórdãos citados pelos Recorrentes nas suas alegações:
«I - O acesso à tramitação eletrónica dos processos implica a junção de uma procuração forense, que constitui, em si mesma, o pressuposto de qualquer intervenção nos autos.
II - Encontrando-se o processo sujeito a tramitação eletrónica, não pode considerar-se que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial é suficiente para fazer pressupor o conhecimento do processo, nos termos e para os efeitos do disposto pelo art.º 189º do Código de Processo Civil.» [4]
Neste caso, houve despacho judicial, em 28/03/2019, a considerar o Réu regularmente citado, para efeitos do art. 567º nº 1 do CPC. Foi de seguida proferida sentença, em 23/04/2019. Em 14/05/2019 o Réu juntou aos autos procuração forense. Em 24/09/2019 veio o Réu arguir a nulidade de falta de citação.
«IV - Encontrando-se uma acção sujeita à disciplina da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, e ainda que exista um processo físico em suporte de papel, o acesso à tramitação electrónica implica a junção de uma procuração forense, que, por isto, constitui o pressuposto de qualquer intervenção nos autos. Desta forma, a simples junção de uma procuração forense não se afigura como intervenção relevante para efeitos do art. 189º do Cód. Proc. Civil, pelo que tal junção não importa a sanação do vício de nulidade de falta de citação (porque não arguido concomitantemente àquela junção da procuração).» [5]

Aqui, tratava-se de uma ação executiva instaurada em 13/05/2016, cujo título executivo era uma sentença transitada em julgado. Essa sentença foi proferida em processo transmutado na sequência de procedimento de injunção, face ao insucesso da notificação do demandado. A citação foi efetuada em 25/03/2015, em terceira pessoa. Em 02/11/2015 foi proferida sentença de preceito, considerando o Réu regularmente citado e não ter contestado. O Embargante juntou procuração aos autos declarativos no dia 18/07/2016. A falta de citação só foi suscitada em processo de embargos de executado, instaurado em 29/07/2016.
Como se vê, a falta de citação foi suscitada no prazo de 10 dias após a junção da procuração. A peculiaridade desta situação resulta que o que se discutia nos autos era saber se a falta de citação podia/devia ser suscitada no processo declarativo subjacente ao executivo. O tribunal entendeu após o trânsito em julgado da sentença se esgotou o poder jurisdicional pelo que aí nunca poderia ser conhecida a falta de citação, que sempre seria extemporânea. Citando, «por outras palavras, após o trânsito em julgado da sentença proferida na acção declarativa, a nulidade em causa não poderia ser arguida pelo réu/ora apelante, nomeadamente aquando da junção da procuração forense (ou, mesmo, no prazo de dez dias, como refere a apelada em sede de contra alegações), por aquela acção já não se encontrar pendente. Como acima se referiu, após o trânsito em julgado da sentença, a nulidade pode ainda ser invocada, mas apenas como fundamento de revisão da sentença transitada ou como fundamento na oposição à execução da sentença, sendo esta última via que o opoente/ora apelante se encontra a utilizar nesta acção.».
«Tendo presente a realidade social, económica e a própria evolução tecnológica, inclusivamente na dimensão do acesso ao direito através do recurso a ferramentas informáticas, no domínio da Tramitação Eletrónica dos Processos Judiciais preconizada pela Portaria nº 280/2013, de 26.08, não é legítimo concluir-se que a mera apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema eletrónico e constitui pressuposto de qualquer atuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a possibilidade de suscitar a respetiva nulidade.» [6]
A leitura apenas do sumário do acórdão pode induzir em erro. Na verdade, o recurso sobre a extemporaneidade da citação foi julgado improcedente, no seguinte quadro factual: um processo executivo instaurado em 25/01/2019; o executado juntou procuração forense em 02/04/2019; em 18/04/2019 o mandatário informa o AE que o executado residia no estrangeiro, indicando a morada da sua residência para efeitos de citação; em 06/05/2019 o AE efetua a citação do executado na pessoa do seu mandatário; em 26/09/2019 o executado suscita o incidente de falta de citação, requerendo que fosse ordenada a sua citação na morada da sua atual residência na Holanda; em 11/10/2019 o AE efetua a citação por via postal para a morada da Holanda e informa disso o mandatário; em 18/10/2019 foi proferido despacho que julgou improcedente a arguição de nulidade de falta de citação do executado, considerando estar a mesma sanada.
«I - Numa interpretação actualista e devido aos condicionalismos de acesso ao processo eletrónico a expressão “logo” do art. 189º, do CPC deve ser interpretada como sendo após, um prazo razoável, e não de forma simultânea com a junção da procuração.
II - A junção aos autos de uma procuração constituiu um acto com relevância processual que implica, após esse prazo, o conhecimento de todos os elementos relevantes da lide e permite o integral exercício do seu direito de defesa.
III - Se um executado junta uma procuração e tem com isso integral acesso ao processo em 2017, não pode vir arguir a nulidade da sua citação em 2019.» [7]
Aqui, temos um processo executivo instaurado em 19/05/2017, com citação prévia ordenada por despacho de 05/06/2017; realizadas diversas tentativas de citação do executado, foram todas infrutíferas; em 23/09/2017 foi junta aos autos procuração forense pelo executado; depois, houve ainda mais 2 tentativas de citação (10/10/2017 e 05/02/2018), também infrutíferas; a AE considerou efetuada a citação em 10/07/2018 (citação pessoal realizada através de afixação de aviso para data e hora certa e nota de citação); a nulidade de citação foi suscitada em 22/01/2019.
Desta análise jurisprudencial se conclui que, no que toca à simples junção de procuração, há sempre que equacionar qual o sentido e/ou objetivo com que foi junta a procuração.
No caso aqui em apreço, a junção da procuração foi efetuada para acompanhar um requerimento de emissão de certidão que os Executados necessitavam para um outro processo, como é facultado pelo art.º 163º nº 2 do CPC.
Podia dizer-se que daí não se pode presumir que essa procuração tivesse o objetivo de acompanhar/intervir no processo de execução em particular. Pelo contrário, atenta a data das procurações, é de crer que foram emitidas para acompanhamento do outro processo (o de impugnação pauliana referido no requerimento).
Na verdade, como se colhe da consulta do processo eletrónico, com o requerimento referido no facto provado “e)”, datado de 26/06/2018, a ilustre Advogada juntou duas procurações outorgadas a seu favor, concedendo-lhe poderes forenses gerais, sem discriminação de qualquer processo. A procuração outorgada pelo executado marido tem aposta a data de 05/05/2017; a da executada mulher a data de 10/08/2017. Ambos os Executados se identificam como residentes em Andorra.
Sucede que a certidão solicitada nesse requerimento foi enviada pela AE à ilustre Advogada em 21/09/2018, aí se certificando narrativamente, para além do mais, que «o Executado AA foi citado no dia 20-04-2014, na pessoa de DD, titular do BI ..., o qual recebeu a citação e duplicados legais e a Executada BB foi citada editalmente no dia 03-01-2013.»
Ou seja, nesta data de 21/09/2018 a ilustre mandatária ficou ciente de todos os dados necessários para invocar a falta/nulidade de citação, mesmo sem ter de consultar o processo. Nesta perspetiva, os 10 dias processualmente conferidos para o efeito começaram a contar no dia seguinte [art.º 199º nº 1 e 149º nº 1 do CPC e art.º 279º al. b) do CC].
Ora, a falta/nulidade da citação só veio a ser arguida mais de 2 anos depois, pelo que se entende que o recurso não merece provimento.

6. SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO
7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo dos Recorrentes.

Porto, 07 de abril de 2022
Isabel Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
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[1] Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, vol. 1º, 2ª edição, anotação ao artigo 196º.
[2] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág.106-107.
[3] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 6.
[4] Acórdão de 23/01/2020, Relação de Guimarães, processo nº 17/19.1T8PVL.G1, disponível em www.dgsi.pt//, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[5] Acórdão de 29/09/2020, Relação de Lisboa, processo nº 7365/16.0T8LRS-A.L1-7
[6] Acórdão de 22/10/2020, Relação de Évora, processo nº 926/19.8T8STB.E1
[7] Acórdão de 09/01/2020, Relação do Porto, processo nº 2087/17.8T8OAZ-A.P1