Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
174/11.5GDGDM-P.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA MANUELA PAUPÉRIO
Descritores: FORTES INDÍCIOS
INDÍCIOS SUFICIENTES
Nº do Documento: RP20130529174/11.5gagdm-P.P1
Data do Acordão: 05/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As expressões fortes indícios e indícios suficientes são equivalentes e devem ser entendidas como indícios bastantes, indícios consistentes quer para sujeitar uma pessoa a julgamento quer para a sujeitar a uma medida de coação.
II – Nesse sentido, só são suficientes aqueles indícios que comportem em si uma forte – e não uma ténue ou remota – possibilidade de o arguido vir a ser condenado pelos crimes que lhe são imputados: requer-se a existência de uma convicção fundada, perante os elementos de prova (já) existentes no processo que se aprecia, de que o arguido, futuramente, poderá vir por eles a ser condenado.
III - Não se entenderia que outra tivesse sido a intenção do legislador, porquanto, sendo a decisão de deduzir acusação tomada na fase final do inquérito e podendo a medida de coação de prisão preventiva ser decidida numa fase inicial ou embrionária do processo, exigisse mais neste momento que naquele outro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 174/11.5gdgdm-P.P1

Acordam, em conferência, na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
Nestes autos de processo comum com o número acima identificado veio o arguido B… interpor recurso da decisão que lhe aplicou a medida de coação consistente na prisão preventiva com os argumentos que constam da motivação por si apresentada e que consta de folhas 403 a 415, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos que sintetiza nas conclusões seguintes:
1 - Os autos não permitem concluir que existam fortes indícios do recorrente ter praticado os 3 crimes de furto qualificado que lhe foram imputados. Na verdade, não existe nenhum elemento de prova suficientemente seguro que permita qualificar de fortes, os indícios da prática pelo recorrente de tais crimes. Ao arguido nada de ilícito lhe é apreendido, designadamente objetos e produtos provenientes dos atos criminosos, nem objetos relacionados com a execução dos referidos ilícitos, designadamente armas, gorros, martelos. Nenhum dos ofendidos, ou testemunhas oculares dos factos ilícitos que lhe são imputados reconhecem o arguido como sendo um dos autores dos crimes.
Não existe qualquer tipo de prova pericial, recolha de A.D.N ou impressões digitais. A prova assenta, essencialmente, no teor das conversas e sms trocadas presumivelmente entre alguns dos arguidos e c recorrente, facto que não se encontra provado documentalmente. No caso em apreço, tendo por subjacente um número de telefone, que não só, não foi apreendido ao arguido, como não existe qualquer elemento concreto, de que fosse o arguido o seu utilizador. “Produtos”, a própria operadora, refere não ser possível indicar o nome e morada referente ao número indicado nas interceções.
2 - Os restantes elementos de prova carreados para os autos configuram a existência de meros indícios, não fortes, da suspeita da prática por parte do arguido dos crimes que lhe vêm imputados. Nomeadamente, as declarações prestadas pelo co-arguido C…, declarações que foram alteradas, e que no dizer deste, em virtude, de querer esclarecer toda a verdade, por um lado, porque afinal quem quis proteger não era seu amigo, por outro porque face ao outros elementos de prova, facilmente se verificaria que o mesmo estaria a “mentir”
E, estará a falar a verdade? Constituirão as suas declarações uma verdade absoluta? Entendemos que não. Na verdade, atento ao aduzido nos pontos 12 e 13 da motivação de recurso, que aqui se dão por reproduzidos, as suas declarações revelam-se interessadas e em alguns pontos nada verosímeis
Isto é, há uma suspeita, um receio que sustenta e revela uma convicção sobre a probabilidade de verificação de um facto mas que não é suficientemente forte para determinar a aplicação de uma medida tão gravosa como a medida de prisão preventiva.
3 - Não se verificam, em concreto, os requisitos gerais da aplicação da prisão preventiva, designadamente, o perigo de continuação da atividade criminosa e o perigo de fuga. Na verdade, o primeiro encontra-se fundamentado, na ausência de atividade profissional por parte do arguido, e de rendimento por parte do agregado familiar. Ora, resulta dos autos, que a companheira do arguido desenvolve atividade laboral regular e remunerada, na empresa que é proprietária. O arguido está, por isso, integrado familiarmente, e tem controlado o consumo de drogas estando a frequentar programa ligado à toxicodependência, facto que esteve subjacente ao seu comportamento anterior delituoso.
4 - Quanto ao concreto perigo de fuga, resulta dos autos, das informações de serviço, e R.D.E, que a P.J sabia onde residia o arguido, através de informações fornecidas pela policia espanhola, residência que o mesmo forneceu ás autoridades em Espanha, designadamente aos tribunais, e que não alterou pese o conhecimento da detenção de outros co-arguidos e a sua sujeição à medida de coação mais gravosa.
5 - Nessa parte, violou tal despacho o art. 204 alínea a) e c) do C.P.P..
6 - Em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada, pelas razões aduzidas, e o recorrente ser sujeito à medida de coação de prestação de caução e proibição de contactos com os co-arguidos, medidas previstas nos artigos 197 e 200 alínea d) do C.P.P.
A este recurso respondeu o Ministério Público, junto da 1ª Instância, nos termos que constam de folhas 416 a 436 dos autos concluindo da seguinte forma:
“De onde se conclui estarem, assim, satisfeitos os requisitos gerais de aplicação de uma medida de coacção na vertente de perigo de continuação da actividade criminosa, de fuga e de perturbação do decurso do inquérito e os decorrentes do princípio da proporcionalidade, adequação, legalidade e subsidiariedade da medida de coacção da prisão preventiva.
Por isso, a Meritíssima Juiz a quo bem decidiu ao determinar a sujeição do arguido B… à medida de coação de prisão preventiva com o que bem interpretou e aplicou as normas que regem a aplicação de tal medida de coacção, ou seja, os artigos 191.º, 193.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, e 204.º, alíneas a) e c), todos do Código de Processo Penal
Pelo que, deverá o despacho recorrido ser confirmado e, em consequência, negado provimento ao recurso interposto pelo arguido B….”

Nesta Relação o Digno Procurador Geral Adjunto após o seu Visto no processo.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos a conferência.
II) – Fundamentação:
Foi do teor seguinte a decisão de que se recorre: (transcrição)
Na presente fase e momento processual, com relevância para os autos, o Tribunal julga fortemente indiciados os seguintes factos:
- A génese deste grupo organizado ocorreu quando o arguido, C…, detido em 29 de Novembro de 2009, em Málaga, foi enviado em prisão preventiva para o estabelecimento prisional de …, pelo crime de tentativa de homicídio, onde conheceu o arguido B…, também conhecido por “B1…”, quando este deu ali entrada, em 22 de Dezembro de 2009, por tentativa de furto a uma empresa de lotarias juntamente com o também aqui arguido D…, mais conhecido por “D1…”.
- Durante os quase três meses em que conviveram naquele estabelecimento prisional, o arguido B… contou ao arguido C… os crimes que praticou contra o património, falando-lhe da riqueza que estes lhe haviam proporcionado, já com o propósito de o convencer a participar ou a fornecer informações, que lhe permitisse, no futuro, levar a cabo um outro furto milionário. O arguido C… ficou então a saber que o arguido B… era um especialista na desactivação de alarmes e abertura de cofres, tinha uma dependência por drogas duras, já havia sido detido em inúmeras ocasiões essencialmente por furtos e que possuía um vasto património imobiliário, com casas em vários locais de Espanha algumas das quais avaliadas em milhões de euros, para além de viaturas topo de gama.
- A poucos dias do arguido B… ser colocado em liberdade, situação que ocorreu dois dias antes da libertação do arguido C…, aquele, na sequência das conversas que já tinha mantido com o C…, começou a falar de forma mais insistente e regular no sentido do C… lhe dar informações sobre possíveis locais em Portugal onde pudesse levar a cabo assaltos que rendessem muito dinheiro.
- Uma vez mais, para o cativar a participar em tal plano, o arguido B… contou-lhe alguns dos crimes que havia cometido e que lhe haviam rendido milhões de euros, de entre os quais o assalto a um armazém de relógios, de alta relojoaria.
- Perante o que lhe foi transmitido pelo arguido B… e constatando o arguido C…, já em liberdade, que aquele era possuidor de um vasto património, conseguido à custa dos inúmeros furtos que havia realizado, este formulou o propósito de levar a cabo furtos semelhantes o que apenas poderia ser realizado com recurso ao grupo liderado pelo “B1…” dado o conhecimento e experiência que o mesmo possuía, pelo que começou a desenvolver alguns contactos com vista a que tal plano pudesse ser posto em prática em Portugal.
- Estes contactos e esta procura intensificaram-se quando, volvidos cerca de seis meses após ter saído de tal estabelecimento prisional, o arguido B… voltou a contactar o arguido C… para que este procurasse locais para assaltar.
- Perante esta insistência, o arguido C…, por intermédio de um indivíduo de nome E…, que efectuava segurança em espaços de diversão nocturna, conheceu o arguido F…, mais conhecido por “F1…”, que viria a ser um dos autores do furto às instalações da empresa “G…, Limitada”.
- Em sequência e em dia não concretamente determinado, mas seguramente anterior a 1 de Março de 2011, o arguido B… deslocou-se a Portugal e conheceu o arguido F…. Este primeiro contacto teve por objectivo, não só apresentarem-se, de forma a evitar qualquer desconfiança entre ambos, mas também definirem locais a assaltar.
- Neste primeiro encontro apenas foram delineados os princípios de actuação não tendo sido concretizadas nem data, nem local para futuros assaltos.
- Pretendiam locais onde houvesse muito dinheiro, pelo que deveriam ter cofres no seu interior e, para não serem reconhecidos por forma a dificultar a acção da Justiça, decidiram que iriam envergar gorros, com orifício ao nível dos olhos, do tipo passa-montanhas, bem como que calçariam luvas. Decidiram ainda que utilizariam veículos de alta cilindrada que lhes permitissem uma fuga rápida, que iriam subtrair a terceiras pessoas, e, nos quais, por vezes, colocariam matrículas respeitantes a outros veículos.
- Com tais propósitos, no dia 1 de Março de 2011, os arguidos H…, I… e B… chegaram a Portugal, fazendo-se para tanto transportar num veículo da marca Audi, modelo .., de cor preta, pertença do arguido B….
- No dia 02 de Março de 2011, cerca das 10,00 horas, os arguidos H…, I… e B… chegaram à residência do arguido C…, sita na …, n.º .., em …, Maia, no veículo da marca Audi, aí o apanhando; Após, na execução de um plano previamente acordado e gizado por todos, dirigiram-se às instalações do Stand de automóveis denominado “J…, S.A.”, sitas na rua … n.º …., em …., Porto, com o intuito de se apoderarem de um veículo de alta cilindrada a fim de o utilizarem, por forma a não serem detectados, em posterior prática de crime contra o património.
- Uma vez ali chegados, cerca das 10,10 horas, o arguido I… saiu do interior do veículo Audi e dirigiu-se, apeado, para o interior das instalações do referido stand e nele entrou, passando pelo vigilante que na altura se encontrava de serviço, como se de um normal cliente se tratasse.
- Então, já junto da entrada da zona da oficina, abeirou-se de um veículo da marca “BMW”, modelo …, cabrio, com a matrícula ..-IA-.., com o valor comercial em tal data de €100.000,00 (cem mil euros), pertença da sociedade “K…” e utilizado por um dos administradores, que ali se encontrava aparcado.
- Volvidos cerca de 20 minutos e após proceder, de forma não concretamente apurada, à fractura do canhão da porta do lado do condutor de tal veículo logrou aceder ao seu interior e colocá-lo em funcionamento com a chave que se encontrava na ignição e, ao volante do referido veículo, dirigiu-se, com a mudança da marcha-atrás engatada, em direcção à barreira/cancela de saída, sendo que o vigilante, por pensar tratar-se de um dos administradores, lhe franqueou a abertura assim abandonado as referidas instalações.
- O arguido I… conduziu-o até à cidade da Maia, onde o aparcou. Depois todos os arguidos esperaram uma hora para terem a certeza que tal veículo não possuía qualquer sistema de localização GPS.
- Ainda no dia 2 de Março de 2011, após o horário de almoço, no …, em Vila Nova de Gaia, o arguido F…, que anteriormente havia sido apresentado ao arguido C… por E… e com o qual já tinha havido anteriores diálogos no sentido de arranjar um local para que pudessem concretizar um furto, viria a encontrar-se com os arguidos C…, H…, I… e B…, a solicitação do próprio arguido C….
- Aí, o arguido F… combinou e acordou com os demais arguidos encontrarem-se consigo, nesse mesmo dia, à noite, na estrada de …, em Gondomar, afirmando que só ali lhes revelaria o local do furto que iriam levar a cabo, embora logo lhes tenha facultado um croqui contendo a planta da sociedade a assaltar, com indicação precisa do cofre, bem como explicou o sistema e localização da caixa de alarmes.
- Então, em comunhão de esforços e sintonia de vontades e na execução de um plano previamente gizado entre todos, cerca das 22,00 horas do dia 02 de Março de 2011, da estrada de …, em Gondomar, onde se encontraram, seguiram o arguido F…, que se fez transportar num veículo de marca “Renault”, modelo …, sendo seguido pelos arguidos C…, H…, I… e B… que se fizeram transportar no veículo da marca “BMW”, modelo …, com a matrícula ..-IA-.. e dirigiram-se até junto das instalações do estabelecimento comercial denominado “G…, Limitada”, sito na …, n.º …, em …, Gondomar, pertença de L…, com o intuito de se apoderarem de quantias em numerário e lingotes em ouro, que sabiam existir no interior do cofre ali existente.
- Os arguidos levavam luvas e gorros ou bonés com os quais encobriam os respectivos rostos e mãos e iam munidos de maçaricos, barras de ferro, martelo pneumático, uma mala preta, de um inibidor de frequências de sinais GSM e de telemóveis para comunicarem entre si, os quais foram adquiridos só para tal efeito.
- Na execução do plano acordado, os arguidos I… e B… cortaram os fios das ligações telefónicas no exterior, após o que destruíram a caixa sonora do alarme de intrusão; Seguidamente, após todos se certificarem que não havia qualquer pessoa nas redondezas, os arguidos I… e B… procederam ao arrombamento do portão de fole daquele estabelecimento comercial com recurso a cortes cirúrgicos de maçarico no trinco de segurança, seguido da porta de acesso principal, e de uma outra porta do lado direito que serve de antecâmara de acesso à zona dos escritórios e do cofre e que é usada exclusivamente pelos funcionários, que arrombaram com recurso à extracção do canhão da fechadura.
- Após, munidos de objectos cujas concretas características não se logrou apurar, mas em tudo similares a uma picareta e a um tubo em ferro, os arguidos I… e B… vibraram com eles diversas pancadas, imprimindo bastante força, contra as ligações do alarme e respectivo CPU, após o que abandonaram, por cerca de uma hora, as referidas instalações, com o propósito de se assegurarem que o alarme não tinha disparado/accionado na Central de Alarmes ou na Polícia.
- Nesse entretanto, o arguido F… e o seu amigo M… aguardaram no interior de um veículo ligeiro de mercadorias, de cor branca, da marca Renault, modelo …, num parque de estacionamento de um stand de automóveis denominado “N…”, sito junto à rotunda do …, na …, em Gondomar. No entanto, nesse período, o arguido F… e o seu amigo M… foram abordados por agentes da P.S.P. no local, levando a que o arguido F… permanecesse posteriormente sozinho no local, tendo solicitado a M… que abandonasse o local com a …, o que fez.
- Ao mesmo tempo, o arguido C… estava apeado, posicionado junto a uma torre localizada a cerca de duzentos metros do referido estabelecimento, em missão de vigilância, e, o arguido H… percorria a …, ao volante do veículo com a matrícula ..-IA-.., seguindo de rotunda a rotunda, fazendo vigilância e mantendo-se alerta a situações de aproximação de pessoas e veículos àquele local.
- Volvida, então, cerca de uma hora, os arguidos F…, I… e B… dirigiram-se para o interior de tal estabelecimento e, aí, deslocaram-se até à zona do escritório onde se encontrava o cofre principal, da marca “…”, de cor preta, e com recurso a um maçarico de corte e a um martelo pneumático acederam ao seu interior, tendo para tanto efectuado um primeiro corte na parte superior no qual não perfuraram o cofre, seguido de um outro na parte inferior e que possibilitou o acesso ao interior do mesmo de onde retiraram, fazendo coisa sua, vários lingotes em ouro, com o peso de 89,380.7Kg (oitenta e nove quilos, trezentos e oitenta gramas e sete décimas) num valor comercial à data de cerca de € 2.980.000,00 (dois milhões, novecentos e oitenta mil euros).
- Acederam, igualmente, à caixa forte situada no rés-do-chão, através de um buraco que fizeram no chão do escritório, igualmente com recurso ao martelo pneumático, mas nada dali retiraram porque no interior dessa caixa forte apenas estava guardada prata.
- Ainda no rés-do-chão, lançaram mão da quantia de € 18.000,00 (dezoito mil euros), em notas e moedas do Banco Central Europeu que fizeram coisa sua, retirando-a de uma gaveta da recepção.
- Após, através da porta de emergência situada no piso -1, que abriram mediante a fractura do canhão pela parte interior, colocaram-se em fuga, deixando espalhados pelo solo algumas peças de ourivesaria que foram largando.
- Nesse mesmo dia, alguns dos elementos do grupo procederam, entre eles, à repartição do produto de tal crime acabado de perpetrar, no interior da residência do arguido F…, sita na rua …, n.º .., ..º Esquerdo, …, Vila Nova de Gaia, cabendo ao arguido F…, I…, H… e B… cerca de 15/20 Kg em lingotes de ouro, com o valor comercial de mercado total de cerca de € 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros) e uma quantia monetária de montante indeterminado.
- Cinco dias após tais factos, o arguido C… recebeu uma chamada telefónica do arguido B…, com o qual combinou deslocar-se até Marbella, em Espanha, a fim de este lhe entregar a sua parte, o que aquele fez tendo então recebido € 60.000.00 (sessenta mil euros) em notas do Banco Central Europeu.
Nessa altura, o arguido B… disse-lhe que apenas lhe entregava tal quantia porque se tinha desentendido com os restantes elementos quanto à divisão do ouro.
- No dia 04 de Março de 2011, cerca das 23,25 horas, o veículo com a matrícula ..-IA-.. viria a ser recuperado pela P.S.P. da Maia, na rua …, em …, Maia, em cujo interior se encontrava uma chave inglesa, um gorro passa montanhas, de cor preto, o qual anteriormente havia sido utilizado pelo arguido F… na sua cabeça, um chapéu de cor bordeaux com as insígnias “…” e um boné, de cor azul, da marca “Tommy Hilfinger”, que anteriormente havia sido utilizado pelo arguido H…, sendo que a chave inglesa e o chapéu de cor bordeaux viriam a ser entregues a L… por pertencerem a si e a uma funcionária da sua empresa.
- Face ao furto milionário realizado e acima descrito, na expectativa de realizarem um outro de natureza semelhante, no dia 11 de Abril de 2011, os arguidos H…, D… e B…, já sem o arguido I… por este e B… se terem desentendido no furto supra descrito, efectuaram uma nova deslocação a Portugal, fazendo-se para tanto transportar num veículo da marca “Citroën”, modelo …, com a matrícula ….. GBF, registado a favor da companheira do arguido B….
- Assim, uma vez aqui chegados, hospedaram-se na unidade hoteleira denominada “…”, sito na rua …, n.º …, Porto, tendo para tanto reservado um quarto triplo, com o n.º …, efectuando o check-in pelas 00,30 horas, do dia 11 de Abril de 2011 e o check-out pelas 10,10 horas, do dia 16 de Abril de 2011.
- Com o propósito de ocultarem as suas reais identidades, o arguido B… identificou-se como sendo C… tendo para tanto exibido e fornecido os dados constantes no Bilhete de Identidade deste com o n.º …….., com data de emissão em 24-03-2008 e válido até 24-09-2013 e, o arguido H…, identificou-se como O… tendo para tanto exibido uma carta de condução do Reino de Espanha com o n.º ………, emitida em 28-12-2009 e válida até 04-06-2012, no qual se mostra aposta ao invés de uma fotografia de O… uma fotografia do próprio arguido, mas em tudo similar às autênticas cartas de condução emitidas no Reino de Espanha. Apenas o arguido D… forneceu o seu próprio DNI com o n.º …….., emitido em 05-07-2005 e válido até 05-07-2015.
- O veículo em que tais arguidos se fizeram transportar precisava de mudar as pastilhas dos travões, pelo que, juntamente com o arguido C…, deslocaram-se nos dias 12 e 14 de Abril de 2011, à oficina de automóveis denominada “P…”, sita na rua …, em …, Maia, onde realizaram o respectivo serviço.
- Então, no dia 12 de Abril de 2011, cerca das 17,34 horas, os arguidos B…, H…, B… e D… fazendo-se transportar no veículo com a matrícula …. GBF dirigiram-se às instalações da sociedade “Q…, Limitada”, sita na rua …, apartado .., n.º .., em …, Maia, com o intuito de se apoderarem de um veículo de alta cilindrada a fim de o utilizarem por forma a não serem detectados, em posterior prática de crime contra o património.
- Na execução de tal plano previamente delineado e gizado entre todos, o arguido H… envergando óculos de sol, um boné de pala, de cor clara, e trajando uma calças, de cor clara, entrou, apeado, nas aludidas instalações como se de um normal cliente se tratasse e aproximou-se do veículo com a matrícula ..-DH-.., da marca “Mercedes Benz “, modelo …, de cor preta, no valor comercial à data de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), pertença da sociedade “S…, S.A.” que se encontrava estacionado no parque exterior existente à saída da porta da oficina de tais instalações.
- Após, de forma não concretamente apurada, acedeu ao seu interior, logrou colocar o motor em funcionamento fazendo uso da chave que se encontrava introduzida na ignição e, seguidamente, ao volante de tal veículo, dirigiu-se para a portaria de saída onde aí foi abordado pelo vigilante de tal estabelecimento que lhe solicitou a exibição habitual do respectivo talão de saída; Perante tal solicitação, o arguido H…, sem proferir qualquer palavra, agarrou num papel que no interior do habitáculo de tal veículo encontrou, mas que em nada se assemelhava ao talão de saída, e exibiu-o pela janela do lado do condutor.
- Uma vez que o arguido H… se apercebeu que o vigilante não se acreditou no papel que exibia, porquanto não içou a barreira móvel que se encontrava à saída de tais instalações, colocou, então, o veículo em marcha e rebentou e vergou, com a frente do mesmo, tal obstáculo seguindo em fuga e fazendo de tal veículo coisa sua.
- Posteriormente, no dia 03 de Julho de 2011, cerca das 04,00 horas, com o objectivo de ocultar qualquer indício que levasse às suas identificações, o arguido C… estacionou o veículo ..-DH-.., no …, em …, Maia, junto a um sector industrial – …. Após agarrou num paralelepípedo e lançou-o contra o vidro traseiro do lado do condutor que quebrou. Seguidamente, regou todo o interior do referido veículo com gasolina e com um isqueiro aproximou a chama provinda do mesmo a uma parte regada com gasolina que logo ateou fogo, incendiando por completo o veículo que assim foi consumido pelas chamas. Em consequência, o arguido C… acabou por sofrer queimaduras no braço esquerdo e face.
- O arguido é comerciante no ramo de pronto-a-vestir, pertencente à sua companheira.
- É solteiro e vive em união de facto.
- Tem três filhos, respectivamente, com 21, 19 e 5 anos de idade.
- Vive em habitação cedida pelos seus pais, em Madrid, local onde, habitualmente, se desloca de seis em seis meses e onde permanece por uns dias, sendo certo que, habitualmente, reside em … (Málaga), residência esta também pertença de seus pais sita …, Casa ., …, ….
- Tem como habilitações o 10.º ano de escolaridade na vertente profissional.
- É dependente de "drogas duras" há cerca de 20 anos.
- O arguido foi julgado e condenado, em número superior a 20 condenações, pela prática, nomeadamente, de crimes de furto ou crimes de roubo praticados em território espanhol.
*
Tais indícios fundam-se, em face das diligências de inquérito já realizadas, designadamente:
- Autos de notícia e aditamentos de fls. 3 a 4, 32 a 35, 105 e 129;
- Autos de exame comparativos de DNA de fls. 6047 a 6054, 6488 a 6490 e 7077 a 7079;
- Auto de exame comparativo de fotogramas e fotografia de fls. 6122 a 6128;
- Auto de exame directo de fls. 19 e 145-A;
- Auto de reconhecimento fotográfico de fls. 2858/2859 e de fls. 6114;
- Auto de reconhecimento pessoal de fls. 6083 a 6085 e de fls. 6207 a 6209,
- Auto de reconhecimento de locais com recolha fotográfica, de fls. 4506 a 4537;
- Auto de Apreensão de fls. 7;
- Aditamento de fls. 194;
- Fotografias e fotogramas de fls. 20 a 28, 34, 35, 43 a 87;
- Relatório técnico de Inspecção Judiciária, de fls. 23;
- Relatório táctico de Inspecção Ocular, de fls. 37 a 87;
- Relações de bens e danos de fls. 99, 100, 101, 177, 181 a 185;
- R.D.E de fls. 186, 187, 363, 1115, 4766, 5181, 5208, 5477 a 5483 e 6367;
- Dados de tráfego de fls. 202, 208, 210 a 229;
- Informação de serviço de fls. 4687 a 4689, 5485/5486;
- Auto de Interrogatório judicial de arguidos detidos de fls. 3716 a 3728 e autos de interrogatório complementar do arguido C… constante de fls. 4491 a 4505 e 5058 a 5060;
- Informação da Europol quanto aos antecedentes criminais de fls. 5573 a 5575;
- Facturação de fls. 511 a 753, 755 a 1097, 1409, 2838, 2861, 4318, 6828 e 6829;
- Informação sobre IMEI´s da Operadora T…, de fls. 2936 a 2937;
- Informação da T… relativamente aos cartões usados no decurso do furto, a fls. 1409 e 2861;
- Informação relativo ao Relatório da Inspecção Lofoscópica, a fls. 2278;
- Autos de inquirição de U…, id. a fls. 129, V…, id. a fls. 108 e 2858, L…, id. a fls. 94, 175, 178, 285, 300 e 313, W…, id. a fls. 479 e 2768, X… id. A fls. 5053, M…, id. a fls. 6091, Y…, id. a fls. 6115, Z…, id. a fls. 6112, AB…, id a fls. 6370, AC…, id. a fls. 6554 a 6556, AD…, id. a fls. 6105, AE…, id a fls. 6544 a 6553, 6557 a 6560, 6763 a 6764, AF…, id. a fls. 6078 , AG…, id. a fls. 6129, AH…, id. a fls. 6043, AI…, id. fls. 4694, AJ…, id. a fls. 3 e 59, AK…, id. a fls. 46 a 49 e 312 a 314, do apenso e fls. 6485 dos autos principais, AL…, id. a fls. 46 57 e 308 do apenso e a fls. 6060 dos autos principais e AM…, id. a fls. 5074 .
O arguido B… usando de direito que a lei lhe confere, nos termos do artigo 61.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, remeteu-se ao silêncio. Não olvidamos que sobre este não impende qualquer ónus de prova ou contra-prova, todavia, e não resultando de qualquer outro meio de prova qualquer facto apto a infirmar as regras do senso comum, apenas pelas declarações daquele se poderia eventualmente apurar algo que as infirmasse, por ser a pessoa melhor colocada para o efeito. Ao remeter-se ao silêncio - o qual é por demais sabido – não o pode prejudicar, no sentido de só por si não poder significar a verdade dos factos constantes da acusação, também o não pode beneficiar no sentido de por ele se afastar em definitivo o uso às regras da experiência, recurso este legítimo em face do disposto no artigo 126.º do C.P.P.. Ora, as declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo. Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada.
Conforme referimos o direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.
Reportando-nos ao caso em apreço, promana das declarações do co-arguido, C…, secundadas pelo auto de reconhecimento de locais por si realizado, que aquele efectuou um relato pormenorizado e consistente dos factos dados por indiciados.
Resulta de tais declarações de co-arguido a identificação da intervenção do arguido B… nos factos que tiveram lugar nas instalações da sociedade “G…”.
Aliás, o elo de ligação inicial de C… com B…, ou seja, a sua reclusão simultânea no E.P. em …, mostra-se comprovado documentalmente e a versão, então, por si oferecida afigura-se-nos credível à luz das regras da experiência comum.
Tais declarações do co-arguido, C…, saem reforçadas na sua credibilidade quando concatenadas com os demais meios de prova oferecidos nos autos.
Note-se que não nos causa estranheza o facto de este arguido, C…, descrever o interior das instalações dado o plano do furto à aludida empresa ter sido anteriormente e pormenorizadamente gizado entre eles.
Saliente-se que as testemunhas M…, X…, Y… e Z…, nos seus depoimentos dão nota da presença do arguido F… e dos veículos utilizados na perpetração dos factos à data, hora e local em que ocorreu a actuação na "G…", dando consistência às declarações do co-arguido, C….
Acresce que, num dos telemóveis apreendidos ao arguido C… constavam associados a um contacto identificado como “B1…” o n.º ……….
Já os documentos colhidos junto do AN… - fls. 4705/4710 - e junto da P… - fls. 5066/5067 - dão nota da presença, em Portugal e naquela data, dos arguidos B…, D… e H….
Assim, tal versão dos factos afigura-se-nos credível quando concatenada com os demais meios de prova oferecidos.
Por sua vez, não se nos afigura, ao contrário do defendido pela Ilustre defensora do arguido, que com a versão dos factos oferecida pelo arguido, C…, fosse intenção do beneficiar de medida de coacção mais favorável dado ter-lhe sido aplicada uma medida de coacção gravosa e privativa da liberdade, que não a prisão preventiva, por se verificarem os pressupostos para que o mesmo beneficiasse da medida de coacção de permanência na habitação, com vigilância electrónica.
Assim, concatenando todos os meios de prova oferecidos e após análise exaustiva e crítica dos mesmos afigura-se-nos suficientemente indiciados os factos atrás descritos.
Relativamente à situação pessoal e profissional do arguido atendeu-se às suas declarações, não se nos afigurando credível que possua actividade profissional regular por a actividade em causa se encontrar inscrita em nome da sua companheira.
*
A factualidade descrita configura fortes indícios da prática pelo arguido B… também conhecido por “B1…”, em concurso efectivo e em co-autoria com os arguidos H…, I…, F… e C… um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alíneas a), e), e g) por referência ao disposto no artigo 202.º, alíneas b) e d), todos do Código Penal, a que cabe em abstracto uma moldura penal de pena de prisão entre dois a oito anos, em co-autoria com os arguidos H…, C… e I… um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alíneas a), e g) por referência ao disposto no artigo 202.º, alínea b) do Código Penal, a que cabe em abstracto uma moldura penal de pena de prisão entre dois a oito anos, em co-autoria com os arguidos H…, C… e D… um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alíneas a) e g), por referência ao disposto no artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal (em concurso aparente com um crime de dano qualificado, previsto e punível pelo artigo 213.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal), a que cabe em abstracto uma moldura penal de pena de prisão entre dois a oito anos e em autoria material um crime de uso de documento de identificação alheia, previsto e punível pelo artigo 261.º, n.º 1, por referência ao disposto no artigo 255.º, alínea c) todos do Código Penal a que cabe pena de prisão até dois anos.
Feita a qualificação jurídica dos factos indiciados, bem como a justificação e fundamentação dessa mesma indiciação, cumpre agora determinar se ao arguido deve ou não ser aplicada alguma medida de coacção, para além do simples T.I.R. já prestado e, em caso afirmativo, qual.
Como é sabido as medidas de coacção são meios processuais de limitação da liberdade processual que têm por finalidade acautelar os fins do processo, seja para garantir a execução da decisão final condenatória, seja para assegurar o regular desenvolvimento do procedimento.
Daí que, para além de, em concreto, deverem ser necessárias e adequadas para acautelar aqueles fins, nenhuma medida de coacção, com excepção do TIR, possa ser aplicada se, em concreto, não se verificar qualquer das circunstâncias referidas no artigo 204º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, enquanto que para ser aplicada uma das medidas de coacção previstas nos artigos 197.º a 199.º se mostra suficiente a existência de indícios, já para a aplicação das medidas de coacção previstas nos artigos 200.º a 202.º mostra-se necessário a existência de fortes indícios da prática do crime pelo arguido.
Vejamos o caso em apreço.
Os factos fortemente indiciados imputados ao referido arguido, B…, são objectivamente muito graves e revelam uma especial censurabilidade e perversidade por parte do mesmo.
Considerando a natureza dos crimes indiciados (sua gravidade objectiva e circunstâncias dos mesmos) e a personalidade do referido arguido considero que a sua colocação em liberdade perturbaria a ordem e tranquilidade públicas e causaria um sentimento de impunidade, o que é de todo de afastar.
Com efeito, tais crimes têm tido um crescimento exponencial em todo o país, sendo que são geradores de intranquilidade e insegurança nas populações, sendo no caso concreto do nosso conhecimento que os factos foram relatados nos meios de comunicação social e na imprensa escrita, pelo que ocorre, atenta a natureza dos crimes, perigo de perturbação da tranquilidade pública se colocado o arguido em liberdade com já acima afirmamos.
O tipo de criminalidade em causa provoca enorme intranquilidade na sociedade, conforme diariamente é noticiado nos meios de comunicação social. De resto, tal criminalidade prolifera com a crise económica e social que grassa no nosso país e, também, no país vizinho, de onde é oriundo o arguido.
Por outro lado, sabendo-se que o arguido não tem ocupação estável, pese embora alegue ser detentor de um estabelecimento comercial e dele retirar proventos, o certo é que a prova documental carreada nesse sentido pelo próprio arguido vai no sentido de tal estabelecimento “a existir” ser da sua companheira, Eva Fress, não exibindo qualquer documento referente à sua pessoa em particular, faz com que seja mais vulnerável à prática de factos relacionados com ilícitos patrimoniais, o que indicia perigo concreto de continuação deste género de actividade. A experiência comum, permite ao Tribunal concluir que a motivação do arguido para a prática dos factos se relaciona com motivos financeiros e necessidade de obter dinheiro fácil existindo proporcionador desafogo financeiro, por conseguinte, em razão da natureza dos crimes, perigo de continuação da actividade criminosa se colocado em liberdade. Ademais, reforça tal entendimento o facto acrescido de este se vir dedicando a este tipo de infracções penais nos últimos anos, sendo certo que é o próprio quem referiu que já sofreu, pelo menos, cerca de vinte condenações por crimes de furto e roubo. Aliás, sendo consumidor de drogas duras, como refere, tal circunstância, por si só, potencia, igualmente, a prática deste género de factos.
Atenta a natureza dolosa dos crimes fortemente indiciados, respectivas molduras penais cominadas, motivação dos crimes, personalidade violenta do referido arguido evidenciada nos autos e o modus operandi, mostra-se suficientemente fundado de que, em liberdade, o referido arguido continue actividade idêntica à dos presentes existindo, ainda, perigo de em liberdade se eximir à acção da justiça. Aliás, os antecedentes criminais do arguido demonstram manifesta propensão para a prática deste género de factos.
Ademais, o arguido B… reside em Espanha, tendo-se deslocado a Portugal para praticar este género de factos, não possuindo no nosso pais qualquer suporte pessoal e socioeconómico, pelo que se mostra suficientemente fundado o concreto perigo de fuga.
É, ainda, de salientar que o referido arguido, neste momento, tem conhecimento que contra si existem fortes indícios da prática de crimes que são punidos com pena de prisão sendo que face à ameaça de vir a ser condenado numa "pena pesada", se colocado em liberdade ausentar-se-ia do nosso país, até por não ter aqui, como já afirmamos, qualquer suporte familiar e residencial tornando-se, por isso, justificado o concreto receio de fuga. Ou seja, considerando as molduras legais cominadas para os crimes em causa e concurso de crimes, mostra-se suficientemente fundado que em liberdade o referido arguido poderia fugir, de forma a eximir-se à acção da justiça, ocorrendo, pois, perigo concreto de fuga, não sendo despiciendo dizer-se que a livre circulação de pessoas e bens na União Europeia é factor de grande mobilidade de pessoas e facilita a fuga à acção da justiça.
Aliás, a sua fuga encontra-se facilitada pelo elevado desafogo e fluxo monetário que a perpetração dos crimes acima descritos lhes trouxeram, sendo sinal claro dessa tentativa de se eximir à justiça o facto de quando detido à ordem destes autos em face do M.D.E. emitido ser portador de documentos de identificação falsa.
Os perigos supra referidos e acabados de descrever são intensos, sendo também elevadíssimo o grau de ilicitude do conjunto dos factos indiciados. As condutas indiciadas não são esporádicas, mas contínuas e reiteradas, sendo patente que o arguido faz delas modo de vida e delas retira sua fonte de rendimento.
As penas abstractamente aplicáveis aos crimes indiciados e a real probabilidade de condenação em penas de prisão efectiva de duração significativa tornam verosímil a propensão para a fuga, dadas as dificuldades de controlo efectivo da mesma no actual contexto de abertura de fronteiras.
Outrossim, não se olvide o que a experiência nos ensina: “que aqueles que estão dispostos a sofrer uma pena em nome dos princípios serão muito raros e que, existindo, se encontrarão esmagadoramente entre aqueles que não cometem crimes. Assim, a realidade é que a aproximação da ameaça de condenação, exerce uma pressão psicológica sobre o arguido que o incentiva a furtar-se à pena e, entrevendo ele uma possibilidade de fuga, é normal que fuja”.
A obrigação de permanência na habitação, como medida alternativa à prisão preventiva e com preferência sobre esta, não se mostra adequada à realização das finalidades cautelares visadas porquanto a mesma não é viável por o arguido não residir em Portugal e não obviar às exigências cautelares que o caso requer, não obstando, nomeadamente, a uma fuga concertada, bem delineada e repentina, nem obsta a que o arguido proceda à concertação de outros planos de furto e roubo a partir da habitação.
Assim, no caso dos autos é manifesto que a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica além de inviável, é absolutamente ineficaz para prevenir as exigências cautelares que se fazem sentir no caso em apreço.
Qualquer outra medida coactiva não detentiva, como já referimos, mostra-se manifestamente insuficiente e desadequada, por se revelar absolutamente ineficaz perante as exigências cautelares existentes.
Neste quadro, a medida de prisão preventiva é a única que se mostra necessária, adequada e proporcional.
Ademais, como já acima expusemos, a personalidade do arguido revelada indiciariamente nos factos imputados e o seu modo de vida, na perspectiva de poder eventualmente ser condenado em prisão efectiva, confere um grau tal de intensidade às exigências cautelares que não se compadece com outra medida de coacção. A prisão preventiva é a única medida coactiva que se mostra adequada às exigências cautelares, constituindo a decorrência lógica da aplicação correcta do disposto nos artigos 191.º, 202.º e 204.º do Código de Processo Penal, não impedindo que o arguido continue os seus tratamentos à dependência das drogas duras em meio prisional.
Por tudo o exposto, não restam dúvidas de que apenas a privação da liberdade da arguida mediante prisão preventiva se revela adequada às exigências cautelares que o caso impõe, sendo esta medida de coacção, além de formalmente admitida, nos termos dos artigos 202.º, n.º 1, alínea a) e 204.º, alíneas a) e c), do CPP, proporcional face à gravidade do crime e às sanções previsivelmente aplicáveis, nos termos exigidos pelos artigos 191.º e 193.º do CPP.
Deve, pois, o arguido ser sujeito a prisão preventiva.
Termos em que se decide:
Que o arguido B… aguarde os ulteriores termos do processo sujeito, cumulativamente, à medida de coacção de Termo de Identidade e Residência, já prestado, e à medida de coacção de prisão preventiva (arts. 191.º, 192.º, 193.º, 194.º, n.º 1, 196.º, 202.º e 204.º, alíneas a) e c), todos do Código de Processo Penal).
Cumpra o disposto no artigo 194.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, se essa for vontade do referido arguido.”

Apreciando:
Começa o recorrente por impugnar a decisão que lhe aplicou a medida de coação consistente na prisão preventiva alegando a inexistência de fortes indícios da sua participação no cometimento dos ilícitos que se investigam no processo.
Temos para nós que o sentido a dar à expressão “indícios fortes” (da prática de um crime) será o mesmo do atribuído pelo legislador quando usa a formulação “indícios suficientes”, expressão constante do artigo 283º do Código de Processo Penal, e cujo significado explicita, no número 2 desse preceito legal, da forma seguinte:
“Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.”
Ou seja, pese embora o legislador não ter usado a mesma formulação no artigo 202º número 1 alínea a) e no artigo 283º ambos do Processo Penal, empregando num o termo forte e noutro suficientes quando se está a referir à existência de indícios, essas expressões – fortes e suficientes - têm de se equivaler e serem entendidas como, bastantes, consistentes – quer para sujeitar uma pessoa a julgamento quer para a sujeitar a uma medida de coação –
Como tem vindo a ser entendimento da doutrina, não são suficientes quaisquer indícios mas apenas aqueles que comportem em si uma forte – e não uma ténue ou remota – possibilidade de o arguido vir a ser condenado pelo crime ou crimes pelos quais vai ser sujeito a julgamento.
Ou seja, entronca-se aqui, de novo, o vocábulo forte. As duas expressões têm assim de se equivaler, no sentido que, em ambas, se requer a existência de uma convicção fundada, perante os elementos de prova (já) existentes no processo que se aprecia, de que o arguido, futuramente, poderá vir por eles a ser condenado.
Ademais, ainda se acrescenta que não se entenderia que outra tivesse sido a intenção do legislador, porquanto, sendo a decisão de deduzir acusação tomada na fase final do inquérito e podendo a medida de coação de prisão preventiva ser decidida numa fase inicial ou embrionária do processo, exigisse mais neste momento que naquele outro.
Neste sentido já se decidiu nesta Relação[1]: “Com a expressão "fortes indícios" - para efeitos de aplicação prisão preventiva - não se exige mais que com a expressão "indícios suficientes" - para efeitos de acusação e pronúncia.”[2]
Haverá de considerar-se que a ponderação feita para aplicação de qualquer medida de coacção importa um juízo que é sempre de probabilidade e não definitivo, de certeza bastante, como se exige para uma condenação, juízo que, no andamento normal do processo, pode vir a ser confirmado ou infirmado pela aquisição de novos elementos de prova que possam vir a ser trazidos ao processo. Daí que, quer quanto à prisão preventiva e à obrigação de permanência na habitação, as mais graves medidas de coação que a lei comina, exista a exigência legal de reponderação trimestral sobre a manutenção dos pressupostos que determinaram a sua aplicação.
*
Dito isto, vejamos então, se existem, ou não, no processo indícios fortes, de ter o arguido/recorrente cometido os imputados crimes.
O próprio recorrente admite que existem declarações de um co-arguido – C… - que o colocam na participação dos factos, mas entende que este meio de prova é particularmente frágil, não devendo por si só ser considerada suficiente para fundamentar a aplicação da mais gravosa medida de coação.
Contudo a decisão recorrida não se fica apenas pela ponderação das declarações daquele co-arguido. Concatena-as com outras provas existentes no processo, demonstrando que o que é dito pelo co-arguido encontra sustentação e fundamento. Assim concretamente referiu que: Reportando-nos ao caso em apreço, promana das declarações do co-arguido, C…, secundadas pelo auto de reconhecimento de locais por si realizado, que aquele efectuou um relato pormenorizado e consistente dos factos dados por indiciados. Resulta de tais declarações de co-arguido a identificação da intervenção do arguido B… nos factos que tiveram lugar nas instalações da sociedade “G…”. Aliás, o elo de ligação inicial de C… com B…, ou seja, a sua reclusão simultânea no E.P. em …, mostra-se comprovado documentalmente e a versão, então, por si oferecida afigura-se-nos credível à luz das regras da experiência comum. Tais declarações do co-arguido, C…, saem reforçadas na sua credibilidade quando concatenadas com os demais meios de prova oferecidos nos autos. Note-se que não nos causa estranheza o facto de este arguido, C…, descrever o interior das instalações dado o plano do furto à aludida empresa ter sido anteriormente e pormenorizadamente gizado entre eles. Saliente-se que as testemunhas M…, X…, Y… e Z…, nos seus depoimentos dão nota da presença do arguido F… e dos veículos utilizados na perpetração dos factos à data, hora e local em que ocorreu a actuação na "G…", dando consistência às declarações do co-arguido, C…. Acresce que, num dos telemóveis apreendidos ao arguido C… constavam associados a um contacto identificado como “B1…” o n.º ………. Já os documentos colhidos junto do AA… - fls. 4705/4710 - e junto da P… - fls. 5066/5067 - dão nota da presença, em Portugal e naquela data, dos arguidos B…., D… e H….”
Donde na ponderação conjugada de todos estes elementos probatórios a conclusão que foi retirada surge como lógica e encontra-se devidamente estribada.
Como se refere na decisão recorrida, o recorrente usou do direito legal ao silêncio e pelo uso desse direito, que a lei lhe confere, não pode ser prejudicado. Mas, assim decidindo proceder, optou por não dar, relativamente aos indícios existentes no processo, a sua explicação, afastando ou infirmando a conclusão que, segundo as regras da experiência e a normalidade das coisas, deles inevitavelmente se retira.
Com efeito, como desconsiderar as declarações de um co-arguido que igualmente se coloca no cometimentos dos factos criminosos, que relata como e com quem os praticou, que explica quando e porquê conheceu os elementos que compõem o grupo, que relata os furtos cometidos – como são preparados e executados, o que deles foi retirado, o que ganhou com eles, quem e onde lhe foi paga a sua parte na participação de um deles - ?
Elementos integrantes do grupo, do qual, segundo o co-arguido Mota, o recorrente fazia parte, são identificados por outras testemunhas ouvidas no processo, não sendo assim de relevar, nesta fase e para este efeito, não ter sido o recorrente identificado por mais ninguém.
O recorrente não logra, contudo, aduzir uma única razão que seja para que se pudesse perceber qualquer motivação espúria, por parte deste co-arguido relativamente à sua pessoa, e que o levasse a implicá-lo no cometimento de factos aos quais se diz alheio. Por que razão o faria? Não teve o co-arguido, quando detido em Espanha, conhecimento com muitos outros espanhóis? O que o teria levado a nomear o recorrente (e os demais) e não outros?
A esta interrogação não responde o recorrente. Queda-se isso sim, na exegese do que foi dito pelo co-arguido C…, procurando encontrar no (s) seu (s) depoimento (s) incongruências.
Se o recorrente não participou nos factos e esteve afastado de Portugal na altura em que eles foram cometidos ser-lhe-ia muito oneroso demonstrar que esteve noutro local? Mas admitindo, como admite (nas alegações de recurso que apresenta), que esteve no nosso país, o que esteve a fazer?
Nada disse. Nada esclareceu. É um direito que lhe assiste. No entanto face aos elementos constantes do processo forçosa é a conclusão da existência de fortes indícios da participação do recorrente nos factos que se investigam.
Sufragando nós o entendimento de que a existência de fortes indícios nesta fase ainda embrionário do processo se basta com a verificação de elementos de prova que liguem o arguido com o cometimento dos factos ilícitos que se investigam, antevendo com plausibilidade a sua futura condenação – se todos eles se vierem a provar – e ponderado tudo o consta já do processo e que foi devidamente sopesado na decisão agora em recurso, para se concluir que a decisão proferida não merece, nesta parte, qualquer censura.
Aduz ainda o recorrente que não lhe deve ser aplicada a prisão preventiva, mas outra medida de coação, concretamente a de prestação de caução e de proibição de contactos com os outros co-arguidos, nos termos do preceituado no artigo 197º e 200 alínea d) do Código de Processo Penal.
Vejamos:
As restrições ao direito à liberdade, enquanto direito fundamental com tutela constitucional, estão submetidas ao princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade[3] e devem ater-se dentro dos limites necessários à salvaguarda de outros direitos constitucionalmente protegidos.
Como princípio geral, a privação da liberdade só pode ser legitimada por sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança (cfr. número 2 do artigo 27º da C.R.P.), sendo reconhecido a todo o acusado o direito de exigir prova da sua culpabilidade em processo criminal que assegure todas as garantias de defesa, presumindo-se inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (cfr. números 1 e 2 do artigo 32º da C.R.P.).
Por isso, a prisão preventiva, sendo a medida de coacção mais gravosa porque mais limitadora da liberdade, encontra-se sujeita a critérios de estrita legalidade, prevista como uma das exceções ao princípio enunciado no número 2 daquele artigo 27º.
A sua natureza excecional e subsidiária encontra-se expressamente afirmada no número 2 do artigo 28º da C.R.P., nos termos do qual “a prisão preventiva tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.”
Desta forma procura-se encontrar um ponto de equilíbrio entre o interesse da boa administração da justiça e o direito à liberdade individual.
Os princípios constitucionais acima aludidos têm tradução e desenvolvimento na lei adjectiva penal. Desde logo no número 1 do artigo 191º, que estabelece os princípios da legalidade e tipicidade das medidas de coação e de garantia patrimonial nos seguintes termos: “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei”.
O número 2 do artigo 192º do mesmo diploma afasta a aplicação de qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial sempre que haja “fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal”.
Por seu turno, o número 1 do artigo 193º estabelece os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade de tais medidas, em função das exigências cautelares e da gravidade do crime e das sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas no caso concreto, enquanto que no seu o número 2 se reafirma o caráter subsidiário da prisão preventiva, e também da obrigação de permanência na habitação, que “só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção”.
O quadro legal dos casos de admissibilidade da prisão preventiva vem estabelecido no artigo 202º, que reafirma o carácter excecional e subsidiário daquela medida, a qual só será será de aplicar quando todas as demais, previstas na lei processual penal, se mostrarem inadequadas e insuficientes.
Ora, no caso sub judice, encontra-se indiciado o cometimento, pelo recorrente, em concurso efectivo e em co-autoria, de três crimes de furto qualificado, previstos e punidos, um pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alíneas a), e), e g) por referência ao disposto no artigo 202.º, alíneas b) e d), outro pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alíneas a), e g) por referência ao disposto no artigo 202.º, alínea b) do Código Penal e, o terceiro, pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alíneas a) e g), por referência ao disposto no artigo 202.º, alínea b), [em concurso aparente com um crime de dano qualificado, previsto e punível pelo artigo 213.º, n.º 1, alínea a)], e ainda a autoria material um crime de uso de documento de identificação alheia, previsto e punível pelo artigo 261.º, n.º 1, por referência ao disposto no artigo 255.º, alínea c), todos do Código Penal. Para cada um dos crimes de furto qualificado prevê a lei punição de 2 a 8 anos de prisão e até 2 anos de prisão para o crime de uso de documento falso.
Também quanto a este aspeto a decisão proferida é proficiente, explicitando o quanto este tipo de criminalidade é gerador de sentimentos de grande intranquilidade e insegurança social, como tem vindo a proliferar fruto de circunstâncias várias, nas quais se incluiu a hodierna crise económica em que a Europa se encontra mergulhada, sendo Portugal e Espanha países onde esta se faz sentir de modo particular.
Ainda, de que existe um concreto perigo de continuação da atividade criminosa. Com efeito na decisão bem se refere: “ sabendo-se que o arguido não tem ocupação estável, pese embora alegue ser detentor de um estabelecimento comercial e dele retirar proventos, o certo é que a prova documental carreada nesse sentido pelo próprio arguido vai no sentido de tal estabelecimento “a existir” ser da sua companheira, AO…, não exibindo qualquer documento referente à sua pessoa em particular, faz com que seja mais vulnerável à prática de factos relacionados com ilícitos patrimoniais, o que indicia perigo concreto de continuação deste género de actividade. A experiência comum, permite ao Tribunal concluir que a motivação do arguido para a prática dos factos se relaciona com motivos financeiros e necessidade de obter dinheiro fácil existindo proporcionador desafogo financeiro, por conseguinte, em razão da natureza dos crimes, perigo de continuação da actividade criminosa se colocado em liberdade. Ademais, reforça tal entendimento o facto acrescido de este se vir dedicando a este tipo de infracções penais nos últimos anos, sendo certo que é o próprio quem referiu que já sofreu, pelo menos, cerca de vinte condenações por crimes de furto e roubo. Aliás, sendo consumidor de drogas duras, como refere, tal circunstância, por si só, potencia, igualmente, a prática deste género de factos. (…).
Sendo este um juízo de probabilidade sobre um acontecimento não produzido tem o mesmo de se fazer com recurso à normalidade das coisas e à experiência da vida, sendo a conclusão retirada a que, com aquelas, se mostrar mais conforme.
Diz ainda o recorrente que não é pelo facto de ser cidadão espanhol que se concluiu que existe perigo de fuga. Com certeza que não, caso esse cidadão tivesse residência em Portugal e aqui estivesse estabelecido, por qualquer forma. Pensamos nós, sem temer errar, que é mesmo a presumida maior possibilidade de se furtar à ação da justiça que leva alguém a deslocar-se de um país a outro para cometer crimes, possibilidade que a livre circulação de pessoas no espaço europeu facilita enormemente.
Este auto é um translado e não temos, de tudo o que do processo consta, conhecimento cabal. Mas tendo em conta o teor da resposta apresentada pelo Ministério Público ao recurso interposto, percebe-se que demorou cinco meses o cumprimento do mandado de detenção europeu que foi emitido contra o arguido e que este apenas foi preso por razões fortuitas – como acontece muitas das vezes – por ter sido fiscalizado enquanto conduzia fazendo uso de um documento falso. O mandado não foi, portanto, cumprido de modo fácil, por o arguido ter sido localizado e encontrado na sua área de residência.
Igualmente não despiciendas as considerações a este propósito aduzidas no despacho recorrido: “ (…) considerando as molduras legais cominadas para os crimes em causa e concurso de crimes, mostra-se suficientemente fundado que em liberdade o referido arguido poderia fugir, de forma a eximir-se à acção da justiça, ocorrendo, pois, perigo concreto de fuga, não sendo despiciendo dizer-se que a livre circulação de pessoas e bens na União Europeia é factor de grande mobilidade de pessoas e facilita a fuga à acção da justiça.
Aliás, a sua fuga encontra-se facilitada pelo elevado desafogo e fluxo monetário que a perpetração dos crimes acima descritos lhes trouxeram, sendo sinal claro dessa tentativa de se eximir à justiça o facto de quando detido à ordem destes autos em face do M.D.E. emitido ser portador de documentos de identificação falsa.
Os perigos supra referidos e acabados de descrever são intensos, sendo também elevadíssimo o grau de ilicitude do conjunto dos factos indiciados. As condutas indiciadas não são esporádicas, mas contínuas e reiteradas, sendo patente que o arguido faz delas modo de vida e delas retira sua fonte de rendimento.
As penas abstractamente aplicáveis aos crimes indiciados e a real probabilidade de condenação em penas de prisão efectiva de duração significativa tornam verosímil a propensão para a fuga, dadas as dificuldades de controlo efectivo da mesma no actual contexto de abertura de fronteiras.
A obrigação de permanência na habitação, como medida alternativa à prisão preventiva e com preferência sobre esta, não se mostra adequada à realização das finalidades cautelares visadas porquanto a mesma não é viável por o arguido não residir em Portugal e não obviar às exigências cautelares que o caso requer, não obstando, nomeadamente, a uma fuga concertada, bem delineada e repentina, nem obsta a que o arguido proceda à concertação de outros planos de furto e roubo a partir da habitação”.
Aderindo aos argumentos expressos, bem se compreende a conclusão de que nenhuma outra medida que não a prisão preventiva se mostra adequada às exigências cautelares que o caso reclama, revelando-se ainda proporcional à gravidade dos factos.
Donde para se concluir que a decisão proferida não merece, também quanto a esta parte, qualquer censura.

III) – Decisão:
Assim pelos motivos expostos, decidem os juízes deste Tribunal da Relação, julgar improcedente o recurso interposto por B…, confirmando integralmente a decisão recorrida

Fixa-se em 3 UCs a taxa de justiça devida.
(elaborado e revisto pela relatora: cfr. artigo 94º número 2 do Código de Processo Penal)

Porto, 29/05/2012
Maria Manuela Marques de Sousa Paupério
Francisco Marcolino de Jesus
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[1] Acórdão de 20/04/2005, relatado pelo Desembargador António Gama pesquisado em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[2] Em sentido diverso, pugnando pela não equivalência dos termos, mas considerando que indícios suficientes deve ser entendido como mais rigoroso que fortes indícios: “Os fortes indícios " da prática de crime, necessários para que possa ser decretada a prisão preventiva, se bem que não equivalham a um mero fumo ou suspeita da ocorrência de crime e da sua imputação ao arguido, não carecem de atingir o grau de probabilidade dos "indícios suficientes", pois se assim fosse o prosseguimento do inquérito seria pouco menos que inútil visto estes servirem de suporte à acusação. Bastará delinear-se com alguma clareza os contornos e circunstâncias essenciais do crime e a sua ligação ao arguido” Acórdão da R.P. de 30/04/1197, relatado por Marques Salgueiro e pesquisado em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[3] cfr. CRP anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, vol. I, pág. 479