Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8/22.5T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL PEIXOTO PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202402228/22.5T8MTS.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando em causa um conteúdo ou regime contratual geralmente imposto unilateralmente pela mediadora imobiliária (assim por todas as franchisadas da organização em causa), de tipo padronizado, pré-elaborado, sem possibilidade de negociação individualizada pelo universo generalizado dos potenciais clientes ao qual é apresentado (ressalvados aspectos pontuais individualizados), os quais se limitarão a aceitar sem possibilidade de discutir ou modificar o conteúdo que lhes é proposto, assume verdadeira natureza de contrato de adesão, ou quando menos contrato individualizado com recurso a cláusulas contratuais gerais.
II - Em qualquer dos casos, a comunicação na íntegra do clausulado contratual ao contraente “aderente” antes que este assine o contrato deverá ser assegurada, por forma a que tome consciência e decida de forma informada se aceita ou não vincular-se nos termos que lhe são apresentados, sob pena de no futuro a predisponente, se tiver omitido tal comunicação, não poder dele exigir o cumprimento de obrigações que apesar de contidas num contrato por ele assinado, não lhe foram devidamente comunicadas e informadas.
III - A circunstância de a A., na formulação do texto que apresenta aos seus clientes para estes assinarem, se inspirar ou transcrever elementos contidos numa minuta aprovada pelo organismo público encarregado de intervir na atividade de mediação imobiliária ou sequer elementos do regime legal supletivo, não determina a subtração dessas cláusulas ao regime da LCCG.
IV - Para a aplicação do regime das CCG e do regime de ónus de prova de comunicação e informação a cargo da parte que pretende beneficiar das respectivas clausulas, é suposto que o interessado cumpra o ónus de alegação e prova da factualidade necessária ao enquadramento do contrato no âmbito da LCCG.
V - De todo o modo, também o ónus de prova de que uma cláusula contratual (ou todas elas) resultou(ram) de negociação prévia entre as partes sempre recai sobre quem se tenha prevalecido do seu conteúdo.
VI - Resultando não provado que previamente à assinatura do contrato ou aquando da subscrição deste (para além do teor escrito daquele, insuficiente), a Autora informou a Ré que seria igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação, celebrado em regime de exclusividade, não se concretizasse por causa imputável ao cliente proprietário, como bem assim não provado que a A. esclareceu a Ré sobre os termos da remuneração devida (assim ocasião ou condições do seu pagamento); sendo que a prestação de tal informação era tanto mais importante quanto o texto expresso no contrato também reportava o pagamento da remuneração ao momento de concretização efetiva do negócio mediado, conforme cláusula 5ª, excluída a convenção mesma de exclusividade com esse conteúdo ou teor, por via do art. 8º do RCCG.
VII - A redução do contrato imposta pelo regime da LCCG implica, necessariamente, a não aplicação da cláusula do contrato que determinava a obrigação de pagamento da remuneração à A. no caso de não concretização do negócio mediado por facto imputável à R..
VIII - Nos termos do art.º 9.º da LCCG, os contratos com cláusulas excluídas por violação do dever de comunicação e/ou informação mantêm-se, “vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.” Ora, as “normas supletivas” aqui aplicáveis não são aquelas que, nos casos de angariação em regime de exclusividade, concedem à mediadora o direito à remuneração no caso de desistência do negócio por parte do cliente (trata-se de norma supletiva, porque nada obsta a que as partes convencionem solução mais favorável ao cliente da angariadora), mas as normas aplicáveis quando não há que considerar o regime de exclusividade, ou seja, a não exigibilidade de remuneração em caso de não concretização do negócio tido em vista no contrato de mediação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 8/22.5T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 4

Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto:  Isoleta Almeida Costa
2º Adjunto: Ernesto Nascimento
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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I.
A..., Lda.  propôs a presente ação declarativa de condenação, em processo comum, contra AA e marido BB, concluindo a final pedindo a condenação destes no pagamento da quantia global de €6.312,05 (seis mil trezentos e doze euros e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Reconduziu-se à celebração com os réus de um contrato de prestação de serviços de mediação imobiliária, tendo em vista a venda de dois imóveis rústicos, sendo que a Autora angariou dois compradores para os prédios em questão, tendo os réus, posteriormente, desistido de proceder à venda dos mesmos.  Ora, a A., visto o acordado regime de exclusividade, interpelou os réus para procederem ao pagamento da comissão acordada, o que não aconteceu até à presente data.
Contestando, a ré AA excepcionou a exclusão do contrato outorgado das cláusulas não negociadas e que não lhe foram regularmente comunicadas, mormente a que define, no que à exclusividade importa, ser devida a comissão no caso de desistência da venda. Mais invocou a nulidade do contrato dos autos uma vez que não resultam com clareza, nem de forma especificada, os efeitos que decorrem da contratação em regime de exclusividade.
Termina, concluindo pela inexistência de qualquer direito de crédito da autora, mesmo porquanto a não celebração do negócio não se deveu a causa que lhe fosse imputável (aos réus).
A Autora impugnou os factos consubstanciadores das exceções deduzidas pela ré.
Realizada a audiência, foi proferida sentença, na qual decidiu o Tribunal pela total improcedência da acção, absolvendo os réus AA e BB dos pedidos contra si formulados.
É desta decisão que a Ré veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª.- A decisão recorrida procedeu não só a um errado julgamento da matéria de facto, como também a uma errada interpretação e aplicação da Lei. Com efeito,
2ª.- Ao ter dado como provados os factos constantes dos pontos 27. e 28., assim como ao ter dado como não provados os factos constantes das alíneas i), j) e k), nos exactos termos que se fizeram consignar na sentença e por referência a esta, o Tribunal a quo incorreu em ostensivo e manifesto erro de julgamento. Pois,
3ª.- Todos os meios de prova constantes do processo, sem excepção, por si só ou conjugados com os demais, impunham decisão diversa da proferida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, designadamente:
- os concretos termos e cláusulas do contrato de mediação imobiliária, o qual, segundo as regras da experiência comum, foi negociado e acertado entre as partes;
- as declarações de parte prestadas pela sócia gerente da A., CC (as quais tiveram lugar presencialmente no dia 24/05/2023, tendo ficado gravadas no sistema áudio integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com a duração de 38m:28s – desde as 10:14:43 horas até às 10:53:13 horas);
- o depoimento da testemunha DD (o qual teve lugar presencialmente no dia 24/05/2023, tendo ficado gravado no sistema áudio integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com a duração de 17m:58s – desde as 10:53:17 horas até às 11:11:14 horas);
- o depoimento da testemunha EE (o qual teve lugar presencialmente no dia 24/05/2023, tendo ficado gravado no sistema áudio integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com a duração de 13m:55s – desde as 11:11:16 horas até às 11:25:11 horas); e
- o próprio depoimento de parte da R. mulher (o qual teve lugar presencial- mente no dia 24/05/2023, tendo ficado gravado no sistema áudio integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com a duração de 33m:17s – desde as 09:41:23 horas até às 10:14:40 horas).
4ª.- Tudo nos precisos termos da análise feita (e respectivas transcrições) na motivação deste recurso, a propósito de cada um dos depoimentos/declarações em específico, a qual (por razões de economia) aqui se dá por integralmente reproduzida. Isto é,
5ª.- Tendo sido demonstrado concreta e pormenorizadamente o iter negocial havido, resulta que à R. mulher foi correcta e devidamente explicado o teor do contrato de mediação imobiliária e devidamente negociado o seu conteúdo, bem como o significado das cláusulas nele insertas, assim como as suas vantagens, consequências e implicações,
6ª.- Em particular, o regime de exclusividade, constando do nº 2 da cláusula 4ª que “Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência. No que respeita ao pagamento da remuneração, caso o negócio visado tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou ao arrendatário trespassante do bem imóvel, é devida à empresa a remuneração acordada”, sendo perfeitamente apreensível o significado do contrato para qualquer pessoa de médio entendimento, sem margem para qualquer interpretação, dúvida ou ambiguidade.
7ª.- Como resulta do depoimento de parte da R. mulher – ao contrário do que esta procurou inculcar durante todo o seu depoimento –, esta negociou todos os termos do contrato de mediação imobiliária, sabendo e não tendo qualquer dúvida de que o mesmo era celebrado sob o regime de exclusividade, bem como conhecendo as implicações de tal regime, as quais estão expressamente vertidas no texto do contrato de mediação imobiliária, bastando-lhe ler o mesmo para se inteirar disso (o que corresponde à diligência média que se exige de um cidadão colocado no concreto lugar dos RR.), tendo esta confessado expressamente tais factos.
8ª.- Por não ter acordado com a imobiliária que anteriormente havia abordado para promover a venda, é que contactou e convencionou com a A. a promoção da venda dos seus imóveis.
9ª.- É a prática normal no ramo que seja a agência de mediação imobiliária a redigir os termos do contrato de mediação, após concreta negociação com o cliente, dando-lhe depois o contrato para analisar e, caso concorde, outorgar o mesmo, vinculando-se.
10ª.- Resultando do depoimento da R. mulher que, ao contrário do que pretendeu inculcar, a mesma é uma pessoa perfeitamente capaz, orientada, sagaz e ‘virada para os negócios’.
11ª.- Com o devido respeito, que é muito, seguir o entendimento e o sentido da decisão recorrida, aceitando-se, como os RR. pretenderam inculcar, que estes ‘assinaram de cruz’, não tendo lido os termos do contrato e, dessa forma, eximi-los de qualquer responsabilidade, significa no fundo que estaria encontrado o caminho para que todos os clientes vendedores se eximissem de qualquer responsabilidade perante o seu incumprimento de todo e qualquer concreto contrato de mediação imobiliária – ao invés, é manifesto que os RR. são responsáveis pela obrigação que assumiram válida e eficazmente.
12ª.- Os meios probatórios, constantes do processo e do registo de gravação (também nos termos da análise feita na motivação deste recurso), impunham decisão diversa da recorrida, sendo unívocos no sentido ora propugnado, devendo a valoração conjunta e reflexiva daqueles ter levado a Tribunal a quo a proferir decisão diversa da recorrida.
13ª.- Ao contrário do decidido, deverá ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto e, consequentemente, deverão ser dados como provados os factos constantes das alíneas i), j) e k); pelo contrário, deverão ser dados como não provados os factos constantes dos pontos 27. e 28. (por referência ao consignado na sentença e na motivação supra, os quais, por razões de economia, aqui se dão por reproduzidos).
14ª.- Alterando-se a fundamentação de facto, deverá subsumir-se o direito àquela e, como consequência, revogar-se a decisão de mérito nos presentes autos, substituindo-a por outra que julgue a acção procedente, por provada. Pois,
15ª.- Ao dar os concretos factos ora impugnados como provados e não provados, nos precisos termos melhor descritos na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo incorreu em consequente e manifesto erro de julgamento, interpretação e aplicação da lei, devendo por isso a decisão sobre a
16ª.- O contrato de mediação imobiliária em crise nos autos não pode ser qualificado como um ‘contrato de adesão’, uma vez que apenas serão considerados como tal aqueles em que um dos contraentes não tenha qualquer participação na elaboração e preparação do contrato e das respectivas cláusulas, limitando-se a aceitar o texto que o outro contraente oferece (regra geral, uma empresa de apreciável dimensão), em bloco e em massa, ao público eventualmente interessado, o que não se verificou. Pois,
17ª.- O contrato em questão foi devidamente negociado pelas partes, tendo os RR. plena consciência dos seus concretos termos e aspectos essenciais, a saber: preço da venda; comissão acordada; regime de exclusividade; prazo e duração do contrato.
18ª.- A A. é uma agência imobiliária de média dimensão situada no interior do País, no distrito de Viseu, não se enquadrando no conceito de uma empresa que se apresenta às massas (como é o caso, por exemplo, dos bancos, das seguradoras, das grandes operadoras de telecomunicações, etc.), mas antes tendo uma relação de contacto e proximidade com os seus clientes.
19ª.- O contrato em questão, ou qualquer das suas cláusulas, não foi ardilosamente elaborado sem a sua prévia negociação individual, sendo que, pegando na tipologia e configuração do contrato, o mesmo não é um documento ininteligível, não está redigido com uma linguagem jurídica quase indecifrável, ou com uma letra de dimensão reduzida ou com um espaço entre as linhas também muito reduzido.
20ª.- Ficou demonstrado o cumprimento dos deveres que poderiam impender sobre a A. – designadamente, o dever de comunicação e informação quanto aos elementos essenciais do contrato –, considerando a confissão feita em audiência de julgamento, pela R. mulher, do seu expresso e completo conhecimento.
21ª.- As exigências da promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua comunicação, que oneram e impendem sobre o proponente, têm como contrapartida, por imposição do princípio da boa-fé, o dever de diligência média por banda do outro contraente (vendedor) e destinatário da informação, de quem se espera também um comportamento leal e correcto.
22ª.- Pelas razões aduzidas, não poderá ser este contrato de mediação imobiliária qualificado como ‘contrato de adesão’, não lhe sendo aplicáveis os reparos feitos pela sentença recorrida, a coberto do regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei n° 446/85, de 25/10.
23ª.- Ainda que assim não fosse e as normas de tal regime jurídico lhe fossem directamente aplicáveis, nos termos previstos na sentença, o certo é que o contrato em questão não encerra em si qualquer cláusula que se possa considerar desproporcionada, face aos danos a ressarcir – tomando por referência o regime de exclusividade, o mesmo está tipificado e expressamente previsto em lei especial, aplicável ao contrato em questão e para a qual o mesmo remete.
24ª.- Face ao incumprimento do contrato pelos RR., perante o perfeito cumprimento do contrato pela A., não se pode considerar desproporcionada a obrigação dos RR. pagarem a comissão acordada; ao invés, o que seria manifestamente desproporcionado e abusivo consistiria em aceitar-se que os RR., ainda que possam desistir da venda da sua propriedade, não sejam condenados a pagar à A. a comissão que inequivocamente mereceu, tendo esta desempenhado cabalmente o seu papel e cumprido integralmente a sua prestação não apenas uma, mas duas vezes.
25ª.- A conduta inadimplente dos RR. é manifestamente censurável, a qual constitui um claro abuso de direito, o qual expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos, por não disporem de motivo válido e justificativo para desistirem do negócio e, como tal, o exercício do seu direito de desistirem da venda excedeu os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico de tal direito, após a A. haver provado que angariou não um, mas dois compradores para os imóveis dos RR., ao preço e condições por estes estipulados.
26ª.- Os RR. desistiram unilateralmente do negócio de forma claramente culposa e censurável, sem motivo atendível que os isente do pagamento da comissão acordada, pelo que deverão ser condenados em conformidade a pagarem à A. o seu valor. Sendo que,
27ª.- Ao contrário do que se faz consignar na sentença recorrida, o pedido formulado na presente acção sustenta-se no incumprimento das obrigações adjacentes ao contrato de mediação imobiliária, não apenas na questão da existência e validade (ou não) da cláusula de exclusividade (e suas consequências).
28ª.- Atento o manifesto incumprimento definitivo e culposo dos RR. do contrato de mediação imobiliária, bem como a inequívoca censurabilidade da sua conduta, são os mesmos responsáveis pelo ressarcimento dos danos (no caso, o lucro cessante) produzidos na esfera jurídica da A..
29ª.- Ao decidir de modo diverso, o Tribunal a quo incorreu numa errada interpretação e aplicação da lei, violando o disposto nos art.ºs 334º, 342º, 405º, 406º, 798º e 799º do Código Civil, art.º 414º do C.P.C., art.ºs 19º, nº 2 da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, e art.ºs 1º, 4º, 5º e 6º do D.L. nº 446/85, de 25 de Outubro, os quais deverão ser interpretados nos termos preditos. Pelo que,
30ª.- Deverá pois, por todas as razões aduzidas, ser revogada a sentença recorrida, sendo substituída por douto acórdão que, julgando a acção totalmente procedente por provada, condene os RR. recorridos ao pagamento da remuneração devida à A., nos precisos termos peticionados.

Contra-alegou a Ré, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida, nos termos que dos autos constam.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
ii. Da verificação dos pressupostos contratuais ou legais do direito à comissão/ao preço pela actividade de mediação realizada pela A.
i.
Nos termos do artigo 639.º do Código de Processo Civil as alegações de recurso dividem-se em corpo das alegações, nas quais o recorrente expõe os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o tribunal de recurso da sua razão, e conclusões das alegações, nas quais o recorrente sintetiza as concretas questões que pretende que o tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir.
Com base nos artigos 608.º, nº 2, 609.º, n.º 1, 635.º, nº 4, e 639.º, do Código de Processo Civil constitui jurisprudência reafirmada ad nausea que o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao tribunal ad quem conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso. 
A delimitação do objecto do recurso pela formulação das conclusões das alegações conduz a que seja em função destas, e não propriamente do corpo das alegações (ainda que estas possam servir para interpretar aquelas) que se devam interpretar a balizar as questões que o tribunal de recurso pode e deve conhecer, as quais só podem exceder o mencionado nas referidas conclusões no caso de se tratar de questões de conhecimento oficioso e cujo conhecimento não esteja precludido ou prejudicado. 
Servindo as conclusões de recurso para sintetizar as questões que se pretende que o tribunal aprecie e o sentido com que as deverá decidir, no caso em que uma dessas questões é a impugnação da decisão da matéria de facto, terão forçosamente de fazer parte das conclusões itens especificando essa pretensão. 
Para impugnar a decisão da matéria de facto o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente e sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, os seguintes aspectos: os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que na óptica dos recorrentes impunham decisão diversa e o sentido da decisão que deve ser proferida, sendo que no tocante aos depoimentos gravados carece de indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso (artigo 640.º do Código de Proc. Civil).
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação.
Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso).
Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.
Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).
Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.
Assim, como salienta Abrantes Geraldes[1] o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”.[2] Neste sentido, mais recentemente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 14 de novembro, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44 – 65.
Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior. Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos[3].
Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.
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No caso em apreço, a recorrente, cumprindo minimamente os apontados requisitos formais, pretende a alteração da factualidade dada como assente e não assente, de modo que a factualidade havida como provada sob 27 e 28 seja havida como indemonstrada e sempre provada aquela havida por não adquirida sob as alíneas i), j) e k); a determinar, assim, a procedência da acção.
«Tendo presente, portanto, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pelos recorrentes, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.
Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes[4], que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.
Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada.
Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova[5], princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil.[6]» (Acórdão do STJ de 12.11.2020, Relator: Oliveira Abreu, na base de dados da dgsi.)
De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil).
Como refere Miguel Teixeira de Sousa[7], a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.
Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
«Todavia, face aos actuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha. Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.
Deste modo, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.[8]
Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.»(sic. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.03.2021, Relator: Barroca Penha, acessível no mesmo sítio)
Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.[9]
Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pela recorrente.
É a seguinte a matéria de facto provada e não provada:
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de mediação imobiliária, promovendo a venda, arrendamento, trespasse e outros negócios sobre imóveis, sendo detentora da licença AMI n.º ..., titulando a franquia ‘B...’, em Viseu.
2. No início de 2019, os réus, através de contato estabelecido pela ré AA, procuraram uma agência da B... próxima da sua residência, mais concretamente em Gondomar, com o intuito de esta promover a venda de dois imóveis rústicos sua propriedade (com uma área superior a 4 hectares, os quais a ré havia herdado), sitos em ..., distrito de Viseu.
3. Imóveis, esses, inscritos na matriz predial rústica da respetiva freguesia ..., concelho ..., distrito de Viseu, sob os artigos 6669 e 6671 e descritos junto da Conservatória do Registo Predial de Penalva do Castelo sob os n.ºs ... e ....
4. A aludida agência de Gondomar, mercê da relação comercial com a autora, foi recolhendo a documentação necessária para o efeito e transmitindo-lhe a mesma.
5. A ré, no dia em que veio mostrar a propriedade, fez-se acompanhar pela agente imobiliária da referida agência da B... de Gondomar, a Sra. EE, a qual tratou de fazer as apresentações.
6. Mostra-se subscrito pelos réus e pela autora, o documento escrito intitulado «Contrato de mediação imobiliária», datado de 15 de março de 2019, do qual consta a autora como «mediadora» e os réus como «segundos contraentes».
7. Do escrito referido em 6. consta que:
CONTRATO DE MEDIACÃO IMOBILIÁRIA
(Nos termos da Lei 5/2013, de 8 de Fevereiro)
VENDA / ARRENDAMENTO / TRESPASSE / OUTROS
Contrato n.º [...]
ENTRE:
A..., Lda., com sede social na Avenida ..., ... Viseu ... Viseu, com capital social de €40 000,00, matriculada na ., sob o número único de matrícula e de NIPC ..., detentora da licença AMI n.º ..., emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, LP. (IMPIC, I.P.), adiante designada como Mediadora,
E
AA, casado(a), sob o Regime de Casamento de Comunhão de Bens Adquiridos com BB, residentes na Av. ..., ... ... ... ..., portadores do Cartão do cidadão n.º ... e Bilhete de identidade n.º ... válido até 14-05-2019 e vitalício , contribuintes fiscais n.º ... e ... , adiante designado como Segundos Contraentes, na qualidade de Proprietários é celebrado o presente Contrato de Mediação Imobiliária que se rege pelas seguintes cláusulas:
«Cláusula 1ª
(Identificação do imóvel)
O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor do prédio rústico, sito na ... no -O ... ... ..., descrito na CRP Penalva do Castelo, sob a ficha n.º ..., ..., com a licença de construção / utilização n o não aplicável, emitida pela [_________], em [__-__-___], e inscrito na matriz predial rústica com o artigo n.º ..., ... da freguesia ....
Cláusula 2ª
(Identificação do Negócio)
1 - A Mediadora obriga-se em nome do Segundo Contratante a procurar destinatário para a realização do negócio jurídico de Venda, pelo preço de €52 500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), desenvolvendo para o efeito, acções de promoção, de divulgação e de publicitação do imóvel objecto do presente contrato.
2 - Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à Mediadora,
Cláusula 3ª
(Ónus e Encargos)
[x] O imóvel encontra-se livre de quaisquer ónus ou encargos.
[ ] O Segundo Contratante declara que sobre o imóvel descrito na cláusula I a recaem os seguintes ónus e encargos [______] pelo valor de: € [________,___] ([_________]).
Cláusula 4ª
(Regime de Contratação)
1 - O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.
2 - Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência. No que respeita ao pagamento da remuneração, caso o negócio visado tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou ao arrendatário trespassante do bem imóvel, é devida à empresa a remuneração acordada.
Cláusula 5ª
(Remuneração)
1 -A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir destinatário que celebra com o Segundo Contratante o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no n.0 1 e 2 do artigo 19.0 da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro.
2 - O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração:
[ ] a quantia de % calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescido de IVA à taxa legal em vigor, não sendo essa quantia inferior a 6.000,00 (cinco mil Euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
[x]a quantia de €5 000,00 (cinco mil euros) acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
3 - O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições:
[ ] o total da remuneração aquando da celebração do contrato promessa.
[ ] [__] % após a celebração do contrato promessa e o remanescente [__]% na celebração da escritura, documento particular ou conclusão do negócio.
[x] o total da remuneração aquando da celebração da escritura, documento particular ou conclusão do negócio visado.
4 - Os intervenientes no presente contrato de mediação imobiliária abstêm-se de celebrar ou de algum modo participar em quaisquer negócios de que resulte a violação dos limites à utilização de numerário previstos no artigo 63. 0-E da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n. 0 398/98, de 17 de Dezembro, aditado pela Lei n. 0 92/2017, de 22 de agosto.
Cláusula 6ª
(Obtenção de Documentos)
1 - No âmbito do presente contrato, a Mediadora, na qualidade de mandatária sem representação, obriga-se a prestar os serviços conducentes à obtenção da documentação necessária à concretização do(s) negócio(s) visado(s) pela mediação, designadamente:
2- [ ] Pela prestação dos serviços previstos no número anterior, o segundo contratante pagará a quantia de ) acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
OU
[x] A remuneração pelos serviços referidos no número anterior considera-se incluída no montante acordado na cláusula 5ª e só será devida nos termos aí descritos.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2, a mediadora mantém, sempre, o direito ao reembolso das despesas efectuadas com a obtenção da documentação.
(Esta cláusula é facultativa e só deverá ser preenchida se as partes assim o pretenderem e acordarem)
Cláusula 7ª
(Garantias da Actividade de Mediação)
Para garantia da responsabilidade emergente da sua actividade profissional, a Mediadora celebrou um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil no valor de €150000300 (cento e cinquenta mil euros), apólice nº ..., através da seguradora C....
Cláusula 8a
(Prazo de Duração do Contrato)
O presente contrato tem uma validade de 12 meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de calta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao seu termo.
Cláusula 9ª
(Dever de Colaboração)
1- O Segundo Contratante colaborará com a Mediadora na entrega de todos os elementos julgados necessários e úteis no prazo de 15 dias, a contar da data de assinatura do presente contrato.
2 - O Segundo Contratante declara e garante que, no âmbito das disposições legais aplicáveis de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, e em relação a todos os actos e operações abrangidas pelo presente contrato, se obriga a cooperar na disponibilização de informação relevante à Mediadora, designadamente sobre a identidade das partes contratantes, do objecto do negócio imobiliário e dos meios de pagamento das transacções,
3- O Segundo Contratante obriga-se ainda a cumprir todas as disposições legais e regulamentares decorrentes do Sistema de Certificação Energética que se encontram previstas no Decreto-Lei n. 0 118/2013, de 20 de agosto, ou seja, a obrigação de providenciar, nos teimos e prazos devidos, pela emissão do respetivo Certificado Energético em relação ao imóvel objeto do presente contrato (se aplicável).
4- O Segundo Contratante obriga-se, também, a dar cumprimento às regras referentes à Ficha Técnica da Habitação, nos termos do disposto no Decreto-Lei n. 0 68/2004, de 25 de março, nos termos e prazos devidos (se aplicável).
Cláusula 10a
(Angariador Imobiliário)
Na preparação do presente contrato de mediação imobiliária colaborou o Angariador Imobiliário DD, com sede profissional em Av. ... R/C Viseu ... Viseu, portador do Bilhete de identidade no ... e contribuinte fiscal no ....
Cláusula 11ª
(Dados)
l . Em cumprimento do disposto no Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27.04.2016 (RGPD) e demais legislação aplicável, relativos à proteção das pessoas singulares, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, o Segundo Contratante,
[x] Autoriza / [ ] Não Autoriza, que os seus dados pessoais recolhidos, transmitidos ou tratados informaticamente pela Mediadora, enquanto responsável pelo tratamento, sejam incorporados na sua base de dados, bem como na base de dados da D..., S.A, entidade responsável pela marca .... Estes dados destinam-se a tratamentos para fins administrativos, estatísticos e de apresentação/divulgação de produtos e serviços comercializados.
2- A Mediadora compromete-se, designadamente, a não copiar, reproduzir, adaptar, modificar, alterar, apagar, destruir, divulgar ou por qualquer outra forma colocar à disposição ou permitir o acesso por terceiros, os dados pessoais do Segundo Contratante a que tenha tido acesso no âmbito do presente contrato, sem que para tal tenha sido expressamente autorizada, comprometendo-se a utilizá-los exclusivamente para as finalidades referidas.
3 - Mais se declara que, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 12º a 23º do RGPD, a Mediadora informou o Segundo Contratante e este tomou conhecimento dos direitos que lhe assistem relativamente aos seus dados pessoais.
Cláusula 12ª
(Foro Competente e Resolução Alternativa de Litígios)
1 - Para dirimirem quaisquer litígios emergentes da execução do presente contrato, as partes acordam entre si, estabelecer como competente o foro da Comarca de Viseu, com expressa renúncia a qualquer outro.
(Esta cláusula é facultativa e só deverá ser preenchida se as partes assim o pretenderem e acordarem)
2 - Nos termos do disposto na Lei n. 0 144/2015 de 8 de Setembro, poderá o segundo contraente, em caso de litígio ou insatisfação com o serviço prestado, recorrer a uma Entidade de resolução Alternativa de Litígios de Consumo, sendo a entidade territorialmente para este efeito o Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo, sito na Faculdade de Direito da Universidade ..., ..., ... em Lisboa ou disponível na página de internet com o seguinte endereço: www.arbitragemdeconsumo.org
Depois de lido e ratificado, as partes comprometem-se a cumprir este contrato segundo os ditames da boa fé, e vão assinar.
Feito em duplicado, destinando-se um exemplar a cada uma das partes intervenientes.
Viseu, 15 de Março, de 2019»
8. A autora conseguiu angariar um comprador, de nome FF, para os referidos imóveis, o qual aceitou pagar a quantia pretendida pelos réus para a sua aquisição.
9. Preço que foi expressamente aceite quer pela parte compradora, quer pela parte vendedora.
10. A autora procedeu à elaboração do documento escrito intitulado de «Contrato promessa de compra e venda», datado de 17 de março de 2021, no qual consta como «primeiros contratantes» e na qualidade de «promitentes vendedores» os réus, e como «segundos contratante» e na qualidade de «promitentes compradores» FF e GG.
11. O documento referido em 10. não foi subscrito por qualquer interveniente.
12. Não foi facultada à ré qualquer minuta do contrato de promessa de compra e venda referido em 10.
13. A ré recebeu uma comunicação por via postal registada, enviada no dia 18.03.2021, da qual consta como remetente: «FF - Rua ..., n.º ... 1º Dto. ... ...».
14. Consta da missiva referida em 13. que:
«FF
GG
Lisboa, 18 de março de 2021
[…]
Exmo/a(s) Senhore/a(s) AA e BB, vimos por este meio pedir informação sobre o terreno que têm à venda no distrito de Viseu, e freguesia .... Gostaríamos de saber se estariam dispostos a negociar o preço do mesmo e forma de pagamento.
Propomo-nos a pagar todos os encargos para toda a documentação e regularização do terreno e, casos seja de vossa preferência, poderão escolher um advogado para formular o contrato de compra e venda para assim terem a certeza que não agimos de má-fé.
[…]
15. FF e a ré estabeleceram contacto telefónico diretamente entre si, no qual, aquele sugeriu à ré AA a celebração do negócio da venda sem intermediação da autora.
16. A ré comunicou à autora o recebimento da missiva de 13. e do ocorrido em 15., nunca tendo colocado em causa o pagamento da comissão caso a venda viesse, efetivamente, a concretizar-se com esse potencial comprador.
17. Por motivo não concretamente apurado, não foi celebrado qualquer negócio entre os réus e o comprador angariado de nome FF, não mais tendo a autora conseguido entrar em contacto com este.
18. A autora continuou a trabalhar no sentido de angariar outros potenciais compradores para os aludidos imóveis.
19. Nesse sentido, conseguiu arranjar mais dois compradores para os prédios em questão, os quais apresentaram proposta no exato valor pedido pelos réus.
20. A autora angariou a promoção imobiliária de dois prédios rústicos que ladeavam os prédios da ré.
21. A autora comunicou à ré a proposta referida em 19.
22. Mostra-se subscrita por Poulina Burgers e Cornelis Dorpel a «proposta/reserva» de «11/06/2021», referente aos imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penalva do Castelo, sob os n.ºs «2628, 2629, 6672 e 6670», com «valor do negócio» de «96.000,00€ (noventa e seis mil euros)».
23. Após o descrito em 21., os réus não aceitaram a proposta apresentada por não pretenderem mais vender os prédios em questão, pois que decidiram manter os prédios na propriedade da família.
24. A autora aceitou a decisão dos réus tendo informado a ré mulher, por telefone, que teriam de proceder ao pagamento da comissão imobiliária constante do escrito de 6.
25. Os réus recusaram proceder ao pagamento à autora da comissão imobiliária mencionada no escrito de 6.
26. Os réus não procederam, até à presente data, à entrega de qualquer quantia monetária à autora.
27. Os dizeres do escrito em 6. foram fixados pela autora antes da sua subscrição pelos réus, sem possibilidade de alteração ou modelação por estes.
28. Os réus limitaram-se a assinar o escrito de 6.
29. Foram transmitidas à ré a exclusividade e o valor da remuneração.
30. A ré padeceu de um quadro patológico ansioso e depressivo moderado/grave, que lhe causa limitações a nível funcional e emocional, bem como nas suas capacidades cognitivas, de concentração e tomada de decisão.
31. A ré nunca viu o comprador FF.
Factos não provados
a) Que a ré não respondeu e nem contactou, por qualquer meio, o remetente da missiva referida em 13. e 14.
b) A autora estava a deparar-se com algumas dificuldades em conseguir vender as propriedades em questão por estarem ladeadas de dois outros prédios rústicos,  tendo procurado os respetivos proprietários de tais terrenos, por forma a conseguir vender as propriedades da ré.
c) Que os réus tenham sido interpelados, por missiva postal registada, pelo mandatário da autora para procederem ao pagamento da comissão acordada.
d) A ré é uma pessoa com 75 anos de idade.
e) O estado clínico referido em 30. verificava-se à data da celebração do contrato de mediação.
f) A ré desconhece o comprador angariado pela autora, de nome FF, já que nunca contactou com ele por qualquer meio.
g) Que a proposta do comprador angariado FF nunca foi comunicada à ré.
h) Que a ré alienou, ou prometeu vender a terceiro os imóveis que figuram como objeto do escrito em 6.
i) Que os dizeres do escrito referido em 6. tenham sido individualizadamente negociados entre autora e réus.
j) Que tenham sido negociados entre autora e réus, concretamente, o valor da comissão, o momento do seu pagamento, a duração do contrato e renovação automática.
k) Que tenham sido explicados o teor e as consequências do estipulado nas cláusulas 4ª e 5ª do escrito em 6.
l) Que a ré não celebraria qualquer contrato de mediação caso lhe tivesse sido esclarecida a sujeição à obrigação de pagamento da remuneração em caso de desistência da celebração de contrato.
*
Prova é, judicialmente, o conclusivo acertamento da existência ou não dos fatos probandos, manifestado em decisão fundamentada pelo julgador com base em todos os elementos anteriores atendíveis. A convicção do julgador releva como elemento funcional do conceito de prova, realizando o juízo positivo ou negativo da existência dos factos aos quais a decisão aplicará o correspondente direito.
Aceita-se/reconhece-se que a expressão/redacção da matéria de facto se afigura menos rigorosa, na medida em que, como emerge da fundamentação, adquirido ou demonstrado que alguns aspectos do clausulado negocial em apreço foram, efectivamente, negociados, no sentido em que queridos/aceites por ambas as partes: assim o preço da venda dos imóveis, a exclusividade, o objecto mediato…
Reconheça-se a ilogicidade já[10], em termos de juízos de normalidade ou regras da experiência, de se ter havido por não provado o acordo quanto ao valor ou montante da comissão… Na verdade, como é mister reconhecer, sem esforço, dois aspectos ou elementos necessários do contrato em apreço são essenciais ou decisivos para o “vendedor”, em termos de não se compreender que ao mesnos esses não sejam objecto de consideração/aceitação: o preço da venda, como valor a receber e o preço da comissão, como montante a pagar…, não se afigurando crível  ou verosímil que a Ré não tenha ao menos verificado a conformidade desse elemento antes de assinar o contrato, sendo certo que provado também que esse montante ou valor lhe foi comunicado. Em causa, pois, o teor da alínea j) dos factos não provados…
A questão prende-se com a ineficiência da formulação adoptada na redacção da matéria de facto… Assim é que utilizada terminologia conclusiva, cujo sentido comum não é inequívoco. Na verdade, comunicação de clausulado tem um sentido (quase)“jurídico”, quando se atente na causa de excepcionar, imediatamente referido à aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais; quando é certo que o sentido comum, usável ou atendível, caracteriza antes uma proposta contratual, cuja assinatura do contrato respectivo pela parte a quem é apresentada justificará, em princípio ou indiciariamente, a demonstração ou prova da aceitação correspondente e, assim, da formação do consenso contratual sobre o pertinente aspecto. Com efeito, na ausência de qualquer elemento indiciário cabal de sentido inverso, à apresentação pelo mediador das “condições” para a prestação do serviço corresponderá, naturalmente, a aceitação destas, expressa na assinatura do contrato apresentado, quando se não invoque concomitantemente a desconformidade entre o teor do contrato e as condições apresentadas[11]… O conhecimento do teor integral do clausulado e a comunicação de questões particulares de regime é questão distinta, sendo certo que a assinatura de uma vinculação contratual sem ao menos a verificação da conformidade dos elementos mais essenciais: o preço da venda e o preço da comissão se apresenta como totalmente contrária aos apontados juízos de normalidade e regras da experiência… Para mais numa situação como a decidenda, em que a Ré mulher não tinha qualquer relacionamento anterior com a Autora (e por isso não tinha razões que alimentassem uma “confiança” prévia), sendo certo que o seu depoimento não assinalou, bem ao invés, uma ignorância quanto aos aspectos atendíveis ou determinantes do tipo contratual pretendido e outorgado.
“Quando os factos têm intervenção humana ou são resultado dessa actuação, perscrutar a realidade desse facto é, antes de mais, averiguar a razão que subjaz a essa actuação, que lhe dá origem e a orienta e, sobretudo, apurar se a mesma é compatível com o quadro de actuação que qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias teria. Por isso que um dos elementos decisivos para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, i.é., a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que, por definição, possuem motivações apreensíveis, são orientados para um fim compreensível e delineados por processos intelectualmente aptos e estão de acordo com o que as regras da experiência nos ensinam ser expectável, corresponder ao devir normal. Comportamentos privados de racionalidade, opostos ou diferentes da actuação que o comum dos cidadãos teria, cuja lógica ou motivação não é sequer perceptível ou se mostra destituída de coerência, são estranhos e como tal, ainda que possíveis, são pouco prováveis, indiciando que ou o comportamento não foi realmente aquele que é afirmado ou que o seu objectivo é diferente daquele que se pretende”.[12]
Nessa parte, desde logo, a relativa à convenção do valor da comissão ou preço do serviço, impõe-se a correcção/articulação dos factos provados e não provados,  por forma a evitar a equivocidade e a corresponder ao juízo probatório que vem de evidenciar-se.
Sempre a menção conclusiva e genérica na matéria assente à global impossibilidade de alteração do clausulado se afigura, como exposto, “excessiva”, por desconforme à adquirida negociação de aspectos pontuais.
 Todavia, tem a jurisprudência decidido também que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Assim é que, se  a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto intende modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados, tendo por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, essa tarefa é-o na medida em que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados conduza a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, também acessível na base de dados da dgsi).
Donde, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, no mesmo lugar). E, assim, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10, na mesma base de dados).
Nessa medida, apesar do “excesso” ou parcial erro detectado e assinalado, não se procederá, por inútil, à alteração pontual e cirúrgica da matéria de facto, por despicienda ou inútil, para além ou a mais da anotada eliminação em sede de alínea j) dos factos não provados da referência ao valor ou preço da comissão, a qual tem de fazer-se, como exposto.
No que tange já à estipulação da duração do contrato e renovação automática, reconheça-se a falta de prova cabal da comunicação e acordo subjacentes ao redigido, posto que ninguém se lhe referindo, nem se impondo (ao contrário do que sucede com o montante da comissão devida/a pagar) de acordo com juízos de normalidade e regras da experiência como necessariamente acautelados/previstos ou visados por um contratante normalmente diligente.
Não menos verdade (o que mais explica os termos da redacção) que a controvérsia ou cerne dos autos se reconduzia “apenas”, na situação decidenda, ao teor ou termos do clausulado que rege/determina o conceito de “exclusividade” e o regime respectivo e ao acertamento da ocasião/momento do pagamento do preço do serviço, por facilidade, comissão…
Constituindo-se a sentença como um acto jurídico não negocial, valem quanto a ela as regras gerais da interpretação, nos termos e para os efeitos do artigo 295º do CC, e, assim, quando se tenha presente o objecto processual definido através das causa de pedir e de excepcionar, como contexto da decisão e a articulação entre o elenco dos factos provados e não provados e respectiva fundamentação, como expressão verbal, mister é concluir que o juízo probatório se ateve precisamente ao facto que mais relevava, ainda quando o teor literal dos factos provados e não provados peque por excesso…
 Donde, esclareça-se, também na decisão recorrida, pese embora a expressão escrita da matéria de facto, o problema não vem a ser o da natureza totalmente impositiva ou inegociada da globalidade do contrato outorgado e convocado como causa de pedir, evidentemente afastada: pelos termos do contrato e regras da experiência quanto ao objecto mediato e preço, desde logo e contrariada pela prova por declarações e testemunhal (assim depoimento das testemunhas EE e DD, aos quais se retornará) quanto à convenção de “exclusividade”…
A questão vem a ser antes a do conhecimento/informação e negociação (no sentido já de possibilidade de convenção distinta da constante do contrato assinado) do regime ou regras desta “exclusividade”, nos termos constantes do clausulado assinado, conforme Cláusulas 4ª, n.º 2, 2ª ou última parte e conexa 5ª…
Ora, nesse particular segmento (perfeitamente destacado ou esclarecido em sede de fundamentação), a prova, assim, nos termos adquiridos pelo tribunal recorrido, mostra-se perfeitamente fundamentada nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora mesma, como convocados na decisão recorrida, conhecedoras directas (únicas, aliás, dos termos da contratação)…
Desde logo, manifestamente, o que resultou dos depoimentos das testemunhas da Autora, a sua gerente, o funcionário já aludido, que foi o agente com o qual a Ré mulher acertou os termos do negócio e aludida EE (quem tratou de encaminhar a Ré e o seu propósito de venda para a agência Autora) foi que a “exclusividade”, nos termos constantes da cláusula 4ª inserta no contrato, é o único modo de trabalhar da Autora… De forma não escamoteável, reiteraram aquelas representante da parte e testemunhas que “a Autora não aceita trabalhar de outro modo”… Prova mais evidente da natureza não negociável do clausulado era difícil…
Sempre se afigura também procedente a observação na motivação da primeira instância aos termos do contrato, com o significado de corroboração periférica ou indiciária de que alguns aspectos do clausulado não eram, de facto, sujeitos a negociação… Aqui se destaca a menção ali feita, expressamente, quanto a pontos que careciam de negociação particular, cfr. cláusula 12ª… ou acordo “expresso”, a indiciar que, a contrario, outros (a mais daqueles obrigatoriamente negociados, por natureza das obrigações recíprocas) não eram susceptíveis de acertamento ou negociação…
A questão não é que um ou outro aspecto possam ser moldados pela vontade das partes, nem também quem redige ou apresenta o clausulado… Ponto é que um determinado teor ou conteúdo seja imposto por um dos contratantes sem possibilidade de alteração ou modificação pelo outro… Foi precisamente o que as testemunhas da Autora corroboraram ou atestaram unanimemente…
Ora, nessa medida, ponto era também que tivesse resultado que à ré mulher foram explicadas TODAS as implicações do regime conclusivamente identificado como de “exclusividade”… É que, ao contrário do que parece resultar da posição da Autora no recurso (como do julgamento), da simples menção ao regime da exclusividade (muito menos da menção ao seu regime legal, sempre equívoca[13]) não resulta para um declaratário normal o regime constante da 2ª parte do n.º 2 da cláusula 4ª do contrato… A “exclusividade” (num sentido corrente ou comum)  remete para uma actuação única e privativa na promoção da venda, no sentido útil e imediatamente apreensível de não poder recorrer-se a outro mediador para a ela proceder… Nada mais[14]
Ora, a Ré mesma admitiu estar ciente e ter aceite um tal regime de “exclusividade”… Mas não já terem-lhe sido explicadas a totalidade das implicações daquele regime, nos termos do contrato que lhe foi apresentado para assinatura, mormente as não evidentes ou manifestas para um não profissional do ramo…
Nessa parte ainda, perfeitamente correcta a observação na fundamentação da motivação na sentença recorrida: «Veja-se, inclusive que, questionada a confirmar se o conteúdo das cláusulas contratuais havia sido comunicado e explicado à ré, a testemunha EE limitou-se a responder que «concerteza…que era exclusividade ela sabia», sendo que, instada a explicar de que forma, então, é que a ré sabia de tal circunstância, a testemunha referiu que foi ela própria que o disse à ré, tendo referido «eu própria, no pingo doce, disse a forma como trabalhamos…que trabalhamos em regime de exclusividade, que mais ninguém pode estar a promover o imóvel» [sic].»
Ora, coincidentemente, o que as testemunhas a que a Autora se reconduz afirmaram e a Ré, de resto, confirmou,  é tão só que estava esta perfeitamente ciente da “exclusividade”, que aceitou… Quanto ao conteúdo ou regime desta exclusividade, apenas e só a referida testemunha se reconduziu à explicação do sentido, de resto comum ou apreensível, do que seja… Curioso mesmo que a testemunha não se tenha referido ou reproduzido à/a totalidade do segmento contratualizado, a induzir que uma tal realidade não foi minimamente aflorada. Ausente qualquer prova cabal de que o tenha sido, por absoluta falta de atestação por quem quer que seja, nomeadamente os intervenientes na fase da negociação…
Não se segue também que a mera assinatura do contrato pelos RR, mormente pela Ré mulher, ainda quando se considere a mediana clareza do clausulado e não estar em causa qualquer redacção enganatória, por via do tamanho da letra ou da inserção após as assinaturas, baste à demonstração da aquisição e concordância pela Ré quanto aos termos ou regime do clausulado quanto à conclusivamente assumida “exclusividade”… Na verdade, as regras da experiência e as atestadas circunstâncias da assinatura, como trazidas à audiência pela testemunha referida na motivação, EE, na ausência já de demonstração de uma efectiva e completa elucidação, como antecede, não permitem inferir que a Ré tomou perfeito conhecimento da 2ª parte do n.º 2 da cláusula 4ª, a ela dando o seu assentimento, pois, com perfeita consciência das implicações.
É certo que a assinatura de um contrato se constitui como um acto de responsabilidade e autonomia, impondo-se a um contraente medianamente diligente ao menos a leitura integral dos termos do contrato, quando redigido pela contraparte e apresentado, por forma a verificar da conformidade do clausulado à respectiva vontade.
De todo o modo, a mera assinatura  do contrato não faz necessariamente presumir aquele conhecimento integral[15], tanto mais que o que resultou da prova da Autora foi que, assentes os aspectos contratuais determinantes, assim  o objecto mediato, o preço do negócio querido, a comissão, nos termos da inferência por nós já justificada e a exclusividade, com o conteúdo estrito já explicitado, o único demonstradamente falado, a redacção do contrato o foi pela Autora, mediante a apresentação para assinatura. Não é contrário a juízos de normalidade ou a regras de experiência que a Ré tenha assumido que o contrato apresentado espelhava “apenas” os pontos efectiva ou expressamente explicitados/acordados, que não outros, mormente um “regime” da exclusividade para o qual não foi particularmente alertada, rectius, para o qual não se provou tê-lo sido.
Na medida da natureza da cláusula em apreço, como factualmente adquirida, pelas razões que já resultam da fundamentação da decisão recorrida, acertadamente, complementadas pelos argumentos ora convocados, correcta bem assim a alusão ao ónus probatório respectivo na mesma sentença.
Donde, perfeitamente correcta a valoração da prova[16] pela M.ma Juiz recorrida e totalmente improcedente a argumentação da Recorrente quanto ao erro na respectiva apreciação…
Cabe julgar, pois, insubsistente a pretendida alteração da matéria de facto pretendida pela recorrente, mantendo-se aquela nos termos decididos pela primeira instância, com a ressalva acima.  
ii.
Desde logo, afastada, pelas razões expostas, a pretendida alteração da matéria de facto provada e não provada, não cabe apreciar da discordância jurídica da recorrente a partir, precisamente, da matéria de facto “corrigida” como invocado no recurso.
De todo o modo, a recorrente não deixa de se reconduzir ao erro na apreciação jurídica da causa, mediante a consideração da aplicação à situação decidenda do regime legal das cláusulas contratuais gerais.
Sem razão, adiante-se.
Segundo o art. 1º nº 1 e 2 do DL nº 446/85 de 25/10 com as alterações decorrentes dos DL n.º 220/95 de 31.08 e DL n.º 249/99 de 7/07, as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo referido diploma, o qual se aplicará igualmente a cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
Segundo C. Mota Pinto[17], “os contratos de adesão são os contratos celebrados através da aceitação de cláusulas previa e unilateralmente redigidas para todos os (ou para determinada categoria) de contratos que a empresa venha a celebrar no futuro, as denominadas cláusulas contratuais gerais ou condições negociais gerais.”
Para Almeno de Sá[18], “as cláusulas contratuais gerais são as estipulações predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem negociação individualizada ou possibilidade de alterações singulares.”
A generalidade da Doutrina e Jurisprudência reconduzem as características imprescindíveis da figura das cláusulas contratuais gerais, conforme resulta da própria formulação legal: pré-formulação, generalidade e imodificabilidade. Neste sentido,  Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 244-245; Almeida Costa e A. Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, pág. 17; I. Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 2002, pág. 318-319 e A. Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil , Almedina, 2003, pág. 340-342; por todos,  Ac STJ de 29.10.2009, Proc. Nº 2157/06.8TVLSB.S1.
Como escreve A. Pinto Monteiro[19], “um número significativo de contratos, em vez de serem precedidos de uma discussão prévia em ordem a conformar o seu conteúdo à medida da vontade e dos interesses de ambos os intervenientes, passam a traduzir, de facto, a vontade e interesses de um deles apenas, normalmente uma empresa, que predetermina unilateralmente, no todo ou em parte, o seu conteúdo, elaborando, para o efeito, condições gerais destinadas a integrar o conteúdo dos múltiplos contratos a celebrar no futuro, mediante a sua oferta, em massa, ao público interessado.
A liberdade da contraparte fica praticamente limitada a aceitar ou rejeitar, sem poder realmente interferir, ou interferir de forma significativa, na conformação do conteúdo negocial que lhe é proposto, visto que o emitente das condições gerais não está disposto a alterá-las ou a negocia-las. Se o cliente decidir contratar, terá de se sujeitar às cláusulas previamente determinadas por outrem, no exercício de um lawmaking power de que este, de facto, disfruta, limitando-se aquele, pois a aderir a um modelo pré-fixado.”
Em causa contratos-tipo, que se apresentam pré-elaborados aos potenciais clientes e que estes se limitam a aceitar, assinando, aderindo ao clausulado predeterminado pelo predisponente, sendo a negociação individualizada restrita a aspectos pontuais.
Irreleva a natureza da entidade emitente ou predisponente, sendo certo que a categoria de franchisada da Autora, a justificar a inferência pela necessidade de observar as determinações da “casa-mãe”, mais a exclui do quadro aduzido nas alegações de recurso, de “mera” pequena agência imobiliária do interior…
Sempre inadmissível, à luz do primado da vontade real e recíproca auto-vinculante, princípio estruturante da contratação,  a imposição de um contrato de adesão (ou de uma única cláusula de adesão, como se verá),  sem que previamente seja comunicado todo o seu conteúdo ao aderente, sem o conhecimento, pois, dos termos integrais do clausulado, de forma adequada e com a antecedência necessária para que se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência…Daí que a lei tenha imposto que recai sobre o predisponente a obrigação de provar que efectuou essa comunicação para que dessas cláusulas se possa fazer valer.
A massificação de determinado tipo de relações contratuais implicou a estipulação de condições ditas gerais, aplicáveis a todos os contratos de um determinado tipo, elaboradas pelo predisponente, sem a intervenção do outro contraente, limitando-se este último a aceitá-las, reconduzindo-se às denominadas cláusulas contratuais gerais, regidas pelas disposições do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
Sendo certo que uma das suas características identificadoras é a pré-elaboração, destinando-se o modelo a ser usado num conjunto indefinido de contratos; todavia, quando se diz que as cláusulas contratuais gerais são pré-formuladas para adesão não se significa, como, a propósito dos artigos 2º e 7º do regime legal se esclarece, que elas não possam, em alguns casos, ser parcialmente negociadas: isto é, não deixam de qualificar-se como tais os contratos em que uma ou outra clausula foi negociada especificamente, nem o regime deste Decreto-Lei deixa de lhes ser aplicável. Cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.03.2022, acessível na base de dados do ITIJ.
Almeno de Sá[20] esclarece que é essencial que as cláusulas hajam sido pré-formuladas “para uma generalidade de contratos ou uma generalidade de pessoas”, o que “implica que a proposta não seja projectada tão-só para a concerta conclusão de um contrato com um sujeito determinado, mas antes para funcionar como base de um uniforme regulamento jurídico, dirigido a diversificados parceiros negociais”; não interessa todavia saber se as cláusulas em jogo se aplicaram, de facto, numa multiplicidade de casos; decisivo é tão só o propósito da sua utilização numa série de negócios, assim se revelando fundamental […] a finalidade intencionada com a pré-elaboração.”
Desde logo, pelas razões expostas em sede de motivação da matéria de facto, ao menos no que concerne à clausula sob 4, 2, 2ª parte do contrato apreciando, aquele conteúdo ou regime é geralmente imposto unilateralmente pela mediadora (assim por todas as franchisadas da organização em causa), de tipo padronizado, pré-elaborado, sem possibilidade de negociação individualizada pelo universo generalizado dos potenciais clientes ao qual é apresentado (ressalvado o aspecto do preço da venda ou do montante da comissão), os quais se limitarão a aceitar sem possibilidade de discutir ou modificar o conteúdo que lhes é proposto, assumindo verdadeira natureza de contrato de adesão, ou contrato individualizado com recurso a cláusulas contratuais gerais.
Não se trata, pois, da natureza global ou completa de contrato de adesão, bastando para a aplicação do regime que o contrato  contenha cláusulas contratuais gerais… Ainda nesse caso, a comunicação na íntegra do clausulado contratual ao contraente “aderente” antes que este assine o contrato deverá ser assegurada , por forma a que tome consciência e decida de forma informada se aceita ou não vincular-se nos termos que lhe são apresentados, sob pena de no futuro a predisponente, se tiver omitido tal comunicação, não poder dele exigir o cumprimento de obrigações que apesar de contidas num contrato por ele assinado, não lhe foram devidamente comunicadas e informadas.
De resto, na situação aprecianda, os termos do contrato outorgado reproduzem o modelo da Portaria n.º 228/2018, de 13.08, a qual veio fixar um modelo de contrato de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais (MCMI)[21].
O documento subscrito pelas partes como contrato é, como dele resulta um impresso com texto pré-escrito, com alguns espaços em branco para ajustamento ao caso concreto, tais como para a identificação das partes, do imóvel a transacionar, identificação do negócio a mediar e indicação do respetivo preço, valor da remuneração e modo do seu pagamento.
Manifesto que para a aplicação daquele regime das CCG e do regime de ónus de prova de comunicação e informação a cargo da parte que pretende beneficiar das respectivas clausulas, é suposto que o interessado cumpra o ónus de alegação e prova da factualidade necessária ao enquadramento do contrato no âmbito da LCCG. Por todos, o Acórdão da Relação do Porto de 26.09.2023, acessível na base de dados da dgsi.
Alguma jurisprudência do STJ tem mesmo considerado que o interessado na aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais tem que demonstrar que as cláusulas em apreço foram pré-elaboradas pela predisponente e foram impostas pela mesma sem que a contraparte tenha tido possibilidade de as negociar ou influenciar o seu conteúdo (neste sentido, entre outros, AC STJ 18.02.2014, Proc. n.º 1630/06.2YRCBR.C2.S1, e AC STJ de 9.07.2015, Proc n.º 36/14.4YRLSB.S1, ambos in www.dgsi.pt).
Como se refere, de forma lapidar, no citado aresto do STJ de 18.02.2014, “as cláusulas contratuais gerais são caracterizadas por três elementos fundamentais: pré-formulação; generalidade e imodificabilidade. Previamente à validade de alegadas cláusulas contratuais gerais, à luz do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, tem de haver demonstração probatória, a cargo da parte que quer beneficiar da aplicação desse regime, de que se está perante clausulas contratuais gerais.”
O que vale por dizer, que tinha a Ré (interessada em beneficiar do regime jurídico das CCG) que alegar e demonstrar que o clausulado do contrato por cuja nulidade pugnava foi previamente elaborado pela Autora/apelante, e sujeito à sua adesão, sem negociação individualizada ou possibilidade de modificação do conteúdo da proposta efectuada, mormente quanto a aspectos concretos/particulares.
E, no caso sub judice, a factualidade exigida ou suposta para a aplicação daquele regime das CCG mostrava-se alegada pela Ré e, veio a ser considerada demonstrada pela interessada, tal como ficou exarado na decisão da matéria de facto, mantida no segmento que releva, conforme apreciação que antecede a presente análise.
A aludida Lei não deixa de regular “as cláusulas pré-elaboradas para um contrato individual, cujo conteúdo o destinatário não pôde influenciar” e podendo o contrato de mediação imobiliária conter cláusulas deste tipo, devem submeter-se ao regime da LCCG”. Neste sentido, por todos, Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2.ª edição atualizada, revista e aumentada, Almedina, 2020, págs. 105/106 e citado Acórdão da Relação do Porto de 21.03.2022, na base de dados da dgsi.
Analisando o contrato outorgado, bem como o essencial da matéria de facto dada como provada, impõe-se concluir que o negócio celebrado entre as partes se encontra efectivamente sujeito à disciplina consignada no Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, reservada para as denominadas cláusulas contratuais gerais.
Do contrato constam cláusulas pré-elaboradas pela A., que pela sua natureza e inserção formal no texto do documento em causa, não foram, como demonstrado, objecto duma negociação individual “cláusula a cláusula”. É certo mais resultar a possibilidade de fixação de condições particulares quanto a aspectos  pontuais ou específicos daquelas condições gerais…Mas tal não invalida que, para além ou para lá dos pontos concretos necessariamente objecto de negociação, o aderente esteja limitado à assinatura do contrato com o clausulado que lhe é apresentado, sem discussão ou negociação quanto a aspectos relevantíssimos, como sucede com o segmento apreciando, sendo sempre possível que o mesmo não veja ao pormenor todo o clausulado, aderindo desse modo a um determinado clausulado contratual (podendo sê-lo uma única cláusula ou até um segmento desta)  pré-estabelecido por uma única parte. Pelo que, há aqui um espaço que faz relevar a consideração duma mera adesão do cliente da A., que obriga à aplicabilidade ao caso do disposto no Dec.Lei 446/85 de 25 de Outubro.
Efectivamente, o teor e a articulação do contrato traduz uma disciplina contratual minuciosamente gizada, em bloco, que foi elaborada de antemão pela proponente, destinando-se a uma generalidade de destinatários, tendendo, no seu essencial, a não ser objecto de modificação relevante ou significativa.
Neste contexto, não é pelo facto da Ré haver acordado, avulsamente, algumas das suas cláusulas que, na ausência de prova concreta acerca da específica negociação travada entre A. e R. o contrato deixará de se integrar na negociação pré-definida pela proponente e com carácter de imutabilidade e rigidez.
Tal contrato deverá, nessa parte, no que concerne portanto às suas condições gerais, ser qualificado como um verdadeiro contrato de adesão, encontrando-se, nessa medida, indubitavelmente sob a alçada do regime previsto no Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações constantes do Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho e do Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto.

De todo o modo, realça-se que também o ónus de prova de que uma cláusula contratual (ou todas elas) resultou(ram) de negociação prévia entre as partes sempre recairia sobre quem se tenha prevalecido do seu conteúdo, que no caso em apreço foi a Autora, nos termos e para os efeitos do art. 1º nº 3 do DL nº 446/85...
Decidido que o contrato sob apreciação também se deve submeter às regras previstas no DL nº 446/85, as estipulações gerais que dele constem apenas integrarão o contrato celebrado desde que a respectiva aceitação pelo aderente, ainda que tenha subscrito o contrato, tenha sido precedida da sua comunicação informada por parte de quem propõe tais cláusulas - artigos 5º e 6º do DL 446/85 de 25 de Outubro.
Tal como está consagrado no art. 5º as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, devendo a comunicação ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
O referido dever de comunicação existe para possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de clausulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, por forma a poder decidir, de forma informada e esclarecida, se celebra o contrato naqueles termos e se submete à disciplina pré-estabelecida pelo predisponente. Almeno de Sá[22] explica ser "possível detectar, neste pressuposto aparentemente unitário, duas exigências analiticamente decomponíveis: a comunicação integral das cláusulas e a necessidade de proporcionar à contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo".
Se é certo que o art.º 5º, nº 3 do referido DL 466/85 de 25 de Outubro, dispõe que o ónus de prova da adequada e efectiva comunicação cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais, tal não dispensa o contraente que se queira fazer valer das consequências da violação do referido dever de comunicação e de informação, de alegar essa violação de forma expressa, nomeadamente que celebrou o contrato sem que o predisponente lhe tivesse comunicado ou prestado os devidos esclarecimentos, quanto a uma ou a todas as cláusulas, como foi oportunamente alegado pela aqui Apelada.
Esta suscitou na contestação a questão do não cumprimento por parte da Autora do dever de comunicação e de informação imposto pelos arts.º 5º, nº1, do DL 446/85 de 25/10, e de informação e esclarecimento relativamente ao conteúdo da cláusula que se constituía como fundamento contratual para a peticionada condenação no pagamento do valor da comissão (voltar-se-á a esta afirmação), previsto no art.º 6º, nº 1 do mesmo diploma legal.
Não obstante à Ré incumbisse alegar a inobservância pela A daqueles deveres de comunicação e informação das cláusulas do contrato sob apreciação, era já à Autora que  cabia provar ter cumprido aquelas obrigações.
Trata-se, como adiantado, de um dever ou obrigação que incumbe a quem pretenda prevalecer-se das cláusulas contratuais gerais e, como tal, segundo o citado art. 5º n.º 3 do regime convocado e aplicável, a respectiva prova pertence ao predisponente de contratos que delas façam uso- disposição esta que afasta o regime geral do ónus da prova.
Isso mesmo tem sido decidido, de forma consolidada, pela Jurisprudência, dando-se nota, entre outros, do Ac STJ de 21.4.2022 (proferido no Proc. Nº 2502/21.6T8VNG.P1.S1) e do mais recente Ac RP de 29.6.2023 (proferido no Proc. Nº 12734/21.1T8PRT.P1), ambos publicados em www.dgsi.pt, cujos segmentos decisórios, atinentes aos ónus de alegação e ónus de prova, porque transponíveis para a decisão do caso sub judice, se passam a transcrever:
“Para obviar ao risco de desconhecimento das cláusulas do contrato, o legislador impôs ao contratante o dever de comunicação das cláusulas e o dever de informação sobre os elementos relevantes (artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85), cabendo também a este o ónus de comunicação adequada e efectiva das clásulas contratuais gerais que constem do contrato proposto ( artigo 5º, nº 3)”( Ac RP de 29.6.2023);
-“Se de um lado cabe ao predisponente das cláusulas gerais o ónus de prova de uma comunicação adequada e efectiva (art. 5º nº 3 LCCCG), de outro lado cabe ao destinatário da cláusula que se pretende afastada, ou a quem beneficia desse afastamento, o ónus de alegação de que os mencionados deveres de comunicação e de informação não foram cumpridos.
Mesmo que o aderente não procure inteirar-se cabalmente do conteúdo contratual que aceita, a lei confere-lhe proteção em face do proponente, posto que não é a iniciativa do cliente que se sindica, no conhecimento das condições gerais do seguro, mas o cumprimento pelo utilizador das condições a tal conhecimento. Por todos,  Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato - As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, pág. 372.
A partir do momento em que a Ré alegou que determinado clausulado (com as características supra afirmadas) não foi negociada nem lhe foi comunicada, era à Autora que incumbia o ónus da comunicação adequada e efectiva (…)” (Ac STJ de 21.4.2022).
Da factualidade apurada nos autos resulta não haver um único facto que demonstre ter a Apelante comunicado na íntegra à Ré o conteúdo integral  da convenção predisposta de “exclusividade”, decisivamente o que respeita ao segmento final do n,º 2 da cláusula 4ª,  nem sequer que lhe tenha propiciado a possibilidade de conhecimento das cláusulas contratuais do referido contrato de forma prévia à sua assinatura e em termos tais que esta a pudesse ter conhecido agindo com diligência comum. A mera possibilidade de leitura pela signatária do teor integral do contrato, no contexto da única explicação demonstrada quanto ao significado da “exclusividade” imposta não se reconduz ao cumprimento das obrigações especiais que se apresentavam à Autora…
Como se pode ler no Ac STJ de 3.10.2017[23], “os deveres de comunicação e de informação, que decorrem, respectivamente, dos arts. 5º e 6º da LCCG, concretizadores dos deveres pré-contratuais previstos no art. 227º do CC, são distintos: (i) o dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo; (ii) o dever de informar dirige-se essencialmente à percepção do conteúdo e corresponde à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento real pelo aderente”.
No Ac STJ de 9.3.2022[24] reforça-se tal conceito, afirmando-se que “dos factos provados não resulta demonstrado, de forma inequívoca, que ao autor foi dado prévio conhecimento do teor das cláusulas gerais a que aderiu, ou colocado em condições de se inteirar do seu conteúdo para, de forma esclarecida, subscrever o contrato de seguro”, o mesmo ocorrendo no caso que nos cabe decidir.
No caso sub judice afigura-se-nos inexistir, pois, prova do cumprimento do dever básico e essencial de comunicação do conteúdo do contrato, não resultando a comunicação daquele regime predisposto da exclusividade (para além da impossibilidade de cometimento da venda a outrem) antes da conclusão do contrato, de modo a proporcionar aos RR a indispensável reflexão e um conhecimento completo e efectivo do clausulado[25] (o que possibilitaria aos Réus tomar efectivo conhecimento de que estavam a assumir obrigações de satisfazer o valor da comissão ainda quando não tivesse lugar a venda, mormente em situações de desistência do negócio) não podendo o eventual desleixo dos Apelantes aquando da assinatura daquele documento (entre vários outros documentos que assinaram), anular as consequências da falta de comunicação que a lei impunha à Apelada.
Embora tal dever de comunicação não exclua a autorresponsabilidade do contraente que o vai assinar, preciso seria que o contrato lhe fosse dado a conhecer antes da assinatura e, caso assim sucedesse, se o destinatário das cláusulas contratuais gerais se demitisse de as ler ou de tomar conhecimento do seu conteúdo, é que se poderia colocar a questão de eventual actuação abusiva na invocação da falta de comunicação (a este propósito vide Daniel Bessa de Melo, Revista Julgar, Dezembro de 2021).
No entanto, a Apelada não alegou que aos Apelantes foi dada a possibilidade de conhecer o conteúdo daquele contrato com a antecedência necessária à sua assinatura.
Tal como se salientou também no citado Ac STJ de 8.4.2010 a propósito desses deveres de comunicação e informação, “este dever de comunicação, situado na fase de negociação ou pré-contratual, destina-se a que o aderente possa conhecer, com a necessária antecipação relativamente ao momento da consumação do negócio, o respectivo conteúdo contratual, de modo a poder apreendê-lo, nas suas efectivas e reais consequências prático-jurídicas, outorgando-lhe, deste modo, um espaço de reflexão e ponderação sobre o âmbito e dimensão das vinculações que lhe irão resultar da celebração do negócio.”
Tendo em conta o circunstancialismo que rodeou a assinatura do contrato, como já adiantado é de admitir que os RR tenham subscrito o mesmo sem atender aos termos integrais da “exclusividade” predisposta pela A…Porém, foi esta quem descurou a obrigação de lhes comunicar o conteúdo total ou pertinente do contrato.
Donde, independentemente da falta de diligência que se pudesse apontar aos RR, era à Apelante que competia comunicar e esclarecer o sentido integral/completo e cabal das cláusulas daquele contrato, designadamente as obrigações que decorriam daquele no caso de frustração da venda mediada por desistência/desinteresse dos vendedores.
Não estando demonstrado que o tenha feito, não poderá a Apelante prevalecer-se daquele clausulado para exigir o pagamento da comissão contratada, pois a lei determina que, não sendo a prova aí referida produzida, o tribunal considere a cláusula como não negociada.
De forma mais explícita e com relevância para a presente decisão, refere Ana Prata[26] que “o nº 3 estabelece- tal como o último § do nº 2 do artigo 3º da directiva transposta- que o ónus da prova de comunicação adequada e efectiva cabe ao predisponente das cláusulas, significando isto que, se, depois de celebrado um contrato com base em cláusulas contratuais gerais, o aderente vier impugnar o contrato ( ou uma parte do seu clausulado), alegando que não o conheceu, não tem ele de provar que lhe não foram concedidas possibilidades de conhecimento. Ao invés, é ao predisponente que cabe a prova de que cumpriu esta obrigação, isto é, de que proporcionou ao aderente as condições para que ele conhecesse completa e efectivamente o regulamento contratual; se não conseguir produzir tal prova, corre o risco de ver essas cláusulas retiradas do contrato, nos termos do art. 8º-a).”
Ora, quanto às consequências dessa ausência de prova da aludida comunicação das cláusulas contratuais gerais, a lei também não deixa dúvidas ao consignar no art. 8º, al. a) da citada LCCG que tais cláusulas (não comunicadas) se consideram excluídas dos contratos onde sejam inseridas (sobre esta matéria vide, Almeno de Sá, ob. cit., pág. 251 e Ana Prata, Contratos de Adesão e Clausulas Contratuais Gerais, cit, pág. 266; Ac STJ de 7.3.2023, Proc. Nº 747/16.0T8VLG.P1.S1).
Ora se assim é, num caso como o sub judice, em que a Ré alega não lhes terem sido comunicadas as concretas cláusulas contratuais que fundamentam a pretensão, desconhecendo aquele particular conteúdo contratual que se limitaram a assinar e a Autora/recorrente/ predisponente não prova ter cumprido essa obrigação de comunicação, ter proporcionado as condições para que fosse conhecido aquele conteúdo da convenção de exclusividade no contrato previamente à sua assinatura, a consequência da omissão dessa obrigação será a exclusão dessa cláusula do referido contrato…
Como tal, cabe agora e finalmente apreciar se a concreta conduta dos RR, a da desistência do negócio, na ausência já do regime contratual que se houve por excluído, se reconduz ao incumprimento das obrigações validamente assumidas e qual a respectiva consequência.
Não suscita discordância o enquadramento jurídico constante da sentença recorrida quanto à natureza ou tipo contratual em causa.
A presente acção tem como causa de pedir o direito do mediador à remuneração prevista num contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora e os RR. A qualificação da relação contratual donde se alega emergir aquele direito como contrato de mediação imobiliária não suscitou nos autos qualquer divergência, sendo acolhida por ambas as partes e na decisão recorrida.
“Como é sabido, o contrato de mediação é aquele em que alguém (o mediador) se obriga perante outrem (o comitente ou solicitador) a promover, mediante remuneração, a aproximação de duas ou mais pessoas (o comitente e terceiros), com vista à conclusão entre elas de determinado negócio, ou seja, a preparar e estabelecer uma relação de negociação entre o interessado na celebração do negócio e os terceiros.
Para Vaz Serra, na já longínqua Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 1967, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, n.º 3355, pág. pág. 343, o contrato de mediação é o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte».
Segundo Lacerda Barata, in Contrato de Mediação, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, pág. 192, «o contrato de mediação pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição».
Para Maria de Fátima Ribeiro, in Contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, Revista de direito comercial, 2017 (www.revistadedireitocomercial.com), pág. 227, «o mediador apenas adquire o direito a ser remunerado se exercer a sua actividade; mas, a menos que tal resulte expressamente do contrato de mediação, dificilmente se pode determinar, em termos muito exactos, em que actos deve ela consistir, sendo apenas relevante que essa actividade (material) tenha sido causal do negócio que o comitente veio a celebrar com terceiro(..). Por outras palavras, não se exige nenhum grau de esforço específico, nem é necessário que o mediador intervenha em todas as fases do negócio. Porém, deve ter agido de modo a proporcionar a aproximação entre o comitente e o terceiro especificamente interessado no negócio que o comitente quer celebrar.»”[27]
Estamos, pois, perante um contrato de mediação imobiliária regido pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, conforme aliás consta do texto do próprio contrato.
No caso vertente, não vem questionado que a Autora diligenciou para encontrar interessados em comprar o imóvel para cuja venda os Réus celebraram o contrato de mediação imobiliária. Não se questiona que a Autora realizou a actividade de mediação imobiliária, tendo, de resto, emergido provado que, em resultado dessa sua actividade, obteve dois interessados dispostos a pagar o preço pretendido pelos Réus para vender os imóveis objecto mediato do contrato, nos termos da matéria provada sob 19 e 22 e 23.
O que de essencial se discute nos autos, ab initio, é se a Autora pode exigir dos RR o pagamento da remuneração prevista no contrato, muito embora não tenha sido celebrado o contrato de compra e venda visado pela mediação por os clientes terem, entretanto, decidido não vender os imóveis, rectius, por terem desistido da venda.
Desde logo, muito embora não se tenha apurado a convenção de renovação automática, a matéria provada é apta a permitir a inferência pela manutenção do contrato à data da comunicação pela Autora aos RR da existência de interessados em condições de proceder à aquisição nos termos pressupostos… Assim quando se considere que a actuação dos RR aquando da proposta primeira que se frustrou é correspondente ao reconhecimento da manutenção do contrato de mediação. Sempre não colocam em causa a vigência deste aquando da comunicação dos interessados que efectuaram o depósito da reserva…
De todo o modo e é aqui que divergimos da fundamentação, ainda quando implicando decisão idêntica, não se segue que, visto o que antecede quanto à falta de comunicação do regime correspondente à convencionada exclusividade quanto à obrigação de pagamento da comissão, que caiba agora apurar da verificação da previsão do regime legal correspondente à exclusividade[28], no pressuposto agora da aplicação deste sem mais…
Tal esvaziaria de utilidade ou préstimo a solução que o regime das cláusulas contratuais prevê para a hipótese versada, precisamente por emergir caracterizada uma falta de vontade de vinculação do contraente não esclarecido…, que não pode assumir um conteúdo ao qual não se vinculou.
De resto, o RJAMI prevê o contrato de mediação com cláusula de exclusividade, conferindo-lhe um regime próprio: o acordo de exclusividade tem de constar obrigatoriamente do contrato, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente (art. 16, n.º 2, al. g)).
Focando-nos para já na al. g) do n.º 2 do art. 16, a norma dispões sobre dois aspetos diferentes do contrato de mediação em regime de exclusividade: por um lado, a sua formação, necessariamente sujeita à forma escrita; por outro, os seus efeitos concretos, cuja especificação se deixa na disponibilidade das partes, mas que têm de constar obrigatoriamente do texto contratual.
Vejamos.
Foi a partir do Dec.-Lei n.º 77/99, de 16.3 (diploma que regulou o exercício de atividade de mediação imobiliária em substituição do Dec.-Lei n.º 285/92, de 19.12 e que antecedeu o Dec.-Lei n.º 211/2004), que o legislador veio estabelecer que a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (n.º 1 do art.º 19.º desse diploma), admitindo como exceções o já supra referido quanto à contratação em regime de exclusividade e nos casos de celebração de contrato-promessa (n.º 2, alíneas a) e b) do art.º 19.º).
Como se afiança no Acórdão da Relação de Lisboa de 29.09.2016, acessível na base de dados da dgsi, que aqui seguiremos de muito perto: «Procurou-se, como consta no Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 77/99, clarificar “questões que no domínio da anterior legislação motivaram inúmeras reclamações por parte dos consumidores”. Conforme dizia Sara Gouveia, representante do Instituto do Consumidor no I Congresso da Associação das Mediadoras Imobiliárias do Norte, “as queixas que o Instituto do Consumidor recebe provêm de pessoas que muitas vezes não percebem quais são as consequências da celebração de um contrato em regime de exclusividade e em regime de não exclusividade, nomeadamente no que se refere ao pagamento da comissão e da remuneração ao mediador imobiliário” (edição de Vida Económica, setembro de 2002, pág. 34).»
Sempre o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (LCCG), acima convocado e aplicado, enfrenta o problema emergente da celebração de contratos cujas cláusulas são apostas sem prévia negociação de uma das partes, que a elas adere sem possibilidade de contrapor disposições mais adequadas aos seus interesses. Tal situação determina que o aderente se obriga a regras que desconhece ou não compreende e que, frequentemente, desequilibram o programa contratual em benefício do predisponente.
Em causa já, na feliz expressão de Ana Prata[29] «a garantia do conhecimento do clausulado contratual e a consequente liberdade e consciência da declaração de adesão, questão essencial no quadro deste regime».
Donde, a circunstância de a A., na formulação do texto que apresenta aos seus clientes para estes assinarem, se inspirar ou transcrever elementos contidos numa minuta aprovada pelo organismo público encarregado de intervir na atividade de mediação imobiliária ou sequer elementos do regime legal supletivo, não determina a subtração dessas cláusulas ao regime da LCCG.
Nas situações, como a decidenda, em que em causa cláusulas típicas aprovadas pelo legislador, continuando a seguir de muito perto o referido Acórdão da Relação de Lisboa, estão em causa “heterolimitações legais da autonomia privada” (Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, Almedina, 1986, páginas 20 e 21). Entende-se que nas cláusulas previstas na lei o legislador procedeu a uma adequada ponderação dos interesses em presença. Presunção, porém, que “não garante que sejam conhecidas e/ou compreendidas pelos aderentes. Muito passado vai o tempo em que se entendia que o erro de direito era necessariamente culposo, o mesmo é dizer que se exigiria a um sujeito de diligência média o conhecimento dele” (Ana Prata, obra citada, pág. 195).
No contrato apresentado pela A. para que os seus clientes assinassem constava que a mediação seria exercida pela A. em regime de exclusividade.
A lei da mediação imobiliária não impõe que os contratos de mediação imobiliária sejam sujeitos ao regime de exclusividade. E também não estipula que tal regime deve vigorar no contrato, no caso de as partes nada acordarem quanto a essa matéria. Ou seja, no contrato sub judice a cláusula da exclusividade não resulta de norma imperativa em sentido estrito ou de norma supletiva. Dimana, tão só, da iniciativa da predisponente, a que a aderente deu assentimento pela subscrição formalizada no contrato.
A adesão ao regime de exclusividade não escapa, pois, como já adiantado, ao controlo próprio da LCCG (cfr., neste sentido, Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária, 2015, Almedina, pág. 100, onde se escreveu: “o teor das normas que o RJAMI [regime jurídico da atividade de mediação imobiliária] destina à regulação do acordo de exclusividade não impede que este acordo seja inserido em cláusula contratual geral e que os contratos de mediação com acordo de exclusividade possam ser simultaneamente contratos de adesão. As duas situações estão em planos distintos, ainda que intersetáveis: o regime de exclusividade previsto no RJAMI é estabelecido por causa do conteúdo da cláusula de exclusividade; a disciplina da LCCG é conferida por causa de um especial modo de formação do contrato (através de cláusulas contratuais gerais).”
De todo o modo, o que a lei exige já é que as consequências da exclusividade constem do texto do clausulado e, consequentemente, por via agora daquele RLCCG que estas sejam bem assim comunicadas e explicitadas ao contratante a quem é apresentado…
Sempre a exigência de que as consequências da exclusividade constem do texto do clausulado evidenciam a intenção do legislador de garantir ao consumidor o conhecimento necessário a uma vinculação consciente e informada.
No caso dos autos, como se viu, o documento apresentado configura-se, desde logo quanto à convenção de exclusividade, como um contrato de adesão, não tendo sido produzida prova em sentido contrário. Como se viu também, nos termos do art.º 8.º da LCCG, “consideram-se excluídas dos contratos singulares: a)As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º; b)As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo…
No caso dos autos, resultou não provado que previamente à assinatura do contrato ou aquando da subscrição deste (para além do teor escrito daquele, insuficiente, nos termos supra), a Autora informou a Ré que seria igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação, celebrado em regime de exclusividade, não se concretizasse por causa imputável ao cliente proprietário. Nem também que a A. esclareceu a Ré sobre os termos da remuneração devida (assim ocasião ou condições do seu pagamento).
Ora, a prestação de tal informação era tanto mais importante quanto o texto expresso no contrato também reportava o pagamento da remuneração ao momento de concretização efetiva do negócio mediado, conforme cláusula 5ª.
Ora, quanto aos efeitos da contratação da A. em regime de exclusividade, adquirido que a Ré ficou ciente de que a contratação em regime de exclusividade implicava que só a Mediadora contratada tinha o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência, não provado já que aquela tenha ficado ciente, por omissão da Autora, nos termos já caracterizados,  do mais relevante e gravoso efeito para o cliente-aderente, que era a sujeição à obrigação de pagamento da remuneração no caso de desistência da celebração de contrato com cliente angariado pela mediadora…
A redução do contrato imposta pelo regime da LCCG implica, necessariamente, a não aplicação da cláusula do contrato que determinava a obrigação de pagamento da remuneração à A. no caso de não concretização do negócio mediado por facto imputável à R.. Note-se que, nos termos do art.º 9.º da LCCG, os contratos com cláusulas excluídas por violação do dever de comunicação e/ou informação mantêm-se, “vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.” Ora, as “normas supletivas” aqui aplicáveis não são aquelas que, nos casos de angariação em regime de exclusividade, concedem à mediadora o direito à remuneração no caso de desistência do negócio por parte do cliente (trata-se de norma supletiva, porque nada obsta a que as partes convencionem solução mais favorável ao cliente da angariadora), mas as normas aplicáveis quando não há que considerar o regime de exclusividade, ou seja, a não exigibilidade de remuneração em caso de não concretização do negócio tido em vista no contrato de mediação.
Sendo certo que, no caso destes autos, a A. não deixou de beneficiar da situação de exclusividade, ou seja, do monopólio, ao longo de largo tempo, na busca de comprador para os imóveis em causa. E sendo certo, também, que nestes autos não está em apreciação o direito da A. a ser compensada pelas despesas eventualmente suportadas com a execução do contrato, como bem se anotou já na decisão sob recurso.
Não há lugar na situação decidenda à consideração do regime do artigo 19º, n.º 2 da Lei da Mediação, porquanto excluído aquele efeito ou consequência da convencionada exclusividade (mantendo-se já o conhecido e querido impedimento à contratação de outra mediadora, único conteúdo contratual reciprocamente vinculativo quanto aos termos da “exclusividade” eficazmente contratada), nos termos da aplicação do regime das CCG, como justificado.
Nessa medida, assim reduzido o contrato, como se impõe, não cabe ponderar da aplicação daquela consequência “legal”, por ter de haver-se a mesma por excluída do contrato.
Cabe, consequentemente, ainda quando com fundamentação não totalmente coincidente, confirmar a absolvição dos RR do pedido.
III.
Pelo exposto, nega-se provimento à apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Notifique.

Porto, 22 de Fevereiro de 2024
Isabel Peixoto Pereira
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
__________________
[1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, pág.164.
[2] Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165.
[3] Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166.
[4] Ob. citada, págs. 274 e 277.
[5] Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 569, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.”
[6] O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil.
[7] Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
[8] Por todos, o Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. n.º 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609.
[10] E até alguma contradição entre o facto assente sob 29 dos provados e aquele não provado em j) quanto ao valor da comissão. Com efeito, comunicado, como demonstrado, o valor ou custo do serviço a prestar, como é imperioso concluir-se tê-lo sido, naturalmente que inferível o acordo sobre esse particular, mediante a assinatura do contrato. É o que impõem, novamente, juízos de normalidade e regras da experiência comum.
[11] Vazia já e inverosímil a alegação do completo desconhecimento de todo o conteúdo de um contrato… Como é bom de ver, fora das situações de falta de consciência da declaração ou vinculação, sempre a aposição de uma assinatura correspondente à formalização de um negócio querido induz uma verificação mínima que seja de conformidade ao combinado, ainda quando o não seja já à totalidade do clausulado.
[12] Lapidarmente, o Acórdão da Relação do Porto de 23.02.2023, Relator: Aristides Rodrigues Almeida, na base de dados da dgsi.
[13] Questão bem distinta e que terá de ser objecto de afrontamento em sede própria, a do aspecto jurídico da causa, é a do regime “legal” da contratada exclusividade. Em sede de apuramento da matéria de facto, vista a causa de excepcionar, importava a afirmação probatória de ter sido contratado ou convencionado o regime feito constar do clausulado sob 4, n.º 2, 2ª parte, mas tal carecia da demonstração ao menos do conhecimento dessa consequência…
[14] Sequer no caso a denominada “exclusividade reforçada”, impeditiva da venda pelos encarregantes/proprietários, por não ter reflexo no teor literal do contrato…
[15] Proficientemente, sobre a questão da aptidão demonstrativa de declarações ínsitas no contrato quanto ao conhecimento do clausulado, em termos perfeitamente cabíveis à prova do cumprimento das obrigações de informação e esclarecimento, pese embora a assinatura do contrato pelos aderentes, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.10.2023, acessível na base de dados da dgsi.
[16] Com a ressalva já exposta.
[17] Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, 2005, pág. 113-114.
[18] Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª edição, 2005, pág. 212.
[19] Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Almedina, 2003, cit., p. 340-341.
[20] Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pág. 152-153.
[21] Por força do disposto na al. b) do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 102/2017, de 23 de agosto, o I MPIC, I.P. é a entidade com competência de validação dos projetos de contratos de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais. A Portaria n.º 228/2018, de 13.08, veio fixar um modelo de contrato de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais (MCMI), podendo o mesmo ser utilizado por uma empresa de mediação imobiliária para depósito ao IMPIC, IP. Este depósito é feito exclusivamente por meios eletrónicos.
[22] Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, cit., p 190.
[23] Proc. Nº 569/13.0TBCSC.L1.S1, www.dgsi.pt.
[24] Proc. Nº 1249/18.5T8PTM.E1.S1, www.dgsi.pt.
[25] Cfr. identicamente o Ac STJ de 8.4.2010, Proc. Nº 3501/06.3TVLSB.C1.S1, www.dgsi.pt.
[26] Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, p. 250.
[27] Acórdão da Relação do Porto de 27.01.2022, Aristides Rodrigues Almeida, dgsi, a que voltaremos.
[28] Discutindo-se na doutrina e jurisprudência se a estipulação de exclusividade encerra a de irrevogabilidade, a saber, se durante a vigência do contrato, o cliente está vinculado à celebração do contrato visado com o interessado que o mediador exclusivo lhe encontre, ou se pode desistir do contrato inicialmente desejado, concordamos desde logo com a posição de Higina Castelo, em Contrato de mediação, ESTUDO DAS PRESTAÇÕES PRINCIPAIS, Dissertação de Doutoramento em Direito Privado, FDULL, Setembro de 2013, a p. 388 e 389. Donde, a norma do art. 19, n.º 2, do RJAMI acopla às estipulações de exclusividade o efeito próprio de uma cláusula de irrevogabilidade. As cláusulas, embora conceitualmente divergentes, perante o regime jurídico português do contrato de mediação imobiliária convergem necessariamente…
No mesmo lugar, sob a nota 1021 critica já a jurisprudência convocada na decisão recorrida quanto à exigência para que seja devida a remuneração de que esteja em causa a violação da obrigação mesma da exclusividade…
Não se sufraga, pois, por não se vislumbrar fundamento bastante para a interpretação correctiva (convocada na decisão recorrida), que vem a sê-lo antes ab-rogante da lei, que relaciona o pagamento do valor da comissão com a violação da obrigação de exclusividade.
Sem suporte na letra da lei, desde logo, não se tem por concatenável o facto de a regra supletiva em apreço o ser para a hipótese da convenção de exclusividade com a circunstância de o juízo de censura pressuposto na norma ir necessariamente referido à violação daquela obrigação, tanto mais que a ponderação subjacente à regra legal terá como razão ou causa o presumível maior gasto ou dispêndio implicados no cumprimento da obrigação pelo mediador nesta situação, a convocar já uma ratio a que é perfeitamente alheia ou estranha à outorga mesma do contrato a angariar, mas directamente referida ao sinalagma entre o preço do serviço e a obrigação de o realizar…
No contrato de mediação a finalidade económico-social é a da troca de um serviço por um preço. O risco adveniente de o direito à remuneração estar dependente de um evento futuro e incerto não constitui a finalidade do contrato, mas apenas uma forma de o cliente se assegurar facilmente, sem custos, de que apenas paga se a parte contrária tiver cumprido satisfatoriamente a sua obrigação. Trata-se, a um tempo, de um mecanismo autocoercivo, gerador de um empenho acrescido da mediadora no desenvolvimento de uma atividade eficaz, e de um mecanismo de segurança para o cliente que nada terá de pagar se não quiser aproveitar a oportunidade negocial encontrada pela mediadora (ressalvados alguns casos de contrato com cláusula de exclusividade), tendo em ambos os casos contrapeso no normalmente elevado valor da remuneração.
Aqui cabe considerar a natureza “agravada” da prestação da mediadora, no caso de exclusividade, como sintetizada por Higina Castelo, desta feita em Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, na Revista Portuguesa de Direito Comercial, « apesar de a lei não fazer qualquer referência ou distinção a propósito da prestação da mediadora nos contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, devemos entender que, quando a mediadora tem o benefício da exclusividade, ela está sempre obrigada à prestação, ou seja, está obrigada a desenvolver a atividade no sentido de obter interessado no contrato e/ou de levar as negociações a bom porto».
Evidentemente que, naquele caso (o da violação da convenção de exclusividade) presumido até o juízo de censura ou culpa, nos termos e para os efeitos do art. 799º do CC, decorrente da violação/incumprimento directo do contrato. Não se segue, contudo, que não haja outras causas de frustração do negócio angariado (assim a desistência do negócio) que justifiquem um juízo de censura a sancionar, de acordo com a ponderação que o legislador mesmo gizou das prestações dos contratantes.
Sempre se adianta que, sufragando-se a posição defendida no Acórdão de 27.02.2022, desta mesma Secção, sendo Relator Aristides Rodrigues de Almeida, nos termos da qual: «A causa imputável ao cliente de que fala a norma (o 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013) não é toda a causa que se situe na esfera de disponibilidade do cliente (que resulte da sua livre vontade ou de factores que ele pode e deve controlar), é essencialmente o evento em relação ao qual se possa afirmar que só por razões censuráveis o cliente fez com que o negócio visado não fosse concretizado. Sendo possível esse juízo de censura a remuneração é devida; não sendo possível do ponto de vista normativo censurar o comportamento que é causa adequada da não concretização do negócio a remuneração não é devida, ainda que o comportamento esteja relacionado ou se prenda com a pessoa do cliente.
Ao celebrar o contrato de mediação o cliente (…) não se obriga a concretizar o negócio para cuja celebração o mediador encontre um interessado. Todavia, se depois decide desistir do negócio que projectava e para cuja obtenção contratou os serviços de um mediador profissional, em princípio estará preenchida a previsão do artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013.
Para isso, no entanto, é necessário que estejamos perante uma decisão arbitrária e sem justificação aceitável. Ao contrário, se o cliente tiver uma justificação para essa decisão e no âmbito da relação contratual com o mediador existirem condições para afirmar que, nesse contexto ou nessa eventualidade, o mediador podia e devia contar com a possibilidade de tal decisão, ou seja, de reconhecer e aceitar os motivos apresentados pelo cliente para a decisão, entendemos que não está preenchida a previsão da citada norma legal.
De sublinhar que não estamos a falar de uma condição do contrato de mediação negócio, da subordinação deste a uma condição quanto à concretização do negócio. Estamos a falar de circunstâncias exteriores ao contrato (no fundo, a sua base negocial), conhecidas ou cognoscíveis das partes, que permitem aferir se a não concretização do negócio é ou não de considerar imputável ao cliente.» A pedra de toque será, pois, como ali anotado, a evidência de uma justificação aceitável e compreensível no quadro do contexto negocial e, essencialmente, nas palavras do mesmo Acórdão, «uma justificação com que a autora podia e devia contar, que não representa qualquer violação da confiança criada pela celebração do contrato de mediação.»
Na situação versada, quando se considere o lapso de tempo pelo qual se prolongou o contrato, o comportamento ou interesse pela Ré demonstrado na outorga da venda aquando da angariação do primeiro interessado, entretanto frustrada, não se tem por razoável ou justificável, por violar, mediante comportamento contraditório, o quadro de confiança a que já se aludiu, a desistência do negócio, ainda quando “para manter o património na família”, ponderação esta a fazer antes da contratualização da mediação ou mediante extinção, por denúncia, do contrato.
[29] Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, Almedina, pág. 196.