Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1975/22.4T8AGD-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DE PAGAMENTO
RECLAMAÇÃO DA CONTA
Nº do Documento: RP202511241975/22.4T8AGD-D.P1
Data do Acordão: 11/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I. O recurso é objeto de tributação própria, por se considerar um processo autónomo, nos termos do art.º 1º/2 do Regulamento das Custas Processuais.
II. O incidente de reclamação da conta não constitui o meio adequado, nem tempestivo, para requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, porque a reclamação visa proceder à correção de erros ou de ilegalidades cometidas pelo contador na elaboração material do ato de contagem e a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser formulada no prazo do trânsito em julgado da decisão final.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Conta Custas-Reclamação-1975/22.4T8AGD-D.P1

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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

No processo de execução para pagamento de quantia certa, que segue a forma de processo ordinário, em que figuram como exequente Banco 1..., SA e executada A... Lda., id. nos autos, veio a exequente requerer a cobrança de 2.440.381,42 €, e juros vencidos desde setembro de 2017.


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Citada a executada, veio deduzir oposição por embargos.

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No âmbito do processo de embargos de executado foi proferido despacho que indeferiu o pedido de suspensão da instância de embargos de executado por verificação de causa prejudicial, do qual, foi interposto recurso que foi julgado improcedente.

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Realizado julgamento veio a ser proferida sentença em 6 de julho de 2023, que julgou improcedentes os embargos, tendo condenado a embargante como litigante de má-fé em 70 UC.

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A embargante interpôs recurso da sentença.

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O recurso foi julgado por douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de fevereiro de 2024, com a seguinte decisão:

“Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente a apelação e, em consequência, confirmam a sentença recorrida e também a condenação em multa da embargante/apelante como litigante de má-fé.

Custas a cargo da apelante (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2)”.


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A 29 de fevereiro de 2024, veio a embargante requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

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A 30 de abril 2024 foi proferido o seguinte despacho:

“Requerimento de 29.02: as custas foram fixadas na decisão proferida”.


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A embargante veio interpor recurso do despacho.

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No Tribunal da Relação, o recurso foi julgado e decidido no Apenso C), por decisão sumária de 24 de outubro de 2024, com trânsito em julgado, com a decisão que se transcreve:

“Sendo assim, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a decisão de não dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Custas do incidente pela requerente”.


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Após baixa dos autos à 1ª instância e ainda, no Apenso C), em 12 de dezembro de 2024 foi elaborada a conta nº ..., Processo 1975/22.4T8AGD-C (cv) Recurso Apelação em Separado.

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Na mesma data a embargante foi notificada da conta e foi emitida guia para pagamento de conta no montante de € 13.311,00 €, sendo 13 de janeiro 2025 o prazo limite de pagamento.

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No prazo estabelecido para pagamento da guia, em 08 de janeiro de 2025, a embargante veio apresentar reclamação, pedindo que se declare a nulidade da conta de custas apresentada, uma vez que a Requerente só foi condenada no pagamento de custas pelo incidente, e, consequentemente, seja reformulada a nota de custas apresentada e ser ordenada a devolução do pagamento pago em excesso, em face do valor que já liquidou de € 816,00, aquando da apresentação do recurso.

Alegou para o efeito ter sido notificada do valor a pagar a título de custas, no âmbito do referido apenso, no valor de € 13.311,00.

Na mesma data foi notificada para proceder ao pagamento do valor total dos embargos de Executado na quantia de € 25.398,00, valor esse que engloba o remanescente da taxa de justiça previsto no artigo 6.º, n.º 7 RCP.

Os presentes autos de recurso versam sobre um despacho de indeferimento da dispensa do remanescente da taxa de justiça, a qual foi já aplicada no apenso A e considera que não pode ficar prejudicada por ter recorrido de um despacho que não concorda e que é extremamente gravoso, com a aplicação de uma nova taxa de justiça que perfaz € 13.311,00, somente por não ter sido acolhida a sua argumentação.

Na decisão sumária consta expressamente que a Requerente foi condenada nas custas do incidente e não no pagamento de um novo remanescente da taxa de justiça, sendo apenas devedora das custas pelo incidente e nada mais.

Considera que na elaboração da conta de custas foram violados os princípios da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), da confiança e da segurança jurídica.

Citando doutrina diversa e decisões do Tribunal Constitucional considera ser necessário que a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante entre o custo do serviço e a sua utilidade para o utente afeta claramente a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.

Considera, ainda, que os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando-se na normatização que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça, constituem uma zona de constitucionalidade sensível, sujeita a parâmetros de conformação material que devem garantir um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado, de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito.

Na aferição desse equilíbrio e proporcionalidade deve atender-se à correlação entre o montante das custas e a utilidade económica da causa, ao princípio da igualdade e ao particular circunstancialismo dos autos. O montante das custas não deverá exceder a utilidade económica do pedido expressa no valor da causa, pois isso constitui sinal seguro de que a proporcionalidade se encontra afetada.

Por fim, alegou que se constata a preterição do direito fundamento consagrado no artigo 20.º da CRP e violação dos princípios da confiança, segurança e o direito de acesso aos tribunais, por flagrante desproporcionalidade entre o serviço prestado, os custos cobrados e aqueles a cobrar que se encontram refletidos na conta de custas elaborada.

Os autos de recurso de despacho do indeferimento do remanescente da taxa de justiça não revestem uma excecional complexidade assim como a conduta das partes foi sempre colaborante.

Afirma, ainda, que o direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) inclui o direito das partes questionarem perante o juiz do processo a legalidade da exigência do pagamento das quantias liquidadas na conta final de custas a título de ‘remanescente de taxa de justiça’ e de requerer ao juiz a dispensa do pagamento dessas quantias sempre que a sua liquidação e pagamento, revelados na conta final, se venha a revelar desproporcionado e injusto, por inadequação à especificidade da situação concreta do serviço de administração da justiça (v. artigo 6.º, n.º 7, do RCP).

O acesso ao juiz para que as partes (sujeitos passivos do tributo) possam ver jurisdicionalmente sopesada a adequabilidade dos valores que são liquidados a final – como é o caso do ‘remanescente da taxa’ –, deve estar garantido em meios processuais materialmente adequados (processo equitativo e orientado para a justiça material), o que exclui a previsão de formas e meios processuais ambíguos e ónus processuais ocultos negando pela forma o acesso à defesa de direitos.

Refere, ainda, que a circunstância de a intervenção do juiz prevista no artigo 6.º, n.º 7, do RCP poder ser vista como uma condição da conformidade constitucional de um sistema de custas processuais em que a taxa de justiça é fixada em função do valor do processo e sem qualquer limite máximo, adensa a premência de assegurar às partes o acesso ao juiz para ver atuado tal poder moderador quando as mesmas são confrontadas com a liquidação e obrigação de pagamento de tais quantias.


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O Digno Ministério Público veio pronunciar-se no sentido de nada ter a opor ao requerido.

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O Senhor Contador veio apresentar o seu parecer, nos seguintes termos:

“Tendo como ref.ª a reclamação de 08/01/2025 à conta elaborada em 12/12/24, importa dar a informação que impõe o art.º 31, nº 4 do RCP, o que passo a efetuar de seguida:

Na elaboração da referida conta, tive em consideração o que dispõe o art.º 12, nº 2, do RCP, parte final, no que se refere ao valor do processo para efeito de custas.

Já no que se refere ao remanescente da taxa de justiça, nas causas de valor superior a €: 275.000,00, a ser considerado na conta a final, guiei-me pelo que dispõe o art.º 6º, nº 7 do referido diploma legal (RCP), pelo que faço os autos CONCLUSOS a Vª Exª, a fim de determinar o que tiver por conveniente”.


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Proferiu-se despacho com a decisão que se transcreve:

“Em face do exposto, julgo não verificada a invocada nulidade da conta elaborada nos autos, indeferindo o pedido de redução da taxa de justiça que foi aplicada na conta.

Custas do incidente a cargo da recorrente, cuja taxa de justiça se fixa em três UC – artigo 7/4 do Regulamento das Custas Processuais”.


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A embargante veio interpor recurso do despacho.

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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:

(…)

Termina por pedir que se julgue procedente o recurso.


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Não foi apresentada resposta ao recurso.

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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.

As questões a decidir:

- nulidade do despacho, com fundamento no art.º 615º/1 b) CPC;

- se a conta nº ..., Processo 1975/22.4T8AGD-C (cv) Recurso Apelação em Separado padece de erro ou vício que justifique a sua reforma;

- da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;

- da inconstitucionalidade da decisão.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1 – A recorrente requereu, no apenso de embargos de executado, na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a sentença proferida em sede de embargos de executado, que fosse dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente.

2 – Tal pedido foi indeferido.

3 – Do despacho de indeferimento interpôs o presente recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

4 – Foi proferida decisão sumária, que julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

5 – E condenou a recorrente nas custas do incidente.

6– Foi elaborada a conta nos presentes autos de recurso, de onde resulta o valor de 13.311,00€ a pagar pela recorrente, já descontado o valor de 816,00€ pago pela recorrente aquando da interposição do recurso.


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3. O direito

- Nulidade da sentença -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos I a VII, a apelante suscita a nulidade do despacho recorrido, com fundamento no art.º 615º/1 b) CPC.

Para se avaliar de forma objetiva o apontado vício, transcreve-se o despacho recorrido:

“Decidindo:

A factualidade a ter em conta para a apreciação da questão a decidir é a seguinte:

1 – A recorrente requereu, no apenso de embargos de executado, na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a sentença proferida em sede de embargos de executado, que fosse dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente.

2 – Tal pedido foi indeferido.

3 – Do despacho de indeferimento interpôs o presente recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

4 – Foi proferida decisão sumária, que julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

5 – E condenou a recorrente nas custas do incidente.

6– Foi elaborada a conta nos presentes autos de recurso, de onde resulta o valor de 13.311,00€ a pagar pela recorrente, já descontado o valor de 816,00€ pago pela recorrente aquando da interposição do recurso.


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Prescreve o artigo 12/2 do Regulamento das Custas Processuais que:

“Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da ação.”

O artigo 6/7 do mesmo diploma legal estabelece que:

“7 - Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

No caso dos autos, o valor da execução corresponde a 2.440.381,42€.

Aplicando-se a tabela I B anexa ao Regulamento das Custas Processuais, o valor da taxa de justiça a considerar para efeitos do recurso interposto é de 14.127,00€, pelo que se descontando o montante de 816,00€ pago pela recorrente com o impulso processual da interposição do recurso, dá o valor total a pagar de 13.311,00€.

Posto isto, não padece de qualquer nulidade a conta elaborada nos autos, elaborada de acordo com a condenação determinada pelo Tribunal da Relação do Porto, no incidente de pedido de dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça, incidente este que, inevitavelmente, abrange a interposição do recurso que indeferiu tal pedido.

Não se atende, “in casu”, à redução da taxa de justiça aplicável ao recurso, requerida pela recorrente, atendendo a que a mesma litiga com má-fé, conforme acórdão que confirmou a sentença proferida no apenso de embargos de executado.

Com efeito, a redução do valor da taxa de justiça pretendido pela recorrente não tem em conta, apenas, a simplicidade do incidente, mas também a conduta processual das partes, pelo que litigando a recorrente com má-fé, indefiro o por si requerido.

Em face do exposto, julgo não verificada a invocada nulidade da conta elaborada nos autos, indeferindo o pedido de redução da taxa de justiça que foi aplicada na conta.

Custas do incidente a cargo da recorrente, cuja taxa de justiça se fixa em três UC – artigo 7/4 do Regulamento das Custas Processuais”.

Nos termos do art.º 613º/3 CPC o regime da nulidade da sentença tem aplicação aos despachos.

Nos termos do art.º 615º/1 b) CPC, a sentença é nula, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

A nulidade ocorre desde que se verifique a falta absoluta de fundamentação, que pode referir-se só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.

A irregularidade está diretamente relacionada com o dever imposto ao juiz de motivar as suas decisões, conforme resulta do disposto no art.º 607º/4/5 CPC[2] e do art.º 154º CPC.

O Professor ANTUNES VARELA observava a respeito desta questão: “[p]ara que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão”[3].

Só a absoluta falta de fundamentos de facto ou de fundamentos de direito pode conduzir à nulidade da decisão.

Neste sentido, entre outros, o Ac. STJ 24 de janeiro de 2024, Proc. 2529/21.8T8MTS.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.

Não se ignora, contudo, que numa construção mais recente, também se defende que a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, se considera dever ser equiparada àquela falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, levar a tal nulidade (neste sentido, Acórdão do STJ de 2/3/2011, proc. nº161/05.2TBPRD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.).

Na situação concreta, o despacho recorrido enuncia os factos provados conforme determina o art.º 607º/3/4 CPC e na decisão o juiz do tribunal “a quo” atendeu apenas aos factos que transcreveu no despacho, especificando os fundamentos de direito em que assentou a decisão.

Contrariamente, ao afirmado pela apelante, o despacho indicou os fundamentos de direito e foi à luz de tais fundamentos que apreciou os factos provados, como se constata do texto transcrito.

Acresce que a fundamentação de facto e de direito revelam-se percetíveis, não se podendo apontar qualquer insuficiência suscetível de impedir o conhecimento da decisão.

Desta forma, o despacho não se mostra ferido de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito.

Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos I a VII.


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- Da reclamação da conta -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos VIII a XXXI, a apelante insurge-se contra a decisão recorrida, por entender que apenas é devedora pelas custas do incidente não do remanescente da taxa de justiça, assistindo o direito a requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

O despacho recorrido considerou que a conta foi elaborada com observância das regras previstas no art.º 6º/7 e 12º do Regulamento das Custas Processuais e o valor apurado a título de taxa de justiça remanescente, corresponde ao montante em dívida.

Cumpre apurar se a conta elaborada respeitou a decisão que fixou a responsabilidade do embargante pelo pagamento das custas do incidente.

Nos termos do art.º 1º/1 Regulamento das Custas Processuais todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo Regulamento.

O nº 2 do mesmo preceito determina, ainda, que “para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria”.

Para efeitos de custas, cada recurso passou a ser considerado como um “processo autónomo”, o que significa que, quando é proferida a respetiva decisão/acórdão, tem, em função do que no recurso ocorreu, que ser encarada e decidida, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das respetivas custas, o mesmo é dizer, tem que se proceder à definitiva aplicação do art.º 527.º do CPC (em conexão com o disposto nos art.º 607.º/2, 663.º/2 e 679.º, todos do CPC, dos quais decorre que, no final do acórdão, o coletivo dos juízes da Relação ou do Supremo deve condenar quem for o responsável no pagamento das custas processuais, estabelecendo a devida proporção)”[4].

A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo, como se prevê no art.º 11º do Regulamento das Custas Processuais.

Determina o art.º 12º/2 do Regulamento das Custas Processuais que nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso, nos restantes casos, prevalece o valor da ação.

A tributação dos recursos faz-se de acordo com as normas dos art.º 6º/2 e 7º/2 do Regulamento das Custas Processuais, de acordo com os quais a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do Regulamento[5].

Nos termos do art.º 6º/7 do Regulamento das Custas Processuais nas causas de valor superior a 275 000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final.

Nos termos do art.º 30º/1 do Regulamento das Custas Processuais a conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes e dos recursos.

Prevê o art.º 31º/2 do Regulamento das Custas Processuais que a conta pode ser objeto de reclamação pelas partes na ação e o “juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais”.

A lei prevê, assim, a reforma da conta que não se conforme com a lei e o conteúdo da decisão judicial, que se deve limitar a executar.

Feita a conta de harmonia com a sentença ou com o despacho, o juiz não pode mandar modificá-la, visto que isso importava alteração do caso julgado, pois o erro se o houver proveio da decisão e não da conta.

Como observa SALVADOR DA COSTA[6]: “o objeto da reclamação da conta é a correção de erros ou de ilegalidades cometidos pelo contador na elaboração material do ato de contagem”.

Aplicando o exposto à concreta situação dos autos é de concluir que o despacho não merece censura.

A conta em causa, elaborada no Apenso C), respeitou a douta decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação, que fixou a responsabilidade quanto a custas, porque imputou as custas à embargante, tal como constava da decisão.

As custas em causa respeitam ao recurso e no seu cálculo, ponderando o valor da causa e o montante da taxa de justiça paga, observou-se o critério previsto no art.º 6º/7 e 12º do Regulamento das Custas Processuais (acima transcritos).

Na origem do recurso esteve o incidente de reclamação, mas o recurso tem tributação autónoma, como se prevê no art.º 1º/2 do Regulamento das Custas Processuais, respeitando a conta apenas às custas do recurso, que constitui o Apenso C).

Na conta tem de ser considerado o valor do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, para além do valor de € 275.000,00, e que não foi objeto de liquidação prévia pela parte, como determina o art.º 6º/7 do Regulamento das Custas Processuais.

Acresce que a apelante não atribuiu ao recurso um valor diferente daquele que resulta da aplicação da regra geral e que consiste em atribuir ao recurso o valor da ação (art.º 12º/2 Regulamento das Custas Processuais).

Contrariamente ao afirmado no ponto XIII das conclusões, a apelante é responsável pelas custas do recurso, instruído no Apenso C), calculadas na conta objeto de reclamação.

Numa segunda ordem de argumentos, insurge-se contra o despacho recorrido, que não deferiu a pretensão de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Contudo, os argumentos que apresenta não podem ser atendidos, porque o incidente de reclamação da conta não constitui o meio próprio, nem tempestivo, para requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art.º 6º/7 do Regulamento das Custas Processuais.

Não constitui o meio próprio porque como se referiu o incidente tem por objeto a correção de erros ou de ilegalidades cometidos pelo contador na elaboração material do ato de contagem.

A pretensão não é tempestiva, porque deve ser formulada no prazo do trânsito em julgado da decisão final do processo, como resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº1/2022 de 10 de novembro de 2021(DR I série, 03 de janeiro de 2022), que fixou a seguinte jurisprudência:

“A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.

O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 1/2022, do Supremo Tribunal de Justiça, estabeleceu que o direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça termina com o trânsito em julgado da decisão final do processo. Este acórdão resolveu uma divergência de entendimentos quanto ao momento em que devia ser formulado o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, cuja admissibilidade está prevista no art.º 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.

Pela relevância dos fundamentos expostos no douto aresto, transcreve-se o seguinte excerto:

“6 - Sendo a elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento da taxa de justiça, afinal, mera consequência do incumprimento do ónus que se ajusta ao comportamento da parte, ao não requerer atempadamente tal dispensa. Pois que nada mais haverá a fazer: se a parte não apresentou, atempadamente, o pedido de dispensa, a conta tem, forçosamente, de ser elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal, incluindo, portanto, o remanescente da taxa de justiça a pagar.

7 - Assim, a conta é - tem de ser - elaborada, após o trânsito (no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final - artigo 29.º, n.º 1, do RCJ), em conformidade com a decisão final que for proferida nos autos (isto é, "de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos", ut artigo 30.º, n.º 1 do RCP), como tal, contendo o remanescente da taxa de justiça devida.

8 - Se as partes não reclamaram da eventual omissão do juiz quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, sibi imputet, tendo de arcar com as inerentes consequências, mais não sendo o ato de elaboração da conta do que um ato material, sem qualquer conteúdo decisório, nos termos e nos limites que estão definidos e impostos por lei quando a mesma disponha em concreto sobre o valor da taxa a pagar, ou resultando tais limites da lei e da decisão jurisdicional, quando a lei permite ao juiz a fixação de uma taxa variável como forma de dar cumprimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, como é o caso previsto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

(…) No momento da elaboração da conta e consequente notificação às partes para o respetivo pagamento, já estão definitivamente fixadas as responsabilidades em matéria de custas”.

Concluiu-se no mencionado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 1/2022 que “(…) a concessão, ou não, da dispensa/redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem de constar da decisão final transitada, trânsito este que se nos afigura como o terminus ad quem (limite até o qual) para a petição e apreciação daquela dispensa.

A partir daí (desse trânsito em julgado da decisão), esgotaram-se as possibilidades de requerer e apreciar a matéria”.

Não encontramos motivo para nos afastarmos da posição assumida no douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, que tem sido seguida entre outros nos Ac. Rel. Porto 14 de outubro de 2025, Proc. 8590/20.5T8PRT-A.P1, Ac. STJ 11 de julho de 2023, 10723/18.2T8LSB.L1.L1.S1, Ac. Rel. Évora 08 de fevereiro de 2024, Proc. 208/16.7T8OLH-Y.E1, Ac. Rel. Évora 19 de março de 2024, Proc. 393/20.3T8ABF-A.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt .

Conforme tem sido recorrentemente sublinhado na doutrina e jurisprudência[7], conquanto os acórdãos de uniformização de jurisprudência não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos assentos pelo revogado art.º 2º do Cód. Civil, é-lhes reconhecido um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art.º 629º, nº 2, al. c) do CPC. Portanto, tais acórdãos uniformizadores são vinculativos para o STJ enquanto este não os alterar e constituem um precedente persuasivo para os demais tribunais.

A doutrina dum acórdão uniformizador mantém, no descrito contexto, a sua força vinculativa na ordem jurisdicional, enquanto a norma interpretada não for alterada pelo legislador ou a jurisprudência não for modificada por outro acórdão uniformizador do STJ.

Como se referiu, no caso concreto, não se evidenciam razões consistentes para não respeitar a o aludido acórdão uniformizador, havendo, por isso, de prevalecer o princípio do interesse na unidade interpretativa e aplicativa do direito (que se mostra plasmado no nº 3 do art.º 8º) e bem assim o princípio do interesse na estabilidade da corrente jurisprudencial por ele estabelecida.

Apenas poderíamos divergir caso se concluísse pela inconstitucionalidade da interpretação nele afirmada, circunstância que o próprio Acórdão Uniformizador de Jurisprudência cuidou de afastar, pelas razões que aqui se reproduzem e que se acompanham, passando a transcrever:

“Da Constitucionalidade da Posição Seguida

A possibilidade concedida ao juiz de dispensar o pagamento de taxa de justiça remanescente em ações de valor tributário superior a (euro) 275 000,00 foi introduzida para fazer face à inconstitucionalidade material de que padecia o regime então em vigor, o qual permitia que fossem impostas às partes custas de valor absolutamente desproporcionado, sem qualquer correspondência com o serviço de administração da justiça prestado, podendo assumir montantes tais que as pessoas se viam compelidas a afastarem-se dos tribunais, num atropelo do direito de acesso à justiça.

Como referido no Ac. da Relação de Lisboa de 28.04.2016(63), «O facto de a lei permitir, atualmente, o referido movimento corretor do valor das custas, poderá fundamentar um juízo de constitucionalidade da lei quanto a esta questão, como, por exemplo, se decidiu no acórdão do STA, de 20.10.2015, processo 0468/15. Mais, existem decisões jurisprudenciais que defendem que, tendo o tribunal rejeitado a reclamação da conta de custas consubstanciada em extemporâneo requerimento de dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente, a aludida questão de inconstitucionalidade nem sequer se põe (vide STA, acórdão de 29.10.2014, processo 0547/14; Relação de Lisboa, de 15.10.2015, processo 6431-09.3TVLSB-A.L1-6)».

Assim, o artigo 6.º do RCP, na redação consagrada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que lhe aditou o n.º 7, não viola normas ou princípios constitucionais.

Isso mesmo é explicado, de forma assaz expressiva, no aludido Acórdão do STA, de 20/10/2015, (proc. n.º 0468/15)(64).

A questão sob apreciação, como é óbvio, tem mera incidência adjetiva, em especial, no que toca ao momento processual em que a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser pedida ou concedida. E sabemos bem que o legislador dispõe de ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não estando vedada a imposição de ónus processuais às partes. Sem prejuízo, naturalmente, de que os regimes adjetivos que consagrem tais ónus devem revelar-se "funcionalmente adequados, não podendo o legislador criar obstáculos que dificultem arbitrariamente ou de forma desproporcionada o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva"(65).

Embora a discussão que se encontra na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a incidência da taxa de justiça tenha passado, essencialmente, pelos critérios de fixação do respetivo montante (cf., inter alios, os Acórdãos n.os 352/91, 1182/96, 521/99, 349/2002, 708/2005, 227/2007, 255/2007, 471/2007, 301/2009, 266/2010, 421/13, 604/13, 179/14, 844/14 e 361/2015), o TC teve, porém, oportunidade de se pronunciar diretamente sobre a questão da (in)constitucionalidade do n.º 7 do artigo 6.º do RCP), decidindo no Ac. 527/16 «Não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas»(66).

Ou seja, a posição aqui sustentada relativamente à interpretação do n.º 6 do artigo 7.º do RCP, não padece de qualquer inconstitucionalidade, seja por violação do princípio da proporcionalidade, seja do princípio do direito de acesso à justiça (note-se que o direito de acesso aos tribunais não compreende um direito a litigar gratuitamente, sendo legítimo ao legislador impor o pagamento dos serviços prestados pelos tribunais(67) e do direito de tutela jurisdicional efetiva.

Da mesma forma, o Tribunal Constitucional tem entendido, de forma uniforme, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, pois que tal meio processual se destina apenas a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória, transitada em julgado, e à lei(68), raciocínio este que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

O Tribunal Constitucional também tem referido que "(...) ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais [...], a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos." (cf. Ac. de 04.10.2016 - proc. n.º 113/16)(69).

Ao que acresce que a Constituição da República não proíbe a existência de prazos preclusivos para o exercício de direitos. Bem pelo contrário: conforme se refere no Ac. do TC n.º 527/2016, "é evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça [...]"(70).

Sendo que o Tribunal Constitucional já afirmou em diversas ocasiões os termos em que é admissível a imposição de ónus processuais associados a efeitos preclusivos, questão que se insere, desde logo, no âmbito do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.

Isso mesmo se vê nos Acórdãos do TC n.os 275/99, 620/13, 774/14, 442/2015, 277/16 e 96/16(71).

Como se escreveu no Ac. do STA de 20.10.2015 (proc. 0468/15), a propósito do aditamento daquele n.º 7 do artigo 6.º do RCP, «se antes do aditamento se poderia colocar a questão da constitucionalidade do referido art.º 6.º tal deixou de se verificar já que não se pode falar de inconstitucionalidade apenas porque a parte deixou decorrer o prazo e meio adequado para fazer valer um direito que a lei lhe concedia.

É certo que, como resulta dos artigos 18.º e 20.º da CRP o "processo tem de ser equitativo e propiciar uma tutela plena, efetiva e em tempo útil, dos concretos direitos, liberdades e garantias pessoais, sobre os quais exista litígio ou simplesmente ameaça dele" e "também há de ser o adequado para a obtenção da específica tutela que decorre da titularidade dos específicos direitos, liberdades ou garantias pessoais que estejam em causa."(Acórdão do Tribunal Constitucional 178/2007).

Mas nem por isso deixa o legislador ordinário de ter uma margem de ponderação constitutiva sobre o modo como deve ser "desenhado" o figurino processual adequado à efetivação jurisdicional da tutela própria dos específicos direitos ou interesses legalmente protegidos.

Se o legislador estipulou certas regras para dar resposta a certas exigências específicas de direitos até de matriz constitucional a proteger não pode defender-se, sem mais, que os mesmos deviam ser salvaguardados por outros mecanismos ou interpretações que não constam de uma interpretação legal dos preceitos, apenas para dar uma maior tutela dos direitos do que a já consagrada, quando esta é suficiente e adequada à proteção dos mesmos.

Na verdade, não é pelo facto de se discordar do mecanismo que o legislador encontrou como o meio mais adequado para fazer valer um direito que deixa de ocorrer a tutela efetiva do mesmo, que se negue o acesso à justiça ou se introduza um sistema desproporcionado.

Ora, a possibilidade consagrada pelos preceitos em causa de, em sede de pedido de reforma da decisão de custas, fazer adequar a taxa de justiça concreta a pagar ao processado permite a efetivação daqueles princípios constitucionais.

A tutela efetiva e o acesso à justiça realizaram-se e mostram-se efetivados no caso e não saem beliscados pelo facto do titular do direito não ter usado tempestivamente dos meios adequados a fazer valer o direito em causa quando existiam os mecanismos legais para o efetivar.»(72).

Há que ver, sim, é se há uma particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao trânsito em julgado da decisão (portanto, em momento anterior ao da elaboração da conta que se segue, por regra, a esse trânsito).

Obviamente (como e pelas razões que vimos apontando) que se não vislumbra essa dificuldade.

E, na senda do já referido, o Tribunal Constitucional (cf. Ac. 527/2016) igualmente reforça que «a gravidade da consequência do incumprimento do ónus - que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal.

Não se trata, [...], de um resultado implícito, "não discernível" a partir do texto da lei. Desde logo, a própria redação do preceito ("[...] o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se...") - independentemente da melhor interpretação no plano infraconstitucional, aspeto do qual, insiste-se, não cabe cuidar - é indubitavelmente compatível com o sentido afirmado na decisão recorrida, não gerando qualquer desconformidade que suporte a afirmação de um caráter surpreendente do resultado interpretativo”.

E acrescenta: “Ademais, pela aplicação da norma em causa, a parte não fica impedida de "[...] sindicar a legalidade do ato de liquidação operado pela secretaria" nem se vê privada de "[...] questionar a adequação das quantias efetivamente liquidadas às concretas especificidades do processo", como vem alegado pela Recorrente. Na verdade, se a conta não refletir adequadamente a condenação que a suporta ou não calcular corretamente o valor da taxa de justiça previsto na tabela legal, a parte pode dela reclamar nos termos do artigo 31.º do RCP. Simplesmente, o valor da taxa de justiça correto, para estes efeitos, será considerado na íntegra caso a parte não tenha, em tempo, deduzido o pedido de dispensa ou redução respetivo.»(73).

Assim, portanto, as partes não podem dizer que ficaram surpreendidas ao serem confrontadas, na conta, com a obrigação de pagar o remanescente da taxa de justiça, pois (como referido) tiveram tempo mais que razoável para requerer a dispensa de pagamento desse remanescente: até ao trânsito em julgado da decisão”.

Considerando o exposto é forçoso concluir que no caso presente tendo sido proferida em 25 de outubro de 2024 decisão sumária no Tribunal da Relação, a reclamação apresentada em 12 de janeiro de 2025 não respeitou o prazo do trânsito em julgado da decisão final que fixou a responsabilidade quanto a custas e por esse motivo, o pedido formulado com a reclamação foi apresentado fora de prazo, o que obsta à sua apreciação.

Em conclusão, ainda que com fundamentos diferentes, o despacho recorrido não merece censura.

Improcedem as conclusões de recurso.


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- Da inconstitucionalidade da decisão -

Resta, por fim, apreciar se na elaboração da conta foram violados os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva (art.º 20ºCRP), da confiança e da segurança jurídica (ponto XIV das conclusões de recurso).

A respeito da conformidade da interpretação das normas jurídicas com o direito constitucional refere GOMES CANOTILHO: “[o] princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”[8].

A inconstitucionalidade deve ser suscitada de forma processualmente adequada junto do tribunal que proferiu a decisão, de forma a obrigar ao seu conhecimento (art.º 72º LTC).

Recai sobre o recorrente o ónus de colocar a questão de inconstitucionalidade, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível e segundo os requisitos previstos na lei.

Por outro lado, pretendendo questionar certa interpretação de um preceito legal, deverá o recorrente especificar claramente qual o sentido ou dimensão normativa do preceito ou preceitos que tem por violador da Constituição, enunciando com precisão e rigor todos os pressupostos essenciais da dimensão normativa tida por inconstitucional.

Esta tem sido a interpretação desenvolvida pelo Tribunal Constitucional, como disso dá nota, entre outros, o Ac.do Tribunal Constitucional nº 560/94 (acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) quando observa: “[d]e facto, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver – o que, obviamente, exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e percetível.

Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão da constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo.

A exigência de um cabal cumprimentos do ónus da suscitação atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois –[…]-, uma “mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se, sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julga-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão”.

No caso presente os apelantes não indicam as concretas normas jurídicas que contrariam os preceitos constitucionais enunciados ou o segmento interpretativo adotado e que contraria tais preceitos constitucionais, o que impede a apreciação da constitucionalidade.

Por outro lado, a mera afirmação de que existe inconstitucionalidade na elaboração da conta, por violação do art.º 20 da Constituição, não equivale a suscitar, validamente, uma questão de inconstitucionalidade normativa.

A válida imputação de inconstitucionalidade a uma norma (ou a uma sua dimensão parcelar ou interpretação), impõe, a quem pretende atacar, na perspetiva da sua compatibilidade com normas ou princípios constitucionais, determinada interpretação normativa, indicar concretamente a dimensão normativa que considera inconstitucional, o que também não ocorre no caso concreto.

Nesta perspetiva, considera-se que a apelante não suscitou, validamente, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pelo que, improcedem, nesta parte as conclusões de recurso.


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Nos termos do art.º 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.


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Custas a cargo da apelante.

*
Porto, 24 de novembro de 2025
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Ana Olívia Loureiro
________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO, Código de Processo Civil – Anotado, vol. II, 2ª edição, ob. cit., pág. 675 e ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 141.
[3] ANTUNES VARELA J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 688.
[4] Ac. STJ 06 de outubro de 2021, Proc. 1391/18.2T8CSC.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[5] Cf. Ac. STJ 02 de outubro de 2025, Proc. 2625/21.1T8STB-E.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[6] SALVADOR DA COSTA As Custas Processuais- Análise e Comentário, 10 ª edição, Almedina, Coimbra, 2024, pág. 230
[7] Cf., inter alia, na doutrina, CASTRO MENDES/TEIXEIRA DE SOUSA, in Manual de Processo Civil, vol. II, AAFDL Editora, 2022, págs. 201 e seguintes, LEBRE DE FREITAS et al., in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, págs. 29 e seguintes e ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, Almedina, págs. 45 e seguintes; na jurisprudência, acórdãos do STJ de 24.03.2021 (processo nº 64/15.2IDFUN.L1-A.S1) e de 12.05.2016 processo nº 982/10.4TBPTL.G1-A.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[8] J.J.GOMES CANOTILHO Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, (7ª Reimpressão) Coimbra, Almedina, 2003, pág.1226.