Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2606/21.5T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: NOTIFICAÇÃO DE REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
FÓRMULA EXECUTÓRIA
Nº do Documento: RP202503242606/21.5T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 03/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não é nula a sentença que conclui pela nulidade da citação no âmbito de procedimento de injunção, apesar de as cartas de notificação terem sido enviadas de forma regular para as moradas constantes das bases de dados, com fundamento na circunstância de o requerido não ter chegado a tomar conhecimento daquelas.
II - Demonstrando-se que o notificando de requerimento de injunção não chegou a tomar conhecimento deste, a aposição da fórmula executória fica ferida de nulidade, o que acarreta a extinção da execução por falta de título executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 2606/21.5T8LOU-A.P1
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Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Ana Olívia Loureiro
2.ª adjunta: Maria de Fátima Andrade

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
AA deduziu os presentes embargos de executado por apenso à ação executiva contra si movida por “A..., SARL”. Pede a sua absolvição da instância ou do pedido.
Invocou a ilegitimidade da embargada para a ação executiva, bem como a falta de título executivo por não ter recebido a citação realizada no processo de injunção em que se aquele se constituiu. Alegou não ser devedor das quantias peticionadas pela embargada e que à data da apresentação do requerimento executivo já o crédito se encontrava prescrito.
Os embargos foram liminarmente admitidos.
Citada, a embargada pediu que as exceções de ilegitimidade e de prescrição fossem julgadas improcedentes e impugnou os factos invocados pelo embargante.
O embargante respondeu reiterando o alegado.
Foi proferido despacho saneador em que foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade da embargada e foram selecionados temas da prova.
Na sequência de julgamento, foi proferida decisão que julgou os embargos integralmente procedentes, determinando a extinção da execução.
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Inconformada, a embargada interpôs o presente recurso, que finalizou com as conclusões que em seguida se transcrevem.
I. No presente apenso de embargos, o executado veio alegar que à data da injunção (julho de 2011) não residia em ... ... PNF, ... ..., PNF, nem nunca ali residiu, nunca tendo recebido qualquer citação ou notificação no âmbito do requerimento de injunção n.º 123562/11.6YIPRT.
II. Sucede que, no âmbito do procedimento de injunção, foi remetida notificação para a morada conhecida do Executado e posteriormente para as moradas identificadas nas bases de dados das entidades públicas, inclusive para o domicílio fiscal do executado.
III. O recorrente não se conforma com a resposta dada à matéria de facto, designadamente nos números 2, 3 e 4 dos factos provados:
2 - Nessa data o embargante já não residia no Lugar ..., ..., Penafiel.
3 - Em 14 e 15 de julho de 2011 o embargante residia na Rua ..., ... Maia
4 - O embargante não recebeu as cartas referidas em 1.
IV. A reapreciação/reponderação da matéria de facto contestada conduzirá a diferente conclusão quanto à notificação do executado no âmbito do procedimento de injunção e, consequentemente, à prossecução dos autos de que os embargos são apenso.
v. Desde logo, pelo facto de o executado não fazer prova de que em julho de 2011, data da notificação do procedimento de injunção, não residia em nenhuma das moradas identificadas pelo Banco Nacional de Injunções.
vi. Da prova testemunhal, tampouco resulta que o executado residia em morada diferente ou de que não teria acesso à mesma numa eventualidade de receber correspondência.
vii. Inclusive, da prova testemunhal produzida resulta uma incongruência:
- O embargante, a mãe e o irmão declaram que o embargante apenas viveu no Lugar ..., em ..., Penafiel, quando era menor de idade e residia com a sua mãe, tendo toda a família, ainda na menoridade do embargante, passado a residir em Portimão.
- Em sede de embargos, o embargante afirmou que não residia nem nunca residiu no Lugar ..., em ..., Penafiel.
viii. Para além do facto de as testemunhas em questão serem pessoas especialmente relacionadas com o Executado, deveria essa prova ter sido valorada tendo em consideração esse facto.
iv. Tendo em consideração a ausência de prova ou prova insuficiente mal andou o tribunal a quo ao considerar como factos provados os correspondentes aos números 2 a 4:
2 – Nessa data o embargante já não residia no Lugar ..., ..., Penafiel;
3 – Em 14 e 15 de julho de 2011 o embargante residia na Rua ..., ... Maia;
4 – O embargante não recebeu as cartas referidas em 1.
ix. Pelo que deveria o Tribunal a quo ter, diferentemente, concluído pela resposta negativa (Não Provado) aos factos número 2, 3 a 4.
x. Verifica-se na fundamentação que o tribunal ficou convencido de que o executado havia sido notificado no âmbito do procedimento de injunção, dado que efetivamente não foram preteridas quaisquer formalidades e posteriormente, é decidido que o executado não havia sido notificado para o procedimento de injunção, mostra-se nulo todo o processado depois do requerimento de injunção, pelo que é nula a aposição da fórmula executória.
xi. Ora esta incongruência que consta na douta sentença fá-la estar ferida de nulidade ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 615.º do CPC.
xi. Devendo, assim, o presente recurso proceder, com a alteração sobre a decisão da matéria de facto, considerando-se não provados os factos n.º 2, 3 e 4 de tal decisão, e, em consequência, revogada a decisão recorrida e substituída por outra que considere que o Executado foi notificado, que se formou título executivo validamente e que os embargos são totalmente improcedentes.
xii. O douto tribunal a quo, ao decidir no sentido em que decidiu, não efetuou correta análise e valoração da prova produzida nos autos violando o disposto nos artigos 342.º, 350.º do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que considere que o executado foi devidamente notificado no âmbito do procedimento de injunção, há título executivo, devendo a execução de que os presentes autos correm por apenso, prosseguir os seus trâmites até final e os embargos serem declarados totalmente improcedentes. Requer-se ainda que a douta sentença seja declarada nula ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 615.º CPC.
Nestes termos, deve ser o presente recurso considerado procedente e, em consequência, ser alterada a resposta aos números 2, 3 e 4 da decisão sobre a matéria de facto - Factos Provados, e, consequentemente, substituída a douta sentença recorrida por outra que considere os embargos totalmente improcedentes, devendo a ação executiva prosseguir os seus trâmites até final.
Requer-se ainda que a douta sentença seja declarada nula ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 615.º do CPC..
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O exequente contra-alegou, finalizando da forma que em seguida se reproduz.
A) No presente apenso de embargos, o executado veio alegar que à data da injunção não residia em ... ... PNF, ... ..., PNF, nem nunca ali residiu, nunca tendo recebido qualquer citação ou notificação no âmbito do requerimento de injunção n.º 123562/11.6YIPRT.
B) As cartas destinadas à notificação do embargante para a injunção n.º 123562/11.6YIPRT, do Balcão Nacional de Injunções foram em 15/07/2011 depositadas nos recetáculos postais dos imóveis sitos: no Lugar ..., ..., ..., ..., Penafiel e na Rua ..., nº ... ....
C) Nessa data o embargante já não residia no Lugar ..., ..., Penafiel.
D) Em 14 e 15 de julho de 2011 o embargante residia na Rua ..., ... Maia.
E) O embargante não recebeu as cartas remetidas pelo Balcão Nacional das Injunções.
F) Bem andou o tribunal a quo ao dar como provado que o embargante não recebeu as cartas que o Balcão Nacional das Injunções lhe enviou e a julgar totalmente procedentes os embargos.
G) A ação executiva tem como título executivo um requerimento de injunção que deu entrada em juízo em 27/04/2011 e a que, por falta de oposição do aí requerido, o ora Embargante, foi aposta a fórmula executória em 28/09/2011.
H) Dispõe o art. 188º, nº1, e), do C.P.Civil, que “há falta de citação (…) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.”
I) Da matéria de facto apurada resulta que a notificação do embargante para o procedimento de injunção que lhe foi movido pela embargada foi realizada pelo Balcão Nacional de Injunção através de cartas remetidas para os imóveis sitos no Lugar ..., ..., ... ..., Penafiel e na Rua ..., nº ... ..., que foram depositadas nos recetáculos postais de imóveis sitos nesses destinos.
J) O embargante não recebeu essas cartas, sendo que não residia nesses locais, mas antes na Rua ..., ... Maia.
L) O embargante não chegou a ter conhecimento da injunção que lhe foi movida pela embargada, por facto que não lhe é imputável, subsumindo-se a situação em apreço na previsão do art.º 188º, nº 1, e), citado.
M) Conforme se mostra previsto no art.º 187º, a), do C.P.Civil é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvaguardando-se apenas esta, quando o réu não tenha sido citado.
N) Não tendo o aqui embargante sido notificado - o que se equipara à citação - para o procedimento de injunção, mostra-se nulo todo o processado depois do requerimento de injunção, pelo que é nula a aposição de fórmula executória a esse requerimento, por falta de oposição do aí requerido e agora embargante.
O) Mostrando-se ferida de nulidade a aposição da fórmula executória ao requerimento de injunção, não pode este servir de título executivo, equiparado a sentença, por força do disposto no art.º 703º, nº 1, a), do C.P.Civil.
P) Não existindo título executivo que sustente a execução movida pela embargada contra o embargante, esta não é legalmente admissível, pelo que terá que ser extinta.
Q) Por acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2019, processo n.º 541/2018, decidiu-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante dos números 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15 000, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando -se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição, por violação do artigo 20.º, números 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
R) Pelo que nenhuma censura merece a sentença recorrida.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso de apelação ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.
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II - Questões a decidir
a - se a sentença é nula nos termos do disposto no art.º 615.º/1/c/4 do C.P.C.;
b - da reapreciação da matéria de facto;
c - da consequência jurídica da falta de citação do embargante para a injunção.
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III - Fundamentação de facto (constante da sentença)
A) Factos provados
1 - As cartas destinadas à notificação do embargante para a injunção n.º 123562/11.6YIPRT, do Balcão Nacional de Injunções foram em 15/07/2011 depositadas nos recetáculos postais dos imóveis sitos no Lugar ..., ..., ..., ..., Penafiel e na Rua ..., n.º ... ....
2 - Nessa data o embargante já não residia no Lugar ..., ..., Penafiel.
3 - Em 14 e 15 de julho de 2011 o embargante residia na Rua ..., ... Maia.
4 - O embargante não recebeu as cartas referidas em 1.
5 - Em 25/08/2009 o embargante abriu conta de Depósitos à Ordem junto do Banco 1..., com a designação interna nº .......
6 - As condições particulares do acordo celebrado para esse efeito foram assinadas pelo embargante.
7 - As condições gerais desse acordo foram, pelo menos, parcialmente assinadas pelo embargante.
8 - Na conta aberta pelo embargante junto do Banco 1... verificaram-se movimentos efetuados pelo menos desde 04/01/2010 e 30/12/2011, do qual resultou um descoberto no valor de €2 212,61.
9 - Com vista a recuperar o seu crédito, o Banco 1..., SA instaurou junto do Balcão Nacional de Injunções procedimento de injunção contra o embargante, para obter o pagamento da quantia de €2 212,61, que deu origem à injunção referida em 1.
10 - Em 28/09/2011, não havendo oposição do ora embargante à injunção, foi aposta fórmula executória na mesma.
11 - Com base nesse título a embargada propôs a ação executiva de que estes autos são apenso contra o embargante.
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B) Factos não provados
a) Em 14/07/2011 o embargante residia no Lugar ..., ..., ..., ..., Penafiel.
b) O embargante nunca teve nenhum descoberto bancário no Banco 1....
c) Nem nunca foi interpelado para pagar qualquer dívida ao Banco 1....
d) O embargante nunca celebrou qualquer contrato de crédito sob a forma de descoberto em conta, não tendo sido estipulada pelas partes taxa de juros remuneratórios.
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IV - Fundamentação jurídica
a - Da nulidade da sentença nos termos do disposto no art.º 615.º/1/c/4 do C.P.C.
A propósito da invocada nulidade da sentença, expendeu a apelante o seguinte: verifica-se na fundamentação que o tribunal ficou convencido de que o Executado havia sido notificado no âmbito do procedimento de injunção, dado que efetivamente não foram preteridas quaisquer formalidades e posteriormente é decidido que o Executado não havia sido notificado para o procedimento de injunção, mostra-se nulo todo o processado depois do requerimento de injunção, pelo que é nula a aposição da fórmula executória.
E conclui a recorrente: ora esta incongruência que consta na douta Sentença, fá-la estar ferida de nulidade ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 615.º do CPC.
Nos termos do disposto no art.º 615.º/1/c do C.P.C. é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Compulsada a fundamentação da matéria de facto diretamente relacionado com a notificação da injunção ao ora apelado encontramos o seguinte:
Da prova produzida ficou o tribunal convencido de que efetivamente o Embargante não recebeu as notificações que lhe foram dirigidas no processo de injunção.
Face à coincidência dos depoimentos do Embargante; da sua companheira, BB e do seu irmão CC e ao teor do documento nº 2 junto com a contestação – cópia de notificação remetida ao Exequente pelo Tribunal de Família e Menores de Portimão, em 20/01/2011 para essa morada -, ficou o tribunal convencido de que efetivamente o Embargante residia, em 14 e 15 de julho 2011, na Rua ..., na Maia. Tal indicia também o extrato da conta do Embargante no Banco 1..., juntos em 13/03/2024, que revela que os movimentos bancários realizados em 2010 foram realizados na Maia, em ... e em ..., não havendo quaisquer movimentos feitos em ..., ou em ..., Penafiel.
Tampouco foi feita qualquer prova de que o Embargado residisse na Rua ..., em, ..., Penafiel, local onde instalou equipamento da PT, conforme documento junto com a petição inicial.
Ficou, assim, o tribunal convencido de que o Embargante, apesar de regularmente notificado pelo BNI, não recebeu as cartas que este lhe enviou.
Supõe-se que ao arguir a nulidade da sentença a recorrente se esteja a referir à consideração do tribunal de 1.ª instância de que a notificação efetuada pelo Balcão Nacional de Injunções foi regular. E teria sido regular porque as cartas dirigidas ao recorrido foram remetidas para os locais constantes das bases de dados a que aquele Balcão tem acesso.
O decreto-lei 269/98 de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, prevê no seu art.º 1.º, sob a epígrafe petição e contestação: - Na petição, o autor exporá sucintamente a sua pretensão e os respetivos fundamentos, devendo mencionar se o local indicado para citação do réu é o de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular.
E o art.º 12.º do mesmo diploma (notificação do requerimento):
1 - No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.
2 - À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.os 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.
3 - No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direção-Geral dos Impostos e da Direção-Geral de Viação.
4 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de receção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo seguinte.
O diploma citado esclarece, assim, os moldes da notificação, com valor de citação.
Da consideração de terem sido observados os procedimentos devidos não se segue, porém, que o notificando ou citando tenha tido efetivo conhecimento do objeto da citação.
Já se vê, por isso, que a argumentação tecida pela apelante não encontra arrimo legal. O tribunal de 1.ª instância julgou nula a citação por ter dado como assente que o requerido da injunção não chegou a tomar conhecimento dos termos da mesma, isto apesar de o Balcão Nacional de Injunções ter agido de forma regular. Os fundamentos da sentença não se encontram, por conseguinte, em oposição com a decisão, nem esta é ambígua ou obscura.
Desatende-se, em consequência, a nulidade arguida.
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b - Da reapreciação da matéria de facto
A apelante considera que tendo em consideração a ausência de prova ou prova insuficiente mal andou o tribunal a quo a considerar como factos provados os correspondentes aos números 2 a 4:
2 - Nessa data o embargante já não residia no Lugar ..., ..., Penafiel;
3 - Em 14 e 15 de julho de 2011 o embargante residia na Rua ..., ... Maia;
4 - O embargante não recebeu as cartas referidas em 1.
Fundamenta a sua discordância na alegação de que o executado não teria feito prova de que em julho de 2011, data da notificação do procedimento de injunção, não residia em nenhuma das moradas identificadas pelo Banco Nacional de Injunções. Tal não emergiria da prova testemunhal.
Aduziu ainda que em sede de embargos o executado veio alegar que em julho de 2011 não residia nem nunca residiu no Lugar ..., ... ..., Penafiel, mas sim no Lugar ..., ..., ... ..., Penafiel.
Aponta, ademais, a recorrente incongruência que decorreria da prova testemunhal:
- O embargante, a mãe e o irmão declaram que o embargante apenas viveu no Lugar ..., em ..., Penafiel, quando era menor de idade e residia com a sua mãe, tendo toda a família, ainda na menoridade do embargante, passado a residir em Portimão.
- Mas em sede de embargos, o embargante afirmou que não residia nem nunca residiu no Lugar ..., em ..., Penafiel.
O art.º 12.º do requerimento de embargos tem o seguinte teor:
12º - Ora o embargante à data da Injunção não residia em ... ... PNF, ... ... PNF, nem nunca ali residiu, nunca tendo recebido qualquer citação ou notificação no âmbito do Requerimento de Injunção nº 123562/11.6YIPRT.
A prova produzida por declarações de parte e pelas testemunhas DD, mãe do embargante, e CC, irmão daquele, é consistente no sentido de AA ter saído da casa em que residiu ainda muito jovem - segundo o próprio teria aí residido até aos 13 ou 14 anos -, mas sempre ainda menor de idade, casa essa sita no Lugar ..., ..., Penafiel.
Expendeu o tribunal de 1.ª instância nesta sede: da prova produzida ficou o tribunal convencido de que efetivamente o Embargante não recebeu as notificações que lhe foram dirigidas no processo de injunção. Desde logo as moradas para as quais essas cartas foram dirigidas não têm número de porta, e a dirigida ao Lugar ..., nem sequer tem indicação de arruamento, desconhecendo-se em que recetáculo postal terão sido depositadas pelo distribuidor fiscal.
Quer o Embargante, quer a sua mãe e o seu irmão - as testemunhas DD e CC - declararam que o Embargante apenas viveu no Lugar ..., em ..., Penafiel, quando era menor de idade e residia com a sua mãe, tendo toda a família, ainda na menoridade do Embargante passado a residir em Portimão.
A residência do Embargante aos 26 anos em Portimão, mostra-se, aliás, confirmada pela cópia do Bilhete de Identidade do mesmo junto a estes autos em 04/04/2024.
Pela testemunha DD foi ainda referido que a casa em que residiam ficou abandonada após terem mudado para Portimão, não tendo o Embargante, nem ninguém, aí voltado a residir.
Ficou o tribunal convencido de que em 14 e 15 de julho de 2011, quando lhe foram remetidas as cartas de notificação pelo Balcão Nacional de Injunções, o Embargante residia já com a sua companheira na Rua ..., na Maia.
Dos depoimentos de todas as pessoas inquiridas e dos documentos juntos aos autos, mostrou-se evidente que o Embargante permaneceu pouco tempo em cada local onde residiu desde 2009, sendo que à data em que abriu a conta junto do Banco 1... indicou como morada o Lugar ..., porém, todos os extratos de conta que lhe foram dirigidos foram remetidos ao próprio Banco 1..., em ..., tudo conforme resulta dos documentos juntos em 13/03/2024, nenhuma prova tendo sido produzida de que tivessem sido remetidos pelo correio ao Embargante.
A factualidade que vimos de transcrever é elucidativa da prova efetivamente produzida. A afirmação contida no requerimento de embargos no sentido de que o embargante nunca residiu no Lugar ..., ..., Penafiel só pode ser entendida como uma falha de comunicação entre o ora recorrido e o seu mandatário. Em todo o caso, não é de molde a permitir a descredibilização da prova produzida já aludida, de molde a que se concluísse que por o executado ter afirmado que nunca residiu naquele lugar e tal não corresponder à verdade teria, afinal, recebido a carta que o notificava para os termos da injunção e logo naquele preciso lugar.
Do ponto de vista deste tribunal, a prova produzida foi suficientemente convincente de que o recorrido não residia nas moradas para as quais as cartas lhe foram dirigidas e de que não chegou a tomar conhecimento do teor do requerimento de injunção.
Inexiste, assim, fundamento para alterar a matéria de facto, que se mantém nos exatos termos exarados em 1.ª instância.
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c - Da repercussão da falta de citação do embargante nos termos da injunção
Nos termos do preceituado no art.º 219.º/1 do C.P.C., a citação é o ato através do qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender.
A citação transmite ao réu - ou ao executado - que foi instaurada contra o mesmo uma ação - ou uma execução - e que este dispõe de um prazo para se pronunciar ou defender, eventualmente sob cominação de consequências que lhe serão desfavoráveis, no caso da citação para ação declarativa (art.º 567.º/1 do C.P.C.). Trata-se do veículo por intermédio do qual é possível concretizar o contraditório e através do qual se assegura a igualdade das partes, com vista a que disponham das mesmas oportunidades.
Quer pela forma, quer pelo seu conteúdo e finalidade, a citação constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil: o contraditório. Num processo de natureza dialética, como é o processo civil, é a citação do réu que determina o início da discussão necessária a iluminar a resolução do conflito de interesses, com vista à justa composição do litígio. É pelo ato de citação que se dá conhecimento ao réu da petição ou do requerimento inicial, propiciando-lhe a faculdade de deduzir oposição (in Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 219, nota 2).
Como se lê no ac. da Relação de Lisboa de 8-1-2009 (proc. 9016/2008-6, Márcia Portela, consultável in http://www.dgsi.pt/), a citação constitui um ato de crucial importância no processo, pois é, conforme dispõe o artigo 228.º, nº 1, CPC (atual art.º 219.º), o ato através do qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender, estando-lhe ainda associados inúmeros outros importantes efeitos (cessação da boa fé do possuidor; estabilização da instância (…); inibição do réu de propor ação destinada à apreciação do mesmo objeto (…); interrupção da prescrição - artigo 323º CC; constituição do devedor em mora nas obrigações sem prazo - artigo 805º CC.).
Há falta de citação, assinaladamente, quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato por facto que não lhe seja imputável (art.º 188.º/1/e do C.P.C.).
A apelante fez depender a procedência da sua pretensão quanto à prossecução dos autos de que os embargos constituem um apenso da verificação da notificação do executado no âmbito do procedimento de injunção.
Dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se esta, fica prejudicado o conhecimento daquela (art.º 608.º/2, ex vi parte final do n.º 2 do art.º 663.º, ambos do C.P.C.).
Veja-se, em todo o caso, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2019, processo n.º 541/2018, referido pelo apelado, em que foi declararada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante dos números 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15.000, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição, por violação do artigo 20.º, números 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
O embargante logrou produzir prova de que não chegou a ter conhecimento da injunção que lhe foi movida pela embargada, por facto que não lhe é imputável.
Mantendo-se a matéria de facto no sentido de que o requerido do procedimento de injunção não tomou conhecimento daquele aquando da expedição da notificação, ficou ferida de nulidade a aposição da fórmula executória naquele requerimento. Logo, não pode este servir de título executivo, equiparado a sentença, por força do disposto no art.º 703.º/1/a do C.P.C.. Impõe-se, assim, confirmar a decisão de 1.ª instância que julgou extinta a execução por falta de título executivo.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela embargada, por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 24-3-2025
Teresa Fonseca
Ana Olívia Loureiro
Fátima Andrade