Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2323/23.1T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: GERMANA FERREIRA LOPES
Descritores: VÍCIOS PREVISTOS NO N.º 2 DO ARTIGO 410.º DO CPP
APRESENTAÇÃO
NO ATO DE FISCALIZAÇÃO
DE DECLARAÇÃO/FORMULÁRIO (SEJA A «DECLARAÇÃO»
SEJA OUTRO DOCUMENTO) ENQUANTO CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
RESPONSABILIDADE DA EMPREGADORA
Nº do Documento: RP202404182323/23.1T8AVR.P1
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONTRAORDENAÇÃO LABORAL.
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I – Nos recursos no âmbito contraordenacional laboral, a Relação, como regra, apenas conhece de matéria de direito (artigos 49.º, n.º 1, e 51.º. n.º 1, da Lei n.º 107/2009 de 14-09), sem prejuízo da apreciação dos vícios da matéria de facto nos termos previstos no n.º 2 do artigo 410.º, bem como da verificação das nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, e do n.º 3 do artigo 410.º, todos do Código de Processo Penal.
II – Os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, encarada por si ou conjugada com as regras da experiência comum, analisada na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória.
III – O vício do erro notório na apreciação da prova não pode confundir-se com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida por contraponto com a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, questões essas que se inserem no âmbito da livre apreciação - princípio inscrito no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
III – O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida.
IV – Integra a prática da contraordenação prevista nas disposições conjugadas constantes dos artigos 36º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04-02-2014, e 25.º n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08, a não apresentação, pelo motorista, das folhas de registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pela autoridade encarregue da fiscalização, sendo este o elemento constitutivo do tipo da contraordenação.
V - A apresentação, no ato de fiscalização em estrada, de declaração/formulário (seja a «declaração de atividade», seja outro documento) justificativa do não cumprimento da referida obrigação de apresentação de registos mais não constitui do que documento comprovativo da existência de causa de exclusão de ilicitude.
VI – A responsabilidade pela contraordenação muito grave referida em IV, impende, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º da Lei 27/2010, de 30-08 sobre o empregador, a menos que este faça prova da exclusão da sua responsabilidade nos termos previstos no n.º 2 desse mesmo preceito, demonstrando que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais.
VII – Para efeitos de exoneração de tal responsabilidade por infracção da obrigação de apresentação dos documentos relativos a registo da circulação de veículo, pelo trabalhador, exige-se à empregadora uma atividade proactiva no sentido de garantir, efetivamente, através de medidas adequadas de organização que implemente, que sejam cumpridas pelos motoristas ao seu serviço todas as exigências que a lei impõe, onde se inclui a obrigação de apresentação das folhas de registo quando solicitadas pela autoridade competente, o que contende não só com formação, mas também com implementação de medidas de planeamento/organização, instruções e mecanismos de fiscalização.


(da responsabilidade da relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº 2323/23.1T8AVR.P1-RECURSO PENAL
(CONTRAORDENAÇÃO LABORAL) Secção Social
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo do Trabalho de Aveiro -J1



Relatora - Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta – Teresa Sá Lopes
2ª Adjunta – Eugénia Pedro





Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – Relatório

1. A..., SA, com sede na Avenida ..., .... ..., ... Coimbra, impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida pela Autoridade Para as Condições de Trabalho, que lhe aplicou a coima de €3.800,00, pela prática, a título negligente e como reincidente, de uma contraordenação muito grave, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, 14.º n.ºs 1 e 4 e 25.º n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30/08, e 561.º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho.
Fundamentou tal impugnação, em substância, no seguinte: o motorista em causa não prestou atividade no período compreendido entre 26-12-2022 a 1-01-2023, sendo que tendo conduzido no dia 2-01-2023 detinha o respetivo registo tacográfico à data da autuação; não ser legalmente exigível que os motoristas se façam acompanhar de algum documento que comprove o seu período de férias/inatividade; o Regulamento europeu não estabelece a obrigatoriedade de acompanhamento por parte do motorista, em território nacional, da declaração de atividade; o ordenamento jurídico português não impõe a utilização de declaração de atividade; ministrou formação no sentido de o motorista se fazer acompanhar dos registos correspondentes aos 28 dias anteriores e procedeu a análise e verificação dos registos tacográficos dos motoristas, a posteriori aquando da entrega dos discos na empresa, cumprindo as obrigações legais que sobre si impendem. Concluiu, pugnando pela procedência da impugnação e respetiva absolvição.
A impugnação foi recebida, tendo sido designada data para julgamento.

2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
«III - DECISÃO
Termos em que se decide julgar improcedente o recurso, mantendo-se em consequência a decisão recorrida.
*
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, tendo em conta a gravidade dos ilícitos e o grau de complexidade das questões suscitadas no processo – arts. 93º n.º 3 do DL n.º 433/82, de 27/10 e 8º n.ºs 7, 8 e 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.
*
Notifique e comunique a sentença, de imediato, ao Centro Local do Baixo Vouga da Autoridade Para as Condições do Trabalho - cfr. art. 45º n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14/09.».

3. Discordando desta decisão a Arguida interpôs recurso, nos termos da motivação junta e que sintetizou com as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual decidiu julgar improcedente o recurso de impugnação judicial apresentado.
2. Incorrendo o Tribunal a quo numa errada apreciação da prova e da aplicação do direito ao caso concreto e numa incorrecta interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
3. Não podendo a Recorrente conformar-se com o teor e o sentido decisório da sentença recorrida.
4. Primeiramente, e antes de mais, considerou o Tribunal a quo não provado que:
a. “aquando da fiscalização o motorista apresentou ao agente fiscalizador o disco de tacógrafo relativo ao dia 02/01/2023” e
b. “foi proporcionada ao motorista formação em matéria de tacógrafos”.
5. Não obstante, certo é que resulta dos documentos juntos aos autos com a defesa escrita de fls. solução diversa.
6. Resultando do auto de notícia que foram DOIS os agente autuantes à data da fiscalização.
7. Sendo que, somente um desses agentes foi ouvido em sede de julgamento.
8. Pelo que, o facto de este ter afirmado que “nada LHE foi apresentado pelo motorista em relação aos dias assinalados no auto como estando em falta” (sic, mas realce nosso) não significa, nem quer significar, que não tenha sido entregue pelo Sr. Motorista ao OUTRO agente autuante à data da fiscalização.
9. O que foi confirmado pelo Sr. Motorista em sede de julgamento, não tendo sido infirmado por ninguém,
10. Não tendo em momento algum sido abalada, sequer beliscada a sua credibilidade.
11. Tanto mais que, o aludido registo tacográfico existia à data da fiscalização, como existia à data da defesa, encontrando-se junto aos autos com esta.
12. Impondo-se seja tal facto dado como provado, o que se requer.
13. Do mesmo modo a sentença recorrida ignorou ostensiva e grosseiramente, os demais meios de prova existente no processo.
14. Como pode a sentença recorrida ter julgado não provada a existência de formação em matéria de tacógrafos?
15. Quando resulta dos próprios autos prova documental cabal e suficiente da existência de tal formação!
16. Tal evidencia manifesto erro na apreciação probatória.
17. Impondo-se, seja dado como provado tal facto, o que se requer.
18. E, em consequência seja a sentença revogada e a Recorrente absolvida da infracção de que vinha acusada, o que se requer.
19. Sem prescindir, mas caso não se considere provado o facto do Sr. Motorista se ter feito acompanhar do disco de dia 2, sempre se dirá que, tal facto não poderá ser imputável, sequer imputado, à Recorrente.
20. A lei faz impender a obrigação de manter na sua posse o cartão de condutor e as folhas de registo já utilizadas, e após terem sido utilizadas, nos 28 dias subsequentes à sua utilização, ao Motorista - artigo 7º/ 3 j) e c) do DL 169/2009 de 31 Julho.
21. Ademais, as instruções dadas pela Recorrente e a formação ministrada, e ainda a verificação / fiscalização dos registos da actividade dos Srs. Motoristas efectuada com regularidade, permitem afastar a responsabilidade da Recorrente nos termos do artigo 10º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março de 2006.
22. Dúvidas não restam, nem podem restar, que o Motorista da Recorrente conhecia — e não podia desconhecer — a obrigação que sobre si impendia de circular com o cartão de condutor e os discos referentes aos 28 dias anteriores e de os exibir às autoridades.
23. Não podendo à Recorrente ser imputável tal infracção, impondo-se a revogação da decisão proferida, o que se requer.
24. Por outro lado, mal andou o Tribunal a quo ao considerar obrigatória a apresentação, por parte do Motorista da Recorrente, de declaração de actividade relativamente aos dias de que não disponha de registo (analógico ou digital) por não ter prestado qualquer serviço de condução.
25. Incorrendo a sentença recorrida em manifesto erro na aplicação do Direito ao caso concreto e, bem assim, na interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
26. Pois que, contrariamente ao expendido na decisão recorrida, nos termos da legislação — nacional e comunitária — aplicável ao caso vertente, os Motoristas não estão obrigados a fazer-se acompanhar nem a apresentar Declaração de actividade — ou outro documento justificativo — quando conduzam veículo equipado com tacógrafo, analógico ou digital.
27. De resto, nos termos do art. 15º, nº 7 do Regulamento (CE) nº 3821/85 de 20/12, com a alteração do Regulamento (CE) nº 561/2006 de 15/03, os Motoristas devem exibir ao agente autuante, sempre que solicitado:
a. as folhas de registo (referentes aos dias em que conduziu veículos equipados com aparelhos de tacógrafo analógico) e/ou
b. o cartão de condutor (quanto aos dias em que conduziu veículos equipados com aparelhos de tacógrafo digital).
28. Sendo que, poderá, ainda, ser exigida a exibição de registo manual e impressão do cartão do condutor, quando este cartão se encontre danificado, a funcionar mal ou não estiver na posse do condutor — cft. Art.º 15º n.º 7 iii) e n.º 1.
29. O que, não sucedeu no caso em apreço.
30. Inexistindo qualquer norma — nacional ou comunitária — que obrigue à utilização e exibição de Declaração de Actividade.
31. Com tal decisão, o Tribunal a quo pugnou pela aplicação do art. 25º, nº 1 da Lei 27/2010 de 30/08, à margem do aludido Regulamento que lhe subjaz, o que acarreta uma errada aplicação do direito.
32. Na verdade, os regulamentos comunitários têm carácter geral, são obrigatórios para todos os seus destinatários e gozam de aplicabilidade directa na ordem jurídica interna de todos os Estados Membros.
33. Pelo que, não poderia o Regulamento Comunitário ser descurado — ou postergado — na decisão proferida, como foi.
34. Mais, o art.º 25º, nº 1 da Lei 27/2010 de 30/08, sempre deveria ser interpretado e aplicado no espírito e em consonância do aludido Regulamento.
35. Já que, não pode o direito interno impor regime diverso do dito Regulamento, sob pena de violação do direito comunitário.
36. E, no caso em apreço, potenciar situações materialmente injustas.
37. Sendo que, o Regulamento Comunitário a que vem de aludir-se pretende a harmonização das disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários.
38. A qual, só poderá ser alcançada com uma interpretação e aplicação uniformes das regras pelas diversas Entidades, nos diversos Estados Membros.
39. Assim é que, da interpretação — conjugada — da aludida norma (art. 25º, nº 1 da Lei 27/2010), constitui contra-ordenação a não apresentação quando solicitada por agente encarregado de fiscalização:
a. do cartão de condutor;
b. das folhas de registo utilizadas;
c. e de qualquer registo e impressão efectuados que o condutor esteja obrigado a apresentar (e correspondentes à al. iii) do nº 7º do artigo 15º e nº 2 daquele artigo 15º do Regulamento).
40. Desta feita, não se verificou a prática de qualquer infracção, pois que, o Motorista apresentou os documentos legalmente exigíveis, não podendo ser exigida a exibição de qualquer outro documento, nomeadamente a Declaração de Actividade, impondo-se a revogação da sentença recorrida, o que se requer.
41. Acresce ainda que, os Tribunais Superiores têm sufragado a tese ora expendida pela Recorrente, seja, a de que sendo o motorista portador de discos diagramas e cartão de condutor, não lhe incumbe fazer se acompanhar da dita Declaração de Actividade — cfr Acórdão proferido pela 4ª Secção (Social) do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo que, sob o nº 2010/16.7T8BRR, correu termos pela Secção do Trabalho do Barreiro da Instância Central de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
42. Nesta conformidade, requer-se a revogação da sentença recorrida, com a consequente absolvição da Recorrente.
Termos em que e nos melhores de Direito, deve ser dado total provimento ao presente recurso, revogando-se, a sentença recorrida, e absolvendo-se a Recorrente, nos precisos termos requeridos, tudo com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.».

4. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público apresentando contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:
«1- A douta sentença proferida não padece do vício de erro notório na apreciação da prova;
2- Tal vício consubstancia um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; um erro de tal forma patente que se mostra evidente aos olhos do leitor médio.
3- Acontece, porém, que da conjugação da matéria de facto dada como provada e não provada com a sua fundamentação não se vislumbra in casu vestígio do vício apontado.
4- Impugna o recorrente a matéria de facto dada como não provada.
5- Sendo a decisão do julgador, devidamente fundamentada, uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência e lógica (como é o caso), é a mesma inatacável, na medida em foi proferida em obediência à lei que impõe que o juiz julgue de acordo com a sua livre convicção.
6- Violou o disposto no artigo 36º do Regulamento (EU) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014 e artigo 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei nº 27/2010, o motorista AA, trabalhador da arguida, que no dia 23 de Janeiro de 2023, pelas 7 horas e 55 minutos, conduzia ao serviço da arguida, na EN - ..., veículo pesado de passageiros equipado com tacógrafo analógico, tendo sido alvo de fiscalização por parte da GNR, não tendo exibido ao agente fiscalizador registos de tacógrafo respeitantes aos dias 26/12/2022 a 02/01/2023, nem qualquer registo manual, impressão, declaração ou documento justificativo da ausência de registos relativamente a esses dias, nomeadamente a declaração constante em anexo à Decisão 2009/959/CE.
7 - Não se verifica “in casu” qualquer causa de exclusão de ilicitude, visto que não foi, na altura da fiscalização, oferecida justificação para essa não apresentação, seja através de uma declaração de atividade, seja através de qualquer outro documento idóneo para o efeito.
8 - Pelo exposto, entendemos não merecer a decisão “a quo”, agora posta em crise, qualquer censura.
TERMOS EM QUE DEVERÁ O RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, ASSIM FAZENDO V. EXAS., COMO SEMPRE, JUSTIÇA.».

5. Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (artigo 416º do Código de Processo Penal), acompanhando a resposta dada nas contra-alegações apresentadas e a sentença recorrida, para as quais remete, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

6. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo a Arguida apresentado resposta.

7. Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos (artigo 418.º do Código de Processo Penal), após o que o processo foi à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*

II - Objeto do recurso

Preliminarmente, importa consignar que o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social consta da Lei n.º 107/2009, de 14-09, cujo artigo 60.º prevê que constitui direito subsidiário (sempre que o contrário não resulte daquela Lei) o regime geral das contraordenações do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (com as subsequentes alterações – a última das quais decorrente da Lei n.º 109/2001 de 24-10); e, por via do artigo 41.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei, são-lhe também aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo criminal, máxime as pertinentes disposições do Código de Processo Penal.
Este Tribunal de recurso apenas conhece de matéria de direito (artigos 49.º, n.º 1, e 51.º. n.º 1, da citada Lei n.º 107/2009), sem prejuízo da apreciação dos vícios da matéria de facto nos termos previstos no n.º 2 do artigo 410.º, bem como da verificação das nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, e do n.º 3 do artigo 410.º, todos do Código de Processo Penal.
Tendo em conta a sobredita restrição, e sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva motivação [artigos 403.º, n.º 1, e 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ex vi artigo 50.º, n.º 4, da citada Lei n.º 107/2009, de 14], no caso, tendo em conta as conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes as questões suscitadas:
1 -   Se existe erro notório na apreciação da prova;
2 – Da (não) verificação da contraordenação prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, e 25.º n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08 e, bem assim, da (não) imputação/responsabilização da Arguida/Recorrente pela mesma (artigo 13.º da mesma Lei).
***

III – Decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância

A. A decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:
“Consideram-se provados os seguintes factos:
1. A arguida tem como actividade principal o transporte interurbano em autocarros.
2. No dia 23 de Janeiro de 2023, pelas 7 horas e 55 minutos, na EN - ..., a arguida mantinha em circulação o veículo pesado de passageiros de serviço particular, matrícula ..-NF-.., equipado com tacógrafo analógico, conduzido por AA, trabalhador ao serviço da arguida.
3. Nesse dia, hora e local, o motorista foi alvo de fiscalização por parte da Guarda Nacional Republicana (GNR), que lhe solicitou os registos da sua condução/actividade respeitantes ao dia da fiscalização e aos 28 dias anteriores.
4. O motorista não exibiu ao agente autuante registos de tacógrafo respeitantes aos dias 26/12/2022 a 02/01/2023, nem apresentou qualquer registo manual, impressão, declaração ou documento justificativo da ausência de registos relativamente a esses dias, nomeadamente a declaração constante em anexo à Decisão 2009/959/CE.
5. O motorista esteve em gozo de férias do dia 26/12/2022 ao dia 30/12/2022 e nos dias 31/12/2022 e 01/01/2023, gozou dias de descanso.
6. No dia 02/01/2023, o motorista esteve a trabalhar, tendo conduzido ao serviço da arguida o veículo pesado de passageiros de serviço particular, matrícula ..-NF-.., equipado com tacógrafo analógico.
7. O motorista teve formação, além do mais, em matéria de “Transporte colectivo de crianças”, “Legislação rodoviária e normas legais de circulação” e “Regulamentação social e regulamentação laboral”.
8. A arguida procede à verificação à posteriori, por amostragem, de alguns dos discos de tacógrafo dos seus motoristas.
9. A arguida foi já condenada por 5 vezes em processos de contra-ordenação, pela prática, a título negligente, de contra-ordenações muito graves, com referência aos arts. 19º, 20º e 25º da Lei n.º 27/2020, de 30/08, sem que entre a data da prática dessas infracções e a data da prática da que nos presentes autos lhe é imputada, tenha decorrido prazo superior a 5 anos.
*
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, de entre o que constam da acusação e da impugnação judicial, nomeadamente:
- Que a arguida planeou e organizou a jornada de trabalho do motorista AA, em relação ao dia 23 de Janeiro de 2023, em que teve lugar a acção de fiscalização, de modo a assegurar-se que o mesmo levava consigo os registos de actividade respeitantes a esse dia e aos 28 dias anteriores.
- Que aquando da fiscalização, o motorista apresentou ao agente fiscalizador o disco de tacógrafo relativo ao dia 02/01/2023.
- Que foi proporcionada ao motorista formação em matéria de tacógrafos.»
B. A motivação da referida decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados baseou-se:
N.ºs 1, 2, 3 e 4: No auto de notícia constante de fls. 5 e no depoimento da testemunha BB, militar da GNR que o levantou, tendo confirmado em juízo o seu teor.
N.ºs 5, 6 e 8: Nos depoimentos nesse sentido prestados pelas testemunhas AA (motorista aqui em causa, que trabalhou para a arguida desde Junho de 2007 até Julho de 2023) e CC (que trabalha para o grupo empresarial onde a arguida está integrada, sendo coordenador/responsável pelas operações na área de Aveiro). Em conjugação, quanto aos n.ºs 5 e 6, com as folhas de ponto constantes de fls. 17 e v.º e com o disco de tacógrafo respeitante ao dia 02/01/2023, junto a fls. 18.
N.º 7: Nos certificados de formação juntos a fls. 18 v.º a 21 dos autos.
N.º 9: No registo individual da arguida para efeitos de reincidência, a fls. 7.
Quanto aos factos dados como não provados, a convicção do tribunal assentou na ausência de prova produzida em julgamento capaz de os comprovar, salientando-se em particular:
- Que a testemunha BB, agente autuante, afirmou em julgamento que nada lhe foi apresentado pelo motorista em relação aos dias assinalados no auto como estando em falta;
- No que concerne à formação, que o próprio motorista AA disse em julgamento que nenhuma formação frequentou em matéria de tacógrafos;
- E que as testemunhas AA e CC afirmaram em juízo que a arguida considera que os motoristas não têm que se fazer acompanhar de nenhuma documentação comprovativa dos períodos de férias que gozaram, e que é esse entendimento que transmite aos seus motoristas.».
*

IV – Fundamentação

1. Do erro notório na apreciação da prova

A Recorrente discorda da decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, mais precisamente quanto à seguinte matéria de facto dada como não provada: (i) que aquando da fiscalização, o motorista apresentou ao agente fiscalizador o disco de tacógrafo relativo ao dia 02/01/2023; (ii) que foi proporcionada ao motorista formação em matéria de tacógrafos.
Sustenta a Recorrente que salta à evidência o manifesto erro na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, porque da mera análise do auto de notícia e dos documentos juntos aos autos com a defesa escrita se alcançará conclusão diversa da obtida por esse Tribunal.
Argumenta, em síntese, que: do auto de notícia resulta à evidência que foram dois os agentes autuantes à data da fiscalização, tendo ambos subscrito o auto em questão, sendo que apenas um desses agentes – o agente BB – foi ouvido em sede de julgamento, pelo que o facto de este ter referido que “nada lhe foi apresentado pelo motorista em relação aos dias assinalados no auto como estando em falta” não significa, nem quer significar, que não tenha sido entregue pelo motorista ao outro agente autuante à data da fiscalização; o motorista – testemunha inquirida em sede de julgamento – confirmou a exibição do disco referente ao dia 2-01-2023 a um dos agentes autuantes, não havendo motivo para tal depoimento não merecer credibilidade; o aludido registo tacográfico existia à data da fiscalização, como existia à data da defesa, encontrando-se junto com esta, inexistindo qualquer motivo para o mesmo não ter sido apresentado ao agente autuante. Nessa decorrência, requer que seja dado como provado que “aquando da fiscalização o motorista apresentou ao agente fiscalizador o disco de tacógrafo relativo ao dia 02/01/2023”.
Mais argumenta que: a sentença recorrida faz tábua rasa dos certificados comprovativos da formação ministrada ao motorista e juntos ao autos com a própria defesa escrita, pelo que não restam dúvidas nem podem restar que o motorista teve formação em matérias de tacógrafos; de resto, é de conhecimento público que para deterem a habilitação necessária para o exercício das funções de motoristas de transportes de pesados de passageiros, os motoristas têm de frequentar o CAM, formação que detém um módulo específico de tacógrafos, tal como acontece nas formações contínuas necessárias à renovação daquela mesma carta de motoristas. Nessa sequência, pugna que seja dado como provado que “foi proporcionada ao motorista formação em matéria de tacógrafos”.
Defende que, atento o invocado erro na apreciação da prova – ao descurar o Tribunal a quo o teor dos documentos juntos pela Recorrente, os quais constituem meio de prova legalmente admissível e cujo teor não foi impugnado, sequer contrariado – sempre deveriam tais factos, ser considerados provados na sentença recorrida e, consequentemente, a Recorrente absolvida da infração de que vinha acusada.
Vejamos.
Como decorre do já consignado em II, o recurso para a Relação em sede de processo contraordenacional laboral, como regra, está circunscrito à matéria de direito (artigo 51.º, n.º 1, da Lei n. 107/2009 de 14-09), estando excluída a intervenção deste Tribunal ad quem em sede de matéria de facto, sem prejuízo da apreciação de vícios decisórios ao nível da matéria de facto previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que podem ser invocados em sede de recurso e apreciados oficiosamente.
No que releva para a apreciação da questão em análise, dispõe o artigo 410.º, no n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, o seguinte:
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
(…)
c) Erro notório na apreciação da prova.

Sobre os vícios a que se reporta o n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, precisamente também no âmbito de um processo de contraordenação laboral, debruçou-se, de modo exaustivo e com apelo à jurisprudência do STJ, o Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 9-01-2020 [processo n.º 1204/19.8T8OAZ.P1, Relator Nelson Fernandes – Acórdão acessível in www.dgsi.pt, site onde também se encontram disponíveis os restantes Acórdãos infra a referenciar, desde que não seja feita menção em sentido diverso], que se passa a transcrever (retirando-se tão-só as menções atinentes às notas de rodapé).
Escreve-se neste Acórdão o seguinte:
«Entrando na análise, socorrendo-nos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016[], por apelo ao que se disse no Acórdão desse mesmo Tribunal de 8 de Novembro de 2006[], importa ter presente, desde logo, que os vícios elencados no citado n.º 2 do artigo 410.º “pertinem à matéria de facto; são anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.(...) Na verdade, os factos relevantes para a decisão da causa são necessariamente factos que importam consequências jurídicas, e por isso, em tal âmbito, a matéria de facto é sempre juridicamente relevante.”
Discorrendo sobre a matéria, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010[] (transcrição):
 “(...) No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo.
Nesta forma de impugnação, as anomalias, os vícios da decisão elencados no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal têm de emergir, resultar do próprio texto, da peça escrita, por si só considerada ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma.
A possibilidade de introdução do Tribunal ad quem no domínio da facticidade sempre será parcial, restrita, limitada e indirecta, consistindo numa fórmula mitigada de reapreciação da matéria de facto, para utilizar a expressão contida na alínea a) do n.º 15 da aludida Exposição de Motivos; tratando-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna (e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida), de vícios emergentes da decisão documentados no texto, a sua indagação não pode ir além do suporte textual, sem possibilidade de recurso a elementos estranhos àquela peça escrita.
Daí que, conforme jurisprudência uniforme e já remota deste Supremo Tribunal, se entenda que os vícios têm de resultar da própria decisão recorrida, encarada por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, analisada na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo - acórdãos do STJ de 29-11-1989, processo n.º 40255/89-3ª; de 19-12-1990, processo n.º 41327/90-3ª, in BMJ n.º 402, pág. 232; de 31-05-1991, in BMJ n.º 407, pág. 77; de 03-07-1991, Colectânea de Jurisprudência 1991, tomo 4, pág. 12; de 16-10-1991, in BMJ n.º 410, pág. 10; de 13-02-1992, in BMJ n.º 414, pág. 389; de 22-09-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 210; de 09-11-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 245; de 20-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 335 (não é inconstitucional e não viola o princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, a norma do n.º 2 do artigo 410º CPP, ao exigir que os vícios tenham de resultar do texto da decisão recorrida); de 18-09-1996, BMJ n.º 459, pág. 283; de 25-09-1996, BMJ n.º 459, pág. 304; de 17-10-1996, BMJ n.º 460, pág. 399; de 15-10-1997, processo n.º 582/97; de 19-11-1997, processo n.º 873/97-3ª; de 20-11-1997, processo n.º 1242/97-3ª; de 11-03-1998, BMJ n.º 475, pág. 480; de 28-10-1998 e de 29-10-1998, in BMJ, n.º 480, págs. 83 e 292.
E mais recentemente: de 15-02-2007, processo n.º 3174/06 - 5.ª; de 14-03-2007, processo n.º 617/07 - 3.ª; de 17-05-2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 197; de 23-05-2007, processo n.º 1405/07 - 3.ª; de 11-07-2007, processo n.º 1416/07 - 3.ª, de 27-07-2007, processo n.º 2057/07-3.ª; de 24-10-2007, processo n.º 3338/07-3ª; de 17-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 206; de 05-03-2008, processo n.º 3259/07-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07-3ª; de 19-06-2008, processo n.º 122/08-5ª (por conseguinte, não será lícito recorrer à prova produzida para se surpreender qualquer dos referidos vícios, exactamente porque não se pode confundir aqueles, enquanto afectam, de forma patente, a estruturação fáctica interna, em que há-de ter apoio a decisão de direito, com erro de julgamento); de 16-10-2008, processo n.º 2851/08-5ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª; de 04-12-2008, processo n.º 2486/08-5ª; de 14-05-2009, processo n.º 1182/06.3PAALM.S1-3.ª (Veja-se ainda o acórdão n.º 573/98, de 13-10-1998, publicado no DR – II Série, n.º 263, de 13-11-1998).
Como se extrai dos acórdãos do STJ de 11-12-1996, in BMJ n.º 462, pág. 207 e de 12-11-1997, processo n.º 32507, característica comum a todos os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, a fim de fundamentarem o reenvio do processo para novo julgamento, quando insanáveis no tribunal de recurso, é que resultem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum.
Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
Na análise a efectuar para detecção do vício há que ter em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no citado normativo - artigo 127.º do CPP.
Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada, nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida é afinal querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
Para avaliar se a convicção formada pelo tribunal padece dos aludidos vícios há, que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção) e, por outro, a natureza das provas produzidas e os processos intelectuais que o conduziram a determinadas conclusões.
O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.”[]».
De facto, como evidencia o citado Acórdão, constitui jurisprudência uniforme e sedimentada do Supremo Tribunal de Justiça, no que concerne à apreciação dos vícios em referência, que os mesmos só relevam se decorrerem do texto da própria decisão recorrida, encarada por si ou conjugada com as regras da experiência comum, analisada na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo, ou até mesmo produzidos em julgamento (salvo se os factos forem contraditados por documentos que fazem prova plena, não arguidos de falsidade).
Em consonância com este entendimento, e pronunciando-se especificamente sobre o erro notório na apreciação da prova, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-02-2005 [processo 04P4721, Relator Henriques Gaspar] o seguinte:
«O "erro notório na apreciação da prova", (…) constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum".
Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.
Em síntese de definição, estes são os elementos que hão-de conformar a apreciação, em cada caso, sobre a ocorrência do mencionado vício (cfr., v. g., acórdãos deste Supremo Tribunal, no BMJ nºs. 476, pág. 82; 477, pág, 338; 478, pág. 113; 479, pág. 439, 494, pág. 207 e 496, pág. 169).
O vício tem de resultar, como se referiu, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena), não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência.
Os vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP não podem, por outro lado, ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127º do CPP.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos.».
Tendo em conta a sobredita amplitude de conhecimento e o que carateriza os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, perante a motivação recursiva apresentada, forçoso é concluir que a Recorrente não aponta à decisão recorrida qualquer um dos indicados vícios, pretende é pôr em causa a decisão da matéria de facto, querendo fazer prevalecer a sua convicção sobre a prova produzida à formada pelo Tribunal a quo, para tanto invocando que o motorista terá prestado as declarações que refere e documentação junta aos autos que diz ter sido desconsiderada por esse Tribunal.
Ora, tal extravasa o âmbito de conhecimento desta instância recursiva, não sendo possível conhecer de eventual erro de julgamento ao não ter sido dada como provada a factualidade indicada pela Recorrente [(i) que aquando da fiscalização, o motorista apresentou ao agente fiscalizador o disco de tacógrafo relativo ao dia 02/01/2023; (ii) que foi proporcionada ao motorista formação em matéria de tacógrafos].
No caso, a prova dos indicados factos não decorre, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, da sentença recorrida. Decorrerá, na perspetiva da Recorrente, dos meios de prova, documental e testemunhal produzidos, o que extravassa os poderes cognitivos, em sede de apreciação da matéria de facto, conferidos pelo artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
Refira-se que, atentando no elenco dos factos provados e não provados, quer considerados individualmente, quer conjugados entre si, não se identifica qualquer incoerência, contradição lógica ou desfasamento à luz das regras de experiência comum.
A Recorrente, aliás, coloca é a questão noutro prisma, vindo defender que o alegado vício manifesto na apreciação da prova ocorreu no processo de formação da convicção do julgador, por não ter valorado devidamente a prova testemunhal e documental produzida, que na sua perspectiva conduziria à prova daqueles mencionados factos considerados não provados.
No entanto, como se disse, tal linha argumentativa não consubstancia o vício de erro notório de apreciação da prova previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
Não se vislumbra pela análise da fundamentação da decisão da matéria de facto, ou seja, os fundamentos que justificam a convicção formada, sustentada na prova que é aí mencionada, qualquer erro de lógica na construção do raciocínio, a mínima incoerência que seja, ou sequer desfasamento em relação às regras da experiência comum.
O facto de constar como não provado que aquando da fiscalização o motorista apresentou ao agente fiscalizador o disco de tacógrafo relativo ao dia 02/01/2023, está fundamentado na valoração feita pelo Tribunal a quo do próprio auto de notícia constante dos autos e do depoimento da testemunha BB (militar da GNR) que levantou esse auto e confirmou em juízo o seu teor, conforme consta da sentença recorrida. Não se olvide que no elenco dos factos provados, no seu ponto 4, consta como provado que o motorista não exibiu ao agente autuante registos de tacógrafo respeitantes aos dias 26/12/2022 a 02/01/2023, ou seja, aí se englobando também o registo de tacócrafo de 2-01-2023. Para fundamentar esse facto o Tribunal a quo referiu expressamente que a respetiva convicção se baseou «[n]o auto de notícia constante de fls. 5 e no depoimento da testemunha BB, militar da GNR que o levantou, tendo confirmado em juízo o seu teor.». No auto de notícia figura, de facto, como agente autuante a referida testemunha BB, que o subscreve na qualidade de “autuante”, sendo que a outra assinatura constante desse auto é na qualidade de testemunha e não de agente autuante. Consta expressamente nesse auto no item descrição sumária o seguinte: “O condutor do veículo não se fazia acompanhar de todos os registos utilizados no tacógrafo respeitantes aos 28 dias anteriores. Estando em falta as folhas referentes aos dias de 26/12/2022 a 02/01/2023. Não foi exibido qualquer registo manual, impressão ou declaração de atividade referente a esse período. O veículo estava equipado com tacógrafo analógico e efetuava serviço regular de passageiros. O condutor declarou ter estado de férias nesse período e não ter utilizado o cartão de condutor. (…)”.
Nenhuma incongruência se identifica, pois, na decisão recorrida e respetiva fundamentação, sendo certo que decorre da valoração e fundamentação feita pelo Tribunal a quo que quanto à alegada apresentação ao agente fiscalizador o disco de tacógrafo relativo ao dia 02-01-2023 foi feita prova logicamente incompatível com a resposta afirmativa a tal matéria.
Por outro lado, o facto de figurar como não provado «que foi proporcionada ao motorista formação em matéria de tacógrafos», está fundamentado na sentença recorrida com base na ausência de prova produzida capaz de o comprovar, salientando-se em particular nessa mesma decisão «[n]o que concerne à formação, que o próprio motorista AA disse em julgamento que nenhuma formação frequentou em matéria de tacógrafos».
Também nesta sede, o Tribunal a quo, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127º do CPP, valorou a prova produzida nessa matéria, não resultando do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», qualquer erro notório na apreciação da prova.
Quanto aos documentos para os quais a Recorrente apela, não estão em causa documentos com força probatória plena que tenham sido desconsiderados pelo Tribunal a quo. Os certificados de formação em causa foram, aliás, valorados pelo Tribunal de 1ª instância para dar como provado o ponto 7 dos factos provados [O motorista teve formação, além do mais, em matéria de “Transporte colectivo de crianças”, “Legislação rodoviária e normas legais de circulação” e “Regulamentação social e regulamentação laboral”], referindo-se expressamente na sentença recorrida que a  convicção do Tribunal relativamente a esse ponto baseou-se «[n]os certificados de formação juntos a fls. 18 v.º a 21 dos autos», que são aqueles que foram juntos pela Recorrente e a que a mesma se reporta. Nenhuma contradição ou incongruência se regista nesta matéria na decisão recorrida, sempre se dizendo que, analisados os certificados em referência, dos mesmos não se retira que a formação aí certificada tenha incidido especificamente sobre a matéria de tacógrafos. De qualquer forma, o certo é que como se explicitará aquando da apreciação da responsabilização da arguida, ainda que estivesse provado que foi proporcionada ao motorista formação em matéria de tacógrafos, ao contrário do sustentado pela Recorrente, tal matéria seria claramente insuficiente para afastar tal responsabilização.
Relembrando o entendimento acima explanado quanto ao vício de erro notório na apreciação da prova, este não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida, sendo certo que é este último que a Recorrente procura evidenciar no recurso apresentado em sede de matéria de facto.
Em conclusão, analisada a decisão recorrida, percebe-se com suficiente clareza o caminho seguido pelo Tribunal a quo para chegar à formação da sua convicção, máxime a prova em que se baseou, incluindo no que respeita à matéria indicada pela Recorrente, sendo que, inequivocamente, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não resulta evidente uma conclusão sobre o significado da prova contrária àquela a que esse Tribunal chegou a respeito da matéria em referência.
Não se verifica, pois, a existência do vício de erro notório na apreciação da prova a que se reporta o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, improcedendo nesta parte as conclusões do recurso.
Acresce referir que não se verifica nenhum dos demais vícios previstos neste mesmo normativo, mormente nas suas alíneas a) e b) [insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, respetivamente], sendo que, conforme melhor resultará do que adiante se dirá, a matéria de facto dada como provada é suficiente no sentido da conclusão retirada quanto ao preenchimento do tipo legal da contraordenação em causa e à responsabilização da Recorrente pela mesma.

*

2. Da verificação da contraordenação prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, e 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08 e, bem assim, da imputação/responsabilização da Arguida/Recorrente pela mesma (artigo 13.º da mesma Lei).
Consta da sentença recorrida, a este respeito (transcrição, mas inserindo-se no texto as notas de rodapé):
“Dispõe o art. 36º do Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014 [(1) – Relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, tendo revogado o Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho], sob a epígrafe “Registos que devem acompanhar o condutor”, que “1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir; e
iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006.”.
2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizado o solicitem:
i) O seu cartão de condutor;
ii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento CE n.º 561/2006;
iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii) no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico.”.
Acrescentando o n.º 3 do mesmo artigo que “Os agentes autorizados de controlo podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29º, n.º 2, e do artigo 37º, n.º 2, do presente regulamento.”.
Por seu turno, o art. 25º n.º 1 da Lei n.º 27/2010, de 30/08 [(2) – que estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, transpondo para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006] estabelece que “1. Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor;
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;
c) De escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável.».
Como tem vindo a ser entendido na jurisprudência [(3) - Cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 09/01/2020 (proferido no processo n.º 5135/18.0T8OAZ.P1) e de 18/01/2021 (proferido no processo n.º 4169/19.2T8OAZ.P1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/04/2021 (proferido no processo n.º 4078/20.2T8CBR.C1), do Tribunal da Relação de Évora de 15/11/2018 (proferido no processo n.º 2648/17.5T8STR.E1) e de 27/06/2019 (proferido no processo n.º 2276/18.8T8EVR.E1), do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/10/2016 (proferido no processo n.º 1154/15.7T8BCL.G1) e de 08/04/2021 (proferido no processo n.º 1900/20.7T8BCL.G1) - todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.], as contra-ordenações ao disposto no art. 36º do Regulamento (UE) n.º 165/2014 têm-se como objectivamente consumadas se o motorista não apresentar ao agente fiscalizador os registos de condução do dia em curso e dos 28 dias anteriores, a não que exiba de imediato, na mesma altura, documento comprovativo que permita justificar a ausência desses registos - que tanto pode ser “Declaração de Actividade”, como outro qualquer - e, desse modo, excluir a ilicitude da conduta.
O mesmo é dizer, não tendo o motorista exibido, logo no acto de fiscalização, documento justificativo da não apresentação dos registos a que alude o n.º 1 do art. 25º n.º 1 da Lei n.º 27/2010, de 30/08, não lhe é mais possível fazer prova da existência de (eventual) causa de exclusão da ilicitude para essa não apresentação, não podendo a falta ser suprida “a posteriori”. Sendo, nessa perspectiva, indiferente para o preenchimento do elemento objectivo da infracção, saber se o motorista conduziu ou não nos dias em causa, se esteve de férias, doente ou a trabalhar e se a empregadora lhe entregou ou não as designadas “Declarações de Actividade” ou qualquer outro documento justificativo para o incumprimento do dever de apresentação dos registos - aspectos que poderão, no entanto, relevar para a apreciação da responsabilidade da arguida pela contra-ordenação.
Tendo tal interpretação como pressuposto que a intenção do legislador não foi apenas assegurar a existência dos registos a que se reporta o art. 36º do Regulamento (UE) n.º 165/2014, mas também a sua imediata apresentação ou a justificação documentada da sua falta, aquando das acções de fiscalização realizadas pelas autoridades competentes, em ordem a conferir-lhes operacionalidade.
Assim, para que a contra-ordenação não se considere desde logo como objectivamente consumada, o motorista tem necessariamente que exibir ao agente fiscalizador, aquando da acção de controlo rodoviário, ou os registos dos 28 dias anteriores, ou documento comprovativo que permita justificar a sua falta.
No caso em julgamento, provou-se que o motorista AA, trabalhador da arguida, no dia 23 de Janeiro de 2023, pelas 7 horas e 55 minutos, conduzia ao serviço da arguida, na EN - ..., veículo pesado de passageiros equipado com tacógrafo analógico, tendo sido alvo de fiscalização por parte da GNR, não tendo exibido ao agente fiscalizador registos de tacógrafo respeitantes aos dias 26/12/2022 a 02/01/2023, nem qualquer registo manual, impressão, declaração ou documento justificativo da ausência de registos relativamente a esses dias, nomeadamente a declaração constante em anexo à Decisão 2009/959/CE. Pelo que se tem como objectivamente consumada a contra-ordenação.
Estabelece o art. 13º da Lei n.º 27/2010, de 30/08, sob a epígrafe “Responsabilidade pelas contra-ordenações”, que “1. A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2. A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
3. O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22.º”.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/12/2011 [(4) – Proferido no processo n.º 68/11.4TTVCT.P1 e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrcp], o citado preceito legal veio consagrar “(…) uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida, pois que, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa, veio, contudo, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais”.
Responsabilização essa que, de resto, o art. 33º n.º 3 do Regulamento (UE) n.º 165/2014 também consagra, ao prever que as empresas de transportes são responsáveis por qualquer infracção cometida pelos seus condutores ou pelos condutores que estão à sua disposição.
Não se provou que a arguida tenha procedido à organização, planificação e fiscalização do trabalho do motorista, de modo a assegurar-se que no dia em que teve lugar a acção de fiscalização, transportava consigo, em relação a todos os 28 dias anteriores, registos de condução/actividade ou documento justificativos da sua falta. Tão pouco se tendo demonstrado que a arguida lhe proporcionou formação nessa matéria, designadamente no que respeita a tacógrafos.
Pelo que é de concluir pela responsabilização da arguida pela infracção, nos termos do disposto no art. 13º da Lei n.º 27/2010, de 30/08, ainda que materialmente praticada por condutor ao seu serviço.”

Do assim decidido discorda a Recorrente, alegando, em suma, que:
- Os motoristas, que conduzam viaturas equipadas com aparelhos de tacógrafo analógico ou digital, não estão obrigados, em território nacional, a fazer-se acompanhar e apresentar a denominada Declaração de Actividade ou qualquer outra declaração análoga, relativamente aos dias em que não possuem registos tacográficos.
- Do artigo 15.º, n.º 7, do Regulamento (CE) n.º 3821/85 de 20 de dezembro, com a redação dada pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março de 2006, resulta à evidência que os motoristas, ao abrigo desse normativo devem exibir ao agente autuante, sempre que solicitado:
1. as folhas de registo (referentes aos dias em que conduziu veículos equipados com aparelhos de tacógrafo analógico) e/ou
2. o cartão de condutor (quanto aos dias em que conduziu veículos equipados com aparelhos de tacógrafo digital);
- Não obstante, e em circunstâncias verdadeiramente excecionais poderá, ainda, nos termos da alínea iii) do aludido normativo, ser exigida a exibição de registo manual ou de impressões do cartão do condutor “tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006”, sendo que esses casos excecionais têm sempre que se encontrar plasmados na Lei comunitária, como seja nas situações previstas no n.º 1 desse artigo 15.º - seja, situações de cartão danificado, a funcionar mal ou não estiver na posse do condutor;
- Os Regulamentos em causa não exigem, em qualquer dos seus preceitos normativos, a exibição da Declaração de Actividade, existindo apenas uma recomendação europeia nesse sentido – Nota de Orientação n.º 5 ao Regulamento da qual consta que os Estados-Membros não são obrigados a impor a utilização do formulário;
- a norma constante do artigo 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei 27/2010 de 30-08 deveria ser interpretada e aplicada no espírito e em consonância do aludido Regulamento, o que não sucedeu no caso, sendo que não pode exigir-se algo distinto do que decorre dos Regulamentos Comunitários, os quais devem em qualquer caso prevalecer;
- a expressão “qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar” não pode corresponder senão às situações excecionais aludidas no n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento 3821/85, alterado pelo Regulamento 561/2006 – seja, situações verdadeiramente excecionais e expressamentes previstas no próprio Regualmento, o que não sucede com a declaração de atividade;
- ainda que não se considere não provado o facto de o motorista não se fazer acompanhar do disco de dia 2, tal não poderia, em hipótese alguma, ser imputado à Recorrente, pois que, para além das instruções dadas, a Recorrente ministra formação ao motorista e verifica/fiscaliza os registos da sua atividade regularmente, afastando, assim, responsabilidade nos termos e para os efeitos do consagrado no artigo 10.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março de 2006;
- impende sobre o motorista, de acordo com a lei, a obrigação de manter em sua posse o cartão de condutor e as folhas de registo já utilizadas, e após terem sido utilizadas, nos 28 dias subsequentes à sua utilização, sendo que tal obrigação apenas aos motoristas poderá ser imputável não podendo o incumprimento do normativo aplicável ser, por qualquer forma, imputável à Recorrente, extraindo-se tal conclusão do teor da alínea j) do n.º 3 do artigo 7.º do DL 169/2009 de 31 de julho e, ainda, por aplicação analógica do disposto na alínea c) do mesmo preceito;
- a Recorrente cumpriu com a obrigação que sobre si impendia, tendo diligenciado no sentido de que o motorista em causa pudesse dispor dos conhecimentos necessários referentes a uma correcta utilização e manuseamento do aparelho de tacógrafo e dos respectivos discos diagramas, bem como a sua exibição às autoridades.
- Os motoristas da Recorrente conhecem — e não podem desconhecer — a obrigação que sobre eles impende de circularem com o cartão de condutor e os discos referentes aos 28 dias anteriores e de os exibirem às autoridades.

Desde já se adianta, sempre ressalvando o devido respeito por posição divergente, não proceder a argumentação da Recorrente.
A matéria em apreciação não é nova, podendo dizer-se que é uniforme o entendimento desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto quanto à mesma (seja em termos da verificação/prática/consumação da contraordenação em causa, seja quanto à questão da responsabilização das empresas de transportes pela mesma), conforme se pode constatar, a título meramente exemplificativo, dos Acórdãos de 19-03-2018 [processo n.º 2204/17.8T8MTS.P1, Relatora Teresa Sá Lopes, aqui 1ª Adjunta], de 18-12-2018 [processo 158/18.2T8VFR.P1, Relator Rui Penha], de 4-11-2019 [processo 5135/18.0T8OAZ.P1, Relator Nelson Fernandes], de 18-01-2021 [processo 4169/19.2T8OAZ.P1, Relatora Paula Leal de Carvalho], de 23-01-2023 [processo n.º 1016/22.1T8VFR, Relator Jerónimo Freitas] e de 29-01-2024 [processo n.º 49/22.2Y3VNG.P1, Relator Rui Penha e em que interveio como 2ª Adjunta a aqui Relatora – este Acórdão, ao que se julga, não publicado].
Assim, e sintetizando tal entendimento:
- Conforme se refere no sumário do citado Acórdão de 18-01-2021: “I – Integra a prática da contra-ordenação prevista nas disposições conjugadas constantes dos arts. 36º, nºs 1 e 2 do Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.02.2014, e 25º n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08, a não apresentação, pelo motorista, das folhas de registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pela autoridade encarregue da fiscalização, sendo este o elemento constitutivo do tipo da contra-ordenação. II- A apresentação, no ato de fiscalização em estrada, de declaração/formulário justificativa do não cumprimento da referida obrigação de apresentação de registos mais não constitui do que documento comprovativo da existência de causa de exclusão de ilicitude. III – Nos termos do nº 1 do art. 13º da Lei 27/2010, de 30.08, recai sobre o empregador a responsabilidade sobre a mesma, a menos que este faça prova da exclusão da sua responsabilidade nos termos previstos no nº 2 desse art. 13º.”
- Conforme se escreve no sumário do citado Acórdão de 19-03-2018: «(…) III – A Lei 27/2010 de 30.08, no artigo 13º, supõe uma “forma mitigada da responsabilidade objetiva ou presumida da empresa transportadora com base numa presunção de culpa mas permitindo que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais. IV – Para exonerar a empregadora da responsabilidade por infração da obrigação de apresentação de documentos relativos a registo da circulação de veículo, pelo trabalhador, não chega a prova da formação ou instruções dadas a este, sendo necessário que a arguida demonstre que efetuou as diligências necessárias para que não ocorresse tal omissão. V – “A organização do trabalho a que se reporta o nº 2 do art. 13º da Lei 27/2010 não tem a ver apenas com o cumprimento dos tempos de condução e repouso, mas também com o controlo dos mesmos, nomeadamente com a obrigação de apresentação das folhas de registo quando solicitadas pela autoridade competente, constituindo este um dos aspetos dessa organização».
Esta posição é, pois, em termos sintéticos, a sufragada por esta Secção Social, sendo que os citados arestos rebatem e fazem cair por terra toda a linha argumentativa da Recorrente.
Senão vejamos.
Os factos em causa nos presentes autos ocorrem no domínio de vigência do Regulamento n.º 165/2014, que revogou o Regulamento 3821/85, mas ainda no domínio de vigência do Regulamento (CE) n.º 561/2006 de 15 de março, cujos artigos 3.º e 13.º foram alterados por aquele Regulamento n.º 165/2014.

O Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de fevereiro de 2014 é relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, revoga o Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários e altera o Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários.

Conforme resulta das considerações introdutórias do Regulamento (CE) n.º 561/2006, aquele regulamento pretende melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores que desenvolvem a sua actividade nesse domínio, bem como a segurança rodiviária em geral. Este último objetivo, como consta expressamente do considerando (17), «é alcançado sobretudo mediante as disposições relativas aos tempos de condução máximos por dia, por semana e por períodos duas semanas consecutivas, a disposição que impõe um período de repouso semanal regular aos condutores pelo menos uma vez em cada período de duas semanas consecutivas e as disposições que prevêem que em caso algum o período de repouso diário destes possa ser menor do que um período ininterrupto de nove horas.» Ou seja, as normas reguladoras dos tempos máximos de condução e mínimos de repouso têm subjacente, para além do aspecto laboral (higiene, saúde e segurança no trabalho) um fundamento concorrencial e de segurança rodoviária. Controlo esse, como bem se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-10-2019, “somente possível de efectuar com eficácia através dos registos feitos pelo tacógrafo e pelos registos manuais inseridos pelo trabalhador e logo exibidos ao agente fiscalizador” [processo nº 2160/19.8T8VNF.G1, Relatora Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso].

Em consonância com os indicados considerandos introdutórios, aquele Regulamento (CE) introduziu alterações ao Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho de 20 de Dezembro, designadamente ao seu artigo 15º, que passou a dispor no nº 7º o seguinte:

a) Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo I, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo:

i) as folhas de registo da semana em curso e as utilizadas pelo condutor nos 15 dias anteriores;

ii) o cartão de condutor, se o possuir; e

iii) qualquer registo manual e impressão efetuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) nº 561/2006.

No entanto, após 1 de janeiro de 2008, os períodos referidos nas subalíneas i) e iiI) abrangerão o dia em curso e os 28 dias anteriores.

b) Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo I B, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo:

i) o cartão de condutor de que for titular;

ii) qualquer registo manual e impressão efetuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) nº 561/2006, e

iii) as folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea anteriores, no caso de ter conduzido um veículo equipado com um aparelho de controlo de acordo com o anexo I.

No entanto, após 1 de janeiro de 2008, os períodos referidos nas subalíneas i) e iiI) abrangerão o dia em curso e os 28 dias anteriores.

c) Os agentes autorizados para o efeito podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) nº 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, como as previstas nos nºs 2 e 3 do artigo 16º” [negrito nosso] – cfr. artigo 26º do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006.

Na mesma linha, o Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de fevereiro de 2014, que revogou o Regulamento – CEE- n.º 3821/85 do Conselho - cfr. artigo 47º do Regulamento n.º 165/2014), dispõe no artigo 36º, sob a epígrafe “registos que devem acompanhar o condutor”), o seguinte:

“1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:

i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;

ii) O cartão de condutor, se o possuir; e

iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.o 561/2006.

2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:

i) o seu cartão de condutor;

ii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.o 561/2006.”

iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico.

3. Os agentes autorizados de controlo podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) nº 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29º, nº 2, e do artigo 37º, nº 2, do Presente Regulamento” [negrito nosso].

E, como se assinala no citado Acórdão 18-01-2021, «vigora também a Diretiva 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15.03.2006, com as alterações introduzidas pelas Directivas 2009/4/CE da Comissão, de 23.01.2009 e 2009/5/CE, da Comissão, de 30.01.2009 transpostas para o direito nacional nos termos do art. 1º da Lei 27/2010, de 20.08, sendo ainda relevante a Decisão da Comissão de 14.12.2009.

Tal Directiva prevê a existência de controlos na estrada (art. 4º e Parte A do Anexo I) e controlos nas instalações da empresa (art. 6º e Parte B do Anexo I), sendo que:

-Relativamente aos controlos na estrada, na Parte A do Anexo I refere-se que “Os controlos na estrada incidirão, em geral, sobre os seguintes elementos:

1. Tempos de condução (...); igualmente, folhas de registo dos dias precedentes, que têm de ser conservadas a bordo do veículo por força do nº 7 do artigo 15º do Regulamento /CEE) nº 3821/85, (...);

(...)”.

- Relativamente aos controlos em instalações de Empresas, a Parte B do referido Anexo I refere que:

“Para além dos elementos referidos na parte A, os controlos nas instalações de empresas incidirão sobre os seguintes elementos:

1. Periodos semanais de descanso e tempos de condução entre esses períodos de descanso;

2. Limitação bissemanal dos tempos de condução;

3. Folhas de registo, dados da unidade-veículo e do cartão de condutos e respectivas folhas impressas. (...)”.

Por sua vez, do Anexo III da referida Directiva 2006/22/CE , na redacção dada pela Directiva 2009/5/CE da Comissão, de 30.01.2009, consta um quadro que “contém orientações sobre uma gama comum de infracções aos Regulamentos (CE) nº 561/2006 e (CEE) nº 3821/85, divididas por categorias segundo a respectiva gravidade”, quadro esse que, relativamente ao então art. 15º, nº 7 do Regulamento (CEE) nº 3821/85 prevê, como tipo de infracção, a “incapacidade de apresentar registos do dia em curso” e “incapacidade de apresentar registos dos 28 dias anteriores”».

A Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, transpondo a Diretiva nº 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março, alterada pelas Diretivas nºs 2009/4/CE, da Comissão de 23 de janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão de 30 de janeiro.

Ora, como se prevê no artigo 1.º do Regulamento n.º 165/2014, tal regulamento estabelece as obrigações e os requisitos relacionados com a construção, instalação, utilização, ensaio e controlo dos tacógrafos instalação, utilização, ensaio e controlo dos tacógrafos utilizados nos transportes rodoviários para verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006, da Directiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e da Directiva 92/6/CEE do Conselho”.

É entendimento pacífico, posição que sufragamos, que à violação das disposições constantes do Regulamento n.º 165/2014, se aplica o regime sancionatório previsto na citada Lei n.º 27/2010.

Estabelece o artigo 25.º da Lei 27/2010, de 30-08, sob a epígrafe “Apresentação de dados a agente encarregado da fiscalização”, o seguinte:

“1- Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:

a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão de condutor;

b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;

c) (...)”.

Do atrás exposto, recorrendo mais uma vez às palavras do citado Acórdão de de 18-01-2021, «decorre, indubitavelmente, que o legislador não pretendeu assegurar, apenas, a existência dos registos em questão, mas sim e também a sua imediata apresentação às autoridades competentes quando tal lhes seja solicitado no controlo em estrada.

É o que decorre da letra da lei, ao referir-se no art. 36º, nºs 1 e 2, que os condutores “devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem” [sublinhado nosso], da obrigação de conservar a bordo as folhas de registo dos dias precedentes a que se reporta esse art. 36, e do facto de o controlo dever ser feito em estrada (por contraposição ao controlo nas instalações da empresa). A lei dispõe, pois, sobre o momento da apresentação dos mesmos, na medida em que deverão estar a bordo por forma a poderem ser apresentados às autoridades que procedem à fiscalização em estrada.

Considerando o disposto no citado art. Art. 25º da Lei 27/2010, conjugado com o art. 36º, nºs 1 e 2 do Regulamento 165/2014 a contraordenação consuma-se com a não apresentação das folhas de registo dos 28 dias anteriores (e com a do dia em curso, não estando esta, todavia, em causa nos autos), sendo essa não apresentação o único facto constitutivo do tipo legal da contra-ordenação.».

Estas considerações são perfeitamente transponíveis para a situação em causa nos presentes autos.

Do mesmo passo o são as considerações tecidas nesse mesmo Acórdão de 18-01-2021 (que aqui seguimos de perto) quanto à argumentação suscitada pela Recorrente a propósito das “declarações de actividade”/declarações justificativas do não cumprimento das obrigações impostas pelo artigo 36.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento (EU) 165/2014.

Assim, sobre essa temática, expõe-se no Acórdão em referência o seguinte:

«O art. 11º, nº 3, da Diretiva 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março de 2006 dispõe que “3.Nos termos do º 2 do artigo 12º, a Comissão elaborará formulários electrónicos, que possam ser imprimidos, destinados a ser utilizados quando o condutor tiver estado em situação de baixa por doença ou de gozo de férias anuais, ou quando tiver conduzido outro veículo, isento da aplicação do Regulamento (CEE) nº 3820/85, durante o período previsto no primeiro travessão do primeiro parágrafo do nº 7 do artigo 15º do Regulamento (CEE) nº 3821/85.”.

E a Decisão da Comissão de 14.12.2009 [que veio alterar o formulário da declaração a que se reporta o citado art. 11º, nº 3, por este se ter mostrado insuficiente por não abranger todos os casos em que é tecnicamente impossível registar as atividade do condutor no aparelho de controlo] veio aprovar o formulário que consta do seu anexo, no qual deverá ser referido, para além do mais, o início e termo (dia, mês, ano e hora) da situação e assinalado um dos campos que dele constam: baixa por doença, férias, “gozava de baixa ou de um período de repouso”, condução de veículo não abrangido pelo Regulamento 561/2006, realização de outras atividades profissionais distintas da condução e “estava disponível”, mais se dizendo nos “considerandos” que : “1) Os registos efectuados no tacógrafo são a primeira fonte de informação nos controlos na estrada. A ausência de registos apenas se pode justificar quando, por razões objectivas, não tenha sido possível realizar registos no tacógrafo, incluindo entradas efectuadas manualmente. Em tais casos, deve ser emitida a declaração que confirme tais razões. (…)”

O já mencionado art. 36º do Regulamento 165/2014 [tal como o anterior art. 15º, nº 7, do Regulamento 3821/85, na redacção do Regulamento561/2006] impõe a apresentação das folhas de registo relativamente aos 28 dias anteriores à condução, sendo a violação desta obrigação, como já referido, o elemento constitutivo do tipo da contra-ordenação, que se verifica apenas pela não apresentação dos registos relativos a esse período.

O que as mencionadas Directiva e Decisão vêm fazer é, tendo em conta que nesse período de tempo poderão existir dia(s) em que o trabalhador não exerça a actividade/tarefas de condução (sujeitas ao registo imposto), permitir que, no acto de fiscalização em estrada, essa não apresentação seja justificada, para o que e, por uma questão de harmonização ou padronização dessa justificação, criou o dito formulário. Estas declarações não fazem parte do tipo da contra-ordenação, não constituem o seu elemento objectivo; consubstanciam, antes, uma justificação para o não cumprimento da obrigação de apresentação das folhas de registo no ato da fiscalização cuja comprovação, por via dessa apresentação, o legislador comunitário teve como aceitável. Ou seja, consubstanciam tão só o meio de prova da existência de causa justificativa da não apresentação dos registos ou, dito de outro modo, consubstanciam documento comprovativo da existência de causa de exclusão da ilicitude. A justificação para a não apresentação dos tacógrafos pode não ser apresentada, na certeza porém de que, se assim for, verificar-se-á a prática da contra-ordenação prevista no art. 25º, nº 1, da Lei 27/2010.

É pois irrelevante que, como hipótese de raciocínio, em Portugal pudesse não ter sido estatuída a obrigação da apresentação do referido “formulário” e/ou que a justificação para a não apresentação das folhas de registo deva obedecer aos moldes de tal formulário, pois que, seja este de modelo idêntico, seja outro documento, tal apresentação mostra-se necessária com vista, não à integração do tipo legal da contra-ordenação, mas sim, tal como previsto no nº 3 do art. 36º do Regulamento 165/2014, norma esta de carácter meramente exemplificativo, como causa de justificação dessa não apresentação e, por consequência, como causa de exclusão da ilicitude.

Com efeito, o referido art. 36º, nº 3, prevê a existência, para além dos registos de tacógrafo previstos nos seus nºs 1 e 2, de outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento da obrigação em causa e a sua apresentação e controlo pelos aos agentes de fiscalização a isso autorizados.

(…)

Ou seja, a apresentação de qualquer outro documento que não as folhas do registo tacógrafo mais não visa do que justificar o incumprimento da obrigação de proceder à apresentação, em fiscalização efectuada em estrada, das folhas de registo.

(…)

É pois irrelevante, para o caso em apreço, que a obrigatoriedade de utilização do “formulário” – “Declaração de Actividade” - como (único) documento idóneo de justificação da não apresentação dos registos pudesse, o que se admite como mera hipótese de raciocínio, não ser aplicável em Portugal. Dessa não obrigatoriedade apenas resultaria que deveria ser aceite, por Portugal, designadamente pelas autoridades fiscalizadoras, a apresentação de qualquer outro documento idóneo à justificação, ainda que não com o modelo do “formulário”. Ora, na situação dos autos não está em causa que a autoridade fiscalizadora tivesse rejeitado a apresentação, pelo condutor, de outro documento por não se tratar do modelo do dito “formulário”.».

Descendo ao caso dos autos, decorre da factualidade provada que o motorista da Recorrente, na fiscalização em estrada, não apresentou as folhas de registo respeitantes aos dias 26-12-2022 a 02-01-2023, estes compreendidos nos 28 dias anteriores ao dia da condução e à ação de fiscalização, com o que foi praticada a contraordenação muito grave imputada. E, ao não ser apresentado, no ato dessa fiscalização, documento justificativo dessa não apresentação não foi feita prova da existência de (eventual) causa de exclusão dessa ilicitude (cfr. factos provados sob os pontos 1 a 4).

Sublinhe-se que, como decorre do entendimento sufragado, é irrelevante a prova de que o motorista haja, ou não, conduzido nos mencionados dias [no caso, até se provou que o motorista esteve em gozo de férias do dia 26/12/2222 ao dia 30/12/2022 e nos dias 31/12/2022 e 01/01/2023, gozou dias de descanso e, bem assim, que no dia 02/01/2023, o motorista esteve a trabalhar, tendo conduzido ao serviço da arguida o veículo pesado de passageiros de serviço particular, matrícula ..-NF-.., equipado com tacógrafo analógico – factos provados sob os pontos 5 e 6].

No sentido sufragado, podem ver-se ainda, entre outros: o Acórdão da Relação de Lisboa de 16-03-2016 [processo n.º 1196/15.7T8BRR.L1-4, Relator José Eduardo Sapateiro]; os Acórdãos da Relação de Évora de 27-06-2019 [processo n.º 2276/18.8T8EVR.E1, Relator Mário Branco Coelho], de 17-01-2019 [processo n.º 742/16.9T8BJA.E2, Relator Moisés Pereira Branco] e de 30-03-2023 [processo n.º 2327/22.1T8FAR.E1, Relatora Emília Ramos Costa]; os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 17-12-2019 [processo 1677/19.9T8BRG.G1, Relatora Vera Sottomayor], de 6-02-2020 [processo nº 3726/19.1T8VNF.G1, Relatora Vera Sottomayor] e de 24-10-2019 [já acima citado]; e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra 23-04-2021 [processo nº 4078/20.2T8CBR.C1, Relator Felizardo Paiva e em que interveio como Adjunto Jorge Manuel da Silva Loureiro, que alteraram a anterior posição que preconizavam sobre a matéria em causa] e de 8-06-2022 [processo n.º 4704/21.6T8CBR.C1, Relatora Paula Maria Roberto].

No caso, mostra-se, pois, praticada a contraordenação imputada, não merecendo censura a posição seguida nessa matéria pela sentença recorrida que vai ao encontro do entendimento sufragado, improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.
Isto posto, haverá agora que incidir a nossa análise sobre a questão da imputação/responsabilização da Recorrente pela contraordenação em referência.

Prescreve o artigo 13.º da citada Lei 27/2010, que:

“1 - A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.

2 - A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.

3 - O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.

4 – A responsabilidade de outros intervenientes na atividade de transporte, nomeadamente expedidores, transitários ou operadores turísticos, pela prática da infração é punida a título de comparticipação, nos termos do regime geral das contraordenações.”

Este preceito veio dar execução ao disposto nos artigos 10.º, n.º 3, e 19.º, nº 1, do Regulamento (CE) 561/2006, dele resultando a imputação da contraordenação ao empregador, salvo se este fizer a prova prevista no n.º 2 do mesmo.

Como se referia já no Acórdão da Relação do Porto de 5-12-2011 [processo nº68/11.4TTVCT.P1, Relatora Paula Leal de Carvalho], a Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo artigo 10.º, nº 3, do Regulamento, qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida, pois que, consagrando embora a responsabilidade da empresa com base numa presunção de culpa, veio, contudo, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais.

Entende-se perfeitamente esta opção do legislador, que vai ao encontro, aliás da intenção prevista no Regulamento, na medida em que é a empresa que organiza a actividade de transporte, nomeadamente, quem coloca no terreno os meios materiais – veículos – e humanos – os condutores e quem determina todos os meios organizacionais necessários à prossecução da sua actividade.
Deve referir-se que o Decreto-Lei n.º 433/82, que entre nós regula o regime contraordenacional, prevê, no n.º 2 do seu 7.º artigo que “As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções”.
De tal preceito retira-se, de facto, já um exemplo de objectivação, na esfera do representado, da responsabilidade pelas contraordenações praticadas pelos representantes.
O acolhimento da objectivação da responsabilidade operada pelo artigo 10.º do Regulamento 561/2006 não é, pois, uma “novidade”. O mesmo não é dizer que a contraordenação ocorre sem qualquer imputação subjectiva.
O que ocorre porque o legislador comunitário o quis e o nacional o acolheu é uma de duas coisas: ou a responsabilidade é imputável à entidade empregadora a título de negligência (na organização, formação e fiscalização do trabalho) ou dolo (ordem emanada no sentido de ser violada a lei) ou, ainda que afastada tal imputação, a mesma, ainda assim, é responsabilizada pelo pagamento da coima a menos que demonstre que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o atualmente disposto no Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro, e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março (a chamada responsabilidade objetiva ou presumida, responsabilidade da empresa com base numa presunção de culpa).
O regime em causa, como explicado no preâmbulo do Regulamento, visa sancionar de forma eficaz e dissuasiva (cfr. ponto 26 do preâmbulo) as violações às disposições legais.
Quis, claramente o legislador comunitário e depois também o legislador nacional afastar-se de um regime de “soft law” em que a efectiva condenação fosse dificultada a ponto de tornar apetecível a infracção. Para tanto colocou a responsabilidade do lado de quem tem o controlo e direcção da actividade que leva à condução, podendo a empresa excluir/afastar a sua responsabilidade demonstrando que organizou o trabalho de modo a que o condutor pudesse cumprir o disposto nos Regulamentos comunitários.

Em síntese é a empresa quem tira proveito económico da actividade no decurso da qual a infracção ocorreu e, do mesmo passo, quem dirige, organiza e fiscaliza a actividade produtiva, cabendo-lhe o poder e dever de, em fiscalização da sua actividade, levar a cabo as medidas diretivas que tenha por convenientes.

Saliente-se o Tribunal Constitucional foi já chamado a apreciar a questão da constitucionalidade da solução contida no citado artigo 13º (nºs 1 e 2), sendo que concluiu inequivocamente que a mesma não pode ser considerada violadora do princípio penal da culpa, nem de qualquer outro parâmetro constitucional [cfr. Acórdão nº 45/2014 de 9-01-2014 do Tribunal Constitucional, processo 428/13, 2ª secção, Relator Conselheiro João Cura Mariano, disponível na base de dados www.tribunalconstitucional.pt. No mesmo sentido se pronunciaram outros Acórdãos do Tribunal Constitucional, de que são exemplo os Acórdãos nºs 107/2014 de 12-02-2014 e 206/2014 de 3-03-2014].

Como se expõe no dito Acórdão nº 45/2014, «Neste preceito consagra-se uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal dos condutores de transporte rodoviário.

Entende-se que, se um condutor não observar algum dos deveres estabelecidos na presente lei, sendo essa inobservância tipificada como contraordenação, há uma presunção que a respetiva infração se deve à circunstância da entidade patronal não ter adotado as medidas necessárias que impedissem a ocorrência do evento contraordenacional. O estabelecimento dessa presunção dispensa a alegação e prova dos factos materiais donde se pudesse extrair a responsabilidade do empregador pelos atos do condutor que é seu trabalhador, mas não deixa de permitir que aquele possa demonstrar que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço pudesse ter cumprido a norma que inobservou, excluindo assim a sua responsabilidade.

Ora, conforme já tem referido este Tribunal, no âmbito das contraordenações, a imputação de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal, conceito este segundo o qual é considerado autor de uma contraordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou cocausalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua ação ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma (cf. Frederico Lacerda da Costa Pinto, em "O ilícito de mera ordenação social", na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fasc. 1, pág. 25-26).

O relevo da opção legal por um conceito extensivo de autor no âmbito da responsabilidade contraordenacional, por oposição ao conceito restritivo de autoria que vigora, em regra, no domínio do direito penal, é especialmente percetível nas hipóteses em que, como na presente situação, os factos cometidos envolvem a estrutura orgânica e funcional de uma empresa.

Esta construção é uma decorrência lógica da existência no direito de mera ordenação social de normas de dever, cujo incumprimento é sancionado com coimas. Se o sistema impõe deveres a um leque alargado de destinatários é porque lhes reconhece a capacidade para os cumprir e também para os violar. Daí que, apurando-se a violação do dever legalmente estabelecido os destinatários do mesmo serão responsáveis por essa violação. “O critério de delimitação da autoria neste tipo de ilícito não é o domínio do facto, mas sim o da titularidade do dever” (Frederico Lacerda da Costa Pinto na ob. cit., pág. 48).

É nesta lógica que, em casos como este, a regra da imputação colocada pelo conceito extensivo de autor conduzirá à responsabilização da entidade dirigente titular do dever de garante sempre que se tenha verificado o resultado (a inobservância do dever) que ela se encontrava legalmente incumbida de evitar.

Impendendo sobre a entidade patronal, o dever legal de garantir o cumprimento das regras respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, ela é contraordenacionalmente responsabilizável, nos termos previstos no diploma em análise, não apenas nas hipóteses em que, por acção sua, tiver originado directamente o resultado antijurídico, mas ainda no contexto de uma contribuição omissiva, causal ou cocausalmente promotora do resultado típico presumida, quando a infracção é cometida pelo condutor que se encontra ao seu serviço.

Competindo-lhe enquanto entidade patronal organizar o transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço cumpra as normas que regulamentam essa actividade, designadamente as regras laborais, não se revela arbitrária, nem injustificada, a presunção de que a inobservância dessas regras por parte do condutor tem a sua causa na deficiente organização daquela actividade, estando nós perante o funcionamento de uma mera presunção relativa a factos.

Se uma construção deste tipo pode ser problemática no domínio do direito penal, já em sede de direito de mera ordenação social em que apenas está em jogo a aplicação de coimas, não suscita qualquer reserva, tanto mais que, neste caso, se permite que a entidade patronal afaste a sua responsabilidade contra-ordenacional, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o seu condutor pudesse ter cumprido a norma que inobservou, ilidindo assim aquela presunção».

Em tal Acórdão conclui-se que a solução contida nos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º da Lei n.º 27/2010 não é “violadora do princípio penal da culpa, nem de qualquer outro parâmetro constitucional.”

Este juízo e fundamentação merece o nosso acolhimento, conforme de resto plasmado nos citados arestos desta Relação.

O atrás mencionado já dá resposta à afirmação da Recorrente de que a infração em causa não lhe é imputável por impender sobre o motorista a obrigação de manter na sua posse o cartão de condutor e as folhas de registo já utilizadas, e após terem sido utilizadas, nos 28 dias subsequentes à sua utilização, com apelo ao teor das alíneas j) e c) do nº 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 169/2009 de 31 de julho.

O Decreto-Lei n.º 27/2010, como se mencionou supra, estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, sendo que no respetivo capítulo da responsabilidade contraordenacional figura o citado artigo 13.º, sob a epígrafe responsabilidade pelas contraordenações.

Nos termos do n.º 1 desse artigo 13.º, a empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor. O n.º 2 salvaguarda a possibilidade dessa responsabilidade da empresa ser excluída, caso a empresa faça a demonstração aí prevista. O n.º 3 prevê que o condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o n.º 2 ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22.º (este artigo 22.º respeita ao incumprimento por parte do condutor do dever de informação aí previsto para com as empresas de transporte para as quais execute trabalho de condução ou outra atividade).

Daqui decorre que o diploma que prevê e sanciona a infracção em causa nos presentes autos consagra expressamente no seu artigo 13.º, n.º 1, que a empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor e, bem assim, que este último apenas é responsável na situação prevista no n.º 2 do mesmo preceito ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22.º, o que não é o caso.

Na situação dos autos, a Recorrente não logrou demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor pudesse cumprir a Regulamentação comunitária em questão, nomeadamente de modo a que o seu condutor pudesse apresentar imediatamente no ato de fiscalização os registos relativos aos 28 dias anteriores ou a declaração/documentação com a causa justificativa objetiva da falta dos registos.

Na verdade, a Arguida não logrou demonstrar, que tivesse instituído, na prática e efectivamente, qualquer procedimento para efeitos de organização do trabalho, de modo a que o condutor pudesse dar cumprimento à referida obrigação de apresentação das folhas de registo no ato de fiscalização, e muito menos que fiscalizasse devidamente a organização do trabalho nesse aspecto em particular.

Não pode retirar-se sequer da factualidade apurada que a Arguida tenha instruído o seu trabalhador no sentido da essencialidade de o mesmo circular na posse da documentação em referência, para imediata apresentação no ato de fiscalização.

Para efeitos de exclusão da responsabilidade da empresa (artigo 13.º, n.º 2, da citada Lei n.º 27/2010), não basta a alegação e prova da formação ou instruções dadas ao trabalhador, nem da respetiva experiência profissional anterior como motorista em empresa de transportes [Neste sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 5-12-2011 e de 19-03-2018 (já citados), de 7-04-2016 (processo 2850/15.4T8AVR.P1, Relatora Paula Leal de Carvalho)], de 28-10-2015 (processo n.º 760/15.4T8AVR.P1, Relator Rui Penha), de 22-02-2021 (processo n.º 4170/19.6T8OAZ.P1, Relator Jerónimo Freitas)].

Ou seja, exige-se à empresa uma atividade proactiva no sentido de garantir, efetivamente, através de medidas adequadas de organização que implemente, que sejam cumpridas pelos motoristas ao seu serviço todas as exigências que a lei impõe, o que contende não só com formação, mas também com implementação de medidas de planeamento/organização, instruções e mecanismos de fiscalização.

Em suma, não pode retirar-se da factualidade provada que a Recorrente procedeu à organização, planificação e fiscalização do trabalho, de modo a assegurar-se que o condutor transportava consigo todos os registos ou documentação justificativa da respetiva falta para apresentar no momento da fiscalização.

Termos em que se terá que concluir que a Recorrente não logrou excluir a respectiva responsabilidade pela infracção imputada, pelo que é responsável pela mesma, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, da Lei 27/2010, inexistindo fundamento para a respetiva absolvição como sustentado no recurso.

Não procedem também, nesta parte, as conclusões do recurso.

Termos em que, resta concluir, pela total improcedência do recurso.


***

V – DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão condenatória.

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC`s (artigos 93.º, nº 3, do RGCOC e 513.º, nº 1, do Código de Processo Penal, ex vi artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de setembro, e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, bem como Tabela III anexa ao mesmo).

Notifique.


*

(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 18 de abril de 2024

Germana Ferreira Lopes [Relatora]
Teresa Sá Lopes [1ªAdjunta]
Eugénia Pedro [2ª Adjunta]