Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
56/21.2GDGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA DE PÁRIS DIAS
Descritores: CRIMES COMETIDOS NA CONDUÇÃO AUTOMÓVEL
PENA DE PRISÃO
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP20204022856/21.2GDGDM.P1
Data do Acordão: 02/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – A aplicação de penas de prisão não pressupõe a inatividade profissional dos condenados ou a sua desinserção social e familiar, dependendo unicamente de considerações ligadas à necessidade e proporcionalidade da pena em contraponto com as exigências de prevenção verificadas no caso concreto.
II - Denotando o arguido/recorrente elevadas carências de socialização, no que à prevenção da reincidência de crimes rodoviários concerne, manifestada pela sua evidente incapacidade de se deixar influenciar pelas penas previamente aplicadas, subsistindo um elevado risco de repetição deste tipo de crimes em face da personalidade por si evidenciada, revela-se inadequada a suspensão da execução da pena de prisão.
III - Em matéria de crimes rodoviários, impõe-se hoje, como meio de tratamento penal preventivo mais adequado ao desenfreado e cada vez mais alarmante desregramento reinante nas estradas portuguesas, o recurso às penas de prisão, ainda que por vezes de curta duração - short sharp shock - por terem uma especial eficácia curativa, dado o seu cariz intimidatório sobre pessoas socialmente estabelecidas.

(da responsabilidade da relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 56/21.2GDGDM.P1
Juízo Local Criminal de Gondomar – Juiz 2

(Raul Cordeiro; Cláudia Sofia Rodrigues)


Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I. Relatório

No âmbito do processo comum que, sob o nº 56/21.2GDGDM, corre termos pelo Juízo Local Criminal de Gondomar, foi submetido a julgamento o arguido AA, tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo procedente a acusação pública e, em consequência, decido condenar o arguido AA:

- Pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. no artigo 256º n.º 1 alíneas e) e f) n.º 3 do Código Penal na pena de 9 (nove) meses de prisão.

- Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. 3º, n.º 1 e 2 do DL. n.º 2/98, de 2 de janeiro, com referência aos artigos 121º, n.º 1, 122º, n.º 1 e 123º, n.º 1 todos do Código da Estrada na pena de 7 (sete) meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico das duas penas acima referidas, vai o arguido condenado em 1 (um) ano de prisão.

- A pena de prisão acima aplicada será cumprida em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, a executar na Travessa ..., ..., Gondomar.

- Condena-se o arguido nas custas do processo com taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

Após trânsito, remeta boletins ao registo e solicite à DGRSP a instalação dos meios de controlo à distância para execução da pena aplicada.»


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Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido AA para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:

«1. Mal andou, o tribunal a quo quando, ao condenar o Arguido não optou por pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, violando o critério que determina a escolha da medida da pena (art. 70.º do Cód. de Proc. Penal), determinado apenas por considerações de natureza preventiva, importando na aplicação deste preceito, o disposto no art.º 40 º do mesmo Cód. Penal, o qual, atribui à pena, sempre, um fim utilitário.

2. O art.º 71º do C.P. estabelece no seu nº 1 a orientação base para a medida da pena a aplicar: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” e no nº 2 faz-se referência às “circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.”

3. Mal andou o tribunal a quo, quando não ponderou de forma criteriosa e adequada as diversas circunstâncias que depõem a favor do agente, em particular as contidas nas alíneas d) a f) do n.º 2 do art.º 71.º do Cód. Penal.

4. A pena justifica-se dentro do limite imposto pela culpa do agente, considerando as necessidades de reinserção social reveladas por este, mas também, no que respeita às exigências de prevenção geral positiva, auscultando as expetativas comunitárias de reação a certo crime.

5. No caso concreto, a ter em consideração os factos dados como provados, o Tribunal “a quo” na determinação da medida da pena não apreciou devidamente as circunstâncias que depõem a favor do arguido.

6. Resultou demonstrado que o rendimento do agregado familiar ascende a 784,00 € mensais emergentes do RSI e subsidio familiar dos filhos.

7. Por outro lado resultou demonstrado que o arguido se dedica à venda ambulante para prover ao sustento do agregado familiar.

8. Não é viável conceber o sustento de 7 pessoas com uns parcos 784,00 € mensais, pelo que temos que considerar como essencial à atividade profissional do arguido para o seu sustento e mais ainda para o sustento dos 5 menores a si agregados.

9. Ao condenar o arguido na pena de prisão efetiva de um ano, a cumprir na habitação, mais não fez o tribunal do que impedir o sustento dos filhos do arguido, que por via da condenação fica impedido de granjear o seu sustento.

10. De harmonia com o já citado art.º 70.º, n.º 1 do Código Penal na medida da pena da pena são considerados, os factos e a personalidade do agente, pelo que a pena de prisão efetiva é excessiva.

11. A culpa é a medida da pena e esta tem de corresponder às expectativas da comunidade; daí para cima a medida exata da pena é a que resulta das regras da prevenção especial. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade causando só o “mal necessário”.

Nem mais, nem menos.

12. A exigência do critério de determinação da medida da pena exprime a fixação do “quantum da pena” concreto e deve fazer-se com base na culpa e na prevenção, afastando-se assim definitivamente a ideia que o juiz deve partir do meio da moldura penal do crime para encontrar a pena concreta, quer atenuantes e agravantes gerais para encontrar a medida concreta da pena depois de determinado o seu “quantum“ em função do critério geral da medida fornecida por lei.

13. Por outro lado, a medida da pena, além da sua necessidade terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que ter em linha de conta que se deve evitar a dessocialização do agente, sendo esta a função ressocializadora da pena.

14. O recorrente está atualmente, profissional, familiar e socialmente inserido.

15. A análise da douta sentença proferida pelo tribunal a quo, permite concluir pela existência de sérias razões para crer que da suspensão da pena resultaria vantagens não para a reinserção social do arguido, finalidade esvaziada pelo facto de este já se encontrar totalmente inserido a nível social e profissional, mas antes para o não prejuízo dessa integração.

16. No caso concreto, a medida da pena deveria funcionar a contrário, privilegiando a sua aproximação aos limites mínimos, única forma de garantir o cumprimento das suas finalidades, e designadamente de não colocar em perigo a integração do arguido.

17. Mal andou o Tribunal a quo quando atentos os factos provados em audiência de discussão e julgamento e assentes na douta Sentença, na determinação da medida da pena, não tomou devidamente em consideração, o disposto no artº 71, nº 2, al. e) do Cód. Penal e no artº 77.º n.º 1, também do Cód. Penal.

18. Caberia ao Tribunal “a quo” aplicar a pena de prisão, suspender a sua execução

19. Acresce que o médio/baixo grau de ilicitude dos factos atinentes a todos os crimes, igualmente impõe a suavização da medida concreta da pena, devendo o cenário de uma pena de prisão efetiva, ser afastada.

20. O Tribunal a quo não efetuou uma correta ponderação dos critérios delimitadores da determinação da pena, previstos nos nºs 1 e 2, do Art. 71º do Cód. Penal, não tendo procedido, como devia e se lhe impunha, a uma atenuação especial da pena, violando assim o disposto no art. 72º do Cód. Penal.

21. Ao não fazer a correta ponderação das circunstâncias atenuantes e tudo o mais que se lhe impunha e que em favor do Arguido milita, na fixação da concreta medida da pena, o tribunal a quo violou não só o artigo 70º, 71º, 72º e 40º do CP, como também os mais básicos princípios de justiça, tendo aplicado uma pena excessiva e “castigadora”, que deverá assim ser suspensa na sua execução, de acordo com a totalidade das conclusões aduzidas.

DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS:

– Artigos 379º, nº 1, al. b), 1º, al. f), 303º e 359º, do CPP

– Artigo 30º, nº 2, 40º, 79º, 71º e 72º do CP

– Artigo 18º, nº 2 e 29º da CRP

Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser suspensa a pena aplicada ao Arguido, e assim se fazendo JUSTIÇA!»


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O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.

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O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida, posição condensada no seguinte conjunto de conclusões:

«1. Conforme jurisprudência pacífica e nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve circunscrever-se às conclusões apresentadas pelo recorrente.

2. Nas conclusões aduzidas pelo recorrente este reconduz a sua discordância à não suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada.

3. Não assiste razão ao recorrente pois a douta sentença recorrida não padece de qualquer vício.

4. Resultou provado que os factos foram todos praticados pelo recorrente com dolo direto, nos termos consignados no artigo 14º, nº 1, do Código Penal.

5. Resultou igualmente provado que o arguido já havia sido condenado no Proc. 130/18.2SGPRT do JLPC do Porto, J1, na pena de 80 dias de multa, por sentença proferida em 17/5/2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p pelo artº 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1, levado a cabo em 16/5/2018; no Proc. 49/18.7PGGDM do JL Criminal de Gondomar, J2, na pena de 120 dias de multa, por sentença proferida em 13/9/2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p pelo artº 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1, levado a cabo em 16/4/2018 e no Proc. 272/20.4GDGDM do JL Criminal de Gondomar, J1, na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa, por sentença proferida em 4/5/2020, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p pelo artº 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1, levado a cabo em 3/5/2020.

6. Neste tipo de criminalidade, as necessidades de prevenção geral positiva revelam–se muito elevadas, atenta a elevada frequência com que este crime é praticado, associado ao elevado nível de sinistralidade nas estradas nacionais, potenciadora de dramas sociais e humanos que se impõe acautelar.

7. In casu, as necessidades de prevenção especial e de ressocialização do recorrente manifestam-se substancialmente elevadas porquanto este já havia sido condenado três vezes, pela prática do mesmo crime, a última das quais já numa pena de prisão, substituída por multa.

8. Não obstante, as penas de multa aplicadas e a ameaça de prisão não lograram produzir no recorrente o receio de cumprimento da última pena. Tão pouco fizeram com que o recorrente interiorizasse o aviso solene ínsito nessa pena, uma vez que não alterou a sua conduta, antes a refinou, pelo que não poderia ser outra a conclusão, senão a de que as penas de multa já sofridas e a pena de prisão substituída por multa, não se revelaram suficientes para afastar o recorrente da criminalidade e para o impedir de praticar crimes.

9. Ao invés, somou à já reiterada condução de veículo automóvel sem ser titular de documento que o habilite, a falsificação de documento, concretamente, de uma carta de condução para, dessa forma, continuar a exercer a condução, contra a lei, e iludir as autoridades, ou seja, para a sua conduta passar incólume, em total e flagrante desrespeito pela Lei, pelo Estado de Direito e pelos demais utilizadores das vias de circulação.

10. Bem andou, pois, o Meritíssimo Juiz a quo, ao aplicar ao arguido uma pena de prisão e ao não suspender a sua execução, porquanto, já não se mostra viável concluir, nos termos do disposto no artigo 50º, do Código Penal, que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

11. Resultou igualmente provado e consta expressamente da douta sentença, que as condições de subsistência do arguido são asseguradas pelo valor atual da prestação do rendimento social de inserção (€384,00) que poderá vir a ser alterado, decorrente da penalização que a companheira terá, após ter abandonado colocação laboral sem justificação e que beneficia de subsídio familiar dos filhos, no valor de €400,00 pelo que o sustento familiar do recorrente é assegurado essencialmente pelo Estado.

TERMOS EM QUE se nos afigura dever o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, nos termos supra expostos, e ser confirmada a douta sentença recorrida.»

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos da resposta do Ministério Público na 1ª instância, pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida.

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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao parecer.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II - Fundamentação

É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cf., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).

No presente caso, embora o recorrente, de forma confusa, invoque os critérios de determinação da medida concreta da pena, podemos concluir que visa unicamente, com o recurso, a modificação da decisão quanto à escolha da espécie de pena, sustentando a adequação da suspensão da execução da pena de prisão.

Podemos, assim, equacionar como questão colocada à apreciação deste tribunal, delimitada pelas conclusões do recurso, a de saber se é adequada a suspensão da execução da pena de prisão.


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Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida.

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«Matéria de Facto Provada:

1. No dia no dia 18 de janeiro de 2021, na Rua ..., em ..., Gondomar, pelas 18h40m, o arguido conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros, sem ser possuidor de carta de condução que o habilitasse a conduzir veículos automóveis.

2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar o arguido, invocando ser titular de carta de condução, apresentou ao agente policial que o fiscalizou um documento epigrafado Permisso de Conducción, com o n.º ...72..., com a menção de ter sido emitido pelas autoridades do Reino de Espanha, em 16 de outubro de 2019 e com validade até 16 de outubro de 2029.

3. O referido documento não é original, tendo sido obtido por sublimação de pigmentos e transferência térmica de massa, tendo o arguido pago setecentos euros pelo mesmo a um indivíduo cuja identidade não se apurou, pelo montante de €700,00.

4. O arguido não é possuidor de carta de condução.

5. O arguido agiu deliberadamente, com intenção de usar a carta de condução que sabia ser falsa, e assim obter benefício ilegítimo, causando deste modo prejuízo ao Estado e pondo em crise a genuinidade e autenticidade daquele documento.

6. O arguido agiu ainda livre deliberada e conscientemente, bem sabendo que conduzia o veículo automóvel sem se encontrar habilitado com a respetiva carta de condução.

7. Conhecimento que não o impediu de agir da forma descrita.

8. Bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou que:

9. O arguido já foi condenado:

- No Proc. 130/18.2SGPRT do JLPC do Porto, J1, na pena de 80 dias de multa, por sentença proferida em 17/5/2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p pelo artº 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1, levado a cabo em 16/5/2018;

- No Proc. 49/18.7PGGDM do JL Criminal de Gondomar, J2, na pena de 120 dias de multa, por sentença proferida em 13/9/2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p pelo artº 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1, levado a cabo em 16/4/2018;

- No Proc. 272/20.4GDGDM do JL Criminal de Gondomar, J1, na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa, por sentença proferida em 4/5/2020, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p pelo artº 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1, levado a cabo em 3/5/2020.

10. O arguido integra o agregado por si constituído (companheira e cinco filhos, todos menores), cujo relacionamento intrafamiliar é descrito como equilibrado e coeso; mantém ainda relacionamento de proximidade com a família de origem.

Dedica-se à venda ambulante, atividade profissional que desempenha de forma irregular e no âmbito de economia informal.

As condições de subsistência do arguido são asseguradas pelo valor atual da prestação do rendimento social de inserção (€384,00) que poderá vir a ser alterado, decorrente da penalização que a companheira terá, após ter abandonado colocação laboral sem justificação. Beneficia ainda de subsídio familiar dos filhos, no valor de €400,00. No que respeita às despesas fixas mensais, indicou-nos como mais significativas a respeitantes à renda de casa (€63,00) que inclui acordo de pagamento de dívida anterior, e as domésticas, energia elétrica, água (com acordo de dívida anterior) e comunicações (com acordo de dívida anterior) num valor aproximado de €380,00. Em caso de necessidade, a companheira referiu-nos ter apoio da família alargada.»


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Analisando os fundamentos do recurso.

Escolha da pena: pena de prisão efetiva (a executar em regime de permanência na habitação) ou pena de prisão suspensa na respetiva execução?

Como é sabido, são finalidades exclusivamente preventivas que devem presidir à operação da escolha da espécie de pena a aplicar ao agente, devendo o tribunal dar preferência à pena não detentiva, a não ser que razões ligadas à socialização do delinquente (no seu conteúdo mínimo, traduzido na prevenção da reincidência) ou de preservação do limite mínimo da prevenção geral positiva, no sentido de "defesa do ordenamento jurídico", imponham a pena de prisão.

Por outro lado, importa não esquecer que, em caso de conflito entre os vetores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral [1].

A suspensão da execução da pena de prisão constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido: a esperança fundada – e não uma certeza – de que a socialização em liberdade será possível, que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.

Para aplicação da pena em causa necessário se torna que o julgador se convença de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas e ainda que a pena de substituição não coloca em causa de forma irremediável a necessária tutela de bens jurídicos.

Afirma-se no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 17/1/2017 [2], reproduzindo o ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, que "A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. Constitui um elemento decisivo aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».

Analisada a decisão recorrida, verificamos que o tribunal de primeira instância fundou em razões de prevenção especial, ligadas à necessidade de ressocialização do recorrente e de prevenção da reincidência, a opção pela aplicação de uma pena de prisão, em detrimento de uma pena de substituição.

Com efeito, argumentou o tribunal de primeira instância nos seguintes termos:

«Da não suspensão da execução da pena aplicada:

Não obstante o art. 50º do CP atribuir ao tribunal o poder dever de suspender a execução de pena de prisão não superior a cinco anos sempre que a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao facto punível, e às circunstâncias deste, permitam concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, é nossa convicção que, pelos motivos acima discriminados, não resultam verificados tais pressupostos.

As sucessivas condenações que o arguido foi sofrendo revelaram-se perfeitamente inúteis no seu propósito de o ressocializar e de o afastar da atividade criminosa a que se vinha dedicando.

O arguido não deu qualquer sinal de ter aderido ao desvalor da sua conduta, não mostrou qualquer ressonância cívica quanto ao comportamento que anteriormente tinha determinado as suas condenações. Ademais, e como acima já se fez notar, desta vez o arguido avançou uma casa em termos de desvalor da conduta, mostrando não estar minimamente preparado para manter um comportamento conforme ao Direito. Em lugar de se emendar, lançou mão de um expediente fraudulento para conseguir iludir as autoridades e poder continuar a levar a cabo o crime pelo qual já tinha sofrido antes 3 condenações. Eduardo Galeano, em “Voces de nuestro tiempo”, diz que "somos o que fazemos, mas principalmente o que fazemos para mudar o que somos.". Ora, mesmo pressionado pelas instâncias de controlo Estadual, o arguido nada fez para mudar o que é. E tinha de o fazer, já que disso dependia a sua liberdade.

Deste modo, nenhuma outra punição que não implique a efetiva privação da sua liberdade conseguirá dar resposta às exigências de prevenção geral e de reintegração que o caso dos autos reivindica.

Não vemos como, perante este quadro, possa emitir-se um juízo de prognose favorável e suspender a execução da pena aplicada.

Do cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação:

É sabido que as penas curtas de prisão nem possibilitam uma atuação eficaz sobre a pessoa do delinquente no sentido da sua socialização, nem exercem uma função de segurança relevante face à comunidade - antes, transportam consigo o risco sério de dessocializar fortemente o condenado, ao pô-lo em contacto com o ambiente deletério da prisão; representam para as autoridades encarregadas da execução um enormíssimo peso- neste sentido Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos- La Estructura de la teoria Del Delito Sec.1ª, §4, VIII, 30 - Editorial Civitas, S.A 1997 (apud Ac. RP de 3/3/2010, Rec. Penal nº 119/09.2PBVLG.P1 - 1ª Sec., na página da internet http://www.trp.pt/jurisprudenciacrime/crime_119/09.2pbvlg.p1.html).

Ora, neste tipo de criminalidade a reposição da norma jurídica violada pode conseguir-se pelo mero afastamento do infrator tanto do veículo com que comete os crimes, como das vias públicas onde os leva a cabo.

Ou seja, não é inevitável que a privação da liberdade tenha que ser executada em ambiente prisional, podendo conseguir-se os mesmos fins com menor custo tanto para o arguido, como para o Estado, como, finalmente, para a comunidade.

Por isso, tomando em consideração as necessidades de prevenção acima objetivadas e concatenando-as com os princípios da necessidade e do fim das penas, entende-se que a pena de prisão acima aplicada pode ser cumprida em regime de permanência na habitação (artº 43º, nº 1, alª a) do CP), por desse modo não saírem frustradas as finalidades da punição, tanto mais que o arguido nisso consentiu, a residência indicada tem condições para isso e os seus habitantes não se opõem a que tal suceda.

Desse modo, mesmo experimentando a privação da liberdade, o arguido poderá ficar perto dos seus, evitando, desse modo, o ambiente deletério das prisões.

Desse modo, a pena de 1 (um) ano de prisão será cumprida em regime de permanência na habitação, na Travessa ..., ..., Gondomar, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.»

Afiguram-se-nos inteiramente justificadas as considerações expendidas pelo tribunal de primeira instância a propósito da escolha da pena de prisão.

Como afirma o Tribunal da Relação de Évora (acórdão de 9/10/2012, disponível em www.dgsi.pt), “Não é desconhecida a potencialidade do efeito criminógeno do cumprimento das penas de prisão, em ambiente prisional, decorrente da inserção na respetiva subcultura. Como efeitos adversos dessa privação da liberdade, destacam-se a dessocialização decorrente da interrupção das relações familiares, profissionais e sociais, bem como a má fama e descrédito associados a quem já alguma vez esteve preso. As vantagens apontadas à privação da liberdade, nessas condições residem na circunstância de ela corresponder ao procedimento indispensável a evitar a prática de novos crimes e à convicção da generalidade das pessoas de que é o único meio adequado à satisfação ou estabilização do sentimento de segurança da comunidade abalada pela ocorrência do crime, alcançando simultaneamente a socialização do delinquente. As consequências de qualquer um destes fatores depende da personalidade do indivíduo privado de liberdade – da sua permeabilidade ao meio envolvente, para o que lhe possa trazer de melhor e de pior”.

No entanto, se é verdade que se deve evitar as consequências criminógenas das penas de prisão (amplamente mitigadas no presente caso, dado que ao recorrente foi aplicada uma pena privativa da liberdade a executar em regime de permanência na habitação), menos verdade não é que a aplicação das penas de substituição “exigem a emissão de um juízo de prognose favorável á sua aplicação, ou seja, á reinserção do agente na sociedade de molde a que não cometa mais crimes”. Porque assim vem sendo entendido, não deve ser aplicada a pena de substituição quando o arguido revela “uma personalidade anti-jurídica espelhada nas condenações penais que já sofreu” (cf. os acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto, de 6/11/2013 e de 10/2/2016, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Do mesmo modo, é salientado no acórdão do TRP de 17/1/2017 (igualmente disponível em www.dgsi.pt), que a “suspensão da execução de pena prisão é inviável, por não satisfazer as necessidades de prevenção especial previstas no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, quando o arguido tem antecedentes criminais muito significativos por crimes semelhantes”.

No presente caso, importa salientar que o arguido já havia sofrido três condenações pela prática de crimes rodoviários, tendo-lhe sido inicialmente aplicadas penas de multa e, posteriormente, uma pena de prisão substituída por multa. Contudo, estas penas não tiveram a virtualidade de dissuadi-lo da prática de novos crimes (designadamente de novos crimes rodoviários), cometendo o arguido o ilícito em apreço nos presentes autos.

Sustenta o recorrente que o tribunal a quo não valorizou adequadamente determinadas circunstâncias relacionadas com a sua inserção social e familiar, que configuram atenuantes e que permitem a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro, sendo de esperar que a simples ameaça de cumprimento da pena de prisão seria suficiente para afastá-lo da criminalidade.

Contudo, a objeção relacionada com a inserção laboral e familiar do recorrente não se afigura decisiva, neste âmbito, na medida em que a aplicação de penas de prisão não pressupõe a inatividade profissional dos condenados ou a sua desinserção social e familiar, dependendo unicamente de considerações ligadas à necessidade e proporcionalidade da pena em contraponto com as exigências de prevenção verificadas no caso concreto.

No presente caso, o que se afigura decisiva é a consideração de que o recorrente denota elevadas carências de socialização, no que à prevenção da reincidência de crimes rodoviários concerne, manifestada pela sua evidente incapacidade de se deixar influenciar pelas penas previamente aplicadas, subsistindo um elevado risco de repetição deste tipo de crimes em face da personalidade por si evidenciada.

Com efeito, e como se fez notar na sentença recorrida, desta vez o arguido recorreu à falsificação de um documento para iludir as autoridades e poder continuar a levar a cabo o crime pelo qual já tinha sofrido três condenações. Demostrou, assim, uma vontade férrea de continuar a exercer a condução, atividade que sabia estar-lhe vedada por não ser portador de carta de condução e configurar a prática de um ilícito criminal.

Além disso, e como bem faz notar a Exma. Magistrada do Ministério Público na resposta ao recurso, o sustento do agregado familiar do arguido é garantido pelas prestações sociais de que beneficia, resultando da matéria de facto apurada que a atividade de venda ambulante a que o arguido se dedica é por ele desempenhada de forma irregular.

Para além das exigências de prevenção especial, também as exigências de prevenção geral “sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico", pelas quais se limita sempre o valor da socialização, se revelam elevadas no caso dos autos. A comunidade dificilmente compreenderia que alguém que pratica factos da natureza dos que o arguido praticou, de forma repetida e revelando uma personalidade avessa à observância das normas jurídico-penais (incrementando, por isso, o juízo de perigosidade associado à sua personalidade e, consequentemente, de prognose desfavorável relativamente ao seu comportamento futuro), fosse, mais uma vez, punido com uma pena diversa da pena de prisão efetiva, verificando-se a total ausência de capacidade intimidatória e dissuasora das restantes medidas alternativas de que sucessivamente beneficiou.

Mostra-se, assim, necessária a aplicação ao recorrente de uma pena de prisão, em detrimento de uma pena de substituição, por só aquela se mostrar adequada para dissuadir o arguido/recorrente da prática de novos crimes e reforçar a confiança comunitária na validade das normas violadas.

Na verdade, e como bem salienta o sr. Juiz na sentença recorrida, «neste tipo de criminalidade a reposição da norma jurídica violada pode conseguir-se pelo mero afastamento do infrator tanto do veículo com que comete os crimes, como das vias públicas onde os leva a cabo», não sendo «inevitável que a privação da liberdade tenha que ser executada em ambiente prisional, podendo conseguir-se os mesmos fins com menor custo tanto para o arguido, como para o Estado, como, finalmente, para a comunidade».

Como é salientado no acórdão do STJ, de 3/4/2003 (relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira e disponível em www.dgsi.pt), “Em matéria de crimes rodoviários, impõe-se hoje, como meio de tratamento penal preventivo mais adequado ao desenfreado e cada vez mais alarmante desregramento reinante nas estradas portuguesas, o recurso às penas de prisão, ainda que por vezes de curta duração - short sharp shock - por terem uma especial eficácia curativa, dado o seu cariz intimidatório sobre pessoas socialmente estabelecidas.” [3].

Nenhuma censura merece, assim, a decisão recorrida, que se confirma integralmente, improcedendo o presente recurso.


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III – Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513º, nº 1, do CPP, 1º, nº 2 e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa).

Notifique.


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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).
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Porto, 28 de fevereiro de 2024.
Liliana Páris Dias (Relatora)
Raul Cordeiro (Adjunto)
Cláudia Maia Rodrigues (Adjunta)
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[1] Como é salientado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/10/2009 (disponível em www.dgsi.pt.
[2] Relatado pelo Desembargador Jorge Langweg, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[3] Trata-se da aplicação, pela jurisprudência, da doutrina de Jescheck, no sentido de que «a pena curta privativa da liberdade pode, para os delinquentes de tráfico rodoviário e para os de carácter económico, ter uma eficácia curativa, dado o seu cariz intimidatório sobre pessoas socialmente estabelecidas (...)», como dá conta o Tribunal da Relação de Lisboa, nos acórdãos datados de 1/10/2003 e de 15/10/2003 (relatados pelo Desembargador Clemente Lima e disponíveis em www.dgsi.pt).