Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
223/23.4T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
CAUSA JUDICIAL CONCRETA
Nº do Documento: RP20250310223/23.4T8GDM.P1
Data do Acordão: 03/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tal qual resulta do disposto no artigo 6º da Lei do Apoio Judiciário (Lei 34/2004 de 29/07), é a proteção jurídica (a qual reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário – artigo 6º nº 1) concedida para questões ou causas judiciais concretas ou suscetíveis de concretização em que o utente tenha um interesse próprio e que versem sobre direitos diretamente lesados ou ameaçados de lesão (artigo 6º nº 2).
II - Formulado e concedido pedido de apoio judiciário para uma causa judicial concreta, não pode o mesmo ser utilizado para ação com finalidade diversa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 223/23.4T8GDM.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunto – António Mendes Coelho

Adjunta – Maria Fernanda Almeida

Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Local ...

Apelante/ AA

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

1- AA, na invocada qualidade de cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por morte de BB, instaurou – em 16/01/2023 - a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra CC e DD, peticionando pela sua procedência a condenação dos RR.:

a) A reconhecer o direito de propriedade da herança sobre o prédio id. No artigo 3º da presente;

b) A proceder à entrega do prédio id. no artigo 3º da presente livre de pessoas e bens”.

Para tanto e em suma tendo alegado fazer parte da herança identificada e de que é CC o prédio identificado em 3º da p.i. Prédio este comprado pelo autor da herança aos RR. seus pais, que desde 1995 ali vivem a título de favor pessoal.

Tendo estes se recusado a entregar o prédio em causa, apesar de para tanto interpelados.

Configura a ação assim intentada pela autora uma típica ação de reivindicação.

2- Junto com a p.i. alegou a A. oferecer documento comprovativo da concessão do beneficio do apoio judiciário.

Documento que corresponde ao doc. 4 efetivamente junto com a p.i., dirigido a AA e datado de 14/12/2022.

Documento:

. que tem identificado como “Assunto: Requerimento de Proteção Jurídica datado de 15/11/2022” e “Referência APJ/...07/2022 SIR”;

. através do qual o CDSS (seu emissor) notifica a destinatária AA de que lhe foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como nomeação e pagamento da compensação de patrono;

. que tem por referência o procedimento administrativo com o número de processo ...07/2022 SIR e como finalidade indicada do pedido:

“Propor Ação – Autorização/Confirmação Judicial – 1439º do CPC”;

. e do qual, a final e em função do decidido, consta a ordem de notificação quer do requerente (artigo 26º nº 1 da Lei 34/2004) quer da Ordem dos Advogados (artigo 26º nº 1 da mesma Lei 34/2004).

Como doc. 5 juntou ainda a A. com a p.i. o ofício da OA que foi dirigido ao Exmo. Sr. Advogado, Dr. EE – subscritor da petição inicial - datado de 14/12/22, tendo por refª o processo do CDSS nº 2022 ...07. Ofício através do qual o seu emissor dá conhecimento ao destinatário de que foi designado patrono da beneficiária AA, com quem deverá estabelecer contacto.

Mais informando que “O apoio judiciário concedido destina-se a propor ação (cv) Autorização/Confirmação Judicial – 1439º CPC, dispondo V. Exa. de um prazo de 30 dias para o efeito”.

3- A petição foi recebida pela secretaria e citados oficiosamente os RR.

Tendo apresentado contestação, logo no inicio da mesma questionaram os RR. os poderes de representação conferidos ao ilustre patrono, para tanto alegando:

“1. Do documento comprovativo da concessão de apoio judiciário à A. nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono retira-se que a finalidade do respetivo pedido é "Propor Ação – Autorização/Confirmação Judicial – 1439º CPC";

2. Sem prejuízo de tal artigo já não existir no CPC em vigor (a mesma matéria encontra-se atualmente prevista no art.º 1014.º), foi para propor uma ação daquela natureza que o Ilustre Patrono Oficioso da A. foi nomeado e na precisa medida do respetivo pedido que se encontram delimitados os seus poderes de representação forense;

3. Situação diferente seria se o Ilustre Patrono tivesse procuração forense outorgada pela Autora, através da qual, nos termos do art.º 262.º do Código Civil (doravante designado CC), aquela lhe teria atribuí do voluntariamente poderes representativos para certos atos específicos.

(…)

11. Ressalvado o merecido respeito, uma vez que o mandato judicial do Ilustre Patrono não lhe foi conferido por procuração, o mesmo na o tinha nem tem poderes para propor a presente ação, pois os poderes que lhe foram conferidos por nomeação oficiosa circunscrevem-se a propositura e ao pleito de uma ação de autorização judicial.

12. Pelo exposto, o apoio judiciário concedido a A. não se mostra válido para a propositura da presente ação (cfr. artigos 6.º, n.º 2 e 18.º, n.ºs 3 e 4, a contrario, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho). Assim,

13. Do mesmo modo e por maioria de razão, a modalidade da dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo também não é válida para a presente ação.

14. Assim, salvo o devido respeito por opinião diversa, deveria ter esta Secretaria Judicial recusado a petição inicial com fundamento na al. f) do art.º 558.º do CPC.

15. Não se tendo verificado essa recusa, devera antes de mais ser a A. notificada para no prazo de dez dias efetuar o pagamento da taxa de justiça devida com acréscimo de multa de igual montante de 612,00 € (seiscentos e doze euros), acrescida de multa de 510,00 € (quinhentos e dez euros).”

Em consonância concluindo e requerendo a final que se decida:

“A. ORDENAR QUE SEJA A A. NOTIFICADA PARA NO PRAZO DE DEZ DIAS EFECTUAR O PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA DEVIDA COM ACRÉSCIMO DE MULTA DE IGUAL MONTANTE DE 612,00 € (SEISCENTOS E DOZE EUROS), ACRESCIDA DE MULTA DE 510,00 € (QUINHENTOS E DEZ EUROS);

B. ORDENAR QUE SEJA A A. NOTIFICADA PARA VIR REGULARIZAR O MANDATO FORENSE DO SEU PATRONO OFICIOSO”.

4- Replicou a autora, tendo sobre a suscitada questão alegado:

“1º A A./Reconvinda não é jurista;

2º Quando devidamente esclarecida, concluiu que a presente ação é que seria a adequada à salvaguarda dos interesses em causa;

3º O critério para atribuição de apoio judiciário seria o mesmo se a ação a propor fosse outra, ou seja, sempre beneficiaria de apoio judiciário na modalidade requerida;

4º Termos em que, acolhendo a pretensão exposta no artigo 15º da contestação, seria completamente subvertida a ratio do sistema de acesso ao Direito e aos tribunais;

5º Acrescendo que, no modesto entendimento do ora subscritor, pode ser aplicado por analogia o disposto no artigo 48º nº2 do CPC;

6º Devendo, portanto, ser julgada improcedente a exceção invocada - o que requer”.

5- Em 20/05/23 foi proferido o seguinte despacho:

“Antes de mais, considerando que o documento comprovativo da concessão do benefício de apoio judiciário junto com a petição inicial menciona que o mesmo foi pedido para efeitos de instauração de uma ação de autorização/confirmação judicial e que os presentes autos têm uma finalidade radicalmente distinta daquela, oficie ao ISS, com cópia do documento comprovativo da concessão do benefício de apoio judiciário junto com a petição inicial, para que informe se aquele apoio judiciário foi usado em algum outro processo pendente instaurado pela autora.”

6- Em 02/02/2024 foi informado pelo CDSS:

“- A requerente AA apresentou nestes serviços 3 requerimentos de proteção jurídica, em datas distintas: em 27/07/2022 foi apresentado requerimento com a finalidade de Consulta Jurídica (proc. Apj nº ...44), em 15/11/2022 o proc. Apj nº ...07/2022, com a finalidade de Propor Ação de Autorização/Confirmação Judicial e em 10/01/2023 o proc. Apj nº ...23/2023, com a finalidade de Propor Ação de Recurso de Contraordenação, processos esses que se encontram Deferidos.”

Mais requerendo:

“Uma vez que não foi possível localizar o processo relativo à Ação de Processo Comum, tendo por base o princípio de colaboração existente, solicitamos que nos seja remetida cópias do requerimento de proteção jurídica e respetivo comprovativo de entrega.”

7- Em 29/02/2024 e perante (entre o mais) a tramitação antes descrita, foi concedido à autora, “atento o princípio do contraditório, a possibilidade de se pronunciar sobre as consequências processuais da circunstância de o pedido de apoio judiciário por si formulado não respeitar a ação de processo comum, mas a ação de autorização/confirmação judicial.”

8- Em 04/03/2024 responde a A.:

«1º Não faz qualquer sentido o argumento invocado sobre o controlo do tribunal quanto ao tipo de ação a propor porque o contrário não garante, de todo, esse controlo;

2º Na verdade, no caso concreto, até aumentaria brutalmente a hipótese de usar um mesmo documento comprovativo de concessão de apoio judiciário em várias ações – já que a esmagadora maioria das ações segue a forma comum;

3º Ademais, nos últimos dois anos a A. requereu apoio judiciário por três vezes tendo sido sempre concedido, logo, por que motivo a A. não o requereria novamente se dele carecesse?

4º Mais importante, nem o CPC nem a Lei 34/2004 fazem referência ao tipo de ação a propor;

5º Ou seja, se das normas aplicáveis não resulta nenhuma consequência processual, naturalmente nenhuma pode haver – termos em que requer o prosseguimento da ação até final;

SEM PRESCINDIR

6º Com a devida vénia, sugere que V/ Exª se digne oficiar a Segurança Social no sentido de autorizar a conversão do proc. APJ ...07/2022, no que à finalidade diz respeito, passando a constar “Propor ação declarativa de condenação sob a forma comum”.»

9- Em 05/04/2024, foi proferida a seguinte decisão

“Compulsados os autos, constata-se o seguinte:

AA na qualidade de cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por morte de BB instaurou a presente ação de processo comum em 16/01/2023 contra CC e DD sustentando, em suma, que a referida é proprietária do prédio identificado nos autos e os réus, que ocupavam tal imóvel por favor, recusam-se a desocupá-lo apesar de interpelados. Termina, assim, pedindo a condenação dos réus a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o referido imóvel e a entrega-lo livre de pessoas e bens.

Para o efeito, anexou à petição inicial um comprovativo de concessão de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, datado de 14/12/2022 e referente a pedido formulado em 15/11/2022, com vista à propositura de uma ação de autorização/confirmação judicial.

A secção não se apercebeu da falta e procedeu aos subsequentes atos da tramitação processual, com a citação dos réus, que vieram a contestar a ação, tendo a autora vindo a apresentar resposta.

Logo no primeiro contacto com o processo, por despacho de 20/05/2023, o tribunal constatou que de facto o comprovativo de concessão de apoio judiciário não respeitava à presente ação de processo comum, mas sim a uma ação de autorização/confirmação judicial, pelo que pediu mais esclarecimentos ao I.S.S., no sentido de perceber se tal apoio era para estes autos e se a autora o teria utilizado noutro processo. O I.S.S., I.P. apenas veio a responder cabalmente em 2/02/2024, dizendo que a autora formulou três pedidos de apoio judiciário distintos:

a) em 27/07/2022 foi apresentado requerimento com a finalidade de Consulta Jurídica (proc. APJ ...44/2022),

b) em 15/11/2022 o proc. APJ ...07/2022, com a finalidade de propor ação de Autorização/Confirmação Judicial e

c) em 10/01/2023 o proc. APJ ...23/2023, com a finalidade de propor ação de Recurso de Contraordenação.

Mais informou o I.S.S., I.P. que desconhece se o pedido formulado pela autora e junto a estes autos foi usado em algum outro processo.

(…)

A autora veio a pronunciar-se em 4/03/2024, considerando que a lei não prevê qualquer consequência para o facto de o apoio judiciário ter sido concedido para um tipo de ação diferente daquela que veio a ser proposta, mais sugerindo que o tribunal oficie à Segurança Social no sentido de autorizar a conversão do proc. APJ ...07/2022, no que à finalidade diz respeito, passando a constar “Propor ação declarativa de condenação sob a forma comum”.

Cumpre apreciar.

Compulsados os autos verifica-se que a autora não efetuou o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial, sendo certo que não beneficia ainda de apoio judiciário para a instauração da presente ação de processo comum, na medida em que o comprovativo de concessão de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos que juntou aos autos, datado de 14/12/2022 e referente a pedido formulado em 15/11/2022, destina-se à propositura de uma ação de autorização/confirmação judicial, que não é manifestamente o caso destes autos.

Evidentemente que o pedido de apoio judiciário deve ser formulado para a concreta ação que se pretende instaurar e não outra, sob pena até de poder ser usado um mesmo documento comprovativo de concessão de apoio judiciário para diferentes tipos de ações, algo que fugiria por completo ao controlo do tribunal.

A considerar-se, como defende a autora, que é irrelevante a finalidade com que foi pedido o apoio judiciário, a autora poderia, em bom rigor, juntar a estes autos qualquer um dos três pedidos de apoio judiciário que formulou (para consulta jurídica, para propor recurso de contraordenação ou para propor ação de autorização ou confirmação judicial). Não nos parece, salvo melhor opinião, que esta trapalhada tenha sido pretendida pelo legislador.

Não prevendo a lei a isenção do pagamento de taxa de justiça neste tipo de ações, nos termos dos artigos 145.º e 552.º, 7 e 8, do CPC, deveria a autora ter feito acompanhar a sua petição inicial do documento comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário para a instauração da presente ação de processo comum, o que, como se viu, não fez.

Ora, nos termos previstos pelos artigos 558.º, f), do CPC, a falta de junção do comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça constitui fundamento para recusa do recebimento da petição inicial, nada dizendo a lei se, mesmo assim, a petição haja sido recebida.

(…)

consideramos que devendo a petição inicial ter sido recusada pela secretaria, mas não o tendo sido, pela falta de pagamento de taxa de justiça ou de junção de comprovativo da concessão de apoio judiciário para a sua instauração, e não se tratando de causa que não importe a constituição de mandatário, estando a parte patrocinada e não tendo a petição inicial sido apresentada por uma das formas previstas pelo artigo 144.º n.º 7 a) a c) do CPC, não há que conceder à autora a possibilidade de sanar a falta.

Assim, considera este Tribunal estar verificada uma exceção dilatória inominada, consubstanciada na omissão do pagamento da taxa de justiça devida e na falta de junção de comprovativo de concessão de apoio judiciário para a instauração dos presentes autos, pelo que se indefere a petição inicial e absolve os réus da instância.”


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Notificada a autora, interpôs recurso de apelação do decidido e mencionado em 9), oferecendo alegações e concluindo nos seguintes termos:

Conclusões

1 – A sentença recorrida contraria a atuação processual da Meritíssima Juíza, o que se conclui confrontando a fundamentação da sentença recorrida com o teor do despacho proferido a 20/05/2023 com a referência Citius 448283850;

2 – A sentença recorrida afirma que a recorrente não beneficia de apoio judiciário por o comprovativo junto respeitar a ação de autorização/confirmação judicial, mas tal não encontra suporte na Lei ou em jurisprudência obrigatória;

3 – Não vinga o argumento do controlo do tribunal porquanto é muito mais plausível usar o apoio judiciário para propor ação comum em várias ações do que fazê-lo com apoio judiciário para propor ação especial – que são menos frequentes;

4 – A recorrente não poderia juntar qualquer um dos pedidos de apoio judiciário que formulou, pois, uma consulta jurídica não é uma ação a propor, o recurso de contraordenação também não, acrescendo que a competência para o apreciar não é de Juízos Locais Cíveis;

5 – A recorrente não é jurista e não tinha consciência de que a presente ação é a que melhor acautela os seus interesses;

6 – De todo o modo, sugeriu oficiar a Segurança Social no sentido de autorizar a conversão do proc. APJ ...07/2022, no que à finalidade diz respeito, passando a constar “propor ação declarativa de condenação sob a forma comum”;

7 – O artigo 552º nº7 do CPC é omisso quanto ao tipo de ação a propor, refere apenas a modalidade do apoio, tendo sido erradamente interpretado;

8 – A Lei 34/2004 também é omissa quanto ao tipo de ação a propor;

9 – Atento o exposto, tendo sido demonstrada a insuficiência económica da recorrente e à luz do princípio da economia processual, o artigo 552º nº7 do CPC deve ser interpretado no sentido de não ser relevante o tipo de ação a propor sob pena de inutilizar os atos já praticados;

10 – Não tem observância qualquer exceção dilatória, logo não pode ser aplicado o artigo 278º nº1 e) do CPC, devendo antes ter aplicação os artigos 591º e ss. do CPC;

11 – Sem prejuízo, ainda que se admitisse a verificação de exceção dilatória inominada, sempre a norma aplicável seria o artigo 6º nº2 do CPC porquanto a recorrente juntou comprovativo da concessão de apoio judiciário – o que é diferente de não o juntar de todo – e a referida exceção dilatória seria suprida acolhendo a sugestão da recorrente (referida na conclusão nº6).

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se o prosseguimento da ação, com o que V/ Exªs praticarão um ato de acostumada JUSTIÇA!”


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Não se mostram apresentadas contra-alegações.

O recurso interposto foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.

Foram dispensados os vistos legais.


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II – FACTUALIDADE PROVADA.

Para conhecimento do objeto do recurso relevam as vicissitudes processuais acima elencadas.


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III- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta ter a recorrente identificado como questão a apreciar se merece censura a decisão que indeferiu a petição inicial por falta de junção do comprovativo de concessão do apoio judiciário para a instauração dos presentes autos e omissão de pagamento da taxa de justiça.


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Apreciando.

Tendo presente as conclusões formuladas pela recorrente, a primeira questão sobre a qual cumpre emitir pronúncia respeita ao entendimento expresso pelo tribunal a quo de que a recorrente não demonstrou beneficiar de apoio judiciário, para a instauração da presente ação.

Entendimento sustentado no facto de o documento oferecido pela requerente/recorrente para de tal fazer prova evidenciar que o mesmo foi concedido para ação diversa da intentada pela requerente, nos termos constantes do relatório supra.

Argumenta a recorrente que não é jurista e assim não tinha consciência de qual a ação que melhor acautelaria os seus interesses. Acrescentando que do disposto no artigo 552º nº 7 do CPC[1], não resulta a exigência da indicação do tipo de ação a propor, apenas a indicação da modalidade do apoio. Por tanto concluindo ser irrelevante a indicação do tipo de ação a propor, quando está demonstrada a sua insuficiência económica, pressuposto do deferimento do pedido de concessão por si formulado e junto aos autos (ainda que com indicação de outra finalidade).

Não procede a argumentação da recorrente quanto a este ponto.

Tal qual resulta do disposto no artigo 6º da Lei do Apoio Judiciário (Lei 34/2004 de 29/07), é a proteção jurídica (a qual reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário – artigo 6º nº 1), concedida para questões ou causas judiciais concretas ou suscetíveis de concretização em que o utente tenha um interesse próprio e que versem sobre direitos diretamente lesados ou ameaçados de lesão (artigo 6º nº 2); apresentando o requerente o seu pedido de proteção jurídica através da plataforma informática disponibilizada pelo sítio eletrónico da segurança social, que emite prova da respetiva entrega (vide artigo 22º nº 1).

Do formulário a preencher pelo requerente consta expressamente um campo destinado a preencher pelo mesmo, para indicação do tipo de ação a propor.

A indicação do tipo de ação a propor releva porquanto é elemento significativo para avaliar da alegada insuficiência económica para a demanda, em função dos possíveis custos à mesma associada[2]

É certo que não é exigida uma identificação rigorosa do ponto de vista jurídico quanto ao tipo de ação a propor, bastando uma indicação genérica e simples, acessível ao cidadão comum quanto à pretensão subjacente ao pedido formulado.

Não obstante, no caso da requerente, a mesma indicou de forma precisa e concreta o tipo de ação a intentar, sujeita a processo especial de jurisdição voluntária e com uma finalidade específica. Que nada tem a ver com a ação comum que viria a intentar.

O mesmo é dizer que o pedido de apoio judiciário que a recorrente fez juntar aos autos não pode ser considerado como concedido para a instauração da presente ação, tal como o decidiu o tribunal a quo.

Formulado e concedido pedido de apoio judiciário para uma causa judicial concreta, não pode o mesmo ser utilizado para ação com finalidade diversa.

E tendo a requerente sido notificada para se pronunciar sobre a questão do pedido de apoio judiciário que juntara aos autos não corresponder à ação intentada (vide ponto 7 do relatório), não alegou a existência de concessão para esta ação. Nem aliás o questiona, ao invés defendendo que para estes autos deve ser considerado o pedido que apresentou. O que não é admissível nos termos expostos.

Pelo que a conclusão do tribunal a quo de que a requerente não beneficia do apoio judiciário na modalidade invocada – de dispensa do pagamento da taxa de justiça e nomeação de patrono para os presentes autos é de confirmar.

Argumenta a recorrente em segundo lugar que a assim se não entender, deveria ser aplicável o previsto no artigo 6º nº 2 do CPC, por essa via se aproveitando o pedido por si formulado, após previamente oficiar à SS para “autorizar a conversão” do pedido formulado e apresentado nos autos quanto à finalidade do mesmo.

Dispõe este artigo 6º nº 2 do CPC que o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, carece de fundamento legal a pretensão da recorrente.

É ónus do requerente autor fazer prova da concessão do benefício do apoio judiciário que invoca ter-lhe sido concedido para a ação que intenta, nos termos do artigo 552º nº 7 do CPC.

Demonstrado que do mesmo não beneficia à data em que intenta a ação, não pode para o efeito aproveitar do que vier a ser apreciado em nova decisão administrativa a proferir pelos competentes serviços da SS.

E assim não está em causa pressuposto suscetível de sanação.

Improcede nestes termos também este fundamento de recurso. E consequentemente a pretensão da recorrente em ver a prossecução dos autos com a tramitação processual prevista nos artigos 591º e ss do CPC (vide conclusão 10).

Implicando a total improcedência do recurso interposto.


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IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente se mantendo a decisão recorrida.

Custas do recurso pela recorrente.

Porto, 2025-03-10

(M. Fátima Andrade)

(António Mendes Coelho)

(Maria Fernanda Almeida)

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[1] Cujo teor aqui se deixa reproduzido:
“7 - O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º”
[2] Vide neste sentido Salvador da Costa, in “Apoio Judiciário), 3ª edição Almedina, p.103; ainda  Ac. STJ de 28/10/2021, nº de processo 15359/17.2T8LSB.L1.S1 in www.dgsi.pt