Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7323/23.9T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
PROTEÇÃO AO DIREITO À HONRA E AO BOM NOME
DIREITO À INFORMAÇÃO
DEFESA DO CONSUMIDOR
Nº do Documento: RP202402087323/23.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Só é permitida a junção de documentos em sede de recurso em situações excecionais, como sejam a apresentação não ter sido possível até àquele momento ou justificar-se por se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância: art.º 651º e 425º do CPC
II - No que toca a pareceres de jurisconsultos, a junção é livre de constrangimentos, mas com o prazo limite de até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão: art.º 651º nº 2 CPC.
III - Numa providência cautelar visando a proteção do bom nome, honra e imagem de alguém, e porque se trata de um direito fundamental a todos concedido e protegido constitucionalmente, basta a prova da existência da pessoa para se ter por verificado o fumus boni iuris. A nuance desse direito no que toca às pessoas coletivas, redunda apenas no caráter objetivo do bom nome e da imagem, porque reportados à tutela do prestígio, credibilidade e confiança dos destinatários da sua atividade comercial.
IV - A imputação a uma empresa comercial na área do retalho alimentar da prática reiterada de crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa prejudica a sua imagem comercial, lesando também os seus interesses económicos na medida em que abala a confiança dos consumidores e pode conduzir à perda de clientela, devendo ter-se por verificado o periculum in mora.
V - Em caso de colisão de direitos, a opção pelo direito preponderante é sempre efetuada casuisticamente. Na ponderação entre o direito ao bom nome/honra/imagem e o direito à liberdade de expressão e de informação, deve preponderar a cautela daquele, num quadro em que o direito à liberdade de informação é exercido de forma excessiva para os interesses a defender.
VI - O direito de informação reporta-se à informação de factos e/ou ocorrências, e não de imputações.
VII - Na missão de defesa dos consumidores compreende-se a informação, a representação e a defesa dos seus interesses, mas sempre sem prejudicar o seu direito à livre escolha, instruindo-os com determinado tipo de conduta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 7323/23.9T8VNG.P1





ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I – Resenha histórica do processo

1. A..., SA instaurou procedimento cautelar comum contra Citizen´s Voice Consumer Advocacy Association, AA e BB, pedindo:
a) Os Requeridos proibidos de manter publicações na página oficial da Requerida na internet, ou nas respetivas páginas no Facebook, Instagram ou noutra rede social alternativa, nas quais imputem à Requerente a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa;
b) O 2.º Requerido proibido de manter publicações nas respetivas páginas de Facebook, Instagram ou outra rede social alternativa, nas quais impute à Requerente a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa;
c) Os Requeridos proibidos de divulgar publicamente as ações judiciais instauradas contra a Requerente que se encontrem ainda pendentes bem como proibida a divulgação das ações que alegadamente estejam em preparação;
d) Os Requeridos condenados a retirar de imediato todas as referências efetuadas à Requerente no site da internet e da página do “Facebook”, e “Instagram” da 1.º Requerida nas quais imputam à Requerente “uma prática de disparidade de preços entre os anunciados pelo A... e os efetivamente cobrados no momento do pagamento” ou ainda de comportamentos lesivos ou ainda de comportamentos lesivos dos direitos dos consumidores;
e) Os Requeridos proibidos de efetuarem publicações pelos mesmos meios eletrónicos relativas a eventuais inquéritos de processos criminais que estejam eventualmente em curso por factos imputados à Requerente;
f) Devendo, ainda, os Requeridos ser condenados ao pagamento de sanção pecuniária compulsória calculada ao valor diário de 5.000,00 (cinco mil euros) até cumprimento integral das determinações que lhes forem impostas.
Em resumo, fundamentou a Requerente as suas pretensões alegando que está a ser alvo por parte dos Requeridos de uma campanha (nas páginas oficiais em que opera nas redes sociais “Facebook”, “Instagram” e na sua página online da internet), dolosamente pré-ordenada, contra o seu bom nome e reputação, através da imputação pública da prática de crimes, a par da imputação de alegados comportamentos lesivos dos direitos dos consumidores,  causadora de gravosos danos ao seu bom nome e reputação. Tal causa-lhe lesão grave e dificilmente reparável à Requerente, pois abala a confiança gerada junto dos consumidores e é susceptível de conduzir à perda da sua clientela.
Citados para o efeito, os Requeridos deduziram oposição. No seu articulado invocaram o seu direito de opinião pública, o de participação cívica, bem como o direito de liberdade de expressão e informação/divulgação das suas ações aos seus associados e consumidores em geral. Impugnaram parcialmente a factualidade alegada. Consideraram não existirem factos consubstanciadores dos pressupostos do procedimento cautelar. Invocaram ainda a ilegitimidade do 3º Requerido e pediram a condenação da Requerente como litigante de má-fé.
Realizada audiência de discussão e julgamento [[1]], foi proferida sentença, que decidiu:
A. determino a proibição de a Requerida Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association manter publicações na sua página oficial na internet, ou nas respetivas páginas no “Facebook”, “Instagram” ou noutra rede social alternativa, nas quais imputem à Requerente a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada;
B. Determino a proibição de o Requerido AA manter publicações nas respetivas páginas de “Facebook”, “Instagram” ou outra rede social alternativa, nas quais impute à Requerente a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada;
C. Condeno os Requeridos Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association e AA a retirar de imediato todas as referências efetuadas à Requerente no site da internet e das páginas do “Facebook”, e “Instagram” nas quais, imputam à Requerente a prática de crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada.
D. Condeno os Requeridos Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association e AA a pagar a quantia de €1.000,00 (mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento do determinado em a) a c), a título de sanção pecuniária compulsória.
II – Absolvo os Requeridos Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association e AA do demais peticionado.
III - Absolvo o Requerido BB de todos os pedidos contra o mesmo formulados.

2. Para assim decidir, o Tribunal considerou indiciariamente provada a seguinte factualidade:
1. A Requerente é uma sociedade comercial, constituída em 1979, que tem por objeto a produção e comércio de produtos alimentares e não alimentares, incluindo medicamentos não sujeitos a receita médica e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, a exploração de centros comerciais, a prestação de serviços e, ainda, o de importações e de exportações.
2. Explora, a nível nacional, a cadeia de supermercados da marca A..., que ocupa uma posição de liderança no segmento de supermercados e conta com mais de 32.000 colaboradores.
3. A Requerente integra-se no Grupo B..., com atividade desde 1792.
4. Do Código de Conduta deste grupo societário consta que o “Grupo B... conduz os seus negócios com respeito pelo cumprimento das leis aplicáveis nos países onde opera (…) conduz a sua atividade com honestidade, rigor e integridade. (…) existe tolerância zero para qualquer comportamento que integre a prática de atos de corrupção, tráfico de influências, recebimento ou oferta indevidos de vantagem ou pagamento ou recebimento de quaisquer benefícios contrários à lei ou a este Código de Conduta, (…) como parte integrante dos seus princípios e valores éticos, o Grupo adota políticas comerciais que visam garantir a proteção dos direitos dos consumidores e o respeito pelas normas de concorrência e de lealdade no comércio vigentes em todos os ordenamentos jurídicos em que atua que não dá nem recebe, directa ou indirectamente, subornos ou quaisquer outras vantagens impróprias para o seu negócio.”
5. A Requerente desenvolve a sua atividade no sector do retalho alimentar.
6. É um setor marcado pela competitividade, ligação à comunidade em que se insere geograficamente e suportado na confiança gerada junto dos seus clientes.
7. A 1ª Requerida é uma associação constituída por escritura pública outorgada em 14 de dezembro de 2021 na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Gaia, tendo como fim estatutário declarado a “Defesa dos consumidores na União Europeia, seus associados, e dos consumidores em geral, que sejam cidadãos da União Europeia ou que sejam cidadãos de Estados terceiros residentes na União Europeia”.
8. Os 2º e 3º Requeridos integram o órgão de direção da Requerida, tendo sido eleitos em assembleia geral eleitoral realizada no dia 15 de dezembro de 2021.
9. A Requerente desenvolve atividade em todo o território continental há mais de 40 anos, explorando cerca de 470 estabelecimentos comerciais de supermercado.
10. A forma como se relaciona com os seus clientes e ética da sua atuação são fatores decisivos para a sua imagem comercial.
11. É essencial à sua atividade que se mantenha intacta na comunidade a sua imagem de credibilidade, a sua reputação e o respetivo prestígio social.
12. A Requerida, com intervenção direta do 2º Requerido, vem imputando à Requerente, nas páginas oficiais em que opera nas redes sociais “Facebook” e “Instagram” e na sua página online da internet, a prática de um número crescente de crimes de especulação e de crimes de publicidade enganosa.
13. Na página oficial da Requerida na internet: https://citizensvoice.eu, no dia 27.09.2023 constava a seguinte comunicação: “Outros alertas relevantes Na incessante luta pelos direitos dos consumidores, avançamos com várias ações judiciais perante as várias reclamações dos clientes do A..., S.A. ("A..."). Essas queixas lançam luz sobre as alarmantes disparidades de preços entre os anunciadas pelo A... e os efetivamente cobrados no momento do pagamento. Revelando uma prática generalizada e ilícita, diversas lojas do A... estão sob a acusação, onde uma infinidade de bens essenciais, predominantemente alimentos, têm apresentado discrepâncias gritantes entre os preços apresentados nas prateleiras e os pagos no momento do pagamento pelos consumidores desprevenidos. Surpreendentemente, essas disparidades chegam a ultrapassar uns impressionantes 100 % (o dobro do preço anunciado) em determinados produtos, com alguns casos dessa exploração se manter por um descarado período de mais de 30 dias. Como resposta, até ao momento, demos entrada com 58 ações coletivas (ações populares) – estando outras 10 em preparação -, procurando que seja feita justiça para as massas de consumidores lesados. Verifique AQUI se foi vítima dessas táticas nas diferentes lojas do A... e nas datas em questão. No entanto, é crucial reconhecer que todos os consumidores, independentemente das suas compras, foram lesados pela distorção das condições de equidade concorrencial. Este comportamento, reiterado, em diferentes datas, pelo A..., mesmo depois de ter sido citado e ter contestado pelo menos uma ação judicial, na sua essência, mina perpetuamente a confiança dos consumidores. Portanto, iremos procurar, pelos meios legais, a reparação e a compensação adequada para todos aqueles que sofreram essa grosseira violação do direito a uma relação de consumo justa.”
14. Da mesma página na internet - https://citizensvoice.eu/accoes-populares/ consta publicação com o seguinte teor:
LESADOS A... BRAGA
Universo de todos os consumidores que adquiriram limões no A... Braga ... durante os dias 25 e 26 de novembro de 2023 e todos os outros consumidores em geral que fazem compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa
LESADOS A... ...
Universo de todos os consumidores que adquiriram bananas da madeira no A... de ... em 11.05.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... VN GAIA
Universo de todos os consumidores que adquiriram morangos no A... de Vila Nova de Gaia ... em 09.02.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Universo de todos os consumidores que adquiriram embalagens de chã da marca Tetley no A... de ... entre 23.05.2023 e 25.05.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Universo de todos os consumidores que adquiriram snacks cão Dental Life no A... de ... entre 15.05.2023 e 19.05.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Universo de todos os consumidores que adquiriram embalagens de massa fettuccine da marca ... no A... de ..., em Vila Nova de Gaia, entre 23.05.2023 e 24.05.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... MATOSINHOS
Universo de todos os consumidores que adquiriram alho seco biológico no A... ..., em Matosinhos, entre 16.05.2023 e 29.05.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ST M FEIRA
Universo de todos os consumidores que adquiriram embalagens de chocolate Milka no A... de Santa Maria da Feira (...) em 30.05.2023 e todos os outros consumidores em geral que fazem compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... VN GAIA 2.
Universo de todos os consumidores que adquiriram suplemento de vitamina C 30 comprimidos e suplemento de equinácia 45 cápsulas, ambos fabricados e distribuídos pelo laboratório nutracéutico Eight Juíce no A... de Vila Nova de Gaia ... entre 30.05.2023 e 31.05.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... MAIA
Universo de todos os consumidores que adquiriram queijo de ovelha com azeitonas da marca A... no A... da Maia (...) entre 31.05.2023 e 01.06.2023 e todos os outros consumidores em geral que fazem compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... VALONGO
Universo de todos os consumidores que adquiriram embalagens de bolachas brownie da marca A..., aveia com cacau e avelã da marca Shine, spaghetti sem glúten da marca Rummo, bebida em pó da marca Origens no A... de Valongo - ..., entre 30.05. 2023 e 01.06.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... GUIMARÃES
Universo de todos os consumidores que adquiriram azeite de Moura DOP, marca A..., e cerveja de 21 cl, da marca Coronita, no A... de Guimarães, na rua..., em 01.06.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... PENAFIEL
Universo de todos os consumidores que adquiriram garrafas de 1,5 lt de Guaraná da marca Fanta, bebidas energéticas Ultra God ou Nitro, de 50 cl, da marca Moster, no A... de Penafiel entre 30.05.2023 e 02.06.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... BARCELOS
Universo de todos os consumidores que adquiriram atum natural, da marca Bom Petisco, 385 g, queijo de ovelha, da marca Oviqueijo, queijo grego de cabra, marca Islos, de 150 g, e queijo mussarela, da marca Galbani, de 125 g, no A... de Barcelos, entre 30.05.2023 e 04.06.2023.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Universo de todos os consumidores que adquiriram embalagens de milho, pack de três, da marca Bonduelle, no A... de ..., em Vila Nova de Gaia, entre 30.05.2023 e 06.06.2023.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... COIMBRA
Universo de todos os consumidores que adquiriram pacotes de leite UHT especial crescimento, da marca Mimosa, de 1 litro, no A... de Coimbra, na Rua ... entre 06.06.2023 e 07.06.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuando compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... SANTA COMBA DÃO
Universo de todos os consumidores que adquiriram colheres de servir de plástico, da marca Smuke, no A... de Santa Comba Dão, entre 06.06.2023 e 07.06.2023.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... MEALHADA
Universo de todos os consumidores que adquiriram latas de atum conserva, da marca Tenório, de 120 g, no A... da Mealhada, entre 31.05.2023 e 07.06.2023.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ANADIA
Universo de todos os consumidores que já adquiriram pacotes de tomate em pedaços com manjeriao e orégãos, da marca Guloso, 390 g, guardanapos, folha dupla, da marca Renova, magra manteiga, da marca President, 250 g ou fiambre da perna extra, fatias finas, da marca A..., 150 g, no A... de Anadia, entre 30.05.2023 e 07.06.2023 e todos os outros consumidores em geral que efetuam compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... VILA NOVA DE GAIA ...
Universo de todos os consumidores que adquiriram preservativos contacto total, da marca Durex, caju frito com sal, 200 g ou pistacchio torrado com sal, no A... de Vila Nova de Gaia, na Avenida ..., entre 30.05.2023 e 08.06. 2023.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... MATOSINHOS ...
Universo de todos os consumidores que adquiriram mix de vegetais (crocante), da marca Vitacress, arroz selvagem, da marca Caçarola, 500 g, massa tortiglioni, da marca Barilla,500 g ou massa penne rigate, da marca Barilla, 500g, no A... de Matosinho, na Rua ..., ..., Matosinho, distrito do Porto, entre 30.05.2023 e 08.06.2023.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... DA ...
Universo de todos os consumidores que adquiriram aroma baunilha, marca Vahiné, 200 g, no A... da Estrada ..., no Porto, entre 30.05.2023 e 09.06.2023 e todos os outros consumidores em geral que produzem compras nos supermercados.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... PENAFIEL
Universo de todos os consumidores que tenham adquirido comida para gatos, smooth paté selection, da marca ..., 8x85 g ou spaghetii n.º 5, da marca Barilla Classic, 500 g no A... de Penafiel, entre 23.05.2023 e 09.06.2023.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... CANIDELO VILA NOVA DE GAIA
Universo de todos os consumidores que adquiriram bolachas marca A... e chocolates marca Pintarolas, no A... de ..., distrito do Porto, entre 23.05.2023 e 09.06.2023.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... DE AMARANTE
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... AROUCA
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... CHAVES ...)
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... CHAVES ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... FAFE
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... LEÇA DA PALMEIRA (RUA ...)
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
... LESADOS A... BRAGA
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ARCOS DE VALDEVEZ
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... PONTE DE LIMA
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... VALENÇA
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... GUIMARÃES (AV....)
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... CAMINHA
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ... PORTO
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ... PORTO
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ... SINTRA
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ... VILA NOVA DE GAIA
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... SANTO TIRSO ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ... MATOSINHOS
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ... MAIA
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... VIANA DO CASTELO ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... VILA NOVA DE GAIA ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... BRAGA ...
em tribunal
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... OVAR ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ALVOR
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... LEIRIA ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... SÃO JOÃO DA MADEIRA ...
Em preparação.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... RÉGUA
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... SÃO JOÃO DA MADEIRA ...
Em tribunal.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... SÃO DA MADEIRA ...
Em preparação.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS BRAGANÇA
Em preparação.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ... PORTO
Em preparação.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ... PORTO
Em preparação.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... LEIRIA ...
Em preparação
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... LEIRIA ...
Em preparação.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... BRAGA ...
Em preparação.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ESTARREJA
Em preparação.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... ... MAIA
Em preparação
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
LESADOS A... FAFE ... ...
Em preparação.
Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
15. Esta página é de acesso público e da mesma consta pedido de partilha dos conteúdos.
16. A Requerida vem adotando igual procedimento nas páginas nas redes sociais “Facebook” e “Instagram”.
17. A 9 de janeiro de 2023, a 1ª Requerida publicou sob o título “Acção Popular contra o A... Sumário da Acção, a seguinte comunicação: Sumário da acção:
"1º. Neste processo, discute-se o preço de limões.
2º. É o preço anunciado pela ré para esses limões e o que efetivamente depois foi cobrado aos consumidores e que resultou, para estes, num prejuízo provocado pelo sobrepreço aplicado de forma ilícita que é a causa deste processo.
3º. Independentemente do relevo de tal asserção para sustentar um meio tão drástico como uma ação popular, não podemos deixar de atender a razões mais profundas e substancias que fundam a presente ação.
4º. Tais razões, são o impacto que o comportamento da ré tem na confiança dos consumidores e que contém restrições graves da concorrência e que, portanto, não pode ser negligenciável.
5º. Embora pareça um caso de simples venda de limões e de um eventual erro na fixação de preços, o certo é que tal comportamento (a titulo doloso ou, mesmo, negligente), é uma restrição sensível, e não negligenciável, da concorrência e dos direitos dos consumidores.
6º. Tal caráter, sensível, deve, pois, ser apreciado, nomeadamente, por referência à posição e à importância da ré no mercado onde atua.
7º. A avaliação desse caráter sensível deve ser determinada em função da natureza do produto em causa (alimentar - um bem de primeira necessidade), no contexto atual, de elevada inflação e potenciais conflitos sociais, e da quota de mercado da ré e o registo de margens brutas excessivas (os tais lucros excessivos muito comentados ultimamente).
8º. Mais importante ainda, é que o comportamento em causa – para além de ser, em concreto, apto a produzir e produziu efetivamente prejuízos no consumidor e efeitos nefastos no mercado - tem vindo a manter-se ininterruptamente, embora em outros produtos, não podendo excluir-se, na realidade, que tal comportamento ainda subsista.
9º. Isto porque, invariavelmente, a ré tem os seus produtos mal preçados, exatamente como aconteceu com os limões em causa.
10º. Mesmo que tal aconteça por falta de atenção da ré, tal negligência não pode ser consentida e, só existe, porque a ré nunca tem consequências de tal atuação – será o caso para dizer que o crime compensa.
11º. Destarte, o facto de nos presentes autos discutirmos limões, com um sobrepreço de apenas 0,20 euros por quilo, constitui um aspeto inequivocamente marginal, periférico, que não retira qualquer valor ao mérito da ação.
12º. É também importante afirmar a importância das ações populares na égide que AA (2022) lhes atribui - enquanto mecanismo de private (law) enforcement para prevenir o custo social decorrente deúblico em prevenir comportamentos nocivos com alto custo social, como é o caso do comportamento da ré descrito nos presentes autos.
13º. Por fim, não podemos esquecer que a ré já foi condenada por comportamentos consubstanciados em práticas restritivas da concorrência, nomeadamente pela prática concertada de fixação de preços de venda ao público no mercado nacional de distribuição retalhista de base alimentar por um período de sete anos consecutivos, tendo-lhe sido fixada uma coima de quatro milhões, oitocentos e oitenta mil euros, nos termos do disposto no artigo 69, da lei 19/2012 (cf. decisão de condenação processo 2017/3 da Autoridade da Concorrência, que se junta como documento 3).
14º. No caso em que a ré foi condenada, não eram limões, mas eram loções, cremes e desodorizantes os produtos em causa.
15º. Nesse caso, também não se tratava de especulação de preços, mas sim de uma prática concertada de fixação de preços na modalidade de hub and spoke.
16º. Mas, em qualquer caso, o comportamento da ré foi sempre no sentido de prejudicar os consumidores, seja diretamente, por via de um sobrepreço cobrado, seja indiretamente, ao restringir a concorrência."
https://www.sabado.pt/.../os-limoes-que-deram-um-processo...##
Os limões que deram um processo.”.
18. A Requerida, no dia 06.06.2023 publicou na mesma página do “Facebook” a seguinte comunicação:
[LESADOS A...] Na incessante luta pelos direitos dos consumidores,
avançamos com várias ações judiciais perante as várias reclamações dos clientes do A..., S.A. ("A..."). Essas queixas lançam luz sobre as alarmantes disparidades de preços entre os anunciados pelo A... e os efetivamente cobrados no momento do pagamento. Revelando uma prática generalizada e ilícita, diversas lojas do A... estão sob a acusação, onde uma infinidade de bens essenciais, predominantemente alimentos, têm apresentado discrepâncias gritantes entre os preços apresentados nas prateleiras e os pagos no momento do pagamento pelos consumidores desprevenidos. Surpreendentemente, essas disparidades chegam a ultrapassar impressionantes 50 % em determinados produtos, com alguns casos dessa exploração se manter por períodos de oito dias. Como resposta, até ao momento, demos entrada com 15 ações coletivas (ações populares), procurando que seja feita justiça para as massas de consumidores lesados. Verifique no nosso website se foi vítima dessas táticas nas diferentes lojas do A... e nas datas em questão. No entanto, é crucial reconhecer que todos os consumidores, independentemente das suas compras, foram lesados pela distorção das condições de equidade concorrencial. Este comportamento, reiterado, em diferentes datas, pelo A..., mesmo depois de ter sido citado e ter contestado pelo menos uma ação judicial, na sua essência, mina perpetuamente a confiança dos consumidores. Portanto, iremos procurar, pelos meios legais, a reparação e a compensação adequada para todos aqueles que sofreram essa grosseira violação do direito a uma relação de consumo justa.
#CitizensVoice #consumersrights #consumerprotection
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#associaçãodedefesadosconsumidores
#defesadosconsumidores
#A...
#lesados...
#consumidores
#ConsumidoresInformados
#defesadoconsumidor
#direitosdosconsumidores
#especulaçãodepreços
#publicidadeenganosa.”.
19. No dia 12.06.2023, a 1ª Requerida publicou na mesma página do “Facebook” a seguinte comunicação:
“ALERTA [PREÇOS NO A...] Por falar em honestidade:
Alerta-se os consumidores para que verifiquem com atenção o preço cobrado pelo A... no momento do pagamento das compras. Após várias queixas de consumidores, a CITIZENS´VOICE verificou que, numa prática generalizada e ilícita, diversas lojas do A... apresentavam discrepâncias gritantes entre os preços fixados e os efectivamente pagos pelo consumidor.
Surpreendentemente, essas disparidades chegaram a ultrapassar uns impressionantes 100% (o dobro do preço fixado) em determinados produtos, com alguns casos dessa exploração se manter por uma descarado período de mais de 30 dias. Como resposta, a CITIZENS´VOICE deu entrada com 31 acções colectivas (acções populares) e está a preparar as respectivas queixas à ASAE. Os consumidores que se deparem com discrepâncias entre o preço marcado para os produtos nas prateleiras e o efectivamente cobrado no momento do pagamento, devem agir da seguinte forma:
1. Deixar que seja feito o registo dos produtos e emitida a fatura/recibo;
2. Proceder ao pagamento;
3. Depois de pago, reclamar e pedir a restituição da diferença de preço;
4. Tirar uma foto da etiqueta de preços, da fatura original e da factura rectificada;
5. Enviar esses documentos e indicação da morada da loja para citizensvoiceassociation@gmail.com
Com esses documentos a CITIZEN´VOICE pode iniciar acções judiciais por forma a que todos os consumidores lesados pela prática possam ser indemnizados.
Com estas acções colectivas e ajuda de todos os consumidores, podemos acabar com estas práticas e forçar o A... a respeitar os consumidores e a lei (“force to compliance”).
Juntos, podemos fazer mais. A CITIZENS´VOICE será a voz actuante dos consumidores lesados.”.
20. Esta publicação surgia acompanhada da imagem da notícia datada de 25 de março de 2023, com fotografia do Presidente do Conselho de Administração da B... SGPS SA, com o seguinte teor: “Preço dos alimentos. CC quer que Governo se “torne honesto”. Presidente do Presidente do grupo B..., dono do A..., acusa Governo de fazer “teatro” com inspeções da ASAE. Governantes foram “intelectualmente desonestos, em toda a linha”.
21. Em 13.07.2023, a Requerida publicou na respetiva página no “Facebook”, a seguinte publicação:
[LESADOS A...] Preços enganadores no A... dão chuva de processos
Artigo muito completo na revista Sábado desta quinta-feira, 13.07.2023.
Verifique se comprou algum dos produtos nas lojas identificadas. Se já foi vítima desta prática contacte-nos através do email citizensvoiceassociation@gmail.com.
Leia o artigo: ......
#consumeradvocacyassociation #citizensvoice
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#defesadosconsumidores #A... #lesados...
#consumidores #ConsumidoresInformados #defesadoconsumidor
#direitosdosconsumidores #especulaçãodepreços”.
22. O “Facebook” da Requerida encontra-se acessível ao público em geral, podendo a ele aceder todos quantos queiram.
23. Tais publicações são suscetíveis de ser partilhadas por terceiros.
24. A página de “Instagram” da 1.ª Requerida: https://www.instagram.com/citizens.voice/ também contém referências à Requerente.
25. No dia 21 de dezembro de 2022 fez publicação com a ligação do hashtag #lesados... a imagem de uma notícia que não identifica o A....
26. No dia 01.01.2023 fez publicação com a ligação do hashtag #lesados... a artigo da revista Sábado.
27. No dia 2.03.2023 fez publicação da comunicação “Lesados A... Braga Universo de todos os consumidores que adquiriram limões (…) Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.”
28. Em 02.06.2023 foi efetuada nova publicação de ligação do hashtag #lesados... a notícia divulgada na comunicação social com o teor de “fiscalização IVA zero. 38 Processos por variação de preço na caixa”.
29. A 1ª requerida publicou na sua página do “Instagram”, nos dias 06.06.2023 e 12.06.2023, comunicações de teor similar às publicações efetuadas nessas datas na página da Requerida no “Facebook”.
30. Os 1ª e 2º Requeridos, com estas publicações, pretendem atingir a imagem, credibilidade e reputação da Requerente.
31. A Requerida celebra com terceiros acordos de financiamento de contencioso, ainda que sob a forma de “venda de créditos litigiosos e habilitação processual”.
32. A Requerida, aproveitando-se da dinâmica promocional que vem sendo imprimida pela Requerente na sua atividade de exploração das lojas A..., procura ativamente, nos estabelecimentos de supermercado explorados pela Requerente, identificar produtos relativamente aos quais se mostre diferença de preço face a folheto promocional.
33. Por vezes, tendo já cessado a campanha de promoção, mantém-se, por lapso dos recursos humanos da Requerente, ainda afixado nas prateleiras o anúncio de divulgação da campanha promocional.
34. A etiqueta promocional indica o período da promoção, com a respetiva data de início e de termo.
35. Identificado algum erro, determinam os 1ª e 2º Requeridos que seja concretizada a compra do produto encontrado.
36. Não alertam o estabelecimento para a existência do erro.
37. Pretendendo, dessa forma, obter provas de que, naquela data, o preço praticado na venda é desconforme com o preço vigente na ação de promoção.
38. Divulgam através da página do Facebook da 1ª Requerida instruções para que outros adotem idêntico procedimento.
39. Por vezes simulam atuar em virtude de queixas apresentadas por consumidores que teriam sido alvo de conduta enganosa por parte da Requerente.
40. Replicando, depois, sucessivas ações populares de natureza civil, nas quais reclamam indemnizações por danos na ordem de milhões de euros por cada um desses produtos.
41. A Requerida executa esta estratégia de forma racional, consciente e deliberada.
42. Utilizam os Requeridos as páginas oficiais da 1ª Requerida para fazer imputações à Requerente.
43. Replicando o 2º Requerido, na sua própria página pessoal do Facebook, as publicações feitas nas páginas oficiais da 1ª Requerida, procurando assim dar mais divulgação às mesmas.
44. Imputando-lhe a prática reiterada de condutas criminais.
45. A atuação da Requerida, face ao impacto das imputações divulgadas publicamente, prejudica a imagem comercial, o bom nome e reputação da Requerente.
46. A atuação da Requerida tem grande repercussão na comunidade, sendo, objeto de divulgação nos media.
47. No dia 13.07.2023, a revista Sábado, publicou uma notícia com o título “Preços errados dão chuva de processos”, ali se destacando que “A Citizens´Voice tem 53 ações populares contra o A...”.
48. A conduta dos 1ª e 2º Requeridos dirigida à imputação à Requerente da prática de um número crescente de comportamentos criminosos em direto prejuízo dos consumidores, prejudica a reputação e imagem comercial da Requerente.
49. A Requerente teme, por via da continuada imputação da prática de factos com gravidade criminal e de comportamentos lesivos dos direitos dos consumidores que os prejuízos continuem a aumentar.
50. A Requerente integra-se na área do retalho alimentar, caracterizado por uma dinâmica em que impera a necessidade de aquisição e de retenção dos clientes.
51. O negócio primordial da A... assenta na alimentação, área na qual a confiança é um fator fundamental.
52. A Requerente, ao longo de décadas, vem construindo a sua imagem comercial, sendo esta essencial à defesa da sua clientela e à obtenção de ganhos.
53. A atuação dos Requeridos abala a confiança gerada junto dos consumidores e é suscetível de conduzir à perda de clientela.
54. A marca A... está representada em mais de 470 lojas em todo o país.
55. Desconhecem-se as fontes de financiamento da Requerida.
56. Na Assembleia Geral realizada em 09.06.2023, declarou a contabilista da 1ª Requerida, que, em simultâneo, exerce o cargo de Secretária da respetiva Assembleia Geral, que “no ano de 2022 não tinha existido movimentos contabilísticos para além do saldo inicial para a abertura da conta no banco em Bruxelas, na Bélgica”.
57. A Requerida pretende exercer a sua atividade mediante o recurso a contratos de financiamento dos custos das ações por terceiros alheios aos litígios.
58. Os Requeridos têm interesses económicos na multiplicação de ações judiciais contra a Requerente.
59. Até junho de 2023, nenhuma assembleia geral teve lugar para aprovação de contas ou plano de atividades.
60. A 1ª Requerida é uma associação sem receitas e sem ativo, para além de créditos litigiosos emergentes da instauração das ações populares em Tribunal.
61. A Requerente não conhece património aos Requeridos.
62. A Requerida tem marcada Assembleia Geral Extraordinária para 06 de novembro de 2023, constando da ordem de trabalhos, entre outros: “Eleição do vice-presidente da Direção; 2. Eleição do vogal do Conselho Fiscal”.
63. O 3º requerido não publicou pessoalmente nenhuma informação sobre as ações populares intentadas ou a intentar pela requerida contra a requerente, nem partilhou pessoalmente qualquer notícia sobre a Requerente.
Factos não provados
1. Os Requeridos vêm a desenvolver campanha dolosamente preordenada contra a Requerida com a única intenção de a prejudicar.
2. A Requerida, com intervenção direta do 3º Requerido, vem imputando à Requerente, nas páginas oficiais em que opera nas redes sociais “Facebook” e “Instagram”, e, ainda, na sua página online da internet, a prática de um número crescente de crimes de especulação e de publicidade enganosa e, ainda, de outros comportamentos lesivos dos direitos dos consumidores.
3. A instauração das ações judiciais por parte da 1ª Requerida é feita em proveito exclusivo dos Requeridos que visam delas retirar vantagem económica, na demanda de eventuais acordos de indemnização.
4. Os 2.º e 3.º Requeridos, contando com a colaboração de outros “associados”, vêm prosseguindo uma campanha ardilosamente concertada contra o bom nome e reputação da Requerente.
5. Todos os produtos detetados pela Requerida são referentes a produtos relativamente aos quais já havia cessado a campanha de promoção, mantendo-se, apenas por lapso dos recursos humanos da Requerente, ainda afixado nas prateleiras o anúncio de divulgação da campanha promocional.
6. Os 2º e 3º Requeridos atuam de forma consciente e ordenada com vista à produção maliciosa de factos capazes de suportarem uma conduta reprovável da Requerente.
7. Simulam sempre atuar em virtude de queixas apresentadas por consumidores que teriam sido alvo de conduta enganosa por parte da Requerente.
8. Partindo do ato de compra de 1kg de limões pelo preço de €1,99 em vez do preço anunciado na campanha promocional de €1,79 (ato de compra concretizado pelo 2º Requerido, reclama a Requerida, a coberto de ação judicial instaurada em nome da 1.ª Requerida que corre termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga Juízo Central Cível de Braga - J4 com o n.º 7267/22.1T1T8BRG, uma indemnização global de € 4.068.878,00.
9. São falsas todas as imputações formuladas contra a Requerente.
10. Os Requeridos aproveitam-se consciente e maliciosamente de um erro involuntário da Requerente, para dele tirar partido.
11. As sociedades que integram o Grupo B... têm vindo a ser condenadas por comportamento ilícitos, tanto em Portugal, como na Polónia.
12. A Requerida apenas pretende informar os consumidores e seus associados dos seus direitos e alertá-los para os comportamentos ilícitos da requerente.
13. Os Requeridos não retiraram qualquer vantagem económica das demandas contra a Requerente.
14. Têm vindo a gastar dinheiro para ajudar vários consumidores, incluindo ao suportar os custos, não recuperáveis, em vários processos executivos e recursos de decisões dos Julgados de Paz, intentados individualmente por consumidores que nem conhecem e não são associados da requerida.
15. Não têm interesse económico nas ações intentadas contra a Requerente.
16. O 3º requerido tem património mobiliário e imobiliário suficiente para cobrir prejuízo de um milhão de euros.
17. Toda a informação publicada pela Requerida e 2º Requerido nas redes sociais e páginas da internet é verdadeira.
18. Existem processos crime contra a Requerente.
19. O comportamento de especulação de preços da Requerente foi identificado pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (“ASAE”).
20. A intenção da Requerente é causar danos aos Requeridos.

3. Inconformados com tal decisão, dela apelaram os Requeridos, formulando as seguintes conclusões:
1. O recurso interposto pelos apelantes é tempestivo e observa os requisitos formais previstos nos artigos pertinentes do Código de Processo Civil (CPC), notadamente os artigos 627 (2), 629 (1), 631 (1), 644 (1, a), 645 (1, a) e 647 (1).
2. A apelação é fundamentada no erro na aplicação e interpretação dos factos e das normas jurídicas pertinentes, bem como em omissão de normas aplicáveis ao caso concreto, afetando a justiça da decisão recorrida.
3. O recurso é interposto em face de decisões específicas proferidas pelo tribunal a quo, que concedeu provimento parcial ao procedimento cautelar e impôs a requerida Citizes’ Voice e ao requerido AA a proibição de manter publicações que imputassem à requerente a prática de quaisquer crimes, especificamente de especulação de preços e de publicidade enganosa, sem que houvesse uma condenação formal.
4. A decisão recorrida também ordenou a retirada imediata de todas as referências que proibiu serem publicadas.
5. A não condenação da requerente como litigante de má-fé, embora não incluída no dispositivo da sentença, representa outro aspeto da decisão que os apelantes procuram reverter, dada a pertinência e o impacto dessa qualificação no contexto do litígio.
6. Os apelantes solicitam, portanto, que este Venerando Tribunal da Relação do Porto reveja as decisões contestadas e, reconhecendo a proporcionalidade e a legalidade das publicações originais, assim como a ausência de má-fé dos apelantes, dê provimento ao recurso, anulando as proibições impostas pela decisão recorrida.
7. Assim como condene a requerente como litigante de má-fé.
8. São factos provados os 63 que constam na sentença e não provados os 20 factos que aí também constam e que aqui se dão como reproduzidos por uma questão de proficiência.
9. Os apelantes consideram incorretamente julgados os factos 12, 30, 58 e 39 pelas razões e com os fundamentos que apresenta no § 3 e cada um identificado em subcapítulo próprio.
10. Para cada facto concreto que os apelantes consideraram incorretamente julgado, foram apontados os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impõe uma decisão diversa de tais factos [cf. artigo 640 (1, a, b), do CPC].
11. Foi ainda indicada a decisão que, em entender dos apelantes, deve ser proferida sobre tais questões impugnadas [cf. artigo 640 (1, c), do CPC].
12. O facto 12 foi considerado provado sem que houvesse qualquer prova nos autos que o sustentasse, especialmente no que concerne à alegação de que os apelantes teriam alcunhado a requerente de criminosa por suposta especulação de preços.
13. Os factos provados 30 e 58 são impugnados, pois não encontram amparo em nenhuma evidência ou prova nos autos e parecem contradizer outros factos considerados como não provados, evidenciando uma aparente incoerência na apreciação da prova.
14. Em relação ao facto 58, a sentença falha ao não considerar o conhecimento oficioso do tribunal sobre a natureza e os pedidos da requerida Citizens’ Voice – Consumer Advocacy Association, enquanto representante da classe nas ações populares, e que que não visam lucro na medida em que não requereu qualquer remuneração para si ou para os requeridos em tais ações.
15. A decisão recorrida deu como não provados os factos 3 e 10, que parecem contradizer o facto 58 dado como provado, o que denota uma dissonância que contamina a prova.
16. Quanto ao facto 39, a total ausência de prova e a fragilidade da fundamentação da decisão recorrida quanto a este ponto reforçam que o mesmo devia ser dado como não provado.
17. Os apelantes entendem que a responsabilidade pela prova dos factos que lhe são imputados recai sobre a requerente, conforme o princípio do ónus da prova, e que a sentença não observou, para além disso factos públicos e notórios e outros do conhecimento oficioso do tribunal, contrariam tal facto dado como provado.
18. A contradição entre os factos dados como provados e não provados, especialmente o facto 7 dado como não provado em contraponto com o facto 39, indica um possível erro na apreciação da prova que deve ser corrigido por este Venerando Tribunal da Relação do Porto.
19. Por todos estes motivos, melhor fundamentados e com a indicação das provas juntas aos autos (ou há falta delas) no §3, apela-se a este Venerando Tribunal da Relação que considere os factos 12, 30, 39 e 58 como não provados e dai se extraia as devidas consequências legais.
20. Os apelantes consideram não se verifica o periculum in mora e nem o fumus boni iuris, pelas razões que apresentam no § 4 e que aqui se dão por reproduzidas por razões de proficiência e para evitar uma repetição prolixa do aí alegado, mas que de forma resumida se fundamento no seguinte:
21. Periculum in mora não demonstrado: o tribunal a quo não fundamentou, porque não se verifica, a existência de um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou de danos irreparáveis, sendo que a requerente falhou em demonstrar a urgência necessária para a atribuição da providência cautelar.
22. Ausência de factos concretos: a requerente não apresentou factos concretos que indicassem o perigo de prejuízos de difícil reparação, limitando-se a alegar danos de forma conclusiva sem prova do nexo causal e do seu quantum.
23. Danos financeiros não justificam tutela cautelar: os alegados prejuízos são puramente financeiros e, como tais, suscetíveis de reparação posterior, o que subtrai a necessidade de uma providência cautelar.
24. Direito de informação e liberdade de expressão prevalecem: a restrição proposta pela requerente às publicações dos requeridos infringiria os direitos fundamentais de liberdade de expressão e de informação, protegidos pela CRP, pela CEDH e pela CDFUE e relevantes para a participação democrática e o direito de informação, sendo que a requerente não alegou qualquer valor fundamental que exigisse dobrar tais direitos, pelo que a sentença recorrida, salvo sempre o devido respeitou, não teve o acerto que devia quanto ao critério da proporcionalidade.
25. Alegação de inconstitucionalidade: assim, desde já se suscita a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 187, do CP e do artigo 70, do CC, no sentido de haver ofensa ilícita a pessoa coletiva, quando uma associação de defesa de consumidores e seus associados, publicitam que foram intentadas ações populares contra essa pessoa coletiva, nos termos (ou ainda mais reduzidos) da citação dos titulares dos interesses em causa e que ocorre por imposição do artigo 15 (2), in fine, da lei 83/95, por violação do princípio do Estado de Direito, na sua vertente de princípio do direito à liberdade de expressão e informação, da participação da vida pública e da segurança jurídica (cf. artigo 2, da CRP), do direito da liberdade de expressão e informação (cf. artigo 37, da CRP), do direito de participação na vida pública (cf. artigo 48, da CRP), do direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva [cf. artigo 20 (1), da CRP] e do direito de ação popular [cf. artigo 52 (1), da CRP].
26. Impossibilidade de censura do termo crime: a censura do tribunal a quo ao termo crime na descrição das ações populares é indevida, pois tal censura não se sustenta face ao pedido e causa de pedir das próprias ações e à liberdade de informação.
27. Antecipação de uma decisão do TEDH: caso os requeridos não obtenham sucesso nos recursos internos e levem o caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, é provável que este tribunal defenda o direito à liberdade de expressão e informação, mesmo que tais expressões possam ser desfavoráveis à requerente, tudo como sustentando em 4.2.1 supra, para onde se remete.
28. A ponderação dos interesses em causa seria igualmente impeditiva da procedência da ação, tal como se sustenta em § 5, pois da avaliação dos danos que podem advir da concessão da providência cautelar em comparação com os danos de sua recusa indica que os prejuízos causados pela primeira excedem qualquer dano que a requerente pretenda evitar, uma vez que os últimos são ressarcíeis e os primeiros não, isto porque a restrição à atividade da requerida, que visa informar os consumidores sobre seus direitos, constitui uma violação da liberdade de expressão e informação, com danos potencialmente irreparáveis.
29. O tribunal a quo decidiu pela absolvição total do requerido BB por verificada a falta de legitimidade passiva ad actum.
30. As testemunhas da requerente corroboraram a ausência de publicações ou partilhas de notícias por parte do requerido BB, reforçando a decisão de absolvição do tribunal a quo (vide, §5, página 30, da douta sentença).
31. A sentença apurou a não existência de provas da intervenção direta do requerido BB nas publicações objeto do litígio, bem como a ausência do seu papel como mentor das mesmas (vide penúltimo parágrafo da página 31 da douta sentença).
32. A imputação de factos infundados ao requerido BB no artigo 19 do requerimento inicial da requerente, não encontra suporte na realidade processual e factual, revelando que está alegou factos que sabiam não ser verdadeiros apenas para chamar este requerido ao processo e fazer com isso assédio ou intimidação processual.
33. As alegações de campanha difamatória, apresentadas no artigo 47 do requerimento inicial da requerente, não foram substanciadas com factos concretos que sustentem a alegada estratégia dos requeridos, o que indica má-fé processual da requerente ao alegar factos que sabia serem falsos ou pelo menos de que não tinha qualquer evidência.
34. A requerente utilizou o procedimento cautelar de modo temerário, sabendo da falta de fundamento para chamar o requerido BB ao processo, agindo com a intenção de assédio processual (abuso de direito na modalidade dolo agit).
35. A conduta da requerente, ao iniciar litígio temerário e desprovido de fundamento e ao falhar no dever de cooperação processual, causou danos aos requeridos, particularmente ao requerido BB, que se demonstrou não ter tão pouco legitimidade passiva substantiva, tal como acabou por confirmar o tribunal a quo, embora não o tenha afirmado desta forma.
36. A litigância de má-fé por parte da requerente está evidenciada e preenche as situações das alíneas (a), (b) e (c) do artigo 542(2) do CPC, justificando a sua condenação nos termos dos artigos 542 e 543 do CPC.
37. A requerente deve ser condenada ao pagamento de multa e indemnização aos requeridos, nomeadamente ao requerido BB, por honorários advocatícios e demais prejuízos sofridos, conforme o disposto no artigo 543 do CPC, e em valor não inferior a cinco mil euros.
§7. Pedido - Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que absolva a requerida Citizens’ Voice e o requerido AA de tudo que foram condenados e condene a requerente, ora apelada, como litigante de má-fé nos termos peticionados, assim fazendo a acostumada e melhor justiça.

4. Também a Requerente veio interpor recurso da decisão final, de acordo com as seguintes conclusões:
1. Os documentos juntos pelos Apelados em 20.11.2023 e 24.11.2023 mostram-se alheios ao objecto do recurso, pelo que não deverão ser admitidos;
2. A pretendida junção do certificado de registo criminal da Apelante através de requerimento apresentado em 25.11.2023 deve ser indeferida uma vez que os Apelados acederam de forma ilegal a tal documento que instruía processo de natureza criminal, não obtiveram o consentimento prévio da ora Apelante para a sua junção aos presentes autos, configurando a respectiva junção prova proibida nos termos da lei de identificação criminal.
B. Do Recurso
3. Pela sentença ora sob recurso foi determinada a proibição de a Apelada Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association manter publicações na sua página oficial na internet, ou nas respetivas páginas no “Facebook”, “Instagram” ou noutra rede social alternativa, nas quais impute à Requerente, ora Apelante, a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada;
4. Foi igualmente determinada a proibição de o Apelado AA manter publicações nas respetivas páginas de “Facebook”, “Instagram” ou outra rede social alternativa, nas quais impute à Apelante a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada;
5. E, ainda, foram condenados os Apelados Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association e AA a retirar de imediato todas as referências efetuadas à Apelante no site da internet e das páginas do “Facebook”, e “Instagram” nas quais, imputam à Requerente a prática de crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada.
6. Tendo sido condenados os Requeridos Citizen´S Voice-Consumer Advocacy Association e AA a pagar a quantia de € 1.000,00 (mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento do determinado, a título de sanção pecuniária compulsória.
7. Foram, porém, julgados improcedentes os demais pedidos formulados pela Requerente, ora Apelante.
8. Não se conforma a ora Apelante com a improcedência dos demais pedidos por si formulados, entendendo, com o merecido respeito, que a correcta ponderação da prova testemunhal efectivamente produzida permitiria dar como indiciariamente provados factos relevantes para a procedência destes pedidos.
9. Permitindo-se a Apelante sublinhar que, no seu entendimento, a correcta ponderação e valoração da prova testemunhal produzida, valorada conjugadamente com a prova documental junta aos autos, deverá conduzir a uma modificação da factualidade dada como indiciariamente assente, com a consequente alteração da decisão de mérito por forma a garantir uma tutela jurisdicional mais efectiva aos direitos fundamentais invocados pela Requerente ora Apelante.
10. Assim, afigura-se necessária e oportuna para a correcta decisão de direito a proferir a ampliação da matéria de facto nos termos e para os efeitos previstos no artigo 662.º, n.º 2, al. c) do CPC ou, subsidiariamente, a alteração da factualidade dada como assente nos termos do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC.
11. Neste sentido, entende a Apelante que deverão ser acolhidos como novos factos indiciariamente assentes os seguintes factos:
1.º - Os Requeridos vêm desenvolvendo uma campanha contra o bom nome e reputação da Requerente, acusando-a de proceder de forma desonesta para com os seus clientes e de se dedicar à prática de crimes.
2.º - As imputações dirigidas pelos Requeridos à Requerente referentes à prática de crimes e adopção de condutas desonestas para com os seus clientes, fundam--se em factos que os próprios Requeridos criaram e que vêm divulgar publicamente,
3.º - Os Requeridos, nas imputações dirigidas contra a Requerente referentes à prática de crimes de especulação, crimes de publicidade enganosa e práticas desonestas, omitem tratar-se de actos a que deram causa, cientes do engano em que a Requerente incorria e tirando partido dele.
4.º - Os Requeridos omitem que, em todos os casos, sem excepção, obtiveram prontamente a devolução do excesso pago relativamente ao preço promocional, não obstante ter expirado o prazo da promoção e deste prazo se encontrar expresso na informação respeitante ao produto em causa.
12. Assim, no que respeita ao primeiro dos factos acima enunciados - Os Requeridos vêm desenvolvendo uma campanha contra o bom nome e reputação da Requerente, acusando-a de proceder de forma desonesta para com os seus clientes e de se dedicar à prática de crimes – trata-se de facto invocado quer no requerimento inicial, quer na resposta às excepções deduzidas na oposição, cuja gravação se encontra disponível no sistema citius referente à sessão de julgamento realizada no dia 02 de Novembro de 2023, com início às 10:13:15 e fim às 10:16:44 (cfr. Acta da sessão de julgamento de dia 2.11.2023) - prestaram depoimento as testemunhas DD, EE e FF.
13. Sobre este ponto concreto referiu a testemunha DD, no depoimento prestado no dia 2 de Novembro, com início às 11h01m47s e termo às 11h33m17s, a minutos 6:09 do seu depoimento, ter conhecimento, pelas publicações da Requerida, que a mesma vem acusando a Requerente de enganar os clientes, acusando-a de fazer disso um modelo de negócio, um modo de vida.
14. Destacou, ainda, a minutos 2:07, como tais acusações colocam profundamente em causa os valores defendidos pela Requerente, em particular a sua honestidade e a confiança dos clientes na promessa do preço baixo, sobre a qual assenta o próprio modelo de negócio da Requerente num mercado extremamente concorrencial, dependente da escolha diária dos consumidores.
15. Referiu, a minutos 07:25, que estas publicações são potencialmente danosas, sendo que as acusações de especulação de preços atacam um valor fundamental do A... que é tão importante para a própria marca que faz parte do seu logotipo.
16. Esclareceu, a minutos 09:11, que o consumidor, actualmente, está ainda mais sensível ao preço, tendo notado nos estudos de mercado o aumento de pessoas que associam a desonestidade à marca A..., o que fez soar todos os alarmes.
17. Explicou, ainda esta testemunha, a minutos 11:17, que a mudança de percepção pode conduzir à mudança de comportamento, afirmando que o que as pessoas sentem é preditor do seu comportamento.
18. Esclareceu, ainda, a minutos 14:38 do seu depoimento, que as acusações dirigidas pela Requerida contra determinada loja atingem a Requerente em todo o território nacional, sentindo esta a necessidade desenvolver acções de comunicação para defesa da relação de confiança e da promessa de preço baixo.
19. Por sua vez, a testemunha EE, no depoimento prestado entre as 11h34m50s e as 11h52m33s na sessão de julgamento realizada no dia 2 de Novembro de 2023, reportou-se directamente, a minutos 2:40, ao sentimento de injustiça por si vivido perante as publicações divulgadas, descrevendo, a minutos 3:19, a indignação dos colegas, ao serem confrontados com as acusações tecidas pelos Requeridos.
20. Afirma esta testemunha, a minutos 2:10 do seu depoimento, que o que a choca mais é a atribuição de uma intencionalidade dirigida a causar engano aos clientes.
21. Também a testemunha FF, no depoimento prestado entre as 11h53m21s e termo pelas 12h15m33s, na sessão de julgamento realizada dia 2 de Novembro de 2023, confrontado, a minutos 12:09, com o documento n.º 8 junto com o requerimento inicial, reconhece ser aí imputada à Requerente “uma prática”, tendo referido, a minutos 13:22, que a 1.ª Requerida acusa o A... de praticar crimes, manifestando esta testemunha, a minutos 14:16, a sua convicção sobre a previsão no ordenamento jurídico interno do “crime de publicidade enganosa”, cuja prática vem sendo reiteradamente imputado pela 1.ª Requerida à Requerente, ora Apelante.
22. Entende, ainda, a Apelante que deveria ter sido dado como indiciariamente assente que As imputações dirigidas pelos Requeridos à Requerente referentes à prática de crimes e adopção de condutas desonestas para com os seus clientes, fundam-se em factos que os próprios Requeridos criaram e que vêm divulgar publicamente.
23. A prova indiciária deste facto decorre, no entendimento da Apelante, do depoimento prestado pela testemunha FF, no depoimento prestado em 2 de Novembro de 2023, com início às 11h53m21s e termo às 12h 15m33s,
24. Tendo esta testemunha declarado, a minutos 16:40, que, àquela data, tinha conhecimento de 74 acções populares instauradas pela 1.ª Requerida contra a Requerente, correspondendo normalmente a cada uma das acções um único acto de compra, confirmando que as 74 acções populares respeitam, assim, a 74 actos de compra.
25. Declarou, ainda, a minutos 18:09 que estas acções foram instauradas entre Dezembro de 2022 e Outubro de 2023.
26. Esclareceu que, em cada uma das acções populares, são juntos dois talões: o talão da compra e o talão da devolução do excesso;
27. Tendo, a minutos 14:48 referido que, a partir dos talões juntos com a petição inicial e uma vez verificada a data dos talões (data da compra), tinha visionado, sempre que possível, as imagens de videovigilância, afirmando, a minutos 15:12, reconhecer nessas imagens duas pessoas: AA, membro da direcção da Requerida, e do Dr. GG, secretário da Requerida e mandatário dos Requeridos nos presentes autos, descrevendo a minutos 15:40 a respectiva actuação da seguinte forma:
“Eles entram na loja, nalgumas lojas entram juntos, outras vezes entra um ou outro, entram na loja, verificam os preços, tiram fotos aos preços, ligam para alguém, verificam também na máquina dos preços e depois dirigem-se à caixa com os únicos artigos em que é preciso fazer alteração de preço”.
28. Resulta ainda das publicações impressas e juntas aos autos de procedimento cautelar que Os Requeridos nas imputações dirigidas contra a Requerente referentes à prática de crimes de especulação, crimes de publicidade enganosa e práticas desonestas omitem tratar-se de actos a que deram causa, cientes do engano em que a Requerente incorria e tirando partido dele.
29. Este facto resulta directamente das publicações que a Requerente imprimiu e juntou com o requerimento inicial e decorre igualmente do depoimento prestado pela testemunha FF, no depoimento prestado com início às 11h53m21s e termo às 12h15m33s, na audiência de julgamento realizada a 2 de Novembro de 2023,
30. Tendo esta testemunha declarado que, através do visionamento das imagens de videovigilância, apurou que a compra é realizada por causa do erro detectado, sem que a Requerente seja alertada no acto da venda para esta situação.
31. Acresce que este depoimento apresenta-se coerente com o sentido das próprias instruções divulgadas directamente pela 1.ª Requerida, estas dadas como indiciariamente provadas.
32. Com efeito, resultou indiciariamente apurado que ”Identificado algum erro, determinam os 1.ª e 2.ª Requeridos que seja concretizada a compra do produto encontrado” e que “Não alertam o estabelecimento para a existência do erro”, pretendendo , dessa forma, obter provas de que, naquela data , o preço praticado na venda é desconforme com o preço vigente na acção de promoção.”
33. Divulgando, “através da página do Facebook da 1.ª Requerida, instruções para que outros adoptem idêntico procedimento”,
34. “Replicando, depois, sucessivas acções populares de natureza civil, nas quais reclamam indemnizações por danos na ordem de milhões de euros por cada um desses produtos”, executando a 1.ª Requerida “esta estratégia de forma racional, consciente e deliberada”.
35. Enunciando a 1.ª Requerida as seguintes instruções:
“(…) Os consumidores que se deparem com discrepâncias entre o preço marcado para os produtos nas prateleiras e o efectivamente cobrado no momento do pagamento, devem agir da seguinte forma:
1. Deixar que seja feito o registo dos produtos e emitida a fatura/recibo;
2. Proceder ao pagamento;
3. Depois de pago, reclamar e pedir a restituição da diferença de preço;
4. Tirar uma foto da etiqueta de preços, da factura original e da factura rectificada;
5. Enviar esses documentos a e indicação da morada da loja para citizensvoiceassociationgmail.com
Com esses documentos a CITIZEN´VOICE pode iniciar acções judiciais por forma que todos os consumidores lesados pela prática possam ser indemnizados(…)” .
36. Entende, assim, a ora Apelante que, apurada indiciariamente esta forma de actuação, cumpria dar como igualmente apurado que, nas publicações em que vêm tecendo imputações contra a Requerente referentes à prática de crimes de especulação, crimes de publicidade enganosa e práticas desonestas, os Requeridos omitem tratar-se de actos a que deram causa, cientes do engano em que a Requerente incorria e tirando partido dele.
37. Finalmente, sustenta a Apelante que deveria a factualidade indiciariamente assente ser ampliada por forma a incluir que os Requeridos Omitem que, em todos os casos, sem excepção, obtiveram prontamente a devolução do excesso pago relativamente ao preço promocional, não obstante ter expirado o prazo da promoção e deste prazo se encontrar expresso na informação respeitante ao produto em causa.
38. Entende a Apelante que a prova indiciária deste facto decorre do depoimento prestado pela testemunha Dra. HH, na sessão de julgamento de dia 2 de Novembro de 2023, entre as 10h18m05s e as 11h00m34s, tendo a mesma afirmado claramente, a minutos 27:07, que, não obstante já ter decorrido o período da promoção, o cliente paga o preço mais baixo e que o mesmo era imediatamente ressarcido.
39. Também a testemunha DD, na mesma sessão de julgamento (23 Depoimento gravado com início às 11h01m47s e fim às 11h33m17s, cfr. acta da sessão de julgamento de dia 2 de Novembro de 2023), a minutos 22:10, refere não ter qualquer dúvida que o preço que o cliente paga em caso de desconformidade entre o preço do artigo na prateleira e na caixa será sempre o preço anunciado, mesmo depois de expirado o período da promoção, reafirmando a minutos 27:18, quando inquirida pela Exma. Sra. Juíza a quo, que o consumidor ainda que expirado o período da promoção paga o preço mais baixo.
40. Também a testemunha EE no depoimento prestado na sessão de julgamento entre as 11h3450s e as 11h52m33s, afirmou, de forma assertiva, a minutos 12:20 do seu depoimento, ser do seu conhecimento que, uma vez detectado eventual erro no preço do produto, o cliente paga sempre o preço mais baixo, referindo que essas eram as instruções e a prática seguida nas lojas da Requerente, ora Apelante.
41. Neste mesmo sentido a testemunha FF, no depoimento prestado na audiência de julgamento realizada a 2 de Novembro de 2023, entre as 11h53m21s e as 12h15m33s, afirma, a minutos 17:14, que existem sempre dois talões: o talão da compra e o talão da devolução, sendo neste último cobrado o preço promocional que estava na etiqueta.
42. Pugna, ainda, a Apelante pela modificação da factualidade assente e não assente por forma a que os factos actualmente integrados na factualidade dada como indiciariamente não assente sob os n.ºs 5 e 10 passem a integrar a factualidade dada como indiciariamente provada.
43. Assim, quanto ao facto elencado sob o n.º 5 dos factos dados como não indiciariamente assentes - Todos os produtos detetados pela Requerida são referentes a produtos relativamente aos quais já havia cessado a campanha de promoção, mantendo-se, apenas por lapso dos recursos humanos da Requerente, ainda afixado nas prateleiras o anúncio de divulgação da campanha promocional- entende a Apelante que a prova indiciária deste facto decorre do depoimento prestado na sessão de julgamento de dia 2 de Novembro de 2023 pela testemunha Dra. HH, entre as 10h18m e as 11h00m, pois inquirida, a minutos 26:06, se todas as situações em que teve intervenção se reportavam a produtos cujo período promocional se encontrava já expirado, a mesma confirmou, a minutos 26:31, que, efectivamente, assim sucedera.
44. No mesmo sentido a testemunha DD esclareceu no depoimento prestado no dia 2 de Novembro, com início pelas 11h01 e termo às 11h33m, a minutos 18:42, que a divergência se devia a erro ou atraso na troca manual das etiquetas.
45. No mesmo sentido a testemunha FF no depoimento prestado na audiência de julgamento realizada a 2 de Novembro de 2023, com início às 11h53m e termo pelas 12h15m, reconheceu a minutos 6:35 tratar-se de falhas humanas.
46. O segundo facto que entende a Apelante que foi erradamente julgado como não indiciariamente assente é o facto descrito sob o n.º 10: Os Requeridos aproveitam-se, consciente e maliciosamente, de um erro involuntário da Requerente, para dele tirar partido.
47. Entende a Apelante que a demais factualidade dada como indiciariamente provada Entende a Apelante que a demais factualidade dada como indiciariamente provada sob os n.ºs 32 a 44, permitem dar este facto como indiciariamente assente por presunção.
48. A devida ponderação da actuação dos Apelados, a correcta valoração das instruções por eles transmitidas, acolhida como indiciariamente assente na sentença recorrida, permite extrair dos factos dados como indiciariamente assentes este novo facto.
49. No que respeita à decisão de mérito proferida, entende a Apelante que, atenta a factualidade dada como assente pela 1.ª instância, conjugada agora com os factos acima descritos que, no entendimento da ora Apelante, deverão ser igualmente dados como indiciariamente assentes, deverá ser proferida decisão de mérito de alcance mais amplo que a decisão sob recurso, capaz de garantir, a título cautelar, a tutela jurisdicional efectiva aos direitos fundamentais da ora Apelante.
50. Revela a factualidade dada como indiciariamente assente que os Apelados, nas publicações divulgadas, recorrem a distorções da realidade, afirmando que a Requerente adopta, de forma ininterrupta, práticas desonestas na sua actividade comercial em prejuízo dos consumidores, apresentando reiteradamente artigos com preços divergentes nas prateleiras e na caixa, que se trata de actuação deliberada e intencional e que esta situação vem sendo objecto de queixas por parte dos consumidores.
51. Afigura-se que a factualidade dada como indiciariamente assente, reforçada ainda no caso de procedência da pretendida ampliação e modificação sustentada pela ora Apelante no presente recurso, revela que os Apelados vêm recorrendo a técnicas de distorção da realidade, quer através da omissão de factos importantes como os que acima se deixaram evidenciados, quer, ainda, pela informação incompleta e tendenciosa transmitida nas respectivas publicações.
52. Entende a Apelante que apurado indiciariamente que é uma falha humana a causa das disparidades de preços a que se reporta a Requerida e que a mesma não evidencia qualquer prática intencional, reiterada e consistente, capaz de manifestar um modo de negócio contrário aos usos honestos do comércio, há que concluir que os Requeridos vêm imputando à Requerente FACTOS FALSOS,
53. Sendo que a colisão de direitos apenas tem lugar perante eventual divulgação de factos verdadeiros, o que não ocorre no caso vertente.
54. Ao contrário do que os Requeridos sustentam, os mesmos não têm direito a mentir, nem a falsear a realidade,
55. Importando assegurar de forma eficaz os direitos fundamentais da Apelante perante as imputações reiteradas e intencionais que os Requeridos publicamente lhe vêm dirigindo.
56. Importa, ainda, na ponderação dos interesses em presença, tomar em devida consideração a singular configuração da 1.ª Requerida, ora Apelada, que, constituída alegadamente como associação de consumidores, manifesta ab initio o propósito de centrar o cerne da sua actividade associativa na instauração de processos judiciais.
57. Constituída em 14 de Dezembro de 2021, isto é, há cerca de dois anos, com sede no escritório do I. Mandatário dos Apelados, instaurou até hoje largas dezenas de acções populares de acordo com a informação divulgada na respectiva página oficial da internet,
58. Tendo uma das testemunhas arroladas referido que, até à data de julgamento, 02.11.2023, já a Apelada instaurara 74 acções populares contra a ora Apelante.
59. Resulta da factualidade indiciariamente assente que se desconhecem as fontes de financiamento da Requerida,
60. Que, na Assembleia Geral realizada em 09.06.2023, declarou a contabilista da 1ª Requerida, que, em simultâneo, exerce o cargo de Secretária da respetiva Assembleia Geral, que “no ano de 2022 não tinha existido movimentos contabilísticos para além do saldo inicial para a abertura da conta no banco em Bruxelas, na Bélgica”,
61. Que a Requerida pretende exercer a sua atividade mediante o recurso a contratos de financiamento dos custos das ações por terceiros alheios aos litígios,
62. Que os Requeridos têm interesses económicos na multiplicação de ações judiciais contra a Requerente,
63. Que, até junho de 2023, nenhuma assembleia geral teve lugar para aprovação de contas ou plano de atividades,
64. Que a 1ª Requerida é uma associação sem receitas e sem ativo, para além de créditos litigiosos emergentes da instauração das ações populares em Tribunal,
65. As quais veio a instaurar não obstante não dispor de conta bancária aberta em Portugal, nem se lhe conhecer qualquer fonte de financiamento.
66. Esta Apelada propõe-se recorrer à contratação de alegadas empresas estrangeiras com alegadas ligações a antigos operacionais de serviços secretos para obtenção de meios de prova a utilizar em Tribunal,
67. Mais afirmando em assembleia geral de associados, realizada a 25 de Junho de 2022, propor-se adquirir créditos aos consumidores lesados e depois recuperar esse valor com juros em juízo, a par da celebração de acordos de financiamento de contencioso, nos quais o financiador receberá 500% dos fundos utilizados ou 30% do valor da compensação recebida, consoante o valor que for mais elevado, cfr. Doc. 15 junto aos autos.
68. Dispõe de um regulamento de admissão de sócios que reconhece aos membros de órgãos sociais o estatuto vitalício de sócios honorários e faz depender a admissão de novos sócios de um decurso de prazo entre 2 meses a um ano, apresentando-se, assim, estranhamente moroso e complexo o processo de admissão (cfr. artigos 5.º e 7.º do Regulamento aprovado na Assembleia Geral de 15 de Dezembro de 2023, na qual teve lugar a eleição dos órgãos sociais, junta como requerimento inicial como Doc. n.º 3).
69. Atento este circunstancialismo, revelador da falta de transparência dos fins que norteiam a Requerida, afigura-se que não há que atender à eventual relevância do interesse prosseguido pela dita Associação como causa de justificação das gravosas ofensas perpetradas ao bom nome da Apelante.
70. Pelo que entende a Apelante que a tutela cautelar dos seus direitos fundamentais impõe a procedência de todos os pedidos por si formulados.
71. Sustentando que a correcta ponderação da actuação dos Requeridos à luz do resultado da produção da prova deverá conduzir à tutela efectiva do seu direito, aditando-se à proibição de os Requeridos imputarem à Requerente nas respectivas publicações na página oficial da internet da 1.ª requerida e nas páginas das redes sociais do Facebook e Instagram da 1.ª e do 2.º Requeridos, a prática de crimes de especulação e de publicidade enganosa:
a) a proibição de divulgarem publicamente as acções judiciais instauradas contra a Requerente que se encontrem ainda pendentes bem como proibida a divulgação das acções que alegadamente estejam em preparação, nas quais venham imputar à ora Apelante a prática de especulação de preços, de publicidade enganosa ou de práticas desonestas e desleais;
b) a condenação a retirar de imediato todas as referências efectuadas à Requerente no site da internet e da página do “Facebook”, e “Instagram” da 1.ª Requerida, nas quais, imputam à Requerente “uma prática de disparidade de preços entre os anunciadas pelo A... e os efectivamente cobrados no momento do pagamento” ou, ainda, de comportamentos lesivos dos direitos dos consumidores.
c) a proibição de efectuarem publicações pelos mesmos meios electrónicos relativas a eventuais inquéritos de processos criminais que estejam eventualmente em curso por factos imputados à ora Requerente,
d) Devendo, ainda, os Requeridos ser condenados ao pagamento de sanção pecuniária compulsória calculada ao valor diário de € 5.000,00 (cinco mil euros) até cumprimento integral das determinações que lhes forem impostas, por se afigurar face ao circunstancialismo acima descrito ser apenas este valor eficaz para dissuadir os Requeridos do incumprimento.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, anulando-se a sentença sob recurso na parte em que julga improcedente parte dos pedidos da Requerente, declarando-se integralmente procedente o procedimento cautelar interposto pela ora Apelante.
5. Ambas as partes contra-alegaram, sustentando a improcedência da apelação da parte contrária.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

6. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as questões a decidir, tendo em conta ambas as apelações:
- Como questões prévias: a intempestividade do recurso da Autora, bem como a junção de documentos e do parecer;
- Reapreciação da matéria de facto;
- Se estão verificados os pressupostos para o decretamento da providência, compreendendo o fumus boni iuris, o periculum in mora, a colisão de direitos e ponderação de interesses, bem como a inconstitucionalidade;
- A litigância de má fé da Requerente;
- Se as providências pedidas devem ter integral provimento;
- Se o valor da sanção pecuniária compulsória fixada deve ser aumentado.

6.1. Tempestividade da apelação da Requerente
Colhe-se da consulta dos autos no Citius:
- A decisão final foi proferida em 07/11/2023 e notificada às partes por ofício datado de 08/11/2023.
- Em 08/11/2023, os Requeridos requerer esclarecimentos da decisão, o que lhes foi indeferido por despacho de 09/11/2023, notificado na mesma data.
- O recurso da Requerente foi interposto em 11/12/2023
Como é sabido, nos processos urgentes (como é o caso), o prazo para recorrer é de 15 dias, contados a partir a notificação da decisão, podendo haver um acréscimo de 10 dias nos casos em que o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada: art.º 638º nº 1 e nº 7 do CPC.
Compulsada a apelação da Requerente, há recurso da matéria de facto, com base testemunhal.
Como o pedido de esclarecimento se considera fazer parte da sentença (art.º 617º nº 2 do CPC), o prazo só começou a contar com a notificação do despacho proferido sobre o esclarecimento, que ocorreu no dia 09.
Nos termos do art.º 248º nº 1 do CPC, a notificação presume-se efetuada no terceiro dia e a contagem é contínua, suspendendo-se durante as férias judiciais (art.º 138º nº 1 CPC).
Nos termos do art.º 279º al. b) do Código Civil (CC), na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr.
Tendo o ofício de notificação sido expedido no dia 09, a Requerente presume-se notificada no dia 13/11 (atento o fim de semana intercalar, de 12 e 12).
A contagem dos 15 dias para recurso iniciou-se no dia 14/11 e terminou no dia 29/11. Os 10 dias suplementares cumpriram-se no dia 09 de dezembro.
Como 09 e 10 de dezembro foram sábado e domingo, o terminus do prazo transferiu-se para dia 11 de dezembro (art.º 138º nº 2 do CPC).
Tendo a Requerente interposto a apelação em 11/12/2023, há que julgar o recurso tempestivo.

6.2. Junção de documentos pelos Requeridos
O recurso dos Requeridos foi interposto em 09/11/2023. Já após essa interposição, em requerimentos autónomos, vieram os Requeridos juntar os seguintes documentos, invocando o art.º 651º nº 1 do CPC:
- Em 20/11/2023, 1 documento (fotocópia duma página de jornal, de 20/11/2023, onde se dá nota de a Requerente ter sido condenada), dirigido à Sr.ª Juíza, para “provar que existem queixas de outros consumidores, tendo inclusive já resultado em condenação criminal”;
- Em 20/11/2023, 2 documentos (cópia duma sentença, datada de 10/10/2022, proferida em processo criminal, e respetivo acórdão desta Relação, datado de 14/06/2023), desta feita dirigido aos Srs. Desembargadores, para provar que a Requerente mentiu ao alegar que não foi objeto de condenações-crime”;
- Em 25/11/2023, 1 documento (certificado de registo criminal da Requerente, emitido em 20/09/2022), também dirigido aos Srs. Desembargadores, para provar que a Requerente mentiu ao alegar que não foi objeto de condenações-crime.
- Em 06/12/2023, 1 documento (cópia do Decreto-Lei nº 114-A/2023, de 05.12), também dirigido aos Srs. Desembargadores, que lhe permite a publicação da notícia.
Decorre da conjugação dos artigos 651º e 425º do CPC que só é permitida a junção de documentos em sede de recurso em situações excecionais, como sejam a apresentação não ter sido possível até àquele momento ou justificar-se por se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Quanto à fotocópia duma página de jornal, de 20/11/2023, não incumbe pronúncia dado que o requerimento se mostra dirigido à Sr.ª Juíza.
Quanto aos demais:
Em primeiro lugar, cumpre verificar que a junção de documentos em sede de recurso deve ocorrer com as alegações (art.º 651º nº 1 CPC), o que aqui não ocorreu. O recurso foi interposto em 09/11/2023 e os documentos foram juntos sucessiva e posteriormente, em requerimentos autónomos.
Em 2º lugar, verifica-se que a sentença e o acórdão proferidos em processo criminal não são supervenientes, pois atenta a respetiva data já existiam antes da audiência de julgamento (02 de novembro de 2023) e da sentença proferida nestes autos (07 desse mês). Acresce que não foi junta da certificação do trânsito em julgado, pelo que a pertinência do documento não podia produzir o efeito desejado: “para provar que a Requerente mentiu ao alegar que não foi objeto de condenações-crime”.
O mesmo acontece com o certificado de registo criminal, do qual consta ter sido emitido em 20/09/2022, meses antes da audiência de julgamento.
Por fim, quanto à junção de cópia do Decreto-Lei nº 114-A/2023, de 05.12, respeitante às ações coletivas para proteção dos interesses dos consumidores, o seu relevo poderia residir apenas quanto à matéria de direito (a justificação apresentada foi que tal diploma lhe permite a publicação da notícia) e não como prova de factos.
Mas nem assim aqui assume interesse dado trata-se de um diploma que entrou em vigor no dia 06/12/2023, medida em que nem na sentença poderia ter sido considerado.
Concluindo, por não respeitarem o condicionalismo do art.º 651º nº 1 do CPC, não se admitem os documentos.

6.3. Junção do parecer pela Requerente
No que toca a pareceres de jurisconsultos, regula o nº 2 do art.º 651º, permitindo a junção livre de constrangimentos, mas com o prazo limite de até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.
O parecer é admitido dado esse prazo ter sido respeitado.

6.4. Reapreciação da matéria de facto
É nosso entendimento que a sindicância da matéria de facto implica uma visão global e concertada de toda a prova produzida, não se compaginando com meros segmentos deste ou daquele meio de prova, desgarrados do respetivo contexto.
Por outro lado, invocando-se a errada apreciação do depoimento duma testemunha, não vemos como seja possível alterar/reponderar a matéria de facto sem ouvir integralmente o depoimento dessa testemunha, bem como a globalidade das demais provas produzidas.
Na verdade, a avaliação/apreciação do depoimento das testemunhas não é corretamente efetuada se for feita de forma seccionada, sabido como é que uma qualquer frase pode adquirir significados diversos consoante o contexto em que é proferida, da mesma forma que os diversos meios de prova devem ser atendidos de forma integrada, sendo muito vulgar a ocorrência de depoimentos contraditórios e até de contradições num mesmo depoimento.
Nesta medida, nesta questão da reapreciação da prova irão ser apreciados os 2 recursos de apelação.
Reapreciação suscitada pelos Requeridos
Pretendem os Requeridos a reapreciação dos factos provados 12, 30, 39 e 58, considerando deverem passar a não provados
Quanto ao facto provado 12A Requerida, com intervenção direta do 2º Requerido, vem imputando à Requerente, nas páginas oficiais em que opera nas redes sociais “Facebook” e “Instagram” e na sua página online da internet, a prática de um número crescente de crimes de especulação e de crimes de publicidade enganosa.
Consta da motivação da sentença que tal facto foi um dos admitidos por acordo. Efetivamente, constando tal matéria do ponto 19 da petição inicial (PI), o mesmo não se mostra impugnado pelos Requeridos, como se alcança do ponto 53 da sua resposta/oposição; aceitando no ponto 57 que “o seu conteúdo mostra-se, em parte, idêntico a essas publicações”.
Por outro lado, a impugnação genérica que faz ainda no ponto 53 da oposição não colhe. Como as páginas em referência (Facebook, Instagram e página online da internet) são páginas pessoais, regem os art.º 376º nº 2 do Código Civil (CC). acresce que a Sr.ª Juíza consultou diretamente tais páginas e, naturalmente, soube filtrar o que aí foi publicado por cada requerido do que foi publicado por outrem.
Nas suas alegações, os Recorrentes não questionam esta ponderação. Referem apenas que a Requerente só juntou um documento onde é mencionada a palavra crimes e a reprodução dos textos que constavam da lista de ações populares publicadas pela Requerida, e cuja causa de pedir era crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa.
Daí que, sendo um facto admitido por acordo, nem sequer necessitasse de ser sujeito a prova.
E que não foi apenas que a palavra crime foi mencionada, basta a leitura do facto provado 14, que aqui não se discute.
Quanto ao facto provado 30 - Os 1ª e 2º Requeridos, com estas publicações, pretendem atingir a imagem, credibilidade e reputação da Requerente.
Tal facto traduz o elemento subjetivo da conduta dos Requeridos. Também aqui os Recorrentes referem que nenhuma prova foi produzida.
Como se sabe, designadamente nos processos criminais onde o problema surge com maior acuidade, a prova dos elementos do foro íntimo e psíquico das pessoas (como a intenção ou a motivação da conduta), quase nunca resultam de prova direta.
Entra-se então no domínio das presunções judiciais, as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para afirmar factos desconhecidos, usando as regras da experiência, os princípios da lógica ou juízos de probabilidade que permitam fundadamente afirmar que determinado facto (antes não conhecido nem provado) é a consequência natural de um outro facto (conhecido).
«Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido». [[2]]
Fazendo apelo às regras da experiência, poderíamos começar por referir que essa intenção dos Requeridos encontra respaldo nos demais factos provados, designadamente o teor das publicações efetuadas. Quando, como aí se faz, se imputa a uma casa comercial a prática reiterada de ilícitos, em prejuízo dos consumidores, não pode deixar de se entender age na intenção de atingir a sua imagem, credibilidade.
Acresce que, no âmbito da proteção dos consumidores não compete às associações “instigar” esses mesmos consumidores a comportamentos como o descrito no facto provado 19.
Quanto ao facto provado 39 - Por vezes simulam atuar em virtude de queixas apresentadas por consumidores que teriam sido alvo de conduta enganosa por parte da Requerente.
Mais uma vez, a argumentação dos Recorrentes é que não foi feita prova sobre este tema. E a argumentação apresentada é acompanhada com a transcrição dum extrato da sentença. Porém, esse extrato da motivação de facto da sentença é feito para os “factos não provados” e não para os provados.
As razões agora explanadas no recurso de “os requeridos nunca sentiram necessidade de fazer essa prova”, naturalmente que é aqui irrelevante. Tais factos deveriam ter sido alegados no articulado e sujeitos a prova.
Quanto ao argumento de o teor deste facto entrar em contradição com outros factos “não provados” (designadamente os não provados 5, 7, 11 e 19), é jurisprudência assente que duma resposta negativa (= não provado) não se pode inferir o contrário, ou seja, o dar-se um facto como não provado, não significa que fique provado que ele não tenha ocorrido.
O que acontece é que tudo se passa como se tal facto não tivesse sequer sido alegado; é um nada processual. Assim, desde logo poderia parecer um absurdo ou uma contradição dos próprios termos, a possibilidade de ocorrência de contradição entre um nada e alguma coisa.
O teor do facto corresponde ao alegado no ponto 58 da PI e foi impugnado em 53º da oposição (“na medida em que não há simulação alguma”).
Acresce que a simulação traduz um conceito jurídico a necessitar de concretização factual para se poder concluir pela existência da conduta simuladora. O mesmo se diga da conduta enganosa, demasiado vaga para se saber do que se trata.
Este facto irá, pois, ser eliminado por integrar conceitos vagos e indeterminados que não permitem saber qual foi propriamente a conduta.
Quanto ao facto provado 58 - Os Requeridos têm interesses económicos na multiplicação de ações judiciais contra a Requerente.
Mais uma vez vêm os Requeridos com argumentação na base de explicações e alegação de factos que não trouxeram aos autos no momento próprio e, portanto, cuja apreciação e atendibilidade se mostram agora precludidas.
E também aqui se invocam contradição desse facto com factos não provados. Remetendo para o atrás expendido, o facto deve manter-se.
Concluindo: a reapreciação da matéria de facto pretendida pelos Requeridos improcede, exceto quanto ao facto provado nº 39, que se elimina.

Quanto à reapreciação suscitada pela Requerente
Pretende-se a ampliação, com os seguintes novos factos:
1.º - Os Requeridos vêm desenvolvendo uma campanha contra o bom nome e reputação da Requerente, acusando-a de proceder de forma desonesta para com os seus clientes e de se dedicar à prática de crimes.
2.º - As imputações dirigidas pelos Requeridos à Requerente referentes à prática de crimes e adopção de condutas desonestas para com os seus clientes, fundam-se em factos que os próprios Requeridos criaram e que vêm divulgar publicamente,
3.º - Os Requeridos, nas imputações dirigidas contra a Requerente referentes à prática de crimes de especulação, crimes de publicidade enganosa e práticas desonestas, omitem tratar-se de actos a que deram causa, cientes do engano em que a Requerente incorria e tirando partido dele.
4.º - Os Requeridos omitem que, em todos os casos, sem excepção, obtiveram prontamente a devolução do excesso pago relativamente ao preço promocional, não obstante ter expirado o prazo da promoção e deste prazo se encontrar expresso na informação respeitante ao produto em causa.
5º - As imputações dirigidas pelos Requeridos à Requerente referentes à prática de crimes e adopção de condutas desonestas para com os seus clientes, fundam-se em factos que os próprios Requeridos criaram e que vêm divulgar publicamente.
6º - Os Requeridos omitem que, em todos os casos, sem excepção, obtiveram prontamente a devolução do excesso pago relativamente ao preço promocional, não obstante ter expirado o prazo da promoção e deste prazo se encontrar expresso na informação respeitante ao produto em causa.
Tais factos teriam suporte no depoimento das testemunhas DD, EE, FF e HH.
Entendemos que os “factos” em apreço não devem ser admitidos dado tratarem-se de asserções vagas, ou conclusivas, ou integrando juízos de valor e/ou juízos significativo-normativos.
Na dicotomia facto versus direito consideram Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora que os factos "abrangem as ocorrências concretas da vida real", explicitando: «Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem - ex propiis sensibus, visus et audictus), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (v.g. vontade real do declarante (...); o conhecimento dessa vontade pelo declaratário; (...) o conhecimento por alguém de determinado evento concreto (...); as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria (…)»
«Embora a terminologia usada nesta área varie muito de autor para autor, o facto distingue-se do fenómeno: o facto é o acontecimento concreto da realidade empírico-sensível, em si mesmo considerado, enquanto o fenómeno pressupõe ou a dignidade científica do facto ou a sua prévia elaboração pelos instrumentos da consciência do homem. A transmissão de um direito é um fenómeno jurídico, neste sentido; a compra de A a B, que gera concretamente a transmissão, é um facto [[3]]
E, como se entendeu em acórdão do STJ, os factos conclusivos só serão de atender na medida em que «constituem "uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis", os quais, por não integrarem o thema decidendum, podem ainda integrar o acervo factual». [[4]]
Entendemos não ser aqui o caso, ou seja, as asserções pretendidas não são o resultado de factos singelos, antes integrando considerações vagas e genéricas, a raiar as opiniões da Recorrente. Assim:
- não chega referir que “os Requeridos vêm desenvolvendo uma campanha contra o bom nome e reputação da Requerente” sem referir em concreto em que é que se traduziu essa “campanha”. Da mesma forma, as imputadas “acusações” teriam de ser concretizadas;
- não chega alegar “imputações” sem se referir, em concreto, pelo menos uma ou duas; igualmente no que toca aos “factos que os próprios Requeridos criaram e que vêm divulgar publicamente”;
- também no tocante ao facto atrás referido em 3, se fica sem saber quais foram os “atos omitidos” que, sendo do conhecimento dos Requeridos, eles omitiram;
- a questão factual de os Requeridos terem omitido que em todos os casos obtiveram prontamente a devolução do excesso pago constitui um ónus de alegação da Recorrente, e que já consta da factualidade assente. Toda a parte restante interessa apenas à avaliação da conduta dos Requeridos, a relevar apenas à fundamentação jurídica.
No entendimento de um outro aresto do STJ [[5]], «III. Em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjetivação, mas pode conter pode conter referência quer a situações jurídicas consolidadas, desde que não hajam sido postas em causa, quer a termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente) desde que não sejam objeto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica, devendo ser tomados na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum.
IV. Quando o contexto retratado sob os enunciados de facto integra o essencial do objeto de disputa entre as partes sobre o qual recaiu o esforço de (diversa) interpretação jurídica efetuado quer na 1.ª instância, quer no Acórdão da Relação, não pode ser utilizado na enunciação dos factos, que devem ser considerados como não escritos.»
É o que ocorre no presente caso: a Requerente visa acautelar o seu bom nome e reputação comercial, pedindo determinadas diligências que ponham fim à conduta que os Requeridos vêm adotando nas redes sociais e internet.
Nesse sentido, tudo em que se traduzir a dita conduta respeita ao objeto da disputa entre as partes, impondo-se que “a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjetivação”.
Concluindo, não se aditam os pretendidos “factos”, que o não são, integrando antes considerações vagas e juízos de valor, da competência do tribunal na fundamentação jurídica.
Quanto aos factos não provados em 5 e 10, que se pede passem a provados
5. Todos os produtos detetados pela Requerida são referentes a produtos relativamente aos quais já havia cessado a campanha de promoção, mantendo-se, apenas por lapso dos recursos humanos da Requerente, ainda afixado nas prateleiras o anúncio de divulgação da campanha promocional.
10. Os Requeridos aproveitam-se consciente e maliciosamente de um erro involuntário da Requerente, para dele tirar partido.
A pretendida alteração tem como suporte os depoimentos de HH, DD e FF.
É certo que as testemunhas referiram que as “situações em que tiveram intervenção” se reportavam a produtos cujo período promocional se encontrava já expirado e que essa divergência se devia a erro/atraso na troca manual das etiquetas, falhas humanas.
Mas, não se trata só de ouvir o que as testemunhas disseram, competindo ao julgador apurar ainda da credibilidade das declarações. Ora, os demais factos provados põem em causa essa credibilidade. Basta atentar no facto provado 14 e no extenso rol das lojas aí consideradas, de Norte a Sul do país. Na verdade, sendo insofismável a desculpabilização de uma falha humana e que todos falhamos, essa constatação já muda de figura quando essas falhas se prolongam no tempo e se multiplicam em número. Ou a Requerente tem um problema gravíssimo de competência do seu pessoal, sobre o qual já teria atuado face aos prejuízos que lhe tem advindo, ou efetivamente são demasiadas “falhas humanas”, a descredibilizar o que essas testemunhas disseram. Para além de que essas 3 testemunhas não representam o universo das lojas referenciadas.
Quanto ao facto 10, remetemo-nos para o que dissemos acima, mais do que traduzir um acontecimento concreto da realidade empírico-sensível, integra um juízo de facto e valorativo, a importar à fundamentação jurídica, que não ao nível factual.
Concluindo, improcede a alteração da matéria de facto pretendida pela Requerente.

6.5. Se estão verificados os pressupostos para o decretamento da providência (questões suscitadas pela apelação dos Requeridos)
Os Requeridos consideram não estarem verificados o periculum in mora nem o fumus boni iuris, não se tendo efetuado também a melhor ponderação de interesses.
As providências cautelares não especificadas estão sujeitas aos seguintes requisitos (art.º 362 do CPC):
- a existência e titularidade do direito invocado (fumus boni iuris)
- fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (periculum in mora)
- que, na ponderação dos interesses em presença, os danos que resultariam da concessão da providência requerida não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa (ponderação de interesses).
E, como é jurisprudência pacífica, tais requisitos são de verificação cumulativa.
Além de que, estando no âmbito de providências cautelares, por natureza provisórias e instrumentais, com um nível de prova indiciária, o Tribunal decide com base num juízo de prognose, uma probabilidade séria.

§ 1º - Há, então, que se começar pela aparência do fumus boni iuris, já que, a não se indiciar a existência e a titularidade do direito invocado pelo Requerente, tudo o mais ficará prejudicado.
A Requerente invoca o direito ao bom nome, honra e imagem. A existência e titularidade desse direito oferece-se insofismável no presente caso.
Tratando-se dum direito fundamental, protegido constitucionalmente, basta neste caso a prova da existência da pessoa para que o direito surja inquestionável: art.º 26º da Constituição da República Portuguesa (CRP). A todas as pessoas, físicas e coletivas, é atribuído esse direito fundamental, em função da simples constatação da sua existência enquanto pessoa: art.º 12º nº 2 da CRP e art.º 484º do Código Civil (CC).
A nuance desse direito no que toca às pessoas coletivas, como é o caso, redunda apenas no caráter objetivo do bom nome e da imagem, porque reportados à tutela do prestígio, credibilidade e confiança dos destinatários da sua atividade comercial.
A Requerente é uma pessoa coletiva pelo que é titular do direito invocado ao seu bom nome, honra e imagem comerciais.

§ 2º - Passando ao periculum in mora, o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.
A questão está mais que dilucidada, não se trata apenas da demonstração de um receio subjetivo do requerente; a expressão legal fundado receio remete-nos para um enquadramento objetivo da situação em concreto, o que significa a prática de atos por banda do requerido dos quais, em termos de experiência comum, se possa concluir pela necessidade de serem adotadas medidas que impeçam a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.

Como referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, «As denominadas providências cautelares visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica». [[6]]

Ficou provado que a Requerida, com intervenção direta do 2º Requerido, vêm imputando à Requerente, nas páginas oficiais em que opera nas redes sociais “Facebook” e “Instagram” e na sua página online da internet (redes de acesso público e que permitem a partilha com terceiros), a prática de um número crescente de crimes de especulação e de crimes de publicidade enganosa.
A imagem duma empresa é o resultado de um conjunto multifacetado de fatores, objetivos, subjetivos e simbólicos, como o seu layout, a aparência e qualidade dos produtos, os funcionários e, cada vez mais, fruto da alta competição, a sua conduta com os clientes.
Neste complexo, costuma dizer-se que a imagem duma empresa é a perceção que o público consumidor dela tem. E, para essa perceção do público, são as suas ações, práticas e condutas do dia a dia que constroem a sua imagem e bom nome.
Há muito ultrapassada a construção/desconstrução da imagem duma empresa pelo “passa a palavra”, essas ações, práticas e condutas do dia a dia são hoje escrutinadas e difundidas pela publicidade e pelas redes sociais. Uma “má notícia” ocorrida na mais recôndita aldeia, fica potencialmente do conhecimento global com a rapidez dum clique. São as desvantagens e/ou inconveniências da internet e das redes sociais. E, como parece resultar da natureza humana, poucos ou nenhuns se preocupam em ajuizar da fiabilidade do que leem nas redes sociais, tomando tudo como certo as mais das vezes, e reproduzindo-o por partilha com terceiros.

Pese embora a grande diferença de valores que comandam as sociedades atuais, cremos que a imputação a alguém da prática de crimes, ainda constitui uma valoração muito negativa da pessoa.
E tanto assim é que mereceu a atenção da revista Sábado, que lhe dedicou uma página. Ou seja, o assunto passou a notícia de uma revista de âmbito nacional.
A imputação a uma empresa comercial na área do retalho alimentar da prática reiterada de crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa prejudica a sua imagem comercial, lesando também os seus interesses económicos na medida em que abala a confiança dos consumidores e pode conduzir à perda de clientela.
Daqui resulta que também deve ter-se por verificado o pressuposto do periculum in mora; de acordo com as regras da experiência as circunstâncias factuais provadas nos autos, a continuação da conduta dos Requeridos pode conduzir a uma perda de clientela por parte da Requerente como facto consumado e, por inerência, a provocar-lhe prejuízos de difícil reparação.
Há que prevenir a ocorrência de novos danos, bem como o agravamento dos já ocorridos.
A tutela cautelar não visa apenas a prevenção de danos imputáveis à mora processual da ação principal, mormente quando estão em causa a defesa de direitos/interesses imateriais, como é o caso do bom nome e reputação comercial.
Nesses casos, é de considerar, como Rui Pinto, que o perigo a atender na providência cautelar comum é um perigo independente da morosidade do processo principal, vai muito além do perigo decorrente do decurso de tempo associado à duração da ação principal - «(…) o perigo de dano não é um periculum in mora. É um perigo cuja causa é de natureza extraprocessual, não imputável ao Estado, mas imputável ao sujeito passivo.» [[7]]
Nesse âmbito da imagem e do bom nome, quando a confiança se perde, tarde ou nunca se recupera. Instalado um clima de suspeição, o “melhor produto” ou o “melhor serviço” oferecidos por uma empresa podem já não ser suficientes para cativar/manter o cliente.

§ 3º - Por fim, a questão da colisão de direitos e a ponderação de interesses
Neste âmbito, invocam os Recorrentes requeridos que não se teve em conta os princípios de direito constitucional e da União Europeia.
A sentença abordou essa questão de forma bem fundamentada, designadamente o princípio da liberdade de expressão e informação, consignado no art.º 37º da CRP, no art.º 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e no art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
Reproduzimos aqui a argumentação da sentença, por se nos afigurar pouco ou nada ser de se lhe acrescentar:
«De facto, a liberdade de expressão assume especial relevância em qualquer sociedade democrática e livre e é constitucionalmente garantida no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa que estabelece que o nosso país “é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes.” e de forma específica no artigo 37º que estabelece que “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.”.
A liberdade de expressão encontra, também, consagração na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 19º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10º).
O artigo 10º/2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelece de forma expressa que este direito pode sofrer restrições ao estabelecer que “O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”.
A mesma Convenção consagra no artigo 6º/2 um dos pilares fundamentais das sociedades regidas pelos princípios do Estado de Direito democrático ao estabelecer que “Qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”.
Também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) consagra no seu artigo 11º a liberdade de expressão e de informação, ao estabelecer que “Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras”.
(…)
Do supra exposto resulta que a liberdade de expressão é um direito fundamental que consiste na faculdade de todos os cidadãos poderem expressar e divulgar, sem impedimentos e restrições, as suas ideias, convicções ou críticas pela palavra, imagem, pelo som ou por qualquer outro meio. A liberdade de expressão apenas pode ser objeto de restrições, no caso de colisão com outros direitos fundamentais e interesses públicos constitucionalmente protegidos.
Assim, o direito ao bom nome enquanto direito fundamental pode constituir limite ao exercício da liberdade de expressão.
A questão que se pode colocar é, em caso de colisão, se existe hierarquia entre a liberdade de expressão e o direito ao bom nome e qual deve prevalecer.
Atualmente é entendimento dominante que inexiste hierarquia entre direitos constitucionais, ou seja, reconhece-se o igual valor constitucional da liberdade de expressão e de imprensa e do direito ao bom nome e que só perante o concreto exercício desses direitos é possível determinar qual deve prevalecer, e em que medida, através da ponderação de interesses e valores em causa no caso concreto.
No âmbito da colisão de direitos estabelece o artigo 335º/1, do Código Civil que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento de qualquer das partes.”.
Neste âmbito tem vindo a entender-se, como se referiu, que não há hierarquia entre estes dois direitos; que tendo em conta os limites da liberdade de imprensa, constitucional e legalmente consagrados, esta só pode lesar o direito ao bom nome mediante causa justificativa; que para que a lesão do direito ao bom nome seja justificada é necessária a relevância social da divulgação efetuada; que a lesão não vá além do razoável para cumprir o dever de informar e o direito de ser informado e que a informação seja verdadeira ou assente em fontes credíveis.
A colisão de direitos pressupõe o exercício lícito de dois direitos.
Verificando-se a ilicitude do exercício de um dos direitos ficamos perante o regime da responsabilidade civil extracontratual – artigos 483º e 562º do Código Civil.
Elsa Vaz de Sequeira, in “Colisão de direitos”, Cadernos de Direito Privado, 52, 2015, pg. 20 e ss. defende que os direitos de personalidade, pela natureza do seu objeto não permitem concorrência e que estando envolvidos direitos de personalidade haverá não mais que colisões aparentes de direitos, que em rigor se reconduzem a conflitos de normas ou princípios, sendo os princípios subjacentes aos direitos em causa que colidem entre si. Defendendo que a delimitação é feita no caso concreto, estabelecendo os limites extrínsecos aos direitos conferidos pelas normas em conflito.
No que se refere a este confronto entre os direitos ao bom nome e de liberdade de expressão cf. Ac. do STJ, de 21.10.2014. proc. n. 941/09.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt em cujo sumário se pode ler “A prevalência do direito à honra e ao bom-nome, no confronto com o direito à liberdade de expressão e de informação, relativamente a afirmações lesivas do mesmo, não se compadece com as situações em que aquelas afirmações, embora potencialmente ofensivas, sirvam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa. II - O direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia – interesse público –, devendo restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade. (…) V - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem acentuado que a liberdade de imprensa constitui um dos vértices da liberdade de informação, não podendo as autoridades nacionais, por princípio, impedir o jornalista de investigar e recolher as informações com interesse público, e de as transmitir, o que é inerente ao funcionamento da sociedade democrática. VI - No que toca ao confronto do segredo de justiça com a liberdade de expressão e de informação, o TEDH tem-se pronunciado contra as restrições à liberdade de expressão que não considera serem necessárias, designadamente quando as informações em causa já sejam públicas.”.
Mais, o próprio texto constitucional fornece o critério para dirimir o eventual conflito entre direitos fundamentais, ao estabelecer no artigo 18°/2 que as restrições legais a esses direitos devem “limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Por fim, cumpre referir a importante jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nesta matéria que faz preponderar a liberdade de expressão e de imprensa, admitindo estritas restrições às mesmas, sobretudo, quando está em causa o debate de matérias de interesse público.
Veja-se, a título de exemplo o Acórdão proferido em 23.01.2007 (Caso Almeida Azevedo C. Portugal (Queixa no 43924/02), onde se refere que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa»”.
Em sentido idêntico, o Acórdão de 30.08.2016, proferido na Requête nº 55442/12 que opôs a ... ao Estado Português (consultado in https://gddc.ministeriopublico.pt/faq/acordaos-relativos-portugal).
Defende este tribunal no essencial que a liberdade de expressão é um postulado da sociedade democrática e do Estado de Direito, que as limitações à liberdade de expressão devem estar previstas na lei, prosseguirem um fim legitimo e serem necessárias; quando no debate de questões de interesse público a possibilidade de restrições da liberdade de expressão é particularmente limitada; na sindicância dos limites da liberdade de expressão devem distinguir-se as afirmações de facto dos juízos de valor e a imprensa tem o dever de transmitir informações e ideias sobre matérias de interesse público e ao fazê-lo é-lhe permitido recorrer a uma certa dose de exagero, mesmo de provocação.
Ainda neste âmbito, Henriques Gaspar, in “A influência da CEDH no diálogo interjurisdicional”, Revista Julgar, 7, 2009, pg. 39, refere que “os juízes nacionais estão vinculados à CEDH e em diálogo e cooperação com o TEDH. Vinculados porque, sobretudo em sistema monista, como é o português (artigo 8º da Constituição), a CEDH, ratificada e publicada, constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna. E vinculados também porque, ao interpretarem e aplicarem a CEDH como primeiros juízes convencionais, devem considerar as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional. (…) Os tribunais nacionais e, de entre estes, em último grau de intervenção mas no primeiro de responsabilidade, os Supremos Tribunais, são os órgãos de ajustamento do direito nacional à CEDH, tal como interpretada pelo TEDH; as decisões do TEDH têm, pois, e deve ser-lhes reconhecida, uma autoridade interpretativa”. Aliás, a relevância desta jurisprudência internacional está até espelhada na possibilidade de revisão de decisão transitada em julgado quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português” (art. 696.º, al. f), do CPC).”.
A jurisprudência nacional mais recente vem aderindo a estas linhas orientadoras, salientando a importância dos arestos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem na concretização da fronteira entre a liberdade de expressão e os direitos à honra e bom nome.
Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.05.2013, proc. nº 1486/03.7TVLSB.L1.S1, em cujo sumário de lê que “Os arts 70.º, n.º 1, e 484.º do CC, são preceitos legais que tutelam os direitos de personalidade, os quais, aliás, encontram consagração constitucional no art. 25.º da CRP. II - A par da protecção dos direitos de personalidade, a lei protege igualmente, designadamente em sede constitucional, o direito à liberdade de imprensa e o direito de livre expressão de opinião e pensamento, bem como o direito de difusão de ideias – arts. 37.º e 38.º da CRP. Os mesmos direitos têm consagração na CEDH – art. 10.º – e na DUDH – art. 19.º. III - Não obstante a importância fundamental que assumem os direitos de liberdade de imprensa e de livre expressão nos modernos Estados democráticos, há que frisar que não se trata de direitos absolutos e ilimitados, como, da mesma forma, não são ilimitados os direitos de personalidade. IV - O jornalista não pode publicar aquilo que entender se, ao fazê-lo, violar outros direitos de igual dignidade, designadamente, se violar os direitos de personalidade de outrem. V - Na doutrina e na jurisprudência tem-se procurado encontrar uma linha de orientação na ponderação de cada caso concreto, isto é, casuisticamente, lançando mão dos princípios gerais do abuso do direito – art. 334.º do CC –, sem esquecer, porém, que nessa ponderação o direito de informação e junto com ele o de livre expressão garante a existência de uma opinião livre, condição necessária, por seu lado, para um recto exercício de todos os demais direitos em que se fundamenta o sistema político democrático. VI - Tem-se admitido que, em casos especiais, pode dar-se prevalência ao direito de liberdade de imprensa em detrimento do direito de personalidade, mas, para que se imponha tal solução há que submeter o conflito concreto ao crivo de três critérios de análise: o critério da verdade, o critério do interesse público e o critério da personalidade e adequação. VII - Assim e desde logo, nunca poderá prevalecer o direito de liberdade de imprensa ou o direito de livre expressão da opinião, se os factos noticiados forem falsos, equívocos, traduzirem meras suspeitas sem prova ou se fundarem em simples boatos. VIII - Por outro lado, é sempre necessário que a informação veiculada pela comunicação social corresponda à realização de um interesse público ou social de relevância, isto é, o interesse público há-de, atenta a sua relevância, justificar a agressão do direito de personalidade com o qual, eventualmente, entre em colisão. IX - Finalmente, pressuposta a verdade da imputação e o interesse público relevante, deve ser respeitado o devido grau de proporcionalidade e adequação, perante as circunstâncias concretas, em ordem a maximizar a eficácia prática dos dois direitos em conflito ou a prejudicar, o menos possível, aqueles dos direitos que deve ceder perante o outro. X - Resultando claramente da prova, e de qualquer modo é uma evidência, que a questão tratada pelas publicações em causa nos autos era de manifesto interesse social, justificava-se o seu debate público e o respectivo tratamento não estava prejudicado, mesmo quando se critica, debate e opina sobre matéria de sentenças judiciais. XI - Num país democrático qualquer decisão judicial, para além do controlo interno, a cargo dos tribunais superiores (através dos recursos) está sujeita à crítica pública.”.
No caso dos autos estamos perante uma colisão de direitos fundamentais e, como tal, tem de se proceder a uma ponderação dos interesses em causa para se determinar se é possível harmoniza-los ou qual é o que carece de maior proteção no caso concreto.
Estando perante direitos que se enquadram na categoria dos direitos, liberdades e garantias pessoais, tem aplicação o disposto no artigo 18º/2, da Constituição da República Portuguesa, que ao dispor que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” estabelece o princípio da proporcionalidade.
Este princípio engloba em si três outros princípios: o da adequação (deve ser o meio adequado para a prossecução dos fins visados); o da exigibilidade (as medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista) e o próprio princípio da proporcionalidade em sentido estrito (não podem adotar-se medidas excessivas).
Como se refere no Acórdão do STJ, de 31.01.2017, in www.dgsi.pt, que se segue de perto, “o TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral. Os juízes nacionais estão, deste modo, vinculados à CEDH, porquanto, tendo sido ratificada e publicada, constitui direito interno que, como tal, deve ser interpretada e aplicada, primando, em termos constitucionais, sobre a lei interna (art.8º, da CRP). Aliás, nos termos do nº2, do art.16º, da CRP, «Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem». Como refere António Henriques Gaspar, actual Juiz-Conselheiro Presidente do STJ, in «A Influência da DEDH no Diálogo Interjurisdicional, A Perspectiva Nacional ou o Outro Lado do Espelho», intervenção no Colóquio por ocasião da Comemoração do 30º Aniversário da vigência da CEDH em Portugal – STJ, 10/11/08, publicado na Revista Julgar, nº07, pág.39, «… não obstante os termos limitados da vinculação directa, as decisões do TEDH quando interpretam as disposições da CEDH devem ter uma «autoridade específica» que se impõe a todos os Estados por força da chamada autoridade de «chose interpretée»: o TEDH tem por função «clarificar, garantir e desenvolver» as normas da CEDH, contribuindo para assegurar o respeito pelos Estados dos compromissos que assumem pela vinculação convencional». (…) Assim, os juízes nacionais, ao interpretarem e aplicarem a CEDH, como juízes convencionais de primeira linha, devem ter em consideração «as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional». (…) Por outro lado, em 28/1/03, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (CE), através da Recomendação 1589 (2003) reiterou ao Comité de Ministros, entre outras medidas, a necessidade de tornar públicos os dados relativos à monotorização do exercício da liberdade de expressão nos países membros e candidatos e a necessidade de os Estados membros «incorporarem a jurisprudência do TEDH no campo da liberdade de expressão na sua legislação interna e assegurarem a formação apropriada dos juízes». Porém, como é evidente, a consideração pela jurisprudência do TEDH não é uma aceitação por imposição, antes constitui um imperativo intelectual, a implicar análise e ponderação, de onde poderá resultar aceitação, mas, também, divergência.”.
Mais à frente refere o mesmo acórdão que “Constata-se, pois, que, enquanto pelo lado do TEDH a solução das questões relacionadas com a ingerência na liberdade de expressão é feita tendo em consideração o seu carácter excepcional e a importância fulcral dessa liberdade numa sociedade democrática, pelo lado das instâncias nacionais há uma tendência clara para secundarizar a liberdade de expressão e para sobrevalorizar o direito à honra. O que tem valido a Portugal algumas condenações pelo TEDH, por violação do art.10º, da CEDH [cfr. os casos … c. Portugal (2000), … c. Portugal (2005), … c. Portugal (2005), … c. Portugal (2007), … c. Portugal (2007), … c. Portugal (2008), …, Ld.ª c. Portugal (2016) e MM … c. Portugal (2017)].”.
No mesmo sentido, o acórdão do STJ. De 20.04.2022, in www.dgsi.pt.
Dos autos resulta que os Requeridos (1ª e 2º) de forma voluntária e consciente publicaram inúmeros conteúdos referentes à Requerente, não podendo desconhecer que ao imputar à mesma a prática de crimes estavam a denegrir e prejudicar a imagem desta, sendo que, (…) não foi demonstrado que a Requerente tivesse sido condenada por qualquer crime relacionado com os factos que lhe são imputados, ou, sequer, que tenha sido formalmente acusada pela prática dos mesmos.
Como se refere no Ac. da Relação de Lisboa, de 15.12.2022, in www.dgsi.pt, embora em sede de procedimento criminal é perfeitamente enquadrável nos autos a “imputação de práticas criminosas de (…) por parte desta pessoa coletiva (….), sendo ela uma instituição (….) existente e em funcionamento no nosso mercado (…), obviamente que tal actuação do arguido é apta/idónea/susceptível de atentar contra a imagem, notoriedade, credibilidade, confiança, prestígio, credibilidade desta instituição. (…) o direito à sua imagem/ao seu bom nome está interligado, obviamente, com aquela sua essência e vice-versa – uma instituição bancária quer-se (que seja e se mostre) séria, fidedigna, cumpridora e de confiança (com bom nome) aquando e por causa da sua actividade.”.
No caso em análise nos autos é manifesto que há interesse social na divulgação dos factos referentes a discrepâncias de preço entre “as prateleiras” do supermercado e o preço cobrado em caixa, que essa informação interessa a todos os consumidores e que os factos respeitam a situações que devem ser conhecidas do público.
O que acontece é que, no caso dos autos, os Requeridos se excederam, disseram mais do que o necessário e de forma ofensiva da imagem da Requerente.
De facto, em nome da liberdade de expressão e da intensa polémica que possa existir não devem ser protegidos ataques injustificados, desnecessários e desproporcionais.
É certo que o confronto de interesses pode levar a exageros e excessos de linguagem que, dentro de um critério de razoabilidade, devem ser protegidos.
Como suprarreferimos, a liberdade de opinião, nos termos do disposto no artigo 10º/1 da CEDH, é um dos baluartes da liberdade de expressão.
O TEDH tem-se pronunciado no sentido de que as questões de interesse público deverem ser debatidas e que as opiniões expressas, muitas vezes com recurso a linguagem violenta e exagerada, devem considerar-se protegidas pela liberdade de expressão.
Não obstante as comunicações efetuadas devem evitar a condenação prévia e em praça pública de entidade que não foi objeto de condenação judicial ou acusação pública e, assim, nas comunicações a efetuar, os requeridos devem usar de contenção, para evitar que se crie a falsa convicção da prática de crimes pela Requerente.
Por outro lado, não basta que os factos publicitados sejam suscetíveis de afetar o prestígio ou bom nome para que se verifique comportamento ilícito e violador do direito à honra.
O que deve evitar-se é ataques desproporcionais e sem interesse para o público alvo das publicações efetuadas e que não estejam pautados pelo princípio da boa-fé. Neste âmbito o TEDH reconhece, em relação às imputações de factos (como no caso acontece com a imputação de factos criminosos), a importância da boa fé para garantir um espaço para o erro e compensar a exigência de verdade, ou seja, tem de existir esforço de relatar factos verdadeiros, sendo excessivos os juízos de valor que não tenham qualquer sustentabilidade de facto. Este mesmo tribunal decidiu que, em determinadas situações, há um interesse público em proteger o sucesso comercial e a viabilidade das empresas, não só para benefício dos acionistas e dos empregados, como também para o desenvolvimento económico geral. (Uj v. Hungary, § 22; Regnum v. Russia, § 66).
Do todo o exposto, resulta que apenas perante a impossibilidade de o conflito entre dois direitos fundamentais ser resolvido pelo princípio do igual tratamento, terá de prevalecer o direito que seja considerado superior no seu exercício no caso concreto – artigo 335º do Código Civil.
Ab initio os direitos de liberdade de expressão e à honra partem de uma posição de igualdade.
Assim, antes de verificar qual deles deve prevalecer no caso concreto, importa analisar se é possível lograr atingir uma solução equilibrada no conflito entre a liberdade de expressão dos Requeridos e a honra da Requerente.
Neste sentido, cf. acórdão da RL, de 02.05.2023, in www.dgsi.pt.
In casu, verifica-se que tal compatibilização é possível.
De facto, grande parte das publicações efetuadas pelos Requeridos enquadram o exercício da liberdade de expressão dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática aberta e plural, apenas se excedendo na parte em que imputam a prática de crimes de especulação de preços e de alegado crime de publicidade enganosa.
Assim, na ponderação entre o direito à honra (bom nome e imagem) da Requerente e o direito à liberdade de expressão dos Requeridos, os direitos de ambos podem ser comprimidos, sem prejudicar o exercício da liberdade de expressão dos Requeridos, na parte em que o mesmo reviste interesse relevante de informação dos consumidores.
Concretizando, os factos provados sob os pontos 13 (quanto à expressão “diversas lojas do A... estão sob a acusação”), 14 (quanto à expressão Crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa), 18 (quanto à expressão diversas lojas do A... estão sob a acusação, #especulação de preços, #publicidade enganosa), 21 (#especulação depreços) e 27 são objetivamente gravosos para a imagem comercial, o bom nome e reputação da Requerente uma vez que, como resulta dos demais factos apurados, a atuação da Requerida tem grande repercussão na comunidade, sendo objeto de divulgação nos media e difundida nas redes sociais; não têm fundamento de verdade comprovada uma vez que não foi demonstrada a condenação da requerente pela prática de qualquer crime, nem a pendência de processos crime conta a mesma e podem ser retirados das comunicações efetuadas pelos Requeridos, sem que fique beliscado o seu direito à liberdade de expressão.
Quanto às demais publicações, o sacrifício ou lesão imposto à Requerente não é desproporcionado em relação ao benefício que se espera obter com o conhecimento e escrutínio dos factos em apreço.
No seguimento da jurisprudência supra citada, entendo que os Requeridos, no exercício do seu direito de liberdade de expressão, podem informar os consumidores (que têm interesse na informação) sobre as divergências de preços encontradas em estabelecimentos da requerente e sobre a existência de ações populares e os seus fundamentos, bem como da existência de participações criminais que faça relativamente à Requerente (deixando claro que é uma participação e não já uma condenação pela prática de qualquer crime). De facto, tal configura, além de liberdade de expressão, o exercício de interesse legitimo de uma associação de defesa de consumidores informar os consumidores em geral de factos relevantes para os mesmos, como a errada marcação de preços, mesmo que ocorra por lapso ou erro humano de funcionários da Requerente. (…)»
Concorda-se inteiramente com o juízo efetuado. Em síntese, reconhecendo-se o direito dos Requeridos à liberdade de expressão e de informação, o certo é que tal direito se nos oferece ter sido exercido de forma excessiva para os interesses a defender.
A imputação da prática de crimes a uma pessoa nas redes sociais e numa página da internet viola gravemente o bom nome e reputação de uma pessoa. E esta constatação não é prejudicada pelo direito de qualquer pessoa a denunciar ou apresentar queixa nas instituições competentes, para que as situações ilícitas sejam averiguadas.
Também não colide com a possibilidade de o referenciar nos casos em que já tenha havido condenação criminal
O direito de informação reporta-se à informação de factos e/ou ocorrências, e não de imputações. E atendendo à qualidade da 1ª Requerida, de associação de defesa de consumidores, era de se lhe exigir outra prudência, em abono da verdade. Na verdade, passou de imediato à imputação de crimes, ao invés de simplesmente alertar para o que se estava a passar, com rigor e objetividade, sobre a ocorrência de disparidade dos preços anunciado-cobrado.
Informar não é instigar, para obtenção de benefícios próprios com as ações a propor em nome dos consumidores (como decorre dos factos provados nº 19, 32 a 38, 57, 58 e 60, que não foram sequer postos em crise na apelação).
A ponderação dos interesses feitos na sentença afigura-se-nos correta, por equilibrada. Os direitos de informação e liberdade de expressão dos Requeridos prevaleceram, no que se considerou ser a justa medida da ponderação dos interesses de ambas as partes.
Os Requeridos não ficaram impossibilitados de anunciar/divulgar as informações relativas a terem instaurado ações populares ou outras de cariz judicial, pois isso sim, seria coartar a sua liberdade pessoal e de atuação. Os Requeridos ficaram apenas proibidos de efetuar ou manter publicações na sua página oficial na internet, ou nas respetivas páginas no “Facebook”, “Instagram” ou noutra rede social alternativa, nas quais imputem à Requerente a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada.
Diga-se, por fim, que os Tribunais têm de pautar as suas decisões em procedimento cautelar comum pela hipótese/juízo de prognose do sucesso da ação principal, e não pelo que possa vir a suceder com um potencial (e anunciado) recurso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. TEDH

§ 4º - Da inconstitucionalidade
Suscitam os Requeridos a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída da conjugação do art.º 187º do Código Penal (CP) e do art.º 70º do CC, no sentido de haver ofensa ilícita a pessoa coletiva, quando uma associação de defesa de consumidores e seus associados, publicitam que foram intentadas ações populares contra essa pessoa coletiva, por violação do princípio do Estado de Direito, na sua vertente de princípio do direito à liberdade de expressão e informação, da participação da vida pública e da segurança jurídica, do direito da liberdade de expressão e informação, do direito de participação na vida pública, do direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.
Sucede que na sentença não se fez tal “interpretação normativa”. O que a sentença fez foi, reconhecendo aos Requeridos o direito à informação e à liberdade de expressão, proceder depois, ao abrigo dos demais princípios constitucionais (lembre-se que apesar de fundamentais, tais direitos não são absolutos) à verificação da colisão de direitos e à respetiva ponderação.
E, remetendo-nos para a fundamentação expressa no § 3º, a sentença fez tal análise e ponderação de forma adequada, que se mantém.

§ 5º - Da litigância de má fé
Por fim, questiona-se a condenação da Requerente a título de litigância de má fé, na medida em que se imputaram factos/condutas ao Requerido BB, que veio a ser absolvido por tais factos não se terem provado.
Também aqui é de manter o julgado em 1ª instância: «De facto, tendo a Requerente deduzindo pretensões que não tiveram total acolhimento, não resulta dos autos que tenha agido com propósito evidente de obter decisão cujos fundamentos bem sabia não existir, nem ficou demonstrada alteração dolosa da verdade de factos relevantes para a decisão da causa, nem pode concluir-se que o seu comportamento é censurável. De facto, limita-se a pedir proteção de direito que lhe é constitucionalmente consagrado.»
Na verdade, o que se sanciona não são as atuações temerárias, mas antes as condutas graves, desconformes com a lisura pessoal e processual com que as partes devem litigar em tribunal, não formulando pedidos ilegais nem articulando factos contrários à verdade por si conhecida.
Trata-se antes de situações em que está presente ou uma intenção maliciosa, ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reação punitiva.
Neste âmbito, a simples não prova dos factos alegados não chega para a imputação da litigância de má fé.
«Hoje a condenação por má-fé pode fundar-se também em erro grosseiro ou culpa grave da parte litigante.
A negligência grave ocorre quando a parte não toma as precauções exigidas a um homem minimamente prudente, pelo que a má-fé deverá traduzir um comportamento objetivamente desonesto.
A condenação de uma das partes como litigante de má-fé implica uma apreciação cuidadosa da parte do julgador, não podendo confundir-se a má-fé não só com a improcedência do pedido, por não se ter conseguido provar o alegado, mas também com a improcedência do pedido por diferente interpretação e aplicação dos preceitos legais aos factos em análise.» [[8]]
Da simples falta de prova dos factos invocados pelas partes não pode extrair-se que os mesmos sejam falsos ou inexistentes, pois, como é sabido, «A verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico - sociológico.» [[9]]
Concluindo, os autos não comportam elementos bastantes que permitam imputar à Requerente uma litigância de má fé.

6.6. Das questões suscitadas pela apelação da Requerente
§ 1º - Decididas que já foram as questões atinentes à matéria de facto, resta a questão jurídica relacionada com saber se as providências requeridas deveriam ter tido integral provimento.
Relembrando, na sentença determinou-se a proibição dos primeiros 2 Requeridos (i) manterem publicações na sua página oficial na internet, ou nas respetivas páginas no “Facebook”, “Instagram” ou noutra rede social alternativa, nas quais imputem à Requerente a prática de quaisquer crimes, designadamente dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada; bem como (ii) a retirar de imediato todas as referências efetuadas à Requerente no site da internet e das páginas do “Facebook”, e “Instagram” nas quais, imputam à Requerente a prática de crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais não tenha sido condenada.
Pretende agora a Requerente que, além disso, os Requeridos:
a) fiquem impedidos de divulgar publicamente as ações judiciais instauradas, que se encontrem ainda pendentes, bem como as ações que estejam em preparação;
b) sejam condenados a retirar de imediato todas as referências efetuadas à Requerente no site da internet e da página do “Facebook”, e “Instagram” da 1.ª Requerida, nas quais imputam à Requerente “uma prática de disparidade de preços entre os anunciados pelo A... e os efetivamente cobrados no momento do pagamento” ou, ainda, de comportamentos lesivos dos direitos dos consumidores.
c) fiquem proibidos de efetuar publicações pelos mesmos meios eletrónicos relativas a eventuais inquéritos de processos criminais que estejam eventualmente em curso por factos imputados à Requerente.
Por tudo o que se disse atrás resulta que esta pretensão não pode ser acolhida.
Em primeiro lugar, a argumentação que desenvolve estava dependente da alteração da matéria de facto que, como vimos, não vingou.
Depois, da factualidade apurada não concluímos, como a Requerente, que os Requeridos venham recorrendo a técnicas de distorção da realidade. Relembramos 0 que se referiu quanto aos factos não provados nº 5 e 10, não se tendo demonstrado que todos os erros detetados se tenham ficado a dever a lapso dos recursos humanos da Requerente. Basta atentar no facto provado 14 e no extenso rol das lojas aí consideradas, de Norte a Sul do país. Na verdade, sendo insofismável a desculpabilização de uma falha humana e que todos falhamos, a constatação já muda de figura quando essas falhas se prolongam no tempo e se multiplicam em número. Num universo de 470 estabelecimentos, foi detetado sempre o mesmo erro em 69 deles, equivalendo a cerca de 14%, ao longo de vários meses e em vários locais. Como atrás se referiu, são demasiadas “falhas humanas”.
Acima de tudo, seria uma coerção injustificável que se pudesse proibir alguém de divulgar as ações judiciais que propôs ou que planeia interpor.
Da mesma forma que violaria o direito de expressão e opinião de qualquer cidadão, sem justificação bastante, a proibição de referirem que a Requerente pratica disparidade de preços, entre os anunciados e os efetivamente cobrados no momento do pagamento ou que tal se traduz em comportamentos lesivos dos direitos dos consumidores.
A sentença recorrida procedeu a uma boa ponderação dos direitos e interesses em questão de ambas as partes, e decidiu corretamente em estabelecer a proibição apenas em relação à alusão dos crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa, pelos quais a Requerente não tenha sido condenada.

§ 2º - Quanto à alteração do valor da sanção pecuniária compulsória
Que na sentença foi fixada em mil euros diários, pretendendo a Requerente cinco mil.
Também aqui concordamos com a ponderação da sentença. O valor de mil euros diários é suficiente e adequado. Num país como Portugal e tratando-se de uma associação de defesa dos consumidores que, ao que se deu por provado, no ano de 2022 não tinha tido movimentos contabilísticos para além do saldo inicial para a abertura da conta, esse valor está bem equilibrado.
Acrescentaremos apenas que estamos no âmbito duma decisão provisória (no sentido de se desconhecer a sorte da ação principal) e, por outro lado, tratando-se de um meio intimidativo e de pressão sobre o devedor, que tenha força coerciva suficiente para o forçar a cumprir a obrigação, deverá olhar-se também à sua eficácia prática.

9. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO
10. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedentes as apelações dos Requeridos e da Requerente, mantendo-se a decisão recorrida, com exceção da eliminação do facto provado nº 39, que não releva para a sorte dos recursos.

Custas dos recursos a cargo dos Requeridos e da Requerente, face ao respetivo decaimento.



Porto, 08 de fevereiro de 2024
Relatora: Isabel Silva
1º Adjunto: João Venade
2º Adjunto: Judite Pires
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[1] Fez-se constar da respetiva Ata que o Ex.mo mandatário da Requerente: «requereu que lhe fosse permitido responder às exceções invocadas pelo Requerido e ao pedido de litigância de má-fé, o que foi deferido. A sua resposta ficou gravada em sistema integrado de gravação digital.»
[2] Acórdão do STJ, de 21.06.2016 (processo 2683/12.0TJLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[3] In “Manual de Processo civil”, 2ª edição, 1985, Coimbra Editora, pág. 406-407 e nota (1) da pág. 407.
[4] Acórdão do STJ, de 30/11/2022, processo nº 3383/19.5T8VCT.G1.S1.
[5] Acórdão de 12/01/2021, processo nº 2999/08.0TBLLE.E2.S1.
[6] In “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 23.
[7] Cf. Rui Pinto, “A Questão de Mérito na Tutela Cautelar. A Obrigação Genérica de não Ingerência e os limites da Responsabilidade Civil”, Coimbra Editora, 2009, pág. 515 e seguintes.
[8] Acórdão do STJ, de 06/07/2023, processo 2186/18.9T8STS-A.P1.S1.
No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acórdãos de 17/01/2023, processo 1038/21.0T8ANS-A.C1-A.S1, de 30/11/2021, processo 760/19.5T8PVZ.P1.S1 e de 09/03/2021, processo 528/16.0T8VNG.S1.P1.S1.
[9] Acórdão do STJ, de 11/12/2003, processo 03B3893.