Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RAQUEL CORREIA DE LIMA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE BANCÁRIA FACTO ILÍCITO ALARGAMENTO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20250710438/24.8T8PRT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O alargamento do prazo de prescrição, ao abrigo do disposto no artigo 498º nº 3 do Código Civil, nos casos de responsabilidade civil extracontratual, pressupõe que o facto ilícito que sustenta essa mesma responsabilidade seja susceptível de integrar a prática de um crime. II - Quando a lei fala em “facto ilícito” refere-se ao facto que sustenta a acção cível intentada contra os Réus e que permitiria, pelo menos em abstracto, ser qualificada como crime. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 438/24.8T8PRT-B.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto - Juiz 7 ACÓRDÃO I. RELATÓRIO AA, casado, residente em ... ..., França vem intentar, Acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra o Banco 1..., S.A, pessoa colectiva com sede na Rua ..., ... Porto e número único de matrícula e NIPC ...; e a Banco 2..., SA Rua... - ... Lisboa e número único de matrícula e NIPC ..., pedindo a procedência da acção por verificados todos os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos por omissão previsto nos artigos 491.º, 492.º e 493.º todos do Código Civil, conjugado coma Lei 83/2017, de 18 de Agosto, nomeadamente o disposto nos artigos 27.º, 11.º e 50.º, que estabelecem regras de controle e actuação perante situações que possam consubstanciar a prática de ilícitos e consequentemente: a) Ser a Ré Banco 1..., S.A condenada a pagar ao Autor o montante de € 70.000,00 (setenta mil euros) a título de danos patrimoniais; b) Ser a Ré Banco 2..., SA, condenada a pagar ao Autor o montante de € 21.000,00 (vinte e um mil euros) a título de danos patrimoniais; c) Serem as Rés solidariamente condenadas a pagar ao Autor o montante de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais; Da alegação do Autor resulta que em 2018 foi contactado por alguém que pertencia a umas empresas situadas em Londres, tendo sido aliciado e convencido a fazer investimentos uma vez que lhe era garantido um rendimento mensal de 10% sobre o valor investido. Entre Fevereiro de 2019 e Março de 2019 o Autor faz transferências de montantes elevados - €20.00,00 e €50.000,00 - para sociedades que tinham contas nas Rés. Os valores depositados pelo Autor nas referidas contas em Portugal eram, depois, transferidos para outras contas bancárias situadas no estrangeiro. No espaço de 2 meses o Autor fez transferências de 91.000,00 e, cada uma delas, de montante superior a €10.000,00. Na perspectiva do Autor impunha-se às Rés fazer accionar os mecanismos previstos na Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, que transpôs as Directivas 2015/849/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, e 2016/22587UE do Conselho, de 06 de Dezembro de 2016, estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. O comportamento responsabilizante por parte das Rés será a omissão de agir em conformidade com a Lei 83/2017, de 18 de Agosto, nomeadamente o disposto nos artigos 27.º, 11.º e 50.º, que estabelecem regras de controle e actuação perante situações que possam consubstanciar a prática de ilícitos. * Nas contestações apresentadas vieram ambos os Réus invocar a prescrição do direito do Autor com fundamento no facto do prazo de 3 anos a que alude o artigo 498º, nº 1 do Código Civil – aplicável ao caso – ter sido atingido em Abril de 2022, muito antes da respetiva citação, ocorrida, no caso do Réu Banco 1... em 18.01.2024 e no caso da Ré Banco 2..., em 17.01.2024.* O Autor veio responder referindo que na petição inicial são invocados factos e todo o procedimento que são passíveis de preenchimento de indícios da prática de um crime de burla punido e previsto no artigo 217.º do Código Penal;Para o crime de burla, previsto no artigo 217.º do Código Penal, prevê-se uma moldura penal que pode ir até 3 (três) anos de prisão sendo que para este tipo de crime e por força do disposto no artigo 118.º, nº 1 alínea c) o prazo de prescrição é de 5 (cinco) anos, sendo este prazo aplicável nos presentes autos e não o prazo previsto no artigo 498.º nº 1 do Código Civil; O prazo de 5 (cinco) anos, aplicável por força das disposições conjugadas dos arts. 498.º, n.º 3, do Código Civil, e 118.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, apenas começa a correr, nos termos do art. 306.º, n.º 1, do Código Civil, in casu, sem prejuízo de melhor opinião em contrario, em 22 de Abril de 2019 e por isso à data da propositura da acção que deu origem aos presentes autos ainda não havia prescrito. Na acta de audiência prévia de 05 de Dezembro de 2024 foi proferido o seguinte despacho: “1. A questão a apreciar é a de saber se se completou ou não o prazo prescricional dos direitos de indemnização invocados pelo A. Com relevo para a apreciação de tal questão, resulta já assente nos autos a seguinte factualidade: 1.1. A presente acção foi instaurada às 18 horas 16 minutos e 57 segundos do dia 04 de Janeiro de 2024; 1.2. A Ré Banco 1..., S.A. foi citada em 18/01/2024; 1.3. A Ré Banco 2..., S.A. foi citada em 17/01/2024; 1.4. O Autor apresentou queixa-crime de abuso de confiança junto das autoridades judiciárias francesas em 18 de Abril de 2019; 2. Muito embora o Código Civil não contenha qualquer definição de prescrição, estabelece o nº 1 do art. 298º deste Código que a mesma se reconduz ao “não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei” de direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare como isentos de prescrição. A prescrição extingue, pois, os direitos subjectivos que não são exercidos durante um tempo determinado na lei. Este instituto tem como fundamento a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o prazo que a lei lhe faculta, findo o qual já não se justifica a protecção legal desse direito, podendo até presumir-se que o titular terá querido renunciar ao seu exercício – cfr. Vaz Serra, in “Prescrição e Caducidade”, BMJ, 105, p. 32. 3. Cumpre, então, analisar qual o prazo de prescrição aplicável ao caso dos autos. Relativamente à matéria em causa nesta acção - responsabilidade civil extra-contratual - dispõe o art. 498º, nº 1 do Cód. Civil que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”. Como salienta Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, tomo 3, 2010, p. 756, a razão de ser do prazo geral de três anos previsto neste preceito é simples: “perante um dano que dê azo a um dever de indemnizar a lei pretende uma solução rápida. A incerteza é prejudicial, enquanto as delongas vão dificultar a reconstituição dos elementos que rodeiam e expliquem o facto danoso.” Porém, o nº 3 do citado art. 498º do Cód. Civil estabelece que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.” O que significa que o lesado pode exercer o seu direito para além dos três anos sempre que o facto violador do seu direito constitua crime para cuja prescrição a lei estabeleça prazo mais longo. Este alargamento do prazo geral de três anos tem a sua razão de ser no entendimento de que, desde que se admite a possibilidade de um facto, para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além de três anos decorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que essa possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil desse facto – cfr., neste sentido, Vaz Serra, in “Prescrição do direito de indemnização”, BMJ, 87, p. 57-58, e Antunes Varela, in “Direito das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, p. 651. Por outro lado, o citado art. 498º, nº 3 do Cód. Civil não faz qualquer referência à existência ou não de procedimento criminal e, por conseguinte, o alargamento do prazo prescricional ali previsto não pode estar dependente de, previamente, ter sido ou não exercido o direito de queixa, ter havido ou não processo crime ou de o lesante ter sido ou não condenado pela prática do respectivo crime, assim como não impede a aplicação daquele preceito o facto de o processo crime ter sido arquivado (por qualquer motivo) ou amnistiado. Como refere, na sua imorredoura lição o Professor Antunes Varela, in RLJ, 123, p. 46: "A possibilidade de o lesado exigir a reparação civil que lhe é devida, fora do prazo normal da prescrição, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil, não está subordinada à condição de simultaneamente correr procedimento criminal contra o lesante, baseado nos mesmos factos. Para que a acção cível seja ainda admitida em tais condições, basta, nos termos da disposição legal em foco, que o facto ilícito gerador da responsabilidade constitua crime e que a prescrição do respectivo procedimento penal esteja sujeita a um prazo mais longo do que o estabelecido para a acção cível. Não é, pois, necessário que haja ou tenha havido acção crime na qual os factos determinantes da responsabilidade civil tenham de vir à barra do Tribunal, ainda que observados sob prisma diferente. Basta que haja, em princípio, a possibilidade de instauração do procedimento criminal, ainda que, por qualquer circunstância (v. g., por falta de acusação particular ou de queixa ou por amnistia entretanto decretada) ele não seja ou não possa ser efectivamente instaurado./ Sendo assim, o alongamento do prazo prescricional do direito à indemnização estabelecido no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil assenta numa base de carácter inegavelmente pessoal, porque radica na especial gravidade do facto ilícito danoso praticado pelo agente. É porque o facto ilícito imputado ao lesante constitui crime (e crime de gravidade tal que para o respectivo procedimento judicial se estabelece um prazo superior ao da prescrição da responsabilidade civil) que a lei admite a exigibilidade da indemnização cível para além do triénio definido naquela disposição legal”. Reforçam, ainda, a este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. revista e actualizada, p. 504, que a regra do nº 3 do art. 498º do Cód. Civil ainda se mantém mesmo no caso de o crime ter sido, entretanto, amnistiado,“(…) tendo, porém, o lesado de provar, se quiser prevalecer-se desse prazo mais longo, que o facto ilícito constituía crime. Se se tratar de um caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco, não poderá haver alongamento do prazo prescricional, pois não existe aí qualquer crime”. Em suma, o alargamento do prazo de prescrição constante do nº 3 do art. 498º do Cód. Civil não exige que tenha existido um processo crime em que se tenha apurado a prática de um crime, bastando a verificação que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da respectiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal admite o seu apuramento judicial em prazo mais alargado que o previsto no nº 1 daquele preceito. O que significa, por outro lado, que, na situação de ter existido processo crime, a lei não atribui qualquer relevância ao conteúdo da decisão (de acusação ou de arquivamento) do Ministério Público enquanto titular da acção penal para efeitos de contagem do prazo de prescrição do direito à indemnização em acção cível. Por isto, entende-se que, mesmo arquivado o processo-crime, podem os lesados beneficiar de prazo superior ao de três anos previsto no mencionado nº 1 do art. 498º para intentar a acção cível, desde que aleguem e provem nessa mesma acção que o facto ilícito invocado constitui crime cujo prazo prescricional é superior. 4. É este entendimento a que se vem aduzindo que é a orientação dominante da nossa jurisprudência, podendo ser consultados (em www.dgsi.pt) neste sentido e por todos os Acórdãos: - do STJ de: 28/03/1996, onde se afirma:“Aquilo que melhor explica, pois, a diversidade de tratamento que se espelha no n. 3 do artigo 498 é (…), a circunstância de ser tal o desvalor do facto ilícito - a ponto de figurar na galeria dos ilícitos criminais, aos quais corresponde uma reacção mais intensa da ordem jurídica - que se justificará aí uma dilatação do prazo prescricional, devendo este ser justamente aferido, por razões de coerência do sistema legal, pelo padrão estipulado na lei penal. Ora, à luz desta ideia de uma gravidade acrescida do facto ilícito cometido, é indiferente que tenha sido exercido ou não o direito de queixa, ou que o crime tenha sido amnistiado.” - de 17/11/1998; de 10/03/1998, de 03/12/1998, de 29/10/2002 e de 13/05/2003, onde se salienta: “Efectivamente, o art. 498º limita-se a fixar o prazo prescricional por remissão. Se o facto constituir crime (...) o prazo prescricional é o do respectivo procedimento criminal. Nenhuma alusão ao exercício do direito de queixa, condição de procedibilidade e legitimação do M. P. para o exercício da acção penal. O que a lei manda aplicar é, pois, apenas o prazo que a lei penal fixa para a prescrição do procedimento por aquele crime. Nenhuma outra extensão reflecte o âmbito do reenvio. Depois, a extinção do direito de queixa e a prescrição do procedimento criminal são figuras com natureza jurídica e com finalidades que se não devem confundir: aquela assenta na ideia de que foram ofendidos bens jurídicos não fundamentais relativamente aos quais o Estado deixa nas mãos do lesado a faculdade de accionar ou não o procedimento criminal, do mesmo passo que evita a aglomeração nos tribunais de processos de menor relevância social, enquanto esta (prescrição) se fundamenta na não verificação dos fins das penas, que se tornam socialmente não reclamadas, ou mesmo desnecessárias, decorrido que seja certo lapso temporal. Assim, e quanto à ratio do preceito, parece poder aduzir-se que, se para efeitos de prova e sancionamento a lei considera certo prazo, não seria razoável que os mesmos factos, constituindo ilícitos penalmente relevantes, não pudessem, nesse mesmo prazo, ser objecto de averiguação e perseguição civil. Entendimento diferente equivaleria a desconsiderar a íntima ligação da prescrição e seus prazos à memória dos factos e à sua gravidade no efeito conjugado desses dois factores (o esquecimento de um facto será tanto mais moroso quanto maior, pela sua gravidade, for o juízo de desvalor sobre ele emitido e guardado”); de 02/12/2004 e de 14/12/2006, onde se refere: “Quando o artº 498º nº 3 do C. Civil prevê que o facto ilícito constituía crime, para efeitos dum prazo prescricional mais longo, não se reporta à efectiva responsabilidade criminal do agente, mas, objectivamente, à qualificação jurídico-criminal dos factos.”); de 23/10/2012, onde se realça que: “(…) não impede a acção cível, o facto de o processo crime ter sido arquivado, ou amnistiado”; - do TRC de: 26/06/2007, de 03/05/2011 onde se escreve:“O n.º 3 do artigo 498.º CC, constitui uma consequência da opção do nosso legislador pela adesão obrigatória do pedido cível ao processo penal no caso de indemnização decorrente da prática de um ilícito criminal, pelo que mesmo que arquivada a participação criminal, pode, então, o lesado procurar a jurisdição cível para se ressarcir dos danos que sofreu.”); e de 28/01/2014; - do TRE de: 27/09/2007 e de 14/05/2009, onde se entende: “O prazo de prescrição mais longo, previsto no nº 3, do artigo 498º do C. Civil, apenas se verifica quando, no circunstancialismo gerador de indemnizar, em concreto, se verifiquem todos os elementos essenciais de determinado tipo legal de crime, sendo de todo irrelevante o facto de ter havido ou não processo-crime, do facto de o lesante ser ou não condenado pela prática do respectivo crime ou do facto de o lesado ter deduzido ou não queixa, com vista ao procedimento criminal, sendo de manter ainda mesmo no caso de o crime ter sido entretanto amnistiado”; - do TRL de 07/10/2008, e de 25/03/2010; - do TRP de 06/01/2011; - do TRG de 15/03/2012. 5. Volvendo ao caso dos autos, constatamos que os factos alegados pelo autor na sua petição inicial, a provarem-se, determinam a prática pelos indivíduos que o contactaram e convenceram, por meio de engano que astuciosamente lhe provocaram, a transferir o montante global de €91.000,00 de um crime de burla qualificada, previsto no art.218º, nº2, al.a) do nosso Cód. Penal e punível com pena de prisão de 2 anos a 8 anos de prisão, ao qual corresponde o prazo de prescrição do procedimento criminal de dez anos – cfr. art. 118º, nº 1, al. b) daquele diploma. Por outro lado, à luz do Código Penal francês, o artigo 313º, 1 pune o crime de 'escroquerie (que “é o facto, seja pela utilização de um falso nome ou de uma falsa qualidade, seja pelo abuso de uma qualidade verdadeira, seja pelo emprego de manobras fraudulentas, de enganar uma pessoa física ou moral e a determinar dessa forma, em seu prejuízo ou em prejuízo de terceiros, a entrega de dinheiro, de valores ou de qualquer bem, a fornecer um serviço ou a consentir a prática de um acto oneroso ou desfavorável - “est le fait, soit par l'usage d'un faux nom ou d'une fausse qualité, soit par l'abus d'une qualité vraie, soit par l'emploi de manoeuvres frauduleuses, de tromper une personne physique ou morale et de la déterminer ainsi, à son préjudice ou au préjudice d'un tiers, à remettre des fonds, des valeurs ou un bien quelconque, à fournir un service ou à consentir un acte opérant obligation ou décharge”-tradução nossa) com a pena de cinco anos de prisão e 375 000 euros de multa e tem um prazo de prescrição de 10 anos (estando-se perante uma “prescription de l'action publique”, estatuindo o artigo 7º do Code de Procédure Pénale: « En matière de crime et sous réserve des dispositions de l'article 213-5 du code pénal [crimes contre l'humanité], l'action publique se prescrit par dix années révolues à compter du jour où le crime a été commis si, dans cet intervalle, il n'a été fait aucun acte d'instruction ou de poursuite. S'il en a été effectué dans cet intervalle, elle ne se prescrit qu'après dix années révolues à compter du dernier acte. Il en est ainsi même à l'égard des personnes qui ne seraient pas impliquées dans cet acte d'instruction ou de poursuite. Le délai de prescription de l'action publique des crimes mentionnés à l'article 706-47 du présent code et le crime prévu par l'article 222-10 du code pénal, lorsqu'ils sont commis sur des mineurs, est de vingt ans et ne commence à courir qu'à partir de la majorité de ces derniers. », (tradução nossa: “Em matéria de crimes e sem prejuízo das disposições do artigo 213º-5 do Código Penal (“crimes contra a humanidade”), a acção pública penal prescreve em 10 anos contados a partir do dia da prática do crime, se, durante esse período, não foi praticado nenhum acto de instrução ou de inquérito penal. Se durante esse período foram praticados actos de instrução ou de inquérito penal, a acção pública penal apenas prescreve passados 10 anos contados do último acto de instrução ou de inquérito penal praticado, independentemente de se tratarem de pessoas que ainda não estivessem implicadas nesses actos de instrução ou de inquérito. O prazo de prescrição da acção pública penal dos crimes mencionados no artigo 706º-47 do presente Código e do crime previsto no artigo 222º-10 do Código Penal, desde que sejam cometidos sobre menores, é de 20 anos e só começa a contar a partir da maioridade daqueles.” Mesmo tendo em conta o crime de abuso de confiança denunciado pelo autor às autoridades judiciárias francesas, resulta do artigo 205º, nº4, al.b) do Código Penal Português que seria aplicável a pena de prisão de 1 a 8 anos, ao qual corresponde o prazo de prescrição do procedimento criminal de dez anos – cfr. art. 118º, nº 1, al. b) daquele diploma. No Code Penale français, o crime correspondente de abus de confiance é punível, nos termos do artigo 314º-1 com 5 anos de prisão e 375 000 euros de multa, sendo o prazo de prescrição da acção pública penal de 10 anos, nos termos do já referido artigo 7º do Code de Procédure Pénale. Assim, face aos factos alegados pelo autor na sua P.I. e na esteira do entendimento supra explanado e que perfilhamos, forçoso é concluir que, se provada a factualidade vertida na P.I., o prazo aplicável ao caso dos autos é de dez anos por aplicação do disposto no nº 3 do art. 498º do Cód. Civil, e não de três anos, como sustentam as rés nas respectivas contestações. No caso dos autos, afigura-se que o início do prazo deverá contar-se a partir do momento em que os apelantes tiveram conhecimento do seu invocado direito (cfr. 1ª parte do nº 1 do art. 498º do Cód. Civil), ou seja, na data em apresentaram queixa-crime junto das autoridades judiciárias francesas (18/04/2019), já que o que releva para o início da contagem do prazo não é o conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, mas, tão só, o conhecimento dos factos constitutivos desse direito, tais como saber que o acto foi praticado e que dessa prática resultaram para si danos, a presente acção deu entrada em tribunal em 04/01/2024, as rés foram citadas, respectivamente, em 17/01/2024 e em 18/01/2024, estando ainda estava em curso o prazo de dez anos aplicável ao caso se se viesse a provar a existência do tipo legal de crime invocada na P.I. (que só terminaria em 18/04/2029) - pelo que nenhuma prescrição se verificou. Sendo certo que, mais uma vez na esteira da nossa jurisprudência praticamente unânime nesta matéria, quer a interrupção, quer o alargamento do prazo prescricional, aplica-se - é oponível - aos responsáveis meramente civis, na medida em que estes representam (substituem) em última ratio, o lesante civilmente responsável. Na verdade, não só aponta nesse sentido o espírito de unidade do sistema (cfr. art. 9, nº 1 do Cód. Civil), como o nº 3 do art. 498º do Cód. Civil não estabelece qualquer distinção nesse sentido (cujo texto, ao não se referir ao autor do facto ilícito criminal, mas apenas aludir ao facto constitutivo de crime, permite concluir que o pressuposto da sua aplicação a todos os responsáveis, quer criminais quer civis, é apenas o de ter havido crime sujeito a prescrição de prazo mais longo). Cfr., neste sentido, os seguintes Acórdãos, todos acessíveis em www.dgsi.pt: - do STJ: de 03/12/1998; de 22/01/2004 e de 31/01/2007; - do TRC: de 26/06/2007 e de 15/09/2009; - do TRL: de 07/10/2008; de 25/03/2010 e 14/09/2017. Deste modo, como a acção foi intentada em 04/01/2024 e as rés foram citadas nesse mesmo mês de Janeiro de 2024, não se encontra ainda prescrito o peticionado direito do autor à indemnização. Por todo o exposto, julga-se improcedente a excepção peremptória de prescrição, com o normal prosseguimento da instância declaratória. DECISÃO Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, julgo improcedente a excepção peremptória da prescrição do crédito indemnizatório invocada pelas rés e determino o prosseguimento da presente acção. “ ** RECURSONão se conformando com o teor desta decisão, veio a ré Banco 3... recorrer. Após alegações, termina com as seguintes CONCLUSÕES: A. Em 18/04/2019, o A. apresentou queixa por crime de abuso de confiança, junto das autoridades judiciárias francesas, contra a sociedade A..., Unipessoal Lda B. Em 22/04/2019, o A. representado por advogada, enviou uma exposição escrita à Banco 2..., alegando incumprimento de deveres de natureza institucional bancária, solicitou o pedido de reembolso de valores, sob pena de apresentação das respetivas ações, com vista à respetiva cobrança; C. Assim, desde 22/04/2019, está o A., quanto à Banco 2..., no conhecimento pleno dos factos que, de acordo com a sua alegação, e no seu entender, integrariam os pressupostos do alegado direito de indemnização, D. Havendo, assim, de fixar-se o termo inicial do prazo prescricional estabelecido no artigo 498º, n.º 1, do CC, na data 22/04/2019, E. O que implica que a recorrente, no limite, teria de ter sido citada para os termos da presente ação até 22/04/2022, F. O que não aconteceu, G. A recorrente apenas foi citada, para os termos da presente ação, em 17/01/ 2024. H. Motivo pelo qual, entende a recorrente, está prescrito - ao abrigo do art. 498.º, n.º 1 do CC - o pretenso direito de ação do A. I. A recorrente invocou a prescrição em sede de contestação, J. Exceção a que o A. respondeu, nos termos supra expostos. K. Tendo a recorrente, a propósito dessa resposta–ao abrigo do art. 3.ºdoCPC– invocado: a. A aplicação do alargamento do prazo prescricional a que se refere o n.º 3 do artigo 498.º do Cód. Civil, não tem aplicação ao caso dos presentes autos, b. Posto que, tal alargamento, apenas poderia ocorrer se, no caso concreto, tivesse sido alegado, na petição inicial, pelo A., a prática de ato ilícito, suscetível de consubstanciar a prática de um qualquer ilícito criminal, que pudesse fundamentar/justificar, o pedido de indeminização, apresentado na presente ação de responsabilidade civil, C. O que não foi o caso, L. Em 05.12.2024 o tribunal recorrido decidiu declarar improcedente exceção invocada, nos termos supra transcritos. M. Sucede que, na presente ação de responsabilidade civil: a. Não está em causa a apresentação de pedido de indemnização, fundado no cometimento de facto ilícito suscetível de constituir crime, b. Outrossim, está em causa a apresentação de pedido de indemnização civil fundado no alegado incumprimento de deveres de natureza institucional bancária, auxiliares da prevenção de crime, por parte da recorrente, c. O facto ilícito gerador do dever de indemnizar invocado na presente ação quanto à recorrente é autónomo e distinto, do facto ilícito invocado no processo crime, relativamente à A.... N. Como se poderá constatar, toda a doutrina e jurisprudência citadas decisão do tribunal, de 05.12.2024, acolhem o entendimento de que: apenas existe lugar ao alargamento do prazo prescricional, previstonoart.498.º, n.º 3doCC, se o facto ilícito o invocado, na ação de responsabilidade civil extracontratual, gerador da obrigação de indemnizar, consubstanciar, simultaneamente, todos os elementos essenciais de determinado tipo legal de crime. O. Entendimento que coincide com o defendido pela recorrente. P. Deste modo, salvo melhor parecer, e o imenso respeito devido, in casu”: existe um erro de julgamento, que carece de retificação, e que reside no facto de o tribunal, na sequência da doutrina e jurisprudência citadas, ter concluído como segue: “Volvendo ao caso dos autos, constatamos que os factos alegados pelo autor na sua petição inicial, a provarem-se, determinam a prática pelos indivíduos que o contactaram e convenceram, por meio de engano que astuciosamente lhe provocaram, a transferir o montante global de €91.000,00 de um crime de burla qualificada, previsto no art.218º, nº2, al.a) do nosso Cód. Penal e punível com pena de prisão de 2 anos a 8 anos de prisão, ao qual corresponde o prazo de prescrição do procedimento criminal de dez anos – cfr. art. 118º, nº 1, al. b) daquele diploma. (…) Assim,face aos factos alegados pelo autor na sua P.I. e na esteirado entendimento supra explanado e que perfilhamos, forçoso é concluir que, se provada a factualidade vertida na P.I., o prazo aplicável ao caso dos autos é de dez anos por aplicação do disposto no nº 3 do art. 498º do Cód. Civil, e não de três anos, como sustentam as rés nas respectivas contestações.” Q. Com efeito: a. O A., na sua p.i, em momento algum, atribuiu a prática dos mencionados factos ilícitos, consubstanciadores do invocado crime, à recorrente, b. O A., na sua pi, em momento algum, fundamentou o pedido de indemnização, que deduziu contra a ora recorrente, na prática desses factos ilícitos, consubstanciadores do invocado crime - seja de burla qualificada, abuso de confiança, ou qualquer outro, c. O A., o que alega relativamente à recorrente, é que esta não cumpriu com determinados deveres a que estaria obrigada, pela Lei de Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, fundamentando o seu pedido de indemnização civil nessa invocada omissão de cumprimento de deveres. R. Repisamos: na presente ação, o facto ilícito que o A. invoca contra a R., e que fundamenta o pedido de indemnização civil extracontratual apresentado, é o do alegado incumprimento de deveres de natureza institucional bancária. S. Refere, Gabriela Páris Fernandes, em anotação ao art. 498.º, n.º 3, no Comentário ao Código Civil, da Universidade Católica Portuguesa (pág 379): “O disposto no n.º3 do art. 498, só é aplicável, segundo o entendimento que tem prevalecido, nos casos em que se demonstre que o facto ilícito que fundamenta o pedido constitui, no caso concreto, crime para o qual a lei estabeleça prazo mais longo de prescrição: o lesado que pretenda beneficiar deste prazo mais longo, terá de provar que semostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência, designadamente a culpa efetiva, não bastando a alegação desses factos, nem a consideração de uma presunção legal de culpa (v.g., a prevista no n.º 3 do artigo 503.º) (neste sentido, cfr Acs STJ 07/12/1983 e 23.10.2012; com referência expressa à necessidade de prova de culpa efetiva cfr. Acs. STJ 24.10.1975, 02.12.2004 e 07.04.2005; na doutrina Vaz Serra, 1974-1975ª: 85-86, e Antunes Varela, 1991-1992:31, nt.12000:628,nt1)”. T. Ora, nos presentes autos, e quanto à recorrente, não foi alegada a prática de qualquer facto ilícito criminal U. E, por conseguinte, não é feita qualquer menção a qualquer factualidade que permitisse o preenchimento dos elementos essenciais de qualquer tipo legal de crime, designadamente a culpa efetiva. Assim, V. Fica demonstrado que, a aplicação do regime previsto no art. 498.º, n.º 3 do CC, depende da invocação, pelo A., da prática de facto ilícito, que constitua crime para o qual a lei estabeleça prazo mais longo de prescrição, e que fundamente o pedido apresentado contra a R./ recorrente, situação que não se verifica no caso concreto. W. E, não se diga, como na decisão recorrida, que a recorrente caberia na categoria dos “responsáveis meramente civis, na medida em que estes representam (substituem) em última ratio, o lesante civilmente responsável”. X. O caso da recorrente - porque falamos de dois factos ilícitos diferentes - nunca poderia configurar, tal situação: a. De outro responsável civil, com fundamento em responsabilidade objetiva, que pudesse responder solidariamente com o responsável pelo facto ilícito criminal, como a responsabilidade do comitente pelo comissário ou, b. Da obrigação de indemnizar da seguradora por facto ilícito criminal praticado pelo segurado; Y. É claro e cristalino, que não estamos perante tais situações, Z. Como os factos evidenciam, num (processo crime) e noutro caso (processo civil), não estamos perante a invocação de um mesmo facto ilícito, gerador da responsabilidade de indemnizar. AA. O A. em cada um dos processos que apresentou, alegou a prática de factos ilícitos distintos, entre si: a. No processo criminal (a correr termos em França) - invocou a prática de factos ilícitos, pela A..., suscetíveis de preencher o crime de abuso de direito / burla qualificada; b. No presente processo civil - invocou a prática de factos ilícitos pela Banco 2..., consubstanciada na omissão do cumprimento de deveres institucionais bancários. BB. O A., em cada um dos processos que apresentou (criminal e civil) alegou: a. Dois factos ilícitos diferentes, b. Com autoria diferente e, c. De natureza (ao nível da responsabilidade) diferente, d. Que justificariam deveres de indemnização diferentes. CC. Nos termos em que o A. configurou a ação, trata-se de factos ilícitos individuais e autónomos que, também, individual e autonomamente fundamentariam deveres de indemnização distintos, porque assente em pressupostos diferentes. DD. Deste modo, uma eventual condenação/absolvição da A..., em processo-crime, nunca poderia implicar uma condenação/absolvição da Banco 2... em processo civil e vice versa, porque estamos ante processos diferentes, com causas de pedir e pedidos distintos. EE. Em face do exposto, nenhuma razão de ordem ponderosa, poderia justificar a aplicação do alargamento do prazo prescricional, previsto no art. 498.º, n.º 3 do CC, à recorrente, pois só a especial gravidade do facto ilícito, de natureza criminal, legitima que o procedimento judicial salvaguarde um prazo superior ao da prescrição da responsabilidade civil, previsto no art. 498.º, n.º 1 do CC, FF. Situação que, manifestamente, não é a dos autos. TERMOS EM QUE, SUBSTITUINDO O DESPACHO RECORRIDO, POR DECISÃO QUE DECLARE PROCEDENTE A EXCEÇÃO DE PRESCRIÇÃO INVOCADA, E A ABSOLVIÇÃO DA R. DOS PEDIDOS CONTRA SI DEDUZIDOS, NA PRESENTE AÇÃO (576.º, N.º 1 E 3 DO CPC) * O Réu Banco 1... veio aderir ao recurso da Banco 3.... Não houve contra-alegações. Pela recorrente Banco 3... foi junto um Parecer subscrito pelo Ex. Sr. Professor Mota Pinto. * Colhidos os vistos, cumpre decidir.II. A DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil No caso vertente, em face das conclusões do recurso, a questão a decidir é a de saber se se completou, ou não, o prazo prescricional dos direitos de indemnização invocados pelo A. III. FUNDAMENTAÇÃO A. FACTOS Os constantes do relatório supra. B. O DIREITO Temos como pacífico o que foi escrito na sentença em crise e que passamos a citar: “Relativamente à matéria em causa nesta acção - responsabilidade civil extra-contratual - dispõe o art. 498º, nº 1 do Cód. Civil que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”. Como salienta Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, tomo 3, 2010, p. 756, a razão de ser do prazo geral de três anos previsto neste preceito é simples: “perante um dano que dê azo a um dever de indemnizar a lei pretende uma solução rápida. A incerteza é prejudicial, enquanto as delongas vão dificultar a reconstituição dos elementos que rodeiam e expliquem o facto danoso.” Porém, o nº 3 do citado art. 498º do Cód. Civil estabelece que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.” O que significa que o lesado pode exercer o seu direito para além dos três anos sempre que o facto violador do seu direito constitua crime para cuja prescrição a lei estabeleça prazo mais longo. Este alargamento do prazo geral de três anos tem a sua razão de ser no entendimento de que, desde que se admite a possibilidade de um facto, para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além de três anos decorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que essa possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil desse facto – cfr., neste sentido, Vaz Serra, in “Prescrição do direito de indemnização”, BMJ, 87, p. 57-58, e Antunes Varela, in “Direito das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, p. 651. Por outro lado, o citado art. 498º, nº 3 do Cód. Civil não faz qualquer referência à existência ou não de procedimento criminal e, por conseguinte, o alargamento do prazo prescricional ali previsto não pode estar dependente de, previamente, ter sido ou não exercido o direito de queixa, ter havido ou não processo crime ou de o lesante ter sido ou não condenado pela prática do respectivo crime, assim como não impede a aplicação daquele preceito o facto de o processo crime ter sido arquivado (por qualquer motivo) ou amnistiado. Como refere, na sua imorredoura lição o Professor Antunes Varela, in RLJ, 123, p. 46: "A possibilidade de o lesado exigir a reparação civil que lhe é devida, fora do prazo normal da prescrição, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil, não está subordinada à condição de simultaneamente correr procedimento criminal contra o lesante, baseado nos mesmos factos. Para que a acção cível seja ainda admitida em tais condições, basta, nos termos da disposição legal em foco, que o facto ilícito gerador da responsabilidade constitua crime e que a prescrição do respectivo procedimento penal esteja sujeita a um prazo mais longo do que o estabelecido para a acção cível. Não é, pois, necessário que haja ou tenha havido acção crime na qual os factos determinantes da responsabilidade civil tenham de vir à barra do Tribunal, ainda que observados sob prisma diferente. Basta que haja, em princípio, a possibilidade de instauração do procedimento criminal, ainda que, por qualquer circunstância (v. g., por falta de acusação particular ou de queixa ou por amnistia entretanto decretada) ele não seja ou não possa ser efectivamente instaurado./ Sendo assim, o alongamento do prazo prescricional do direito à indemnização estabelecido no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil assenta numa base de carácter inegavelmente pessoal, porque radica na especial gravidade do facto ilícito danoso praticado pelo agente. É porque o facto ilícito imputado ao lesante constitui crime (e crime de gravidade tal que para o respectivo procedimento judicial se estabelece um prazo superior ao da prescrição da responsabilidade civil) que a lei admite a exigibilidade da indemnização cível para além do triénio definido naquela disposição legal”. Reforçam, ainda, a este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. revista e actualizada, p. 504, que a regra do nº 3 do art. 498º do Cód. Civil ainda se mantém mesmo no caso de o crime ter sido, entretanto, amnistiado,“(…) tendo, porém, o lesado de provar, se quiser prevalecer-se desse prazo mais longo, que o facto ilícito constituía crime. Se se tratar de um caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco, não poderá haver alongamento do prazo prescricional, pois não existe aí qualquer crime”. Em suma, o alargamento do prazo de prescrição constante do nº 3 do art. 498º do Cód. Civil não exige que tenha existido um processo crime em que se tenha apurado a prática de um crime, bastando a verificação que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da respectiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal admite o seu apuramento judicial em prazo mais alargado que o previsto no nº 1 daquele preceito. O que significa, por outro lado, que, na situação de ter existido processo crime, a lei não atribui qualquer relevância ao conteúdo da decisão (de acusação ou de arquivamento) do Ministério Público enquanto titular da acção penal para efeitos de contagem do prazo de prescrição do direito à indemnização em acção cível. Por isto, entende-se que, mesmo arquivado o processo-crime, podem os lesados beneficiar de prazo superior ao de três anos previsto no mencionado nº 1 do art. 498º para intentar a acção cível, desde que aleguem e provem nessa mesma acção que o facto ilícito invocado constitui crime cujo prazo prescricional é superior. É este entendimento a que se vem aduzindo que é a orientação dominante da nossa jurisprudência, podendo ser consultados (em www.dgsi.pt) neste sentido e por todos os Acórdãos, cfr. STJ de 27/03/2025, tirado no processo 840/23.2T8LRA-A.C1.S1 (relator, Ex. Sr. Conselheiro Ferreira Lopes): “sujeição do direito de indemnização ao prazo alongado do nº 3 do art. 498º do CCivil, exige que o autor alegue e prove que os factos em que baseia o pedido constituem crime cujo prazo de prescrição é superior a três anos.” Volvendo ao caso dos autos, constatamos que os factos alegados pelo autor na sua petição inicial, a provarem-se, determinam a prática pelos indivíduos que o contactaram e convenceram, por meio de engano que astuciosamente lhe provocaram, a transferir o montante global de €91.000,00, de um crime de burla qualificada, previsto no art.218º, nº2, al.a) do nosso Cód. Penal e punível com pena de prisão de 2 anos a 8 anos de prisão, ao qual corresponde o prazo de prescrição do procedimento criminal de dez anos – cfr. art. 118º, nº 1, al. b) daquele diploma. (…)” Mesmo tendo em conta o crime de abuso de confiança denunciado pelo autor às autoridades judiciárias francesas, resulta do artigo 205º, nº4, al.b) do Código Penal Português que seria aplicável a pena de prisão de 1 a 8 anos, ao qual corresponde o prazo de prescrição do procedimento criminal de dez anos – cfr. art. 118º, nº 1, al. b) daquele diploma. (…) Continua a decisão a entender o seguinte: “Assim, face aos factos alegados pelo autor na sua P.I. e na esteira do entendimento supra explanado e que perfilhamos, forçoso é concluir que, se provada a factualidade vertida na P.I., o prazo aplicável ao caso dos autos é de dez anos por aplicação do disposto no nº 3 do art. 498º do Cód. Civil, e não de três anos, como sustentam as rés nas respectivas contestações. (…)” Sendo certo que, mais uma vez na esteira da nossa jurisprudência praticamente unânime nesta matéria, quer a interrupção, quer o alargamento do prazo prescricional, aplica-se - é oponível - aos responsáveis meramente civis, na medida em que estes representam (substituem) em última ratio, o lesante civilmente responsável. Na verdade, não só aponta nesse sentido o espírito de unidade do sistema (cfr. art. 9, nº 1 do Cód. Civil), como o nº 3 do art. 498º do Cód. Civil não estabelece qualquer distinção nesse sentido (cujo texto, ao não se referir ao autor do facto ilícito criminal, mas apenas aludir ao facto constitutivo de crime, permite concluir que o pressuposto da sua aplicação a todos os responsáveis, quer criminais quer civis, é apenas o de ter havido crime sujeito a prescrição de prazo mais longo). Cfr., neste sentido, os seguintes Acórdãos, todos acessíveis em www.dgsi.pt: - do STJ: de 03/12/1998; de 22/01/2004 e de 31/01/2007; - do TRC: de 26/06/2007 e de 15/09/2009; - do TRL: de 07/10/2008; de 25/03/2010 e 14/09/2017.” Não podemos estar de acordo com esta última parte da decisão. Nunca podíamos concluir que “o prazo aplicável ao caso dos autos é de dez anos por aplicação do disposto no nº 3 do art. 498º do Cód. Civil, e não de três anos, como sustentam as rés nas respectivas contestações. (…)” No caso presente, em que estamos perante responsabilidade civil extracontratual, apenas temos que sopesar a aplicação do prazo de 3 anos ou o prazo de 5 anos, este último, no caso do facto jurídico constituir crime. Este tribunal “ad quem “ conhece a jurisprudência citada na decisão, podendo afirmar-se, sem receio, que há unanimidade quanto a esta questão. Não nos parece, porém, que as decisões citadas permitam chegar à conclusão do Sr. Juiz. Quando naqueles Acórdão se refere, por exemplo “Quando o artº 498º nº 3 do C. Civil prevê que o facto ilícito constituía crime, para efeitos dum prazo prescricional mais longo, não se reporta à efectiva responsabilidade criminal do agente, mas, objectivamente, à qualificação jurídico-criminal dos factos.”; não impede a acção cível, o facto de o processo crime ter sido arquivado, ou amnistiado”; o pressuposto da sua aplicação a todos os responsáveis, quer criminais quer civis, é apenas o de ter havido crime sujeito a prescrição de prazo mais longo” concluímos que o busílis da questão está, exactamente, no preenchimento do conceito “facto ilícito”. O alargamento do prazo de prescrição nos casos de responsabilidade civil extracontratual pressupõe que o facto ilícito que sustenta essa mesma responsabilidade seja susceptível de integrar a prática de um crime. Como se diz de uma forma muito clara no Acórdão da Relação de Guimarães de 23.03.2023, tirado no processo 2754/22.4T8BRG-A.G1(Ex. Sr.ª Desembargadora Ana Cristina Duarte) “1 - A aplicação do alargamento do prazo prescricional previsto no n.º 3 do art.º 498º do Código Civil não está dependente de, previamente, ter sido ou não exercido o direito de queixa, ter havido ou não processo crime, condenação ou arquivamento. 2 – A razão de ser de tal alargamento do prazo prescricional assenta apenas na especial qualidade e gravidade do facto ilícito. 3 - Por isso, para a verificação de tal alargamento, é necessário que se alegue e prove na ação cível que os factos que são imputados ao réu integram, em abstrato, determinado tipo criminal” Reportado ao caso presente, quais são os factos alegados na petição inicial que são imputados aos réus e que integram, em abstracto, a prática de um crime? Nenhum. Os alegados factos ilícitos cometidos pelas Rés constituem, na versão do Autor, uma omissão do cumprimento da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, que transpôs as Directivas 2015/849/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, e 2016/22587UE do Conselho, de 06 de Dezembro de 2016. Em jeito de hipótese, a alegada ilicitude da conduta apontada aos Réu pode integrar a prática de um crime? A resposta é claramente negativa. Está invocada na petição a existência de factos que, a provarem-se, podem fazer as pessoas que agiram em nome das sociedades sitas no estrangeiro, incorrer na prática de um crime de burla. Pergunta-se: este alegado crime de burla pode, de alguma forma, ser imputado aos Réus, de acordo com os factos constantes na petição inicial? Novamente a resposta é claramente negativa. Para que o prazo alargado do número 3 do artigo 498º do Código Civil pudesse ser aplicado aos responsáveis civis era necessário que o facto ilícito que lhes é imputado e que justificaria a sua responsabilização fosse susceptível de integrar a prática de um crime. Quando a lei fala em “facto ilícito” refere-se, obviamente, ao facto que sustenta a acção cível intentada contra os Réus e que permitiria, pelo menos em abstracto, ser qualificada como crime. Não pode o facto jurídico cuja prática é imputada a terceiros e que, em tese, é susceptível de integrar a prática de um crime, ser “aproveitado” numa acção proposta contra os Réus (que só de forma indirecta se relacionam com esses terceiros, não lhes sendo assacado qualquer um daqueles comportamentos susceptíveis de serem qualificados como crime) para, dessa forma, alargar o prazo de prescrição. Resumindo: o facto ilícito que o Autor, nesta acção, imputa aos Réus não é susceptível de integrar a prática de um crime. Como consequência, o prazo de prescrição é o previsto no nº 1 do artigo 489º do Código Civil. A circunstância de, por detrás das operações bancárias dos Réus poderem estar comportamentos qualificáveis como crime por parte de um terceiro, situa-se num contexto completamente diferente da causa de pedir esta acção. Impunha-se ao autor que alegasse a eventual existência de crime decorrente da prática/omissão dos actos invocados na petição. Aí, sim, podíamos falar na extensão do prazo do nº 3 do artigo 498º aos responsáveis civis. Não é claramente esta a situação. Deste modo, temos que concluir que o prazo da prescrição é de 3 anos, contados desde, pelo menos, a data da apresentação da queixa por parte do autor. Esse prazo já decorreu, pelo que há que julgar procedente a excepção da prescrição invocada, absolvendo os RR. do pedido. IV. DECISAO Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto e em consequência revoga-se a decisão recorrida considerando verificada a excepção peremptória da prescrição, absolvendo as RR. do pedido. Custas pelo Autor– artigo 527º nº 2 do Código de Processo Civil. Registe e notifique. DN Porto, 10 de Julho de 2025. (Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos) Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990. Raquel Correia de Lima Maria Eiró Rodrigues Pires |