Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA MORAIS | ||
Descritores: | NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA FORÇA PROBATÓRIA DE DOCUMENTO PARTICULAR AÇÃO DE DEMARCAÇÃO AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO DEMARCAÇÃO EXTRAJUDICIAL | ||
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Nº do Documento: | RP20250127108/18.6T8ALB.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/27/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre as pretensões deduzida, os elementos integradores da causa de pedir e as excepções, não se reportando o vocábulo “questões” aos argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes. II - Nas conclusões, o Recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Deve, ainda, indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, podendo fazê-lo na motivação ou nas conclusões. III - Não se forma caso julgado formal sobre o despacho saneador que fixe matéria de facto considerada assente. IV - Reconhecida a assinatura de um documento particular, tem-se por plenamente provado que o declarante emitiu todas as declarações constantes desse documento, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade deste. No que respeita à realidade dos factos compreendidos na declaração, consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante. V - Na acção de demarcação está em causa a definição da linha divisória entre dois prédios confinantes. Na acção de reivindicação, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real alegado. Assim, sobre os Autores recai o ónus de alegar e demonstrar o facto jurídico aquisitivo do seu direito sobre o prédio, ou seja, o facto jurídico de que tal direito real deriva, assim como a detenção ou a posse pelos Réus do prédio reivindicado, como factos constitutivos do seu direito (art.º 342º, nº 1, do C.C), só assim não será se beneficiarem de alguma presunção legal, caso em que se inverte aquele ónus da prova (art.º 344º, nº1, do CC), ficando então os demandados onerados com o encargo da demonstração de que os autores não são titulares do direito invocado. VI - A demarcação extrajudicial da linha divisória entre dois prédios confinantes pressupõe que os intervenientes sejam os titulares do direito de propriedade sobre os prédios em causa. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 108/18.6T8ALB.P1 Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto, sendo Relatora: Anabela Mendes Morais; Primeiro Adjunto: Jorge Martins Ribeiro Segunda Adjunta: Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha
I_ Relatório AA e BB intentaram a pressente acção declarativa com processo comum, contra CC e DD, pedindo a condenação destes a:
Fundamentam tais pedidos, alegando, em síntese, que: _ Os Autores são donos e legítimos possuidores: I.1_ Citados, os RR. apresentaram contestação, deduzindo defesa por excepção e por impugnação. Concluem, pedindo que “sem prejuízo da aceitação de que os AA são donos dos prédios que referem (dos quais se não aceitam, todavia, as áreas e composições indicadas) deve a acção ser julgada improcedente, dela se absolvendo os réus”.
I.2_ Os Autores apresentaram réplica, mantendo a versão já apresentada na petição inicial. Alegaram, ainda, que: Concluem, pedindo que a reconvenção seja considerada improcedente, por não provada e a sua absolvição do pedido.
I.4_Por despacho proferido em 11/12/2018, foi decidido o incidente do valor da acção deduzido pelos Réus e fixado “o valor da presente acção em €65.763,94 (sessenta e cinco mil, setecentos e sessenta e três euros e noventa e quatro cêntimos)”. Foi, ainda, declarada a “Instância Local [secção de competência genérica] incompetente para a preparação e julgamento desta acção, sendo competente o tribunal - Secção Central Cível de Aveiro, desta Comarca de Aveiro”. I.5_ Remetidos os autos ao Juízo Central da Comarca de Aveiro, foi realizada tentativa de conciliação e, no âmbito dessa diligência, foi efectuada a inspecção judicial ao local, em 14/5/2019[1]. I.6_ Suspensa a instância com vista à obtenção de acordo entre as partes e não tendo sido possível a sua conciliação, foi realizada audiência prévia, aí se determinando nova suspensão da instancia. Não tendo sido alcançado o acordo entre as partes, os autos prosseguiram. I.7_ Em 13/1/2020, foi proferido despacho fixando à acção o valor de € 100.163,94. Foram admitidos os pedidos reconvencionais. Foi proferido despacho convidando os Autores a esclarecerem factualidade alegada na petição.
I.8_ Em10/2/2020, os Autores apresentaram requerimento, na sequência do convite que lhes foi dirigido pelo Tribunal a quo. I.9_ Em 24/6/2020, os Autores juntaram articulado superveniente, que foi julgado inadmissível, por despacho de 14/9/2020. I.10_ Proferido despacho saneador em 28/10/2020, pelo Tribunal a quo foi decidido “por preterição de litisconsórcio necessário do nº 2 do art. 33.º do CPC, nos termos dos arts. 576.º, nº 2, 577.º, alínea e), e 578.º do CPC, absolvo os RR. da instância quanto ao pedido da alínea i) (de fls. 26v.)”. Foi fixado o objecto do litígio, os factos considerados assentes e os temas da prova.
I.11_ Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, constando do dispositivo.
I.12_ Inconformados, os Autores interpuseram recurso dessa decisão, formulando as seguintes conclusões: (…) I.14_ Por despacho de 29/5/2024, foi admitido o recurso. I.15_ Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II_ Objecto do recurso Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº. 4, e 639º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos. Na sua resposta, os Réus/Reconvintes invocaram o não cumprimento, pelos Recorrentes, do ónus imposto pelo artigo 640º, nº1, alíneas b) e c), e nº2, alínea a), do Código de Processo Civil. Assim, há que apreciar as seguintes questões: 1_ Nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC e “vício de falta de fundamentação” da decisão da matéria de facto.
II_ Fundamentação de facto Pelo Tribunal a quo foram considerados os seguintes factos: * a) a alteração das áreas referida em 3 dos Factos Provados tem correspondência à realidade; b) qual a área dos currais; c) os aqui AA., e o seu ora falecido marido e pai FF, desde 1960 que se encontram na posse do prédio designado por “leitaria”; d) os AA. sempre trataram do quintal existente a poente da sua casa de habitação como se fossem os seus donos e legítimos possuidores há mais de 40 anos; e) este quintal faz parte do prédio dos AA.; f) ficou acordado pelo documento identificado em 15 dos Factos Provados que as estremas dos prédios de AA. e RR. fossem delimitadas pela linha traçada no levantamento topográfico junto a fls. 35, do ponto A ao ponto B; g) os marcos referidos em 47 dos Factos Provados mantiveram-se inalterados durante mais de 60 anos; h) a parede da habitação dos AA. encontra-se rachada em consequência das obras perpetradas pelos RR., no terraço; i) os AA. suportaram, em resultado da conduta dos RR., os prejuízos constantes do artigo 176.º da petição inicial, com exceção da quantia despendida pela A. em medicação para dormir (€ 32,97) e da destruição do corrimão colocado na escada que dá acesso ao terraço; j) os AA. deixaram de ter acesso seguro à “leitaria”; k) as obras feitas pelos RR. afetam a solidez da estrutura da habitação dos AA.; l) o documento de fls. 34 foi assinado na perspetiva de cedência onerosa de terreno pelo CC ao FF, caso aquele e só ele viesse a comprar o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...9 com vista a operação de loteamento que este nunca quis realizar e a Ré DD não aceitou; m) os RR. sofreram atrasos nas obras em resultado de facto dos AA. e, em resultado disso, tiveram prejuízos, quais, em que valor; n) em quantos metros aumentaram os RR. o terraço.». * Do ponto 19 dos factos provados consta que o titular inscrito é a Ré DD. Do documento junto aos autos a fls. 230 e 231 (certidão da Conservatória do Registo Predial junto com a contestação) resulta que o direito de propriedade encontra-se inscrito a favor de ambos os Réus. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1, do CPC, procede-se à alteração da redacção do último segmento do ponto 19 dos factos provados, passando a constar do mesmo: Tem como titulares inscritos os Réus.”.
* III_ Fundamentação de direito 1ª Questão Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil [conclusão G] por omissão de pronúncia, sustentando que o Tribunal a quo devia ter-se pronunciado sobre a alteração das confrontações realizadas pelos Recorridos, designadamente a Sul, bem como sobre a ocultação da realidade do prédio, a poente e que a falta de pronúncia sobre as referidas questões tem como consequência a nulidade. Cumpre apreciar e decidir. Verifica-se o vício da omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C.), quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes ou que seja do conhecimento oficioso. O vício da omissão de pronúncia ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. Conforme ensinava o Professor Alberto dos Reis, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[2]. Para o efeito do vício de nulidade, importa não confundir questões com argumentos ou razões invocadas pelas partes em sustentação das suas pretensões. Como se observa no Acórdão de 11/11/2024[3], proferido por esta Relação, «Sanciona este normativo, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3º do CPC, a violação do disposto no artigo 608º nº 2 do CPC o qual dispõe que o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Sendo ainda de distinguir questões a resolver (para efeitos do artigo 608º nº 2 do CPC) da consideração ou não consideração de um facto em concreto que, e quando se traduza em violação do artigo 5º nº 2 do CPC, deverá ser tratado em sede de erro de julgamento e não como nulidade de sentença. É, portanto, em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. O mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia. Já não sobre «os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões”», mas das mesmas se distinguem, pois, «é diferente “(…) deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)». No mesmo sentido, refere o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 8/5/2019[4]: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. Transpondo tais princípios para os presentes autos, nos artigos 37º a 39º da réplica, os Recorrentes alegaram que os Réus/Reconvintes procederam à alteração das confrontações do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...9 realizadas pelos Recorridos, designadamente a Sul. Nos artigos 44º a 47º do mesmo articulado, alegaram que os Réus mantiveram a confrontação a poente mas, esta confrontação é fictícia “uma vez que os reconvintes confrontam com eles próprios [sendo] a real confrontação a poente com caminho e herdeiros de NN, de acordo com a escritura de partilhas” e “encontram-se incorretas” as confrontações a norte e poente que constam da “escritura de justificação notarial, divisão e compra e venda”. Concluem, “por tudo o que se expôs, impugna-se expressamente as confrontações do prédio dos Reconvintes”. Como referido, o tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os argumentos aduzidos pelas partes, nos articulados, na defesa por impugnação[5]. Lida a sentença constata-se que o Tribunal a quo pronunciou-se sobre todos os pedidos deduzidos pelas partes, causas de pedir e excepções invocadas nos articulados, pelo que não enferma de nulidade a sentença recorrida. Na conclusão G), referem que a falta de pronúncia sobre as referidas questões “não permitiu (…) uma análise crítica da prova, já que foram desconsideradas questões que se revelavam essenciais, a fim de se apurar a configuração do prédio dos Recorrentes e Recorridos”. E na conclusão A), os Recorrentes invocam, ainda, o vício da falta de fundamentação, resultando da leitura articulada das conclusões e pontos 4 e 39 a 41 da motivação que está em causa a falta de fundamentação dos factos considerados provados nos pontos 17 e 59. Em anotação ao artigo 615º do Código de Processo Civil, referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[6], “é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade (quanto a um caso de fundamentação ininteligível ou imperceptível, previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 10-5-21, 3701/18, STJ 9-9-20, 1533.17, STJ 20-11-19, 62/07, STJ 2-6-16, 781/11)”. Conforme resulta do exposto, a ausência de fundamentação que tem como sanção a nulidade da decisão respeita à fundamentação de facto ou de direito. A falta de motivação da decisão da matéria de facto não constitui vício da sentença susceptível de gerar nulidade, à luz do artigo 615º, nº1, do Código de Processo Civil. A falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, imposto no artigo 607º, nº4, do Código de Processo Civil, a verificar-se, constitui o vício específico previsto no artigo 662º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil. Nem a falta de fundamentação da decisão de facto, nem a omissão de análise crítica da prova, constituem fundamento da nulidade da sentença. Lida a decisão recorrida, constata-se que o Tribunal a quo indicou os meios de prova por si considerados relativamente aos factos elencados na decisão proferida sobre a matéria de facto, bem como as razões pelas quais considerou suficientes os depoimentos das testemunhas por si indicadas. Relativamente ao ponto 17 dos factos provados, consta na sua parte final a referência à prova documental que está junta a fls. 232, podendo ler-se, na fundamentação, “Nºs. 1 a 15, 17 a 22, 24 a 26 dos Factos Provados: estes factos foram dados como assentes, a 28/10/2020, não tendo havido reclamação das partes”. A fls. 14 a 17, o Tribunal a quo enunciou os meios de prova por si considerados quanto aos factos por si considerados provados sob os nºs. 29 e 59 e, ainda, quanto aos factos vertidos nas alíneas a), b), c), d), e) e i) dos factos não provados, nomeadamente as declarações prestadas pelo Autor conjugadamente com a escritura de justificação notarial, divisão e compra e venda junta a fls. 47 a 56 e as cópias dos cheques – fls. 291 e 292 – e o “acordo formalizado no documento junto a fls. 34; o depoimento prestado pela testemunha KK, prima do A. e filha de GG, que interveio na escritura de justificação notarial, divisão e compra e venda de fls. 47 a 56, como procuradora de seus pais, GG e mulher, e de sua tia II; XX, vizinha e amiga dos AA; YY, amigo do R. e primo de FF. Atenta a motivação exposta na decisão recorrida, poder-se-á discordar da mesma – o que ocorre, no caso dos Recorrentes – mas, não se verificam, no caso dos autos, os pressupostos que justificam a aplicação da solução prescrita no art. 662º, nº 2, d) do CPC, resultando claramente, da leitura da motivação, o processo lógico da decisão da matéria de facto, proferida pelo Tribunal a quo. Pelo exposto, improcede a imputada nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 615º, nº1, alíneas b) e d), do CPC, bem como o vício de falta de fundamentação da decisão da matéria de facto.
2ª Questão Dissentem os Recorrentes da decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à matéria de facto por referência aos factos constantes dos pontos 17, 36, 37, 38, 39 e 59 dos factos provados e dos pontos d), e), f) e h) dos factos não provados [conclusões B, C, D e E]. Na sua resposta, os Recorridos invocam o não cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640º, nº1, alíneas b) e c), e nº2, alínea a), do Código de Processo Civil. Sustentam que os Recorrentes impugnam a matéria de facto, mas não enunciam a decisão alternativa que propõem, quer no corpo das alegações, referindo, apenas, quanto aos factos não provados constantes dos pontos d) e e) que devem ser julgados provados; quanto à demais factualidade que impugnam, não compreendem qual a pretensão dos Recorrentes, na medida em que os mesmos se limitam a requerer “a sua correção”, nunca indicando o sentido de tal correção pretendida: para julgar em sentido contrário ou para assumirem uma nova redação. Sustentam, ainda, que os Recorrentes não indicam as passagens da gravação da prova produzida em audiência em que fundam a sua discordância com o decidido. Nas suas conclusões limitam-se a resumir o que retiram do depoimento das testemunhas que indicam e das declarações e depoimento de parte do Recorrente BB, sem nunca indicarem a localização exacta das passagens da gravação relevantes. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o nº1 do artigo 639º do Código de Processo Civil que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Nos termos do artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a. Os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados; b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Dispõe o n.º 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil,, do Código de Processo Civil, ”No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: De harmonia com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, publicado no DR 220, 1ª série, de 14 de Novembro de 2023), «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa». Pode ler-se, na fundamentação - que permitimo-nos respeitosamente transcrever - do Acórdão citado: «Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640[…]. 5 — Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.». Ensina António Abrantes Geraldes[7] que o sistema actual de apelação que envolva a impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante, o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos e pendor genérico e inconsequente;…”.
3ª Questão No que tange ao restante objecto da impugnação da decisão da matéria de facto, sustentam que nenhuma prova foi produzida no sentido da «existência de dois quintais»: um dos Recorrentes e outro dos Recorridos, que seria, no caso deste último, aquele que os Recorrentes cuidavam a pedido de GG e de II. O conhecimento da testemunha ZZ advém da relação de amizade existente entre si e a Autora, desde há 6/7 anos e da deslocação ao prédio dos Autores duas vezes, no máximo. Explicou que conheceu a Autora nos “passeios de autocarro” e foi uma ou duas vezes à sua habitação, em data posterior a 2016. Referiu que na primeira deslocação, entrou por um portão e subiu uma eira; nesse dia, a Autora mostrou-lhe o interior da habitação e, depois, dirigiram-se ambas ao “quintal”; no “quintal”, a Autora mostrou-lhe as árvores de fruto. Nessa visita guiada, a Autora disse-lhe que era seu o “quintal” e qual a extensão e estremas do mesmo. Em suma, o conhecimento da testemunha sobre a existência de “um” quintal e sua extensão, pertença da Autora resulta do que esta lhe transmitiu. Depois da testemunha ter transmitido que a Autora lhe mostrou o quintal, a Senhora Advogada pediu-lhe que relativamente ao “quintal que lhe foi mostrado pela D. AA”, indicasse “o limite desse quintal, entre as moradias”, tendo a testemunha respondido “com certeza que não sei muito bem. Ora bem. Em relação à eira, pois não sei. Até à eira sei que era. Agora mais não sei delimitar, porque ela começou a mostrar... mostrou-me o tanque bem grande…e depois começou a mostrar-me aquela árvore, aquela e aquela, são minhas. Penso eu que até ao terraço, era”. Acrescentou “eu não perguntei até onde é que é seu”. Apesar da testemunha não ter referido a existência de dois quintais, a Senhora Advogada perguntou “ao lado do quintal da D. AA existia também um outro quintal ou não?”. Feita a pergunta e face ao silêncio da testemunha, a Senhora Advogada diz “Ora bem se me está a dizer que do lado esquerdo … havia o quintal da D. AA, imagine que está na eira, no terraço, aí havia o quintal da D. AA (a Senhora Advogada fez a afirmação, não a testemunha) e do lado direito?”. A esta pergunta, a testemunha respondeu “do lado direito, não sei… ela mostrou-me lá em baixo e foi dizendo «olha aquelas árvores também são minhas. Não fui lá perguntar até onde… Depois, fomos ao canastro e ela disse-me olha aquilo também é meu, aquelas arvores de fruto». De seguida, a Senhora Advogada dirigiu-lhe a pergunta “o canastro também se encontrava no quintal que ela identificou como sendo dela, o canastro, o tanque?” e a testemunha respondeu “sim, sim e as fruteiras…”. Como é manifesto, o depoimento desta testemunha assume diminuta relevância pois, o seu conhecimento sobre a extensão e limites da parcela de terreno designada por “quintal” resulta do que a Autora lhe transmitiu, em data posterior a 2016; o mesmo sucedendo sobre quem cuidava do quintal ou dos quintais e a razão pela qual o fazia. Importa salientar que pela testemunha foi dito ter estado na habitação da Autora, duas vezes, no máximo. A testemunha BBB referiu que é amigo de ambos os Autores, desde 2015 e frequenta a casa dos Autores desde data anterior ao início das obras realizadas pelos Réus. Não conheceu FF. Deslocou-se à habitação da Autora, sozinho, três vezes, para aclamá-la porque estava nervosa por causa das obras na casa dos Réus. A testemunha localizou o início do litígio entre finais de 2017/2018. Perguntado como tinha conhecimento da data, a testemunha respondeu “Perguntei de quem era o terreno ao lado e ele [o Autor] disse-me que tinha sido da família, que estava abandonado, na altura, estava com silvas, tinha lá uma laranjeira com laranjas podres”. O conhecimento da testemunha sobre a pertença do terreno advém do que lhe foi transmitido pelo próprio Autor. A testemunha, até esse momento, não havia mencionado a existência de dois quintais ou de um quintal. Nesse momento da inquirição, a Senhora Advogada perguntou “o Sr. Engenheiro teve a percepção como é que estava o quintal que confina com o quintal da D. AA e o senhor está a descrevê-lo como estando abandonado, cheio de silvas; descreva-me esse quintal”. Após a descrição, a testemunha acrescentou “achava estranho estar aquele mato tão grande em estado de abandono e disseram-me que tinha sido comprado a um familiar deles por uma pessoa, o senhor CC que comprou … Havia uma diferença. O terreno da D. AA estava cuidado e o terreno do vizinho não estava e havia ali uma grande diferença”. A mera circunstância de a parcela de terreno não estar cuidada, de igual forma, em toda a sua extensão não nos permite, sem mais, concluir que não pertence, na íntegra, ao mesmo proprietário. No final do seu depoimento, pela Senhora Juiz foi feita a seguinte pergunta: “A D. AA e o Sr. BB dizem que atrás da casa tinham um quintal. O Senhor tem algum conhecimento além daquilo que lhe foi relatado pela D. AA e pelo Sr. BB?”. A resposta da testemunha foi “eu vi um acordo escrito”. Face à razão de ciência da testemunha BBB, é diminuta a relevância do seu depoimento, nesta parte. A testemunha só convive com os Autores desde 2015 e o conhecimento que possui sobre o terreno objecto do litígio dos Autores e como foi “adquirido”, advém do que lhe foi transmitido por estes. Declarou a testemunha AAA que viveu sempre em ...; é vizinha dos Recorrentes e Recorridos. Conheceu o prédio dos Réus, em data anterior à sua aquisição por estes e frequentava a casa dos Autores por a sua mãe ter “servido na casa dos avós do BB”; sempre frequentou a casa da Autora. O seu depoimento revela algumas incoerências e contradições que lhe retira credibilidade. Além da forma entusiasmada e empenhada como respondeu às perguntas que lhe foram dirigidas, foi manifesta a sua preocupação em revelar a sua proximidade à Autora e o conhecimento pormenorizado sobre o “quintal da D. AA”; as árvores aí plantadas por esta; onde a Autora guardava as lenhas, os animais, as galinhas; o que fazia parte do “quintal da D. AA”; como se apresentava cuidado o “quintal da D. AA” em contraposição com o “quintal” do prédio dos Réus. Contudo, feita a pergunta “quando [os Autores] compraram, a casa era exactamente aquilo que lá está hoje?”, a testemunha respondeu “exactamente”, afirmando que não foi aumentada, nem diminuída, “nada, nada, nada”. Ora, sendo tão próxima dos Autores e frequentando aquela residência e o “quintal da D. AA” desde a sua infância, fica por compreender o seu desconhecimento das obras efectuadas na habitação pelo falecido FF, pai do Autor e marido da Autora, e às quais se reporta o processo que correu na Câmara Municipal sob o nº31/1975 (cfr. documento junto com a contestação; fls. 175 e 175 verso). Feita a pergunta “como é que sabia até onde ia o quintal” dos Autores, a testemunha, de imediato, respondeu “a casa da D. AA era até a Leitaria” e “a Leitaria era da casa dos pais do Sr. FF”, referindo, depois, que “a D. AA comprou a Leitaria porque estava dentro do quintal”. Inquirida como foi adquirida a Leitaria, a testemunha respondeu “o negócio que a D. AA e o Senhor FF me contavam era que eles tinham o quintal e para ficar aquilo em (imperceptível) com o que era deles compraram o quintal que era lá ao fundo que dava também acesso ao quintal, quer dizer dava em fila da casa até lá abaixo. Apanhava a leitaria. Compraram a leitaria para ficar na parte deles”. Inquirida sobre os momentos da aquisição da casa e do quintal, a testemunha respondeu “o Sr. FF comprou a casa e o quintal; foi comprando”. Perguntado “e comprou-lhe a casa e, na mesma altura, comprou-lhe também o quintal?”, respondeu “pois, pois”. Feita a observação “minha Senhora pense bem antes de responder”, a testemunha declarou “eu não lhe sei dizer as coisas minimamente ao pormenor, isso é coisas de muitos anos e às vezes pronto a gente ouve, ouve mas não fixa tudo…Eu sei dizer que foi um dos irmãos que fez a casa e o senhor FF comprou a casa penso eu, tenho quase a certeza, que foi ao GG …O quintal, o quintal não sei. O quintal, a primeira parte do quintal não sei a quem é que ele comprou”. À pergunta “ou o quintal seria todo dos outros que estavam em Lisboa?”, a testemunha respondeu “A leitaria comprou ao GG e à II, a leitaria, lá ao fundo…O resto não sei…o resto cá para cima que era onde existia o barracão e o lavadoiro.” Feita a pergunta, “ela não cuidava também das coisas dos Senhores de Lisboa?”, a testemunha respondeu “Eu não sei. Ela usava, tinha lá o canastro ela usava também o canastro.” Ao longo do seu depoimento foi sempre referindo “quintal da D. AA”. Porém, quando inquirida “de quem era o lavadouro, o canastro a eira, de quem eram?”, a testemunha respondeu “seria da casa ou eles herdaram ou eles compraram ou… sei dizer que sei que toda a vida a D. AA … ela tem lá aquela parte, toda a vida tomou posse daquilo, há cinquenta anos, sessenta…”. Feita a pergunta, “a sua mãe não andou lá a servir, e a Senhora também não frequentava lá e não sabia quem é que tomava conta daquilo tudo?”, tendo a testemunha respondido “ela, a parte dela, ela [a Autora] dizia-me sempre é por aqui, é por ali, é por acolá…Eu passava tardes e tardes com eles”. Não é questão controvertida que toda a parcela designada por “quintal” foi sendo utilizada, ao longo dos anos, pelos Autores. O litígio incide sobre o modo e a razão para essa utilização. Analisando criticamente o depoimento prestado pela testemunha, o seu conhecimento sobre os limites do quintal e se pertencia ao prédio dos Autores ou dos Réus, advém do que lhe era transmitido pelos Autores. Inquirido o topógrafo JJ que realizou os levantamentos topográficos nos quais os Autores sustentam que o prédio dos Réus tem a área de 862m2 e não a área de 1083m2 que consta da descrição ...19 da Conservatória do Registo Predial e do artigo matricial nº...9, a testemunha declarou ter sido contratado pelos Autores para efectuar o levantamento topográfico que consta dos autos como documento nº 19. Explicou a testemunha “medi o que me foi dado a medir” pelo Autor que “foi quem me indicou as estremas da parcela”. Não teve qualquer contacto com os Réus para fazer esse levantamento. Do seu depoimento resulta ter feito uma segunda planta mas os limites foram sempre indicados pelo Autor, não tendo pedido quaisquer documentos às Finanças, nem plantas da casa dos Autores para efectuar tais levantamentos, reafirmando ter medido o que lhe foi dito para medir pelo seu cliente, o Autor. Como é manifesto, é bastante reduzida a relevância que assume o depoimento prestado por esta testemunha e os levantamentos topográficos por si realizados. Considerando a razão de ciência desta testemunha, o seu depoimento e os levantamentos topográficos por si efectuados não são idóneos para extrair a conclusão avançada pelos Autores que o prédio dos Recorridos tem a área de 862m2 e não de 1083 m2. Importa salientar que o objecto destes autos é apurar se os Autores adquiriram a parcela de terreno correspondente à diferença entre a área total de 182m2 que constava da matriz predial e a área de 592m2 que, por força da alteração introduzida por aqueles, actualmente consta da matriz predial; e se o prédio adquirido pelos Réus que se encontra inscrito na matriz urbana da União de Freguesias ..., sob o artigo ...9, tem a área de 1083m2. Do depoimento prestado pelo Autor resulta que contratou, em 2017, o topógrafo JJ; indicou ao topógrafo os limites da propriedade dos pais que hoje pertencem a si e à sua mãe; mandou fazer um segundo levantamento topográfico com toda a área do prédio que pertenceu aos seus avós, com os limites também por si indicados. Na posse desses elementos, solicitou a um Solicitador que, munido do trabalho realizado pelo topógrafo, procedesse às alterações das áreas do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...42º. Após ter sido efectuada a alteração da área nas Finanças, providenciaram pela descrição do prédio na Conservatória do Registo Predial com a área alterada, passando a constar da descrição e da inscrição matricial a área de 592m2 em substituição da área de 182m2. Explicou o Autor que contratou o topógrafo porque existiam “dúvidas” sobre a área dos prédios. O seu objectivo era saber qual a área da propriedade dos avós. Fica por compreender como pretendia o Autor esclarecer qualquer dúvida se todo o trabalho desenvolvido pelo topógrafo teve como fonte exclusiva as informações por si prestadas. No que respeita aos marcos, não existe qualquer outro meio de prova que corrobore a versão do Autor. Como refere o Tribunal a quo, das declarações do Autor BB resulta que após ter contratado um topógrafo a quem indicou a área do seu prédio, demarcou toda a área constante do levantamento topográfico com postes de cimento e com rede. Declarou o Autor que existiam marcos de granito, um localizado à beira do prédio a “leitaria” e outro junto ao muro de pedra, ao pé do canastro. No entanto, o marco localizado junto à “leitaria”, demarcava este terreno como sendo dos seus pais, acrescentando o Autor que, à data, a “leitaria” não pertencia aos seus pais, mas aos seus tios; não conseguiu explicar a alegada existência do marco atribuindo aos seus pais um terreno que o próprio Autor reconhece que não lhes pertencia. Sobre as declarações de parte, como decido no Acórdão de 20/6/2016, proferido por este Tribunal, no Processo nº 2050/14.0T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt: A Senhora Juiz insistiu “Os seus pais precisavam daquela parcela e começaram a dizer isto é nosso?” e o Autor respondeu “no fundo, utilizámos mesmo. Era mesmo. Era deles, tratava como se fosse deles”. Feita a pergunta pela Senhora Juiz “mas eles [os pais do Autor] sabiam que era dos seus tios, sendo assim, sabiam que documentalmente era dos seus tios, como é que passaram a achar que era deles?”, respondeu o Autor “mas os meus tios sabiam que estavam na posse daquilo. Sempre souberam”. Feita a pergunta “porque é que os seus pais começaram a achar que aquilo era deles se de acordo com os inventários aquilo era dos seus tios?”, respondeu “no fundo, o acordo era o concretizar daquilo, o acordo era para concretizar a realidade”, reportando-se ao documento nº2 junto com a petição inicial e mencionado no ponto 15 dos factos provados. Da leitura desse documento, facilmente se verifica que a versão do Autor carece de lógica. Os seus tios não intervieram nesse documento, consequentemente não se descortina como pode o documento nº 2 corporizar um acordo mediante o qual os tios do Autor cederam, à Autora e a FF, a titularidade do direito de propriedade sobre aquela parcela de terreno ou qualquer outra. Confrontado pela Senhora Juiz “Os seus pais tinham consciência que, no inventário, aquilo [a parcela de tereno em litigio, nestes autos] tinha ficado para os seus tios [GG e II]?, respondeu o Autor “sim, tinham consciência. Mas os meus tios também tinham consciência que os meus pais estavam na posse daquele terreno”. Perguntado “O que é que quer dizer que os seus tios sabiam que os seus pais estavam na posse do terreno?”, respondeu “os meus pais plantavam coisas, tinham animais, faziam todos os trabalhos agrícolas na zona”. Feita a pergunta “os seus tios alguma vez chegaram ao pé dos seus pais e deram o terreno?”, respondeu “esse acordo é a concretização desse dar o terreno” [documento nº2 junto com a petição inicial]. Confrontado com o facto de os seus tios não terem tido qualquer intervenção nesse documento, o Autor, então, referiu “o meu pai pagou um valor aos meus tios por esse terreno”. Esta versão do Autor não é corroborada por qualquer outro elemento de prova. O documento em causa (ponto 15 dos Factos Provados) não se mostra assinado pelos seus tios. As cópias dos dois cheques – invocados pelo Autor como meio de pagamento da parcela de terreno - e do extracto da conta bancária não mencionam qual o propósito da emissão e entrega desses títulos. A escritura de divisão apenas alude ao pagamento do prédio denominado a “Leiteira”. Além das declarações do Autor, não existe qualquer outro elemento de prova demonstrativo que os cheques se destinaram, também, ao pagamento do prédio da parcela de terreno do prédio ...9, a GG e II. Em segundo lugar, a versão do Autor conduz ao seguinte resultado. O pai do Autor teria adquirido a GG e II a parcela correspondente ao “quintal” que era parte integrante do prédio nº...9 e pago, a estes, o respectivo preço. A alegada aquisição da parcela com a área correspondente à diferença entre 592m2 e 183m2, não se encontra formalizada. Ainda segundo o Autor, no dia 23/11/2013, teria sido formalizado um acordo entre FF, pai do Autor, e o Réu, vinculando este a, quando adquirisse – e se adquirisse - esse prédio, lhe ceder gratuitamente essa parcela. Em suma, GG e II receberiam duas vezes o preço da parcela: o preço pago por FF, pai do Autor, e o preço pago pelos Réus. Os Réus adquirindo o prédio nº...9 com a área de 1083m2 e pagando o respectivo preço, estavam obrigados a ceder ao pai do Autor aquela parcela, ou seja, pagavam o preço de uma parcela para doá-la ao pai do Autor?! Declarou o Autor que o documento em causa foi por si redigido e que esteve presente no Cartório Notarial no dia 21/11/2013, no momento em que foi assinada a escritura, facto que não foi corroborado, quer pela testemunha KK, quer pelo Réu. No dia 21/11/2013, ou seja, na mesma data, foi outorgada a escritura de justificação notarial, divisão e compra e venda, na qual foi formalizada a compra, por FF, aos tios do Autor, do prédio a “Leitaria”, com área de 24m2. À luz das regras da experiência comum, é incompreensível que tendo sido formalizada a compra e venda de um prédio com a área de 24m2, não fosse igualmente formalizada, também nesse documento, a compra e venda da aludida parcela do prédio ...9 com uma área muito superior (592m2 – 182m2). Tanto mais que, segundo o Autor, os cheques emitidos para pagamento do prédio a “Leiteira”, destinaram-se também, ao pagamento dessa parcela. Atenta a sua razão de ciência, assumiu particular relevância o depoimento da testemunha KK, prima do Autor, filha de GG e sobrinha de II e interveio na escritura de justificação notarial, divisão e compra e venda, datada de 21/11/2023, como procuradora dos seus pais GG e mulher e da sua tia II. Esta testemunha tem conhecimento directo da área do prédio nº...9, das características do prédio nº...9 pertencente aos seus pais e tia e qual a realidade do “quintal”. Declarou a testemunha que KK que conhece os Réus por serem os adquirentes do prédio que era do seu pai. A testemunha declarou saber “quais são as estremas” do prédio que foi justificado na escritura de justificação notarial, divisão e compra e venda, datada de 21/11/2023 porque “ia lá para casa quando era miúda e sabia que a terra ia de determinado sítio até outro sítio” [não se possível acompanhar o depoimento da testemunha na parte em que explicou a configuração do prédio ...9 com o auxílio de documentos juntos aos autos]. Explicou que o terreno era “todo, todo da casa mãe...Até mesmo aqui a leitaria (…) uma coisa eu tenho a certeza absoluta, é que todo o terreno era da casa mãe; onde havia um canastro, onde havia também um tanque, era da casa mãe, lembro-me perfeitamente”. Referiu a testemunha que “naquele terreno todo, havia dois artigos: a casa mãe e a leitaria; passados não sei quantos anos, o meu pai e a minha tia venderam a casa aos actuais proprietários. E o meu tio quis ficar com a leitaria, e como a leitaria tinha um artigo diferente, pôde fazê-lo. (…) A escritura de justificação foi feita porque a casa era metade do meu pai e metade da minha tia II. Um quarto de um deles estava bem especificado na herança; mas o outro quarto não estava. Daí ser necessário antes de vendermos a casa, a escritura de Justificação”. Esclareceu, ainda, que a escritura de justificação já era no intuito de vender a casa. Declarou a testemunha que o prédio que consta da descrição ...9 na CRP, confrontava “com a Rua ..., ia até ao caminho”. Inquirida sobre a razão para não constar da escritura de justificação, a confrontação a sul com a Rua ..., a testemunha respondeu “se calhar era o que era fácil de pôr… Era a casa dele”, reafirmando que o canastro pertencia ao prédio dos seus avós. A Autora e FF “tinham autorização, eles eram autorizados a usar porque os irmãos estavam todos em África e depois também cada um foi para as suas terras, eles tinham autorização para usar”. Feita a pergunta, “mas era para usar no sentido de usar e (…) com o passar dos anos ficar para eles?”, a testemunha respondeu “Não, só ficaria para eles se eles comprassem a casa. Agora de resto não. (…)Aquilo pertence à casa, toda a vida pertenceu à casa... Eles tinham era autorização para usar”. Sobre o prédio vendido aos Réus, por escritura de Julho de 2014, a testemunha – interveio nessa escritura - respondeu que todo o espaço que está a ser ocupado por aqueles, foi “exactamente o que foi vendido”. Acrescentou não ter quaisquer dúvidas sobre isso e que a” única coisa que pertence agora à AA é o sítio onde eles têm a casa e a leitaria que compraram na altura que foi feita a tal escritura, a tal escritura” de justificação e de compra e venda. Explicou que FF “comprou a casa do tio RR (…), depois o tio FF quando casou com a AA e teve o BB, fez o acrescento, fez um acrescento. A leitaria foi vendida na altura da justificação (…) porque a leitaria tinha um artigo diferente da casa mãe (…) e o tio queria lá pôr as galinhas ou uma coisa qualquer, mais a AA (…). O quintal era todo da casa dos avós. A dona AA e o Senhor FF não tinham qualquer quintal. Importa, ainda, referir o seguinte. A testemunha KK interveio, ainda, na escritura de compra e venda do prédio inscrito na matriz sob o artigo urbano ...9 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o nº ...19, outorgada em 18/7/2014, mencionada no ponto 20 dos factos provados. Nessa escritura foi objecto de venda o prédio nº...9, com a área de 1083m2. Nessa data, o referido prédio encontrava-se descrito na Conservatória do Registo Predial com a área de 1083m2 e confrontando a nascente com FF e Rua .... Do documento nº2 junto com a Contestação – certidão da Conservatória do Registo Predial – facilmente se constata que em Fevereiro de 2014, ou seja, em data anterior à aquisição do prédio descrito, sob o nº...19 pelos Réus, esse prédio já se encontrava descrito com a área de 1083m2 e confrontando, do norte, com PP, do sul, com herdeiros de FF e Rua ..., do nascente, com a Rua ... e herdeiros de FF, e, do poente, com herdeiros de GG e II. Sendo a certidão anterior a Julho de 2014, não se vislumbra como podiam os Réus alterar a descrição desse prédio. O mesmo sucede com a inscrição na matriz predial urbana (cfr. documento nº 6 junto com a contestação) cuja data é anterior à aquisição do prédio, pelos Réus, não existindo qualquer prova que permita concluir que estes procederam à alteração da área e/ou das confrontações do prédio ...9 que adquiriram em Julho de 2014. Não pode deixar de se salientar que os Recorrentes alicerçam a alegada ocultação de terrenos, por parte dos Réus, com as declarações de parte prestadas pelo Autor e com o documento elaborado pelo topógrafo com base, exclusivamente, nas informações e instruções do Autor, convocando, ainda, o depoimento prestado pela testemunha YY. A testemunha YY declarou ser amigo do Réu e ser familiar dos Autores (primo direito do falecido FF, pai do Autor e marido da Autora). Explicou que nasceu em ..., em 1947, e frequentou, aí, o ensino primário. Depois do ensino primário, frequentou ... nas férias e, por vezes, aos fins de semana. Os seus pais eram tios do falecido FF. Quando criança, adolescente e até jovem frequentou, muitas vezes a casa dos tios MM e EE, ambos falecidos, e dos primos, II e FFF (prédio dos ora Réus). Mais tarde, quando FF regressou, chegou a conviver algumas vezes com este, no prédio, “frequentávamos a eira que vocês chamam terraço”. Referiu, ainda, que o seu pai, em muitas situações, ajudou a sua tia MM, quando ficou sozinha com os filhos menores, o que motivou a deslocação, por vezes, a casa desta. Por frequentar muitas vezes a casa “antiga”, a testemunha declarou conhecer “bem” a localização geográfica dos prédios. Feita a pergunta “toda a propriedade onde está a casa que era do Sr. RR e que depois vendeu ao Sr. FF, onde está aquela parte por aí abaixo e a leitaria, era de quem?”, a testemunha respondeu “não lhe posso responder (…) Para mim, a ideia que eu tinha é que ele [FF] tinha sido autorizado a construir só a parte edificada. Para mim foi uma surpresa quando soube que eram donos daquilo por aí abaixo. Nunca tinha ouvido falar tal coisa (…). O que julgo saber é que a mãe do RR autorizou [FF] a construir só a casa nova. Eu julgo que não houve delimitações para baixo. Eu julgo. (…) Eu julgava que era só do FF a parte edificada e mais nada. Foi uma surpresa quando me disseram que eles tinham uma área toda por aí abaixo. (…) A casa ficou para a mãe da II. (…) Fiquei surpreendido quando me foi dito que aquilo por ali abaixo também era do FF.”. Perguntado quem lhe transmitiu que era de FF, a testemunha esclareceu “Na altura, o Sr. CC [Réu] mostrou-me a parte que estava a reconstruir a casa e eu na altura disse-lhe que conhecia muito bem a parte que ele estava a restaurar. (…) .O terraço, a eira… “ e, nessa altura, o Réu disse-lhe que FF estava a reivindicar esse espaço e ficou surpreendido pois, para si, FF tinha apenas direito à parte edificada. Esclareceu que do conhecimento que tem derivado da frequência daquele espaço até 1966, a parcela reivindicada pelos Autores pertencia, não a FF, mas ao prédio mãe; depois de 1966, não sabe o que sucedeu. Questionado sobre a leitaria, a testemunha reafirmou “aquilo era tudo da casa mãe”. O quintal da casa mãe era conhecido por “...”. Na parte ocidental da casa mãe havia, em todo o comprimento, esse “...”. Explicou que o terreno ia “a todo o correr da propriedade até à Rua .... Ia até lá baixo”, incluindo a “leitaria” e o terreno que se segue, pertencia à casa mãe. Em suma, do que conheceu até aos seus 18/19 anos (1966/1967), da frequência daquele espaço e do convívio com os seus familiares – os seus tios MM e EE, os seus primos II e FFF e FF -, para si, “aquilo tudo pertencia à casa mãe, por isso é que foi uma surpresa para mim”, a reivindicação dos Autores da parcela. Salvo o devido respeito, deste depoimento não decorre que o prédio dos Réus não confronta a sul com a Rua ... ou que a área do prédio nº...9 seja inferior a 1083m2 ou que os Réus estejam a “ocultar” terreno a poente. Por último, no dia 21/11/2013, o pai do Autor, FF, interveio na escritura de justificação notarial. Nessa escritura consta a descrição do prédio que actualmente pertence aos Réus e a menção que o mesmo tem a área de 1083m2. Em 21/11/2013, o pai do Autor aceitou, então, que o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo nº ...9 e descrito na CRP sob o nº ...19, tinha a área de 1083m2. No que tange à relação de bens, este documento faz prova apenas de que ao processo de inventário foi junta uma determinada relação de bens integrada por um certo e discriminado acervo. Não faz prova de que os bens são efectivamente existentes ou que tais bens têm as características, propriedades e valores que lhes foram conferidos. Sendo esta a prova produzida, encontra-se demonstrada a realidade espelhada nos pontos 17, 36, 37, 38 e 39 dos factos provados e não a vertida nas alíneas d) e) dos factos não provados. Invocam, ainda os Recorrentes os depoimentos prestados pelas testemunhas GGG e de DDD. Declarou a testemunha GGG que é amigo e vizinho dos Réus e dos Autores; tem 51 anos de idade. Referiu que o “quintal” encontrava-se vedado desde data anterior à aquisição do prédio, pelos Réus, e que o “...” era designado por Quintal dos..., tendo-lhe sido transmitido que pertencia à casa mãe. A testemunha DDD declarou que costumava brincar, nas férias, com CC, filho da Senhora II, irmã do Senhor GG, na “casa de pedra”, sendo essa a razão do seu conhecimento. Feita a pergunta “O senhor andava ali a brincar, sabe de quem aquilo era?”, a testemunha respondeu “isso já não sei”. Salvo o devido respeito, tais depoimentos não permitem formar convicção no sentido pugnado pelos Recorrentes. Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos 17, 36, 37, 38 e 39 dos factos provados e pontos d) e e) dos factos não provados. Factos ínsitos no ponto 59 dos factos provados Considerando a resposta à segunda questão, mostra-se prejudicada apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto com referência ao ponto 59 dos factos provados. Sustentam os Autores/Recorrentes que o teor do documento nº18 junto com a petição – mencionado no ponto 15 dos factos provados – é suficiente para demonstrar a linha divisória entre os dois prédios e, consequentemente, a “demarcação que deve prevalecer consta de fls. 35”. Cumpre apreciar e decidir. No documento particular, datado de 21/11/2013, com reconhecimento presencial das assinaturas na mesma data, feito no Cartório Notarial ..., FF e mulher AA e CC consta “concordam a delimitar o quintal de ambas as moradias pela quina sul da casa velha de herdeiros de EE em linha reta até à parte norte da antiga leitaria”. Na contestação, os Réus (cfr. artigos 183º e seguintes) impugnaram o documento nº18, “quanto ao seu conteúdo e alcance”. Em declarações prestadas em audiência, o Réu reafirmou a versão narrada no articulado: declarou que a sua intenção não era “delimitar” mas, vender a parcela, após adquirir o prédio nº...9. Na data em que assinou o documento, não sabia “os metros que isso iria ter e não sabia o valor que iria dar pela casa e pelo terreno”; a sua intenção “sempre foi vender”; “ao preço que comprasse era exactamente ao preço que lhe vendia” a FF. Após ter adquirido o prédio nº...9, não foi concretizada a compra e venda da parcela, a FF. A versão do Autor é divergente e inconciliável – conforme já exposto - com a versão do Réu, não tendo sido produzida qualquer outra prova sobre a vontade das partes ao subscreverem o referido “acordo”, bem como o contexto em que o mesmo foi redigido e assinado. Recorrendo aos ensinamentos de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora [10], “os documentos particulares (…), uma vez provada a autoria da letra e assinatura, ou só da assinatura, tem-se por plenamente provado que o signatário emitiu todas as declarações constantes do documento, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade deste (artigo 376º, 1). Mas nem todos os factos referidos nessas declarações se têm por provados. Como provados - plenamente provados – apenas se consideram os factos que forem desfavoráveis ao declarante; quanto aos restantes, o documento é livremente apreciado pelo julgador (artigo 376º, nº2, do Código Civil).(…)A razão da linha divisória nitidamente traçada, sob este aspecto, na 1ª parte do nº2 do artigo 376º do Código Civil, está em que, no respeitante às declarações de ciência, ninguém pode ser aceite como testemunha qualificada em causa própria (nemo idoneus testis in re sua) e, relativamente às declarações de vontade, ninguém pode, em princípio, constituir título escrito a seu favor (arvorar-se em dono de uma coisa ou em credor de outra pessoa).». Referem, ainda, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, «O valor probatório atribuído aos documentos particulares, à semelhança do que sucede com a força probatória das declarações das partes contidas nos documentos autênticos, não impede que as declarações por ele cobertas sejam impugnadas ou atacadas por via de [excepção]». Como ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 9/12/2008[11]: “A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa. O âmbito da sua força probatória é, pois, bem mais restrito (José Lebre de Freitas, "A Falsidade no Direito Probatório", Coimbra, 248 e 249). Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos. É que a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº 1 do artigo 376º do Código Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas. Na verdade, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondam à realidade dos respectivos factos materiais (Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, página 523, nota 3).”. No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 18/4/2002[12]: “I - Se um dado documento particular junto em audiência não foi objecto de impugnação, mas se o respectivo conteúdo fora já antecipadamente impugnado na contestação, surgindo assim a pretensa declaração confessória no mesmo inserta como incompatível com a defesa no seu conjunto - satisfação oportuna do ónus da impugnação especificada - valerá tal documento como prova livre, como tal devendo ser apreciada pelo tribunal. II - A eficácia / força probatória de um documento particular diz apenas respeito à materialidade ou realidade das declarações no mesmo exaradas, que não à exactidão ou à verosimilhança das mesmas. III - Tais declarações só vinculam o seu autor se forem verdadeiras.” Reconhecida a assinatura, encontra-se demonstrado que a declaração que consta do documento foi feita também pelo Réu. Mas não demonstra a exactidão de tais declarações. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante. Na data em que foi assinado o documento, não sendo o Réu proprietário do prédio nº...9, a declaração não lhe era desfavorável, nem favorável. A demarcação extrajudicial da linha divisória entre dois prédios confinantes pressupõe que os intervenientes sejam os titulares do direito de propriedade sobre os prédios em causa. A Ré não interveio nesse “acordo”. Por último, os Autores intentaram uma acção de reivindicação e não de demarcação. Na acção de demarcação não está em causa obter o reconhecimento de qualquer direito real de propriedade, mas apenas definir as estremas entre prédios, propriedade de donos distintos, que ambos aceitam serem proprietários mas em relação aos quais se mostram indefinidas as respectivas estremas, importando determinar onde acaba um prédio e começa o outro. Na presente acção não está em causa a definição da linha divisória entre os prédios identificados nos artigos 4º e 5º da petição inicial mas a propriedade de uma parcela. Sendo uma acção de defesa da propriedade, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real alegado. Não demonstrado o facto aquisitivo da parcela, é uma excrescência o apuramento do acordo quanto à definição das estremas dessa parcela e do prédio dos Réus. Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte. Dissentem os Recorrentes da decisão da matéria de facto por referência ao facto ínsito no ponto h) dos factos não provados. Pretendem que seja transferido para a matéria de facto provada com fundamento no relatório pericial elaborado pelo Senhor Perito EEE e nos esclarecimentos pelo mesmo prestado, em audiência. Nos presentes autos, foram realizadas duas perícias, não tendo os Recorrentes explicitado as razões pelas quais se deve dar preferência à primeira perícia e não à segunda perícia, como decidido pelo Tribunal a quo. Consta do Relatório Pericial elaborado pelo Senhor Perito João Capão que “a fachada principal do edifício do autor encontrava-se orientada a nascente. A parede lateral que confrontava o terraço encontrava-se orientada a norte, e dada a sua localização e orientação, esteve em constante sombreamento desde a sua construção. Esta situação e a falta de manutenção causou o aparecimento de manchas negras (humidade) e sujidade”. Refere, ainda, o Senhor Perito João Capão que “os rebocos, das paredes exteriores do edifício do autor, eram constituídos por argamassa à base de cimento” e “o edifício do autor foi construído sobre uma estrutura de alvenaria de pedra”. Após descrever as características da construção, refere o Senhor Perito que observou “o mau estado de conservação da parede lateral” especificando quais as anomalias que apresenta: a presença de humidade ascencional, até cinquenta centímetros de altura, causada pela falta de impermeabilização da parede; fendilhação mapeada, causada por retrações e dilatações higrotérmicas, e a presença de colonização biológica e sujidade, causadas pela falta de manutenção; a presença de fendas orientadas, na parede lateral, a norte do edifício dos Autores, e na porta na parede lateral, causadas pela acumulação de tensões nas aberturas do vão. Na resposta ao quesito “a parede da habitação dos Autores encontra-se rachada em consequência das obras perpetradas pelos R. no terraço?”, o Senhor Perito respondeu “A fissuração é uma das anomalias mais graves e mais comum em rebocos com base em cimento, porque tem elevado impacto no seu desempenho, pondo em causa o cumprimento das principais funções, como a capacidade de impermeabilização. Pode ter diversas causas, externas ou intrínsecas ao funcionamento do próprio reboco, geralmente reconhecíveis a partir do padrão e da localização das fissuras. De um modo geral, deve-se à ocorrência de tensões de tracção na argamassa ou por tensões impostas”. Resulta do exposto que o Senhor Perito inspecionou todo o exterior do edifício, verificou o estado de todas as paredes, as patologias que as mesmas apresentavam e as causas dessas patologias. Em suma, de forma fundamentada, respondeu negativamente ao quesito primeiro. No Relatório de 4/10/2021 (primeira perícia), o Senhor Perito respondeu ao mesmo quesito da seguinte forma: “Foi observado por ocasião da inspecção que existem algumas fissuras/rímulas na parede da fachada da habitação dos AA que limita o terraço na envolvente da porta e no cunhal NW. Na zona do cunhal de NE, a parede está rachada com descontinuidade da superfície. É muito elevada a probabilidade da causa destas deficiências terem sido as obras levadas a efeito pelo RR, especial na que existe no cunhal NE”. Deste relatório, resulta, apenas, a elevada probabilidade que as fissuras existentes na parede da fachada do prédio dos Autores seja consequência das obras efectuadas pelos Réus. Nos esclarecimentos prestados em audiência, declarou o Senhor Perito que “na parte de baixo da casa não houve alterações significativas que me tivessem transmitido ou que me tivesse apercebido”, ou seja, só visualizou fissuras junto ao terraço, justificando a concentração da sua atenção nas paredes da fachada da habitação dos Autores por entender que “se é junto ao terraço que aparecem as fissuras (…), qualquer coisa que tenha sido feita, no outro lado não tinha causado perturbações …”. Pelo Senhor Perito João Capão foram observadas fissuras, não apenas na parede da fachada da habitação dos Autores, mas em todas as paredes do edifício e foram apontadas as causas de tais patologias. Perguntado ao Senhor Perito que elaborou o primeiro relatório pericial, se as obras feitas pelos Réus afectam a solidez do prédio dos Autores, esclareceu que “quando estou a introduzir vibrações, todas aquelas ligações podem mexer e quando mexem, o que está à volta pode criar situações de fragilização da envolvente, das massas, dos rebocos”. Sobre a situação concreta da habitação dos Autores, referiu que “a escada desapareceu, foi feito um tapamento da escada, não se sabe como isso foi feito (…); foi feito uma impermeabilização dessa laje com uma tela, muito bem, a tela de obra (…) para não haver escoamentos (….); mas, depois, a betoneira que é posta por cima foi vibrada, um vibrador introduz vibração nos materiais; os materiais rígidos como é o granito … essa vibração é transmitida a tudo o que está encostado e quando isso acontece, podem surgir fissuras, podem surgir assentamentos, pode haver… deslocamento do apoio da parte de cima. (…) Há coisas aqui assim, que só escavando e vendo como estão as fundações é que podemos chegar à conclusão que há mais deterioração da envolvente, destas coisas”. Em suma, quer dos esclarecimentos, quer do relatório pericial, do Senhor Perito EEE resulta que as fissuras na parede da fachada – e só desta porque o Senhor Perito não observou quaisquer outras – podem advir das obras feitas pelos Réus, existe uma elevada probabilidade de assim ser, mas não é dada a certeza dessa relação causa/efeito. Considerando a inspecção pormenorizada que foi efectuada pelo Senhor Perito João Capão, observando todo o exterior da habitação e a existência de fissuras em todas as paredes e não apenas na parede da fachada norte – o Senhor Perito EEE entende que as obras feitas pelos Réus não são susceptíveis de provocar fissuras nas outras paredes –, bem como a determinação das causas dessas fissuras, concorda-se com o Tribunal a quo na valoração que foi efectuada das perícias. Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto.
4ª Questão Sustentam os Recorrentes que o Tribunal a quo fez “uma errada subsunção dos factos ao direito, relativamente ao documento assinado pela Recorrente AA, o seu falecido marido e o Recorrido CC (documento n.º 18 junto com a petição inicial)”. Os Autores intentaram uma acção de reivindicação e não uma acção de demarcação pelo que não está em causa a definição da linha divisória entre os prédios identificados nos artigos 4º e 5º da petição inicial ou a determinação da vontade de “marcar” a fronteira entre os dois prédios. Sendo uma acção de reivindicação, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real alegado. Assim, sobre os Autores/Recorrentes recai o ónus de alegar e demonstrar o facto jurídico aquisitivo do seu direito sobre o prédio, ou seja, o facto jurídico de que tal direito real deriva, assim como a detenção ou a posse pelos Réus do prédio reivindicado, como factos constitutivos do seu direito (art.º 342º, nº1, do C.C), só assim não será se beneficiarem de alguma presunção legal, caso em que se inverte aquele ónus da prova (art.º 344º, nº1, do CC), ficando então os demandados onerados com o encargo da demonstração de que os autores não são titulares do direito invocado. Consta do ponto 15 dos factos provados que «Antes da compra da propriedade inscrita na matriz sob o artigo sob o artigo ...9 pelos RR., por escrito particular de 21/11/2013, com reconhecimento presencial das assinaturas da mesma data feito no Cartório Notarial ..., FF e mulher AA e CC “concordam a delimitar o quintal de ambas as moradias pela quina sul da casa velha de herdeiros de EE em linha reta até à parte norte da antiga leitaria” – fls. 34 e 34v (O).». Sobre a interpretação da declaração negocial, estabelece o nº1 do artigo 236º do Código Civil que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, estipulando o nº2 que “Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”. O citado preceito veio consagrar «uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista». Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, «O sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante” (nº2)»[13]. Ensina Mota Pinto que, uma vez que o Código não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias a considerar para a interpretação, “...serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo teria tomado em conta”. [14] Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[15], a “normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”. Na interpretação das declarações, importa ainda ter em conta o estabelecido no artigo 238º, nº1, do Código Civil, nos termos do qual “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, excepto se “esse sentido (… ) corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade” (artigo 238º, nº2). Assim, os princípios essenciais a ter em consideração nesta matéria são os seguintes: No caso dos autos, não foi apurada a vontade real dos declarantes, nem consta da matéria de facto provada o contexto em que foi celebrado o “acordo”, entre Réu, FF e mulher. Na declaração não existe qualquer referência à cedência de parcela de terreno, seja a título oneroso ou gratuito. Sustentam os Recorrentes que “o documento configura uma efectiva demarcação das estremas das propriedades dos Recorrentes e Recorridos”. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, o sentido objectivo da cláusula, de um declaratário normal, “o homem normal e médio”, colocado na posição do real do Réu e FF, não é o sentido propugnado pelos Recorrentes. A demarcação extrajudicial da linha divisória entre dois prédios confinantes pressupõe que os intervenientes sejam os titulares do direito de propriedade sobre os prédios em causa. Ora, em 21/11/2013, o Réu não era proprietário do prédio descrito, sob o nº...19 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...9; a Ré não interveio nesse “acordo”. Não sendo, o Réu, à data da declaração, proprietário do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...9, nem tendo os Autores demonstrado a titularidade do direito de propriedade sobre a parcela de terreno objecto deste litígio, o sentido objectivo daquela cláusula que pode ser deduzido por um declaratário normal é de manifestação de uma intenção de proceder à fixação da linha divisória entre dois prédios. Todavia, não demonstrada a titularidade do direito de propriedade, pelos Autores/Recorrentes, da parcela de terreno com a área de 410 m2 (592m2 – 182m2), não estamos perante a definição da linha divisória entre dois prédios confinantes, pelos respectivos titulares, constituindo uma excrescência o “acordo” formalizado no documento mencionado no ponto 15 dos factos provados. Improcede, assim, a pretensão recursória.
5ª Questão Pretendem os Recorridos que se proceda à “reanálise dos danos patrimoniais”, pretensão recursória que assenta no pressuposto da existência de “correcções” da decisão da matéria de facto. Relativamente ao pedido de indemnização na quantia de €15.013,94, a título de danos patrimoniais, consta da decisão recorrida: “Provou-se que as obras feitas pelos trabalhadores da sociedade A..., L.da, nos dias 13 e 14 de dezembro de 2017, foram realizadas no terreno situado alguns metros a poente do prédio dos AA. e não no prédio destes. Os únicos prejuízos sofridos pelos AA. foram: a) a destruição do corrimão em metal mandado colocar pelo ora falecido FF nas escadas de acesso ao terraço para facilitar a subida das mesmas – nº 40 dos Factos Provados - e que terá custado € 65,00; b) e a medicação para dormir de que a A. necessitou e no que despendeu € 32,97 – nº 57 dos Factos Provados. Concede-se, pois, aos AA. a indemnização por danos patrimoniais de € (65,00+32,97=) 97,97”. Mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto, improcede, nesta parte e sem necessidade de outros considerações, a pretensão recursória.
6ª Questão Dissentem os Recorrentes do segmento da decisão proferida pelo Tribunal a quo que fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais na quantia de €2.000,00. Sustentam que “sendo graves os danos e grave igualmente a culpa dos Recorridos, a indemnização não pode deixar de ser fixada em montante também elevado”, pretendendo ver fixada a indemnização no valor de €5.500,00. Preceitua o art.º 483.º do Código Civil que «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.» Da leitura deste preceito legal, se inferem os pressupostos que condicionam a responsabilidade (subjetiva) por factos ilícitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. O nexo de causalidade manifesta-se no juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge. Recai sobre o lesado o ónus de prova dos factos constitutivos do direito à indemnização pelos danos sofridos. Não se mostra impugnada a decisão proferida pelo Tribunal a quo na parte respeitante à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil mas, apenas, na quantificação dos danos não patrimoniais. Encontra-se demonstrado que a “A. ficou, desde 13 e 14 de Dezembro de 2017, muito perturbada, com síndrome depressivo, obrigando-a a pedir ajuda médica ao Serviço Nacional de Saúde, e a necessitar de tomar medicação para dormir, no que despendeu € 32,97” (ponto 57 dos factos provados). Consta, ainda, da matéria de facto provada que “as obras realizadas pelos RR. causaram à A. sentimentos de angústia, revolta e injustiça, desassossego e a colocação dos pilares de madeira e da rede impediram-na de apanhar sol e de descansar” [ponto 58 dos Factos Provados] (cfr. os segmentos da sentença identificados sob os pontos A, 3º, 4º e 5º). Sob a epígrafe “Danos não patrimoniais”, dispõe o nº 1 do artigo 496º do Código Civil que «Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)[16]. Em conformidade com a primeira parte do nº3 do artigo 496º do Código Civil, o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil. Como se observa no Acórdão de 23/9/2024, proferido por esta Relação, no Processo nº8384/20.8T8PRT.P1: « Na decisão segundo a equidade terá de se considerar essencialmente as particularidades que o caso concreto apresenta, configurando-se a consideração dos elementos e realidades a ter em conta sobretudo como questão metodológica. Por outro lado, tem a jurisprudência defendido que na quantificação do dano, os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objetivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objetivamente um enriquecimento injustificado. No recurso à equidade devem observar-se as exigências do princípio da igualdade, “o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso”. Deve atender-se, assim, nos termos do art.º 496º/4 CC, conjugado com o art.º 494º CC, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, do lesado e do titular de indemnização e às demais circunstâncias do caso. Nestas, podem incluir-se a desvalorização da moeda, bem como os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência. Na decisão segundo a equidade terá de se considerar essencialmente as particularidades que o caso concreto apresenta, configurando-se a consideração dos elementos e realidades a ter em conta sobretudo como questão metodológica.». Consta da decisão recorrida “No caso, devem considerar-se ressarcíveis os sentimentos de angústia, revolta e injustiça, desassossego, e a colocação dos pilares de madeira e da rede que impediram a A. de apanhar sol e de descansar referidos, uma vez que todos têm direito a viver livre e plenamente a sua vida, sem obstáculos ou constrangimentos seja de que espécie for. Concede-se, pois, equitativamente, a indemnização por este dano em € 2.000,00.” Ponderando à luz dos critérios legais aplicáveis a realidade que resulta do quadro factual provado, afigura-se-nos que a compensação arbitrada pelo Tribunal a quo não se revela desajustada, pelo que será de manter. Improcede, assim, o recurso. Custas Atento o disposto no artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e a improcedência das pretensões recursórias dos Recorrente, as custas do recurso são suportadas por estes.
V_ Decisão Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, decide-se confirmar a decisão recorrida. Custas do recurso pelos apelantes (artº 527, nºs 1 e 2, do C.P.C.). * Sumário: ………………………………………… ………………………………………… …………………………………………
Porto, 27/1/2025.
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