Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9394/15.2YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA GRAÇA MIRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
EFEITOS DA EXCEPÇÃO
Nº do Documento: RP201711289394/15.2YIPRT.P1
Data do Acordão: 11/28/2017
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 796, FLS 160-168)
Área Temática: .
Sumário: A “exceptio non adimplenti contratus” não obsta ao conhecimento do mérito da acção e implica uma condenação em simultâneo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 9394/15.2YIPRT.P1

Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:
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I – B..., Lda., veio intentar a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra C..., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia global de 8.664,00 euros, correspondente ao remanescente do preço em dívida pelos trabalhos de construção civil realizados e juros de mora.
Alicerça a sua pretensão nos termos e com os fundamentos alegados no procedimento de injunção.
O R. contestou, pugnando pela improcedência da pretensão A..
Realizou-se audiência de julgamento e, oportunamente, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, por procedência da excepção de não cumprimento invocada e, em consequência, absolveu o R do pedido formulado pela A..
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Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação, apresentando as alegações e respectivas conclusões, onde defende que:
57. O Tribunal a quo interpretou de forma adequada a situação jurídica em causa, referindo tratar-se de um contrato de empreitada a execução dos trabalhos realizados pelo recorrente. No entanto,
58. Aquando da avaliação da execção de não cumprimento por parte do Recorrido como justificação para o não pagamento de parte do preço em dívida, decidiu, com o devido respeito, erradamente, uma vez que, não existem nos autos prova bastante para fazer valer tal tese.
59. O regime próprio da empreitada, face ao cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a excepção do não cumprimento, pois, se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente, no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento.
Assim,
60. Deveria a sentença recorrida ter considerado ilegítima a invocada excepção de não cumprimento, a qual se afigura violadora do princípio da boa - fé, porque as prestações das partes são substancialmente diferentes ao nível do seu valor pecuniário.
61. A sentença recorrida sufraga uma tese que protege excessivamente o recorrido, olvidando a protecção devida ao comércio jurídico e confirmando um enriquecimento injustificado do recorrido que se vê na confortável situação de não pagar o remanescente do preço enquanto não efectuarem meia dúzia de reparações superficiais.
62. É que perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra teria de subordinar-se à ordem estabelecida nos artºs 1221, 1222 e 1223 do CC, ou seja, 1) o direito de exigir a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos; 2) o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados; 3) o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato; 4) o direito à indemnização, nos termos gerais.
63. Só que, para tanto, o dono da obra deve denunciar, no prazo legal, as situações de incumprimento, lato senso, cujo ónus funciona como pressuposto do exercício dos referidos direitos.
64. Tem-se entendido, que a excepção apenas pode ser exercida após o credor haver, não só denunciado os defeitos, como exigir também que os mesmos sejam eliminados, a prestação substituída, o preço reduzido ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos (cf PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.328, Ac do STJ de 10/12/2009 - proc. nº 163/02, em www dgsi.pt).
65. Competia ao Réu demonstrar (art.342 nº2 do CC) a denúncia dos defeitos e a exigência, em simultâneo ou posterior, de um dos direitos que a lei lhe confere.
66. O que não ocorreu no caso em concreto.
67. O tribunal a quo deu como provado, com o devido respeito erradamente, no ponto 13 da douta decisão que “A autora, apesar de lhe ter sido solicitado pelo réu, não executou os trabalhos necessários à correcção do referido em 7, 8, 9, 11 e 12”.
68. Dando como não provado, erradamente, o quesito 6 do procedimento de injunção nomeadamente que “o requerido não apresentou qualquer defeito quanto à empreitada e fornecimentos efectuado pela Requerente, aceitando-os sem reservas ou reclamações”.
Ora,
69. Em momento algum, no seu articulado de oposição o Recorrido alegou ter denunciado os defeitos.
70. O Recorrido usufrui em pleno da habitação, retendo a quantia de € 8.100,00, reduzindo, assim e de forma unilateral, sem qualquer critério, o preço convencionado.
71. O facto de o Recorrido se encontrar a usar a habitação, sem ter denunciado quaisquer defeitos nem exigido a sua eliminação, só se poderá concluir que aceitou a obra.
72. Tal conclusão decorre da presunção absoluta, inilidível, estabelecida no n.º 5 do artigo 1218.º do Código Civil, onde se prevê que “A falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra”.
73. Apenas quando é interpelado na presente acção para pagar o valor em falta o Recorrido vem alegar (e provar) a existência de defeitos, invocando o instituto da excepção de não cumprimento.
74. Em nenhuma parte da sua oposição, o Recorrido alegou que interpelou a Recorrente para num prazo razoável proceder à eliminação dos defeitos da obra.
75. O alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser feito em conformidade com o princípio da boa fé e a possibilidade de recurso ao abuso de direito, por forma a que o alcance da excepção de não cumprimento seja proporcional à gravidade da inexecução.
76. Caso isso não suceda, a oposição da exceptio deve ter-se por abusiva
77. Se o preço total da obra é de 16.000,00€ do primeiro orçamento e de 2.100,00€ do segundo orçamento, ascendendo o total em dívida a quantia de 8.100,00 euros.
78. Uma vez que ficou provado que o Recorrido entregou a quantia de 10.000 euros à Recorrente como inicio de pagamento.
Ora,
79. Da perícia judicial elaborada verifica-se que os defeitos enumerados ascendem a quantia de 304,31 euros.
80. Veja-se ponto 14 da fundamentação da decisão onde é referido que “o custo dos trabalhos referidos em 5 ascende 304,31 euros”.
81. Assim sendo, o custo da reparação dos mesmos ascenderá 304,31 euros, um valor pouco significativo que justifique a retenção de 8.100 euros.
82. A boa – fé constitui um limite à alegação de tal excepção face ao cumprimento inexacto do contrato, podendo levar inclusivamente à sua negação, já que a parte da prestação recusada pelo excipiente deve ser proporcional à parte ainda não executada pelo contraente faltoso.
83. Qualquer homem médio comum concluirá existir, na situação supra apontada, um claro desequilíbrio entre as prestações não realizadas.
84. Deveria, por isso, a sentença recorrida ter rejeitado a invocada excepção, interpretando e aplicando o artigo 428º do Código Civil de forma correcta, pois que, nos termos de tal preceito normativo, a excepção não se aplica na situação em que, quem excepciona, está, voluntariamente, em mora (cfr. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2002 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Maio de 2006, disponíveis em www.dgsi.pt.).
85. O tribunal a quo dá como não provado no ponto 1 b) dos factos não provados que “O réu tenha aceite os dois orçamentos apresentados pela autora e que o preço acordado tenha sido de 18.100,00 euros”.
86. No entanto, na sua motivação alega que “os factos dados como provados e referentes aos trabalhos contratados, aos trabalhos depois retirados do orçamento e aos trabalhos executados resultaram do confronto entre as declarações de partes prestadas pelo réu e pelo legal representante da autora, o quais confirmaram a execução de trabalhos constantes dos dois orçamentos incorporados nos autos a fls. 28 verso a 29 e 29 verso a 30, não execução do enceramento do chão do 1.º andar da casa e, ainda, a exclusão do orçamento dos trabalhos referentes à colocação de interruptores e tomadas.”.
87. Ora, se foram executados os trabalhos dos dois orçamentos e tais factos foram afirmados e confirmados pelo Réu e esposa do Réu é porque o mesmo aceitou os dois orçamentos.
88. De facto, o tribunal a quo dá como provado no ponto 5 que “Mais acordaram que o autor executaria, ainda, os seguintes trabalhos: “1. Serão feitos todos os remates em silicone ou cola e veda dos aros das portas interiores e exteriores assim como as janelas. 2. Serão pintadas duas portas em preto. 3. Na entrada principal será retirada a soleira em pedra, será feita uma passagem em chapa galvanizada e pintada de onde servirá de caldeira inferior para a passagem das águas.”.
89. Trabalhos estes descritos no orçamento datado de 15-30-2014 e que por isso não faz sentido o Réu negar ter conhecimento de tal orçamento.
90. Apesar de se ter provado a existência de defeitos na obra, não sendo juridicamente viável a invocação da excepção de não cumprimento feita pelo Recorrido, e não tendo este peticionado os direitos que a lei lhe facultava com exercício sequencial i) em primeiro lugar, a eliminação dos defeitos; ii) caso tal eliminação não fosse viável, a exigência de nova construção, salvo situações de desproporcionalidade; iii) caso não fossem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, a redução do preço ou a resolução do contrato, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destinava, a acção terá que proceder.
91. Entende o Recorrente que sendo a excepção do não cumprimento do contrato qualificada de excepção dilatória de direito material ou substantivo, é excepção material porque fundada em razões de direito substantivo, e dilatória, porque não exclui definitivamente o direito do autor, apenas o paralisa temporariamente (cfr., por ex., CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág.329 e segs., JOSÉ ABRANTES, A Excepção do Não Cumprimento, pág.127 e segs.), discute-se, porém, os seus efeitos: absolvição do pedido ou condenação a prestar em simultâneo.
92. Legalmente é possível uma condenação quid pro quo (uma coisa pela outra), ou, “condenação num cumprimento simultâneo”, pelo que a comprovação da excepção implica, não absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo, ou seja, a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de 8.100 euros contra a simultânea eliminação dos defeitos por parte daquele.
93. Assim, a procedência da excepção do não cumprimento do contrato implicaria, não a absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo. (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-01-2013, processo n.º17498/11.4YIPRT.C1 e ainda Tribunal da Relação de Coimbra, de 27-09-2005, Processo n.º 2257/05).
94. Ordenada a reapreciação da prova pelas instâncias ou corrigir-se essa apreciação resultará, como corolário lógico, a procedência da acção condenando-se o
Recorrido no pagamento do valor em divida.
NESTES TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO INTEGRALMENTE PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA, ALTERADA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO E REVOGADA A SENTENÇA EM CRISE E, A FINAL SER O RECORRIDO CONDENADO NO PAGAMENTO DE 8.100 EUROS ACRESCIDO DE JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO OU, CASO ASSIM NÃO SEJA ENTENDIDO, A CONDENAÇÃO DO RECORRENTE NA ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS ENUMERADOS NO RELATÓRIO PERICIAL E A CONSEQUENTE CONDENAÇÃO DO RECORRIDO NO PAGAMENTO DO DE 8.100 EUROS ACRESCIDO DE JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO.
FARÃO VV. EXAS SENHORES DESEMBARGADORES A HABITUAL
JUSTIÇA!

O Recorrido contra-alegou, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
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II – Corridos os vistos, cumpre decidir.
Como é sabido, ressalvado o que for de conhecimento oficioso, o âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do/a recorrente (artºs 608º nº2, 635.º, nº 4, 639.º, nºs 1 e 2, do CPC).
Assim sendo, nestes autos temos a conhecer:
- da alteração da decisão de facto;
- da procedência/improcedência da excepção de não cumprimento e consequências a retirar daí.
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Da 1ª instância, vêm dados como provados os seguintes factos:
1. A autora tem por objecto social a prestação de serviços de pintura, polimentos e assentamentos de soalhos, indústria de construção civil e obras públicas e comércio de materiais de construção civil.
2. No âmbito da sua atividade a autora foi contactada pelo réu para executar uns trabalhos construção civil num imóvel situado na aldeia de ..., em Bragança, com o objectivo de a destinar a alojamento de montanha, estando a recuperação a realizar enquadrada no D..., com financiamento no valor de 50%.
3. O autor e a ré acordaram na execução dos seguintes trabalhos, pelo valor de 16.000,00 euros, acrescido de IVA:
“1. Todas as fissuras serão abertas, nas mais pequenas será aplicado um fixador e serão refeitas, nas maiores será aplicada duas camadas de rede de protecção e refeitas de novo.
2. Todas as paredes laterais serão afagadas com uma espátula ou lixa, de seguida será aplicada uma demão de massa de enchimento e outra de acabamento com imitação de estanho amostra aprovada pelo cliente incluindo as paredes das casas de banho, não estando previsto levar pintura.
3. Serão assentes as loiças das casas de banho incluindo as banheiras.
4. Serão colocados todos os interruptores assim como tomadas e ligação ao quadro interior.
5. Haverá 4 portas das casas de banho a pintar com esmalte branco, os remates das pedras serão rectificados.
6. O chão no 1.º andar será limpo e será encerados, o chão dos fundos será somente lavado.
Parte Exterior
1. Será lixadas todas as portas e janelas parte exterior e serão pintadas em duas demãos de esmalte branco.
2. O beiral em madeira será escurecido.
3. Será feita uma grelha em ferro de 20 para colocar em frente a porta dos fundos e será colocada uma soleira a entrada da mesma porta.
4. Será ligado o saneamento pela parte de trás e para a caixa mais próxima em tubo de 125.
5. Nas fachadas será feitos os pequenos retoques com o mesmo material”.
5. Mais acordaram que o autor executaria, ainda, os seguintes trabalhos:
“1. Serão feitos todos os remates em silicone ou cola e veda dos aros das portas interiores e exteriores assim como as janelas.
2. Serão pintadas duas portas em preto.
3. Na entrada principal será retirada a soleira em pedra, será feita uma passagem em chapa galvanizada e pintada de onde servirá de caldeira inferior para a passagem das águas.”.
6. Por conta do valor devido pelos trabalhos a executar o réu entregou à autora a quantia global de 10.000,00 euros.
7. Os remates em silicone ou cola e veda dos aros das portas interiores e exteriores assim como as janelas foram executados de forma insuficiente.
8. Na entrada principal a autora não executou uma passagem em chapa galvanizada e pintada que serviria de caldeira inferior para a passagem das águas.
9. A autora não encerou o chão do 1.º andar.
10. A autora e o réu acordaram que este não colocaria todos os interruptores assim como tomadas e ligação ao quadro interior.
11. A autora cobriu as fissuras e afagou as paredes mas a massa de preenchimento final está a destacar-se, não sendo possível passar a mão na parede, existindo um constante pó de gesso no imóvel que impede que o mesmo se mantenha limpo
12. A autora executou uma grelha em ferro de “verguinha” em vez de uma grelha em ferro de 20 e com uma abertura tal que põe em risco a segurança das pessoas.
13. A autora, apesar de lhe ter sido solicitado pelo réu, não executou os trabalhos necessários à correcção do referido em 7, 8, 9, 11 e 12.
14. O custo dos trabalhos referidos em 5., ascende a 304.31 euros (128,64 euros, 76,44 euros e 99,23 euros, respetivamente)
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Vejamos:
- Se era intenção da Recorrente a alteração da decisão de facto, deveria ter respeitado o imposto no art.º 640º, nº1, do C.P.C, segundo o qual: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. ...”.
O que não fez.
De onde, decidirmos manter a decisão de facto, designadamente, o elenco factual dos factos assentes, acima reproduzido, conforme decidido pela 1ª instância.
Quanto ao mais, vejamos:
- Não pôs a Recorrente em causa o enquadramento jurídico dado pelo Tribunal a quo à situação em apreço, nomeadamente, ao entender que o contrato celebrado entre as partes, A. e R., reveste as características de um contrato de empreitada, conforme o disposto no art.º 1207º, onde se estabelece que “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra, a realizar certa obra, mediante um preço”.
É, efectivamente, assim.
Este tipo de contrato caracteriza-se como sendo “um contrato bivinculante e sinalagmático, visto que dá lugar a obrigações recíprocas, ficando as partes, simultaneamente, na situação de devedores e de credores e coexistindo prestações e contraprestações (Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 2ª edição, págs. 402 e 403).
Nas obrigações, o devedor está adstrito a uma prestação. A inobservância do dever de prestar pode ocorrer por uma de duas vias: pela simples não realização da prestação, o que dá lugar ao incumprimento definitivo em sentido estrito (art.º 798 do Código Civil); pela violação de uma situação tal que a prestação em causa não mais possa ser realizada, originando a sua impossibilidade (art.º 801 nº 1 do Código Civil).
É, contudo, possível uma terceira forma de violação do direito do credor: o cumprimento imperfeito, cumprimento defeituoso ou mau cumprimento, dito também violação positiva do contrato (art.º 799 nº 1 do Código Civil).
O Código Civil não tratou, ao menos com carácter de generalidade, o cumprimento imperfeito; prevê, porém, hipóteses específicas de cumprimento defeituoso em vários contratos, entre as quais se conta, precisamente, o de empreitada (art.º 1218 e ss.).
O empreiteiro não está vinculado apenas à obrigação de realizar uma obra, de obter certo resultado; ele encontra-se ainda vinculado a executar uma obra isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artºs 1218 nº 1 e 1219 nº 1 do Código Civil).
No caso de obra prestada com defeito, presume-se a sua imputabilidade ao empreiteiro, quer dizer, presume-se que procede de culpa sua (art.º 799 nº 1 do Código Civil).
Portanto, ao dono da obra apenas cabe fazer a prova do defeito para que o empreiteiro fique onerado.
E, como é sabido, “nos contratos sinalagmáticos a lei autoriza a qualquer dos contraentes a recusar a realização da sua prestação enquanto não ocorrer a prévia realização da prestação da contraparte, ou a oferta do seu cumprimento em simultâneo (art.º 428 nº 1 do Código Civil). Em tal caso, a recusa do cumprimento é lícita …
A exceptio requer: um contrato bivinculante e sinalagmático; em que ambas as prestações devem ser efectuadas em simultâneo; uma delas o não seja (art.º 428 nº 1 do Código Civil). A excepção visa salvaguardar até ao fim um sinalagma funcional.
Para além de corresponder a uma concretização do princípio da boa fé e de assegurar, em geral, o direito à prestação das partes, a exceptio garante que prestação e contraprestação tenham lugar em simultâneo (José João Abrantes, A Excepção do Não Cumprimento do Contrato, Coimbra, 1986, págs. 39 e ss e Ac. do STJ de 11.12.84, BMJ nº 342, pág. 357).
Decerto que a lei apenas prevê o caso de não haver prazos diferentes para o cumprimento das prestações. Mas apesar disso entende-se que a exceptio, pelo que encerra de justiça e equidade, pode ser invocada, ainda que haja vencimentos diferentes, por aquele dos contraentes que deva realizar a sua prestação antes do outro; só não poderá opô-la o contraente que devia cumprir primeiro (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 311 e 312 e RLJ, Ano 119, pág. 143, Vaz Serra, RLJ, Anos 105, pág. 283, e 108, pág. 155, José João Abrantes, A Excepção, cit., pág. 70, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5ª edição, págs. 38 e 349 e António Menezes Cordeiro, “Violação positiva do contrato, Estudos de Direito Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 139 a 141; Acs. da RC de 06,03,07, www.dgsi.pt, e 06.07.82, CJ, 92, IV, pág. 35 da RL de 17.10.95, CJ, 95, IV, pág. 116 e do STJ, de 13.05.03, www.dgsi.pt.).
A admissibilidade da oposição da exceptio à prestação defeituosa também não deve, pois, merecer dúvida relevante. Se o credor pode recusar uma prestação parcial ou viciada, pode, por maioria de razão, não oferecer a sua opondo a exceptio (artºs 763 nº 1, 798 e 799 do CC). O esquema da excepção do contrato não cumprido é geral. Os remédios particulares postos pela lei ao serviço, por exemplo, do comprador e do dono da obra, não excluem o funcionamento da exceptio: esta mantém-se perante as pretensões que a lei confere àquela parte do contrato de empreitada.
Em sentido material, a excepção é a situação jurídica pela qual a pessoa adstrita a um dever pode, licitamente, recusar a efectivação da prestação correspondente (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Tomo I, cit., pág. 182)…” (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 25-02-2014, proferido no proc. 578/10.0TBVNO.C1, in www.dgsi.pt).
Deste modo, in casu, face ao cumprimento defeituoso revelado pelo assente em 7, 8, 9, 11 e 12, da f.f., e tendo presente o apurado em 13, ao R., dono da obra, assiste o direito de recusar o pagamento do restante do preço acordado enquanto não forem eliminados os defeitos.
Comprovada, assim, a excepção do não cumprimento, vejamos quais são os efeitos.
A excepção de não cumprimento do contrato é qualificada como excepção dilatória de direito material ou substantivo. É excepção material porque fundada em razões de direito substantivo. É dilatória, por que não exclui definitivamente o direito do autor, apenas o paralisa temporariamente (cf. Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pg. 329 e ss., e José Abrantes, in “A Excepção do Não Cumprimento”, pg. 127 e ss.).
Discute-se, porém, quais os seus efeitos: Absolvição do pedido (como sucedeu na decisão sob recurso) ou condenação a prestar em simultâneo (como defende a recorrente).
Para determinada orientação, a procedência da “exceptio” tem como efeito a condenação do réu a prestar ao mesmo tempo que o autor, argumentando-se que a excepção é um meio de defesa destinado a assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo, pelo que a condenação do réu fica subordinada à condição de cumprimento por parte do autor. Uma vez feito o cumprimento pelo autor, dispensa-se uma nova acção a pedir a condenação do réu, ficando desde logo o autor com uma sentença que o legitima a tornar efectiva a obrigação do réu; a aplicação analógica do art.662 do CPC (cf. Vaz Serra, in “A Excepção do Contrato Não Cumprido”, B.M.J. nº 67, pg. 33 e ss.).
Para Calvão da Silva (in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pg. 335), “se é verdade que, em virtude das excepções materiais dilatórias, o direito do autor não existe ou não é exercitável no momento em que a decisão é proferida, por falta de algum requisito material, mas pode vir a existir ou a ser exercitável mais tarde”, parece que a “exceptio non adimpleti contractus” não deve obstar ao conhecimento do mérito da acção. “O Juiz deve, isso sim, condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o “indirecto pedido de cumprimento” co-envolto na arguição da “exceptio” e salvaguarda do equilíbrio contratual”.
No plano jurisprudencial, vejam-se, por exemplo, o Acórdão do S.T.J. de 26/10/2010, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/6/2008, ambos consultados na “internet” emwww.dgsi.pt.
Outra tese aponta no sentido de que a procedência da “exceptio” implica a absolvição (temporária) do pedido, porque a lei não permite a condenação condicional, sendo que inexiste caso julgado quanto à posterior acção (cf. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, pg. 80 e ss.).
Neste sentido, escreve Miguel Mesquita (in “Reconvenção e Excepção no Processo Civil”, pg. 95): “Afastada no nosso sistema, como resulta do art.º 673º, a figura da condenação condicional, o tribunal não deve, uma vez provada a “exceptio non adimpleti contractus”, condenar o réu a cumprir a prestação se e quando o autor realizar a correspondente contraprestação. Ficando o juiz convencido de que também o autor se encontra em falta, deverá proferir uma sentença absolvendo temporariamente o réu do pedido”.
A nível jurisprudencial veja-se o Acórdão do S.T.J. de 30/9/2010, e o Acórdão da Relação do Porto de 30/1/2012, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt.
Muito embora a questão não seja líquida, aderimos aqui à primeira orientação, e como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 13/9/2011 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt), é legalmente possível uma condenação “quid pro quo” (uma coisa pela outra), ou, “condenação num cumprimento simultâneo”, pelo que a comprovação da excepção implica, não absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo.
Assim, “in casu” haverá que condenar o apelado a pagar a quantia em dívida, contra a simultânea eliminação dos defeitos por parte da apelante.” (citando e fazendo nosso o decidido no recente Ac. da RLx de 30/05/2017, proferido no processo 874/16.3YIPRT.L1-1, acessível in www.dgsi.pt, entendimento esse igualmente seguido, a título de exemplo a acrescentar aos restantes acima indicados, no Ac. desta Relação e Secção, de 27/09/2017, proferido no processo 53714/16.2YIPRT.P1, no mesmo sítio net).
Ora, no caso presente, a quantia em dívida, atento o assente em 3, 5, 14 e 6, da f.f., resulta ser de €6.304,31 e os defeitos são os apurados em 7, 8, 9, 11 e 12.
Por conseguinte, tendo em conta estes elementos factuais, impõe-se revogar parcialmente a decisão recorrida, nos termos enunciados no final do penúltimo parágrafo, dando parcial razão à Recorrente.
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III – Pelo exposto, julgamos parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, decidimos revogar parcialmente a sentença recorrida e, em consequência, julgamos parcialmente procedente a acção o que nos leva a condenar o R. a pagar à A. a importância de €6.304,31 (seis mil, trezentos e quatro euros e trinta e um cêntimos), contra a simultânea eliminação dos apurados defeitos, por parte da A..
Custas na respectiva proporção.

Porto, 28 de Novembro, de 2017
Maria Graça Mira
Estelita de Mendonça
Anabela Dias da Silva (Vencida conforme voto anexo)
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Voto de vencida, sinteticamente deixo consignado que, como "in casu", sendo procedente a excepção de não cumprimento do contrato, entendo que tal facto conduz à absolvição do pedido, embora não se trate de uma absolvição definitiva (cfr. artigo 621.° do Código de Processo Civil, quanto ao alcance do caso julgado formado por essa decisão), pois que não extingue o direito exercido pela parte contrária; sendo por este motivo doutrinalmente qualificada como excepção material dilatória, mas funcionando, no contexto do Código de Processo Civil, como excepção peremptória [cfr, artigo 576.°, n.º 3), logo conduz à absolvição do pedido.
Consequentemente confirmava inteiramente a decisão de 1.ª instância.

Anabela Dias da Silva