Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
164/16.1T9MCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: CRIME DE INJÚRIAS
ACUSAÇÃO DO ASSISTENTE
ACOMPANHAMENTO DO M.ºPº
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
DESPACHO A DESIGNAR DIA PARA JULGAMENTO
Nº do Documento: RP20170927164/16.1T9MCN.P1
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 727, FLS.246-266)
Área Temática: .
Sumário: Não constitui alteração, substancial ou não, da acusação a imputação pelo Mº Pº no despacho em que acompanha a acusação do assistente, de dois crimes de injúrias ao invés da imputação de um único crime constante da acusação do assistente, e ambas as acusações foram recebidas para julgamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 164/16.1T9MCN.P1

Tribunal da Relação do Porto
(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:
No processo supra identificado, por sentença datada de 15/03/2017, depositada na mesma data, e no que ora importa salientar, decidiu-se julgar a acusação pública e particular procedentes, por provadas, e, em consequência:

- condenar o arguido B…:

- pela prática de um crime agravado de coação, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 73º, 154º, nºs. 1 e 2 e 155º, nº 1, al. a), todos do Código Penal, na pena de um ano de prisão, substituída por cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de dez euros, o que perfaz uma pena de multa no valor de mil e oitocentos euros;

- pela prática de dois crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, na pena de cinquenta e cinco dias de multa, à taxa diária de dez euros;

- condená-lo, em cúmulo jurídico das sobreditas penas de multa, na pena única de oitenta e cinco dias de multa, à taxa diária de dez euros, totalizando o montante de oitocentos e cinquenta euros;

- condenar o arguido C…:

- pela prática de um crime de coação, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 73º, 154º, nºs. 1 e 2, todos do Código Penal, na pena cento e trinta dias de multa, à taxa diária de seis euros;
- pela prática de dois crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de cinquenta e cinco dias de multa, à taxa diária de seis euros;

- condená-lo, em cúmulo jurídico das mencionadas penas, na pena única de cento e sessenta dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfaz o montante de novecentos e sessenta euros.

A par, mais se decidiu, julgar parcialmente procedente o pedido cível e, em consequência, condenar os demandados B… e C… a pagar aos demandantes D… e E… quantia de mil euros, sendo seiscentos euros a cargo do demandado B… e quatrocentos euros a suportar pelo demandado C…, como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, absolvendo-os do demais peticionado.

Não se conformando, o arguido B… veio interpor recurso desta decisão, nos termos que constam de fls. 291 a 300, aqui tidos como renovados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição, com a nota de que do ponto 12 passa-se para o 15):

1. A acusação particular não contém o elemento subjetivo do crime imputado ao arguido, razão pela qual deve a mesma ser considerada nula por falta dos elementos essenciais da responsabilidade criminal;
2. E não se diga que os elementos essenciais do crime se encontram alegados no respetivo pedido cível constante de fls 187 a 189, pois que, salvo devido respeito, apesar da acusação e o pedido cível terem sido formulados na mesma peça processual, não se confundem;
3. A referida nulidade é de conhecimento oficioso do Tribunal, não estando portanto dependentes da arguição por parte dos sujeitos processuais, podendo ser conhecida a todo o tempo, isto é, em qualquer fase do procedimento, enquanto não transitar em julgado;
4. Os assistentes deduziram também acusação particular contra o arguido, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art.° 181°, n.° 1 do C.P., aderindo ainda à acusação pública;
5. Salvo devido respeito, as afirmações produzidas pelo arguido, de acordo com o que vem descrito na acusação, não são suficientes para fundamentar a prática do crime de injúria que é imputado ao arguido;
6. O Arguido foi acusado nos autos, da prática de um crime de coação agravado punido pelos artigos 22°, 23°, 73°, 154° n.° 1 e 2 e 155 n.° 1 alínea a) todos do Código Penal e um crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181 n.° 1 do Código Penal;
7. A nosso ver, e sempre ressalvado o devido respeito, não pode haver condenação pelo crime diferente do da acusação, sem que tenha sido respeitado o comando do referido artigo 358° do CPP.
8. Por isso, a sentença é nula nos termos do artigo 379° n° 1 c) do Código de Processo Penal, e, tal nulidade torna inválido o julgamento, por ser o ato em que se verificou, conforme art° 122° n° 1 do CPP, que assim deve ser repetido (n° 2 do preceito),
9. Sem prejuízo da matéria posta em causa no presente recurso o arguido põe igualmente em causa o quantum da pena, que considera desproporcionadas às finalidades da punição, entendendo que o Tribunal deve aplicar uma pena proporcional e justa.
10. Face ao exposto, no que respeita ao crime de coação agravada na forma tentada (não consumado), deve a pena de prisão ser reduzida a 6 meses e ser substituída pela pena de 90 dias de multa à razão diária de €5 euros;
11. No que concerne aos 2 crimes de injúria afigura-se como adequado por cada crime a pena concreta de 50 dias de multa à razão diária de €5 euros;
12. Ao contrário do que defende o Tribunal a Quo deverá efetuar-se o cúmulo jurídico das penas de multa e condenar-se o arguido na pena única de 133 dias de multa à taxa diária de €5 euros, o que perfaz o montante de €665,00;
15. O recorrente entende que, os danos não patrimoniais reclamados pelos assistentes não revelam gravidade;
16. As afirmações produzidas pelo arguido não são suficientes para abalar moralmente os assistentes, reduzindo a sua autoestima, não o fazem ser alvo de falta de consideração ou desprezo públicos, pelo que, não merecem tutela jurídica;

Igualmente inconformado com tal decisão, o arguido C… dela veio interpor recurso desta decisão, nos termos vertidos a fls. 301 a 309, aqui tidos como repetidos, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição, com a nota de que do ponto 9 passa-se para o 14):

1. A acusação particular não contém o elemento subjetivo do crime imputado ao arguido, razão pela qual deve a mesma ser considerada nula por falta dos elementos essenciais da responsabilidade criminal;
2. E não se diga que os elementos essenciais do crime se encontram alegados no respetivo pedido cível constante de fls 187 a 189, pois que, salvo devido respeito, apesar da acusação e o pedido cível terem sido formulados na mesma peça processual, não se confundem;
3. A referida nulidade é de conhecimento oficioso do Tribunal, não estando portanto dependentes da arguição por parte dos sujeitos processuais, podendo ser conhecida a todo o tempo, isto é, em qualquer fase do procedimento, enquanto não transitar em julgado;
4. Os assistentes deduziram também acusação particular contra o arguido, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art.° 181°, n.° 1 do C.P., aderindo ainda à acusação pública;
5. Salvo devido respeito, as afirmações produzidas pelo arguido, de acordo com o que vem descrito na acusação, não são suficientes para fundamentar a prática do crime de injúria que é imputado ao arguido;
6. O Arguido foi acusado nos autos, da prática de um crime de coação agravado punido pelos artigos 22°, 23°, 73°, 154° n.° 1 e 2 e 155 n.° 1 alínea a) todos do Código Penal e um crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181 n.° 1 do Código Penal;
7. A nosso ver, e sempre ressalvado o devido respeito, não pode haver condenação pelo crime diferente do da acusação, sem que tenha sido respeitado o comando do referido artigo 358° do CPP.
8. Por isso, a sentença é nula nos termos do artigo 379° n° 1 c) do Código de Processo Penal, e, tal nulidade torna inválido o julgamento, por ser o ato em que se verificou, conforme art° 122° n° 1 do CPP, que assim deve ser repetido (n° 2 do preceito),
9. Sem prejuízo da matéria posta em causa no presente recurso o arguido põe igualmente em causa o quantum da pena, que considera desproporcionadas às finalidades da punição, entendendo que o Tribunal deve aplicar uma pena proporcional e justa.
14. Face ao exposto, no que respeita ao crime de coação afigura-se como proporcional uma pena de 65 dias de multa à razão diária de €3,5 euros;
15. No que concerne aos 2 crimes de injúria afigura-se como adequado por cada crime a pena concreta de 50 dias de multa à razão diária de €3,5 euros;
16. Em cúmulo jurídico, condenar-se o arguido na pena única de 116 dias de multa á taxa diária de €3,5 euros, o que perfaz o montante de €408,33;
17. O recorrente entende que, os danos não patrimoniais reclamados pelos assistentes não revelam gravidade;
18. As afirmações produzidas pelo arguido não são suficientes para abalar moralmente os assistentes, reduzindo a sua autoestima, não o fazem ser alvo de falta de consideração ou desprezo públicos, pelo que, não merecem tutela jurídica;

Os recursos foram regularmente admitidos (cfr. fls. 312).

O Ministério Público respondeu conjuntamente a ambos os recursos nos termos que constam de fls. 316 a 321, aqui tidos como especificados, tendo concluído no sentido da sua improcedência.

Por seu turno, os assistentes também vieram responder em conjunto aos dois recursos nos termos que constam de fls. 326 a 344, aqui tidos como repetidos, tendo concluído igualmente no sentido da sua improcedência.

Já neste tribunal, e com vista nos autos, a Ex.ma PGA emitiu o parecer junto a fls. 352 e 353, aqui tido como reproduzido, através do qual acompanhou a sobredita resposta do Ministério Público e, em consonância, preconizou também a improcedência de ambos os recursos.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) a decisão recorrida:
No que aqui importa destacar, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição):
Factos provados
1. O assistente D… é repórter de imagem do canal de televisão F… propriedade do Grupo G…, S.A., empresa pertencente ao Grupo G…;
2. O assistente E… é jornalista do referido canal;
3. No exercício das suas funções, os assistentes realizam várias reportagens por todo o país;
4. No dia 22 de abril de 2016, os assistentes, no exercício das respetivas funções, deslocaram-se à Rua …, nº …, em …, Marco de Canaveses, no sentido de elaborarem uma reportagem sobre H…, pessoa que ganhou o prémio do I…;
5. Na referida morada residem os filhos da H…, pelo que os assistentes aí se deslocaram no intuito de obterem informações relativamente ao investimento imobiliário que esta teria efetuado na construção de duas moradias de luxo para os seus dois filhos;
6. Nessas circunstâncias e quando os assistentes se preparavam para realizar a referida reportagem junto à residência do arguido B…, este, dirigindo-se para os assistentes D… e E…, proferiu as seguintes expressões: “vão já embora…ponham-se a andar, senão levam já um balázio nos cornos”;
7. Ao mesmo tempo, que com o dedo indicador de uma das mãos passava pelo pescoço, significando que iria degolar os assistentes, caso não fossem embora dali, imediatamente;
8. De seguida, o arguido C…, dirigindo-se para os assistentes, proferiu as seguintes expressões: “ponham-se a andar” e munido de um barrote das obras, “Vocês estão pedi-las! Já vão ver!”;
9. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de constrangerem os assistentes à saída imediata das imediações da residência do arguido B…, filho da “I1… do Marco de Canaveses”, servindo-se para o efeito de ameaças contra as vidas e integridade física dos assistentes, o que fizeram de forma séria e convincente, só não conseguindo os seus intentos por circunstâncias completamente estranhas à sua vontade, agindo em conjugação de vontades e comunhão de esforços;
10. Tinham, além disso, perfeito conhecimento que o seu comportamento era proibido e punido por lei;
11. Ainda nas circunstâncias supra descritas o arguido B…, proferiu em voz alta e na direção dos assistentes as seguintes expressões: “filhos da puta”, “cabrões do caralho”;mentirosos”, “cães”;
12. Bem sabendo o referido arguido que, com aquelas expressões, estava a ofender a consideração, bom nome e honra dos assistentes;
13. Enquanto proferia aquelas concretas frases e expressões o arguido B… arremessava pedras contra os assistentes, o que os obrigou a abandonar o local e a dirigirem-se à sua viatura;
14. Quando os assistentes pretendiam abandonar o local, dirigindo-se à viatura, foram intercetados pelo arguido C…, que surgiu do meio da obra, proferindo os seguintes termos: “Vão embora seus filhos da puta, cabrões do caralho, ponham-se a andar”;
15. Com a sua conduta, o arguido C… quis ofender a honra e bom nome dos assistentes que ali se encontravam no exercício da sua atividade profissional;
16. Os arguidos bem sabiam que a sua conduta era prevista e punida por lei e, ainda assim, não se coibiram de dirigir palavras aos assistentes ofensivas da sua consideração e honra;
17. Os demandantes sentiram-se, em consequência, humilhados da forma descrita;
18. Tais factos tiveram reflexos negativos no normal desenrolar da vida profissional dos demandantes e provocaram sentimentos de angústia e revolta nestes;
19. O arguido B… está desempregado há cerca de 3 anos;
20. A sua mãe contribui para o seu sustento com o pagamento de uma mensalidade de 600,00€, suportando ainda o pagamento de todas as despesas domesticas;
21. Vive numa moradia oferecida pela mãe, juntamente com a esposa (doméstica) e a filha do casal com 5 anos de idade;
22. Tem 3 veículos automóveis em seu nome (marca Citroen …; BMW … e Mercedes …), dois dos quais de grande cilindrada e topo de gama;
23. Estudou até à 4.ª classe;
24. O arguido C… está desempregado e efetua alguns trabalhos esporádicos e pontuais na construção civil pelos quais recebe montante não concretamente apurado;
25. Aufere uma pensão de sobrevivência no valor de 150,00€;
26. Vive com a mãe e a filha (de 16 anos);
27. Não paga renda de casa;
28. Não está a amortizar créditos bancários;
29. Estudou até ao 6.º ano;
30. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
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Factos não provados
Não se provaram outros factos relevantes para a discussão da causa para além ou em contradição com os que foram dados como assentes.
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Motivação
Como dispõe o art.º 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo, à luz das elementares regras da experiência, do senso comum e da normalidade.
Os arguidos no essencial negaram a prática dos factos. Apesar de tudo, assumiram que estiveram presentes no dia, hora e local em apreço, alegando que os assistentes teriam subido para o muro da vivenda da propriedade do arguido B…, sem o consentimento deste e com vista a procederem à captação de imagens, o que transtornou este último ao ponto de reconhecer que “ficou nervoso e com a cabeça à roda” (sic), tendo os arguidos transmitido aos assistentes que deveriam retirar-se do local.
Assim, atendeu-se às declarações do assistente E… que começou por explicar que no âmbito de uma reportagem que visava um acidente de viação sofrido pela I1…, bem como o levantamento dos investimentos que a mesma teria feito com o dinheiro que ganhou do prémio, dirigiram-se até junto das moradias dos dois filhos daquela, sitas em …, com vista a captarem imagens e eventualmente entrevistarem os seus proprietários. Relatou que aí chegados, o assistente D… saiu do veículo automóvel para recolher as imagens, o que fez através da via pública, não tendo chegado a introduzir-se no interior de nenhuma das propriedades privadas e que a determinada altura viu o arguido B… a gesticular e gritar na direção de ambos os assistentes, proferindo as seguintes expressões: “seus cornos, seus filhos da puta, cabrões do caralho”, “vão embora daqui”, “cães”, “mentirosos”, “levam um balázio nos cornos”. Disse que ao mesmo tempo que o arguido B… proferia tais expressões, fazia o gesto com um dedo a passar pelo pescoço, insinuando que os iria degolar e ainda simulando que trazia uma arma consigo e que a disparava a mesma contra os assistentes, comportamento esse que visava impedir os assistentes de exercerem as suas funções profissionais e de os levar a abandonar o local. Explicou que a certa altura quando os assistentes seguiam já no interior do veículo, surgiu o coarguido C… junto a um portão das moradias, o qual sem que nada o fizesse prever dirigiu-se aos jornalistas em voz alta dizendo: “vão-se embora daqui”, “seus filhos da puta”, “cabrões”, “mentirosos”. Imobilizaram a viatura e nessa altura o assistente tentou explicar ao referido arguido que se encontravam em serviço de reportagem e que apenas estavam a fazer o seu trabalho, altura em que o coarguido B… arremessou à distância várias pedras em direção ao local onde se encontravam os assistentes. Mencionou que, por seu turno, o coarguido C… agarrou numa espécie de barrote/régua e levantando-a ao alto disse: “já vão ver o que vos vai acontecer”, dando uns passos em frente, altura em que decidiram chamar a Guarda Nacional Republicana e em que os arguidos se retiraram do local.
Disse que na sequência do comportamento violento e intimidante dos arguidos, os assistentes ficaram com medo já que tomaram como sérias as ameaças que lhes foram dirigidas, o que levou a que se sentissem condicionados e limitados na sua liberdade de ação.
De referir que tais declarações foram, no essencial, corroboradas pelo assistente D…, o qual descreveu a dinâmica dos acontecimentos em moldes semelhantes ao assistente E… e entre si concordantes.
Ambos descreveram as repercussões que a conduta dos arguidos teve nas suas vidas pessoais e profissionais.
Cumpre salientar que tais declarações pareceram espontâneas, genuínas e vivenciadas por quem experimentou um estado de aflição e por isso merecedoras de crédito, em detrimento das declarações dos arguidos, que se afiguraram frágeis e inconsistentes. Com efeito, naquele concreto contexto em que o arguido B… se assumiu em estado de nervosismo e indignado com a presença dos jornalistas é mais plausível e consentâneo com as regras da experiência comum a reação dos arguidos conforme descrita pelos assistentes. Inversamente, já não faz sentido a dinâmica dos acontecimentos relatada pelos arguidos - que negaram a prática dos factos e simultaneamente tentaram imputar a responsabilidade aos assistentes sugerindo que os mesmos haviam saltado o muro para captar as imagens-, sobretudo se tivermos em consideração que nessa ocasião não contactaram, sequer aguardaram a presença das autoridades de segurança pública sabendo que estavam na iminência de comparecer, ao invés preferindo abandonar o local, o que não deixa de ser revelador da sua postura.
Complementarmente, atendeu-se ao depoimento objetivo e escorreito das testemunhas J… e K…, colegas de trabalho dos assistentes, os quais não tendo presenciado os factos, confirmaram que foram contactados telefonicamente pelo assistente E…, dando conta do sucedido, tendo-o aconselhado a contactar de imediato a GNR. Relataram ainda os reflexos que a conduta dos arguidos representou no bem-estar emocional dos assistentes e bem ainda na vida profissional destes.
Os elementos relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta dos arguidos foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
A situação económica e social dos arguidos resultou do teor das suas declarações, que neste particular se revelaram dignas de crédito.
Para demonstração da ausência de antecedentes criminais dos arguidos o Tribunal valeu-se dos certificados do registo criminal juntos a fls. 150 e 151.
A demais matéria fáctica invocada nos articulados, e não expressamente referida em sede de factos provados e não provados, deveu-se à circunstância de se ter entendido constituir matéria meramente conclusiva ou por não se afigurar com relevância para a boa decisão da causa.
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De Direito
A) Enquadramento jurídico-penal dos factos
Do crime de coação
Face à matéria de facto dada como provada importa proceder à qualificação jurídico - penal da conduta dos arguidos, no sentido de determinar qual a tutela jurisdicional que ao caso cumpre dar.
Nos termos do disposto no artº 154º, nº 1, do Código Penal, incorre na prática deste crime, na forma simples, “quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma ação ou omissão, ou a suportar uma atividade”.
Ora, quando a coação for realizada por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o tipo de crime em apreço é agravado, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 155º do Código Penal.
O crime de coação constitui o tipo fundamental dos crimes contra a liberdade de decisão e de ação.[1]
O tipo objetivo de ilícito da coação consiste em constranger outra pessoa a adotar um comportamento: praticar uma ação, omitir determinada ação ou suportar uma ação.
O sujeito passivo deste ilícito pode ser qualquer pessoa, bem como a conduta coagida pode ser toda e qualquer uma.[2]
Os meios de coação são a violência[3] ou ameaça com mal importante[4].
Acresce que se trata de um crime de resultado visto que pressupõe o constrangimento de uma pessoa a uma ação, ou omissão ou a suportar uma atividade.
Assim, a consumação deste ilícito exige que a pessoa coagida tenha, efetivamente, sido constrangida a praticar a ação, a omitir a ação ou a tolerar a ação, de acordo com a vontade do coator e contra a sua vontade. Acrescenta Américo Taipa de Carvalho[5] que "para haver consumação, não basta a adequação da ação (isto é, a adequação do meio utilizado: violência ou ameaça com mal importante) e a adoção, por parte do destinatário da coação, do comportamento conforme à imposição do coator, mas é ainda necessário que entre este comportamento e aquela ação de coação haja uma relação de efetiva causalidade. Se a conduta (ação, omissão ou tolerância de uma determinada ação) do sujeito passivo, isto é, do destinatário da coação - apesar de coincidente com a que o coator impunha- foi livremente decidida ou devida a apelo de terceiro (por ex. forças policiais...), e não consequência ou resultado direto da ação de coação, isto é, do medo da concretização da ameaça (o que se verifica, quando o sujeito passivo estava decidido a não ceder às exigências comportamentais do coator), não há consumação, mas apenas tentativa."
Existe tentativa de crime, ou crime na forma tentada, nos termos do disposto no artº 22º, nº 1, do Código Penal, “quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”, sendo atos de execução, designadamente, “os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime” (nº 2, al. a)).
No caso sub judice, apurou-se que o arguido B… dirigindo-se para os assistentes, proferiu as seguintes expressões: “vão já embora…ponham-se a andar, senão levam já um balázio nos cornos”, ao mesmo tempo que, com o dedo indicador de uma das mãos passava pelo pescoço, significando que iria degolar os assistentes, caso não fossem embora dali, imediatamente, tendo ainda arremessado várias pedras na direção dos assistentes, tudo com o intuito de impedir que os assistentes praticassem ato relativo ao exercício das suas funções profissionais e abandonassem o local. Por seu turno, provou-se que o arguido C…, dirigindo-se para os assistentes, proferiu as seguintes expressões: “ponham-se a andar” e munido de um barrote das obras, disse “Vocês estão pedi-las! Já vão ver!”, também com o propósito de levar os assistentes a abandonar o local. Finalmente provou-se que ambos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de constrangerem os assistentes à saída imediata das imediações da residência do coarguido B…, servindo-se para o efeito de ameaças contra a vida e integridade física dos assistentes, o que fizeram de forma séria e convincente, só não conseguindo os seus intentos por circunstâncias completamente estranhas à sua vontade, agindo em conjugação de vontades e comunhão de esforços.
Face ao que atrás ficou dito entendemos que se verifica o elemento objetivo e o elemento subjetivo do crime, todavia não existe consumação na medida em que não se verificou o resultado, posto que os assistentes não chegaram a abandonar o local, antes ali aguardaram pela comparência dos elementos da Guarda Nacional Republicana.
Estamos, pois, perante uma tentativa de coação agravada no que concerne ao arguido B…, já que a ameaça propalada através de palavras e gestos (morte dos assistentes) integra a prática de um crime de homicídio punível com pena de prisão superior a 3 anos. No que respeita ao arguido C…, tendo em conta as concretas expressões produzidas “ponham-se a andar”, “vocês estão pedi-las! já vão ver!” e o objeto de que era portador (barrote das obras) não se poderá considerar que a ameaça integra a prática de um crime de homicídio, mas apenas um crime contra a integridade física, pelo que a punição deverá ser feita pelo n.º 1 do art.º 154º do Código Penal.
Inexistem circunstâncias suscetíveis de afastar a ilicitude e/ou a culpa.
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Crime de Injúria
Os arguidos vêm, ainda, acusados da prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal.
Tal normativo pune «quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração».
Este tipo legal visa proteger a honra nas suas dimensões normativa e fáctica – a reputação ou consideração exterior do indivíduo e o seu valor pessoal ou interior (JOSÉ DE FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 607, 14 e 15).
Resulta do acervo fáctico dado como provado que os arguidos dirigiram-se aos assistentes proferindo as expressões supra descritas (tal como “filhos da puta” e “cabrões do caralho”), as quais são objetivamente ofensivas da honra e consideração de um indivíduo, pelo que o tipo objetivo de ilícito se mostra preenchido.
Verificado que está o preenchimento do tipo objetivo de ilícito, dúvidas também não restam, face à factualidade dada como provada, quanto ao preenchimento do tipo subjetivo de ilícito.
Com efeito, ao agir da forma descrita, os arguidos quiserem vexar e humilhar os assistentes através das palavras que lhes dirigiram. Agiram, portanto, com dolo direto, nos termos do artigo 14.º, n.º1, do Código Penal. Cometeram, pois, cada um dos arguidos um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, por cada um dos ofendidos.
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Escolha e determinação concreta da medida da pena
Concluindo-se que os arguidos incorreram na prática dos aludidos crimes, importa agora determinar a natureza e medida concreta da pena a aplicar-lhe.
Cumpre referir que o crime de coação simples é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (entre 10 dias a 360 dias – artigo 154.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1 do Código Penal), o crime de coação agravado é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos (art.º 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal) e o crime de injúria com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias – artigo 181.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1 do Código Penal.
Por força do disposto nos art.º 154º, n.º 2, art.º 23º, n.º2 e 73º, ambos do Código Penal, relativamente aos limites das penas do crime de coação na forma tentada:
a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;
b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior;
c) O limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal.
Importa assim proceder à escolha da espécie de pena a aplicar.
O artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal prevê que a aplicação das penas «visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».
A necessidade de proteção dos bens jurídicos traduz-se «na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida» (cfr. FIGUEIREDO DIAS, in As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 228). Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Pela reintegração do agente na sociedade (ou prevenção especial positiva) pretende-se permitir ao agente a interiorização dos valores jurídico-penais com os quais a sua conduta não se conformou, através da execução da pena que lhe é aplicada.
Nos termos do artigo 70.º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena de prisão e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa à pena de prisão. Sendo a função da culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena.
Afastada que foi a relevância da culpa na no problema da escolha da pena, resta dar lugar às exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
A prevenção especial de socialização há de assumir um papel preponderante neste domínio uma vez que são considerações a esse nível que justificam, na perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. O Tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, neste ponto de vista, necessária ou, provavelmente, mais conveniente.
A prevenção geral surge aqui, unicamente, sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração essencial à defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Assim, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução de pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas, irremediavelmente, em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (cfr. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português Parte Geral - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 333).
Apliquemos o que acaba de se dizer ao caso sub judice.
O facto de os arguidos estarem socialmente inseridos e não terem antecedentes criminais revela não se fazer sentir no caso concreto, uma necessidade premente de ressocialização. Estes fatores levam o Tribunal a concluir pela aplicação aos arguidos de uma pena de multa.
Resta, pois, determinar a medida concreta da pena.
Segundo o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Assim, a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso, ou seja, a «culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas» (cfr. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., página 230). O limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de pôr em causa a dignitas humana do delinquente (cfr. artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal).
A função da culpa é, pois, a de estabelecer o máximo de pena concreta ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito Democrático. Como limite que é, pois, a medida da culpa serve para determinar um máximo de pena que não poderá em caso algum ser ultrapassado, não para fornecer em última instância a medida da pena: esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa de considerações de prevenção.
Dentro da moldura da culpa, serão razões de prevenção geral positiva que permitirão delinear uma submoldura cujos limites coincidirão da seguinte forma: o limite superior com a medida ótima de tutela dos valores ofendidos pelo crime, no sentido de tutela das expectativas da comunidade quanto à manutenção (ou reforço) da norma violada, e o limite inferior com a pena ainda suportável pela comunidade com vista a essa tutela.
Dentro da moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança.
A função de socialização constitui o vetor mais relevante da prevenção especial. Assim, pode-se dizer que as exigências de prevenção especial de socialização vão determinar, no quadro da submoldura da prevenção geral, a medida exata da pena concreta, suscetível de descer até ao limite inferior daquela moldura quando o agente do crime não careça de ser socializado mas tão só advertido.
A medida da pena deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só por esta via se alcançando uma eficácia de proteção dos bens jurídicos (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de maio de 1995, Coletânea de Jurisprudência, Tomo II, página 214).
A quantificação da culpa e bem assim da intensidade ou grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se através da ponderação das circunstâncias gerais presentes no caso concreto (…circunstâncias que…depuserem a favor do agente ou contra ele … - artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal) (cfr. ROBALO CORDEIRO, «A determinação da pena», Jornadas de Direito Criminal Revisão do Código Penal – Alterações ao sistema sancionatório e Parte Especial, vol. II, CEJ, página 46).
Na graduação de uma pena de multa o seu número de dias deve ser determinado em função da culpa e das exigências de prevenção, nos termos do citado artigo 71.º do Código Penal, e a fixação do montante diário deve atender à situação económico-financeira do condenado e aos seus encargos familiares.
No caso impõe-se considerar:
- a atuação dos arguidos com dolo direto, que é o mais elevado grau de censura jurídico-penal;
- a intensidade do grau de ilicitude da sua conduta, acentuada tendo em conta a gravidade das imputações efetuadas e a forma de intimidação dirigida a quem apenas tentava exercer as suas funções profissionais;
- o modo de execução dos factos e o grau de violação dos deveres que lhe eram impostos, denotando um comportamento incorreto perante as normas de vivência comunitária;
- o comportamento posterior dos arguidos que não assumiram a prática da sua conduta, não demonstraram qualquer arrependimento e não repararam o mal cometido, o que indicia que não interiorizaram o desvalor das suas condutas.
Favoravelmente importa salientar que ambos os arguidos se encontram socialmente inseridos na comunidade onde residem, não possuindo antecedentes criminais.
Ponderando as circunstâncias supra enunciadas, afiguram-se adequadas as seguintes penas:
A) Ao arguido B…:
- Pelo crime de coação agravada: a pena de 1 (um) ano de prisão;
- Pelo crime de injúria: a pena de 55 dias de multa por cada um dos crimes cometidos.
Verificando-se que os factos ora apreciados relativos às injúrias se encontram em situação de concurso, importa proceder à determinação da pena única do concurso, de acordo com o artigo 77.º do Código Penal. Tal pena deverá ser determinada dentro de uma moldura calculada nos termos do artigo 77.º, n.º 2: o máximo correspondendo à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o mínimo fixando-se na mais alta das penas concretamente aplicadas.
A pena única aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 900 dias tratando-se de pena de multa e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal).
In casu, a pena aplicável tem como limite máximo 110 dias e como limite mínimo, 55 dias de multa.
Dentro da moldura assim determinada, a pena única fixar-se-á tendo em conta, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – artigo 77.º, n.º1, in fine. Esta avaliação deve centrar-se na ideia de “gravidade do ilícito global” que os factos analisados no seu conjunto nos ofereçam, bem como na resposta que os mesmos deem «à questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade» – FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português Parte Geral - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 291, § 421). Não se trata aqui de valorar novamente os elementos já tidos em conta na determinação de cada pena concreta, mas antes extrair consequências de uma “visão de conjunto” de toda a factualidade.
De acordo com estes critérios, e tendo em conta que existem elementos que nos permitem recear que o arguido ainda não foi, suficientemente, advertido de que deve adequar o seu comportamento ao dever-ser jurídico-penal, sendo certo que os ilícitos praticados não demonstram especial gravidade, afigura-se-nos adequado fixar a pena única em 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 10,00€ (dez euros), atenta a situação económica apurada, o que perfaz o montante de 850,00€ (oitocentos e cinquenta euros).
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Da Pena de Substituição
Aqui chegado, defronta-se o Tribunal com a necessidade de ponderar da efetiva execução da pena de prisão ora aplicada.
Estabelece o artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal que “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º”.
Assim, face à dosimetria penal concretamente fixada, 1 ano de prisão, são legal e abstratamente admissíveis apenas as penas de substituição de pena de multa, regime de permanência na habitação, prisão por dias livres, regime de semidetenção, a suspensão da pena de prisão e, por último, a prestação de trabalho a favor da comunidade.
Considerando esta panóplia de penas de substituição que o legislador consagra e cuja aplicação incentiva, importa verificar se, neste caso, alguma se mostra adequada e suficiente. Como critério, e nos termos apontados por Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, pág. 331, “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação”. Tal foi também o caminho já traçado pelos nossos tribunais pois, como salienta o consagrado autor, in op. cit. “Deve, por isso, saudar-se com esperança o Ac. STJ de 90MAR21, que decidiu, sem lugar para equívocos ou restrições, que a aplicação de uma pena de substituição (no caso, a pena de multa de substituição) depende, em exclusivo, de considerações de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de ressocialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade»”.
Relativamente ao critério a aplicar para preferir de entre as várias penas de substituição também Figueiredo Dias salienta (in op. cit., pág. 330) que “o CP vigente parece recusar-se, à partida, a fornecer um critério ou cláusula geral de escolha ou de substituição da pena. Quer a propósito da escolha entre penas alternativas, quer a propósito de praticamente cada uma das penas de substituição ele indica um critério diferente ou individualizado”. Contudo, a este respeito o insigne Professor salienta como critério que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição”, idem. Neste conspecto, e atendendo às exigências de prevenção geral e especial, em especial, atendendo a que o arguido não tem antecedentes criminais, somos de entender que a substituição da aludida pena prisão por multa ainda é adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
Dispõe o sobredito artigo 47.º, n.º 1 que “a pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360”.
Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (n.º 2). Dando aqui por integralmente reproduzidos os elementos ponderados para fixar as penas principais, consideramos adequado, justo e pedagógico condenar o arguido na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €10,00 (dez euros), o que perfaz uma pena de multa no valor de €1.800,00 (mil e oitocentos euros), a qual, não sendo paga, implica o efetivo cumprimento da pena de prisão acima fixada (cfr. art.º 43.º, n.º 2 do Código Penal).
Não se procede ao cúmulo jurídico das penas de multa, atenta a sua diferente natureza – uma é pena principal, outra de substituição da pena de prisão - devendo as mesmas serem cumpridas num sistema de acumulação material – neste sentido veja-se Ac. Relação de Lisboa de 12-12-2006, disponível em www.dgsi.pt.
B) Ao arguido C…:
- Pelo crime de coação simples: a pena de 130 dias de multa;
- Pelo crime de injúria: a pena de 55 dias de multa por cada um dos crimes cometidos.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares supra indicadas, nos termos do citado art.º 77.º do Código Penal, condena-se o arguido na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), atentas as condições económicas apuradas, o que perfaz o montante de 960,00€ (novecentos e sessenta euros).
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B) Do pedido de indemnização civil
Vejamos da procedência do pedido cível deduzido pelos demandantes.
Os demandantes deduziram pedido de indemnização cível contra os demandados/arguidos, requerendo a condenação destes no pagamento de quantia determinada, para reparação dos danos não patrimoniais sofridos em consequência da atuação dos arguidos descrita na acusação particular.
O artigo 129.º do Código Penal estabelece que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. De acordo com o artigo 483.º do Código Civil, quem violar culposa e ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Face aos factos que se provaram e ao seu enquadramento jurídico atrás explicitado, nenhuma dúvida resta de que os demandados, com a sua conduta, violaram direitos absolutos dos demandantes – o seu direito à honra, bom nome e consideração social. Os restantes elementos de que depende aquela obrigação de indemnizar – factos, ilicitude, dano, nexo de causalidade entre a conduta e os danos e culpa – também se verificam no caso concreto, como resulta do atrás demonstrado.
Assim sendo, os demandados constituem-se na obrigação de indemnizar os lesados.
Vejamos então o montante dos danos a ressarcir.
Relativamente aos danos não patrimoniais, prescreve o art. 496.º, n.º 1, do Código Civil que devem ser atendidos aqueles que, atenta a sua gravidade, mereçam a tutela do Direito.
Tais danos no caso reconduzem-se aos morais, sendo estes aqueles prejuízos, tais como as dores físicas, os desgostos, os aborrecimentos, os vexames, as perdas de prestigio e de reputação, os complexos de ordem estética, que sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a perfeição física, a honra e o bem nome, que não integram o património do lesado e apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposto ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
O montante da indemnização pelos danos de natureza não patrimonial deve ser arbitrado equitativamente, no que deverão, nomeadamente, ser atendidos o grau de culpa do agente, a sua situação económica e a do lesado, e outras circunstâncias relevantes, nos termos dos arts. 494.º e 496.º, n.º 3, ambos do Código Civil.
No caso concreto, resultou que o acontecimento na sua globalidade, provocou nos assistentes, sentimentos de humilhação, revolta e angústia.
Considerando a natureza dos danos sofridos, a atuação dolosa dos demandados, as circunstâncias em que ocorreram os factos e o que de mais resultou para os demandantes, entendemos adequada a indemnização de €1.000,00 (sendo 600,00€ a cargo do demandado B… e de 400,00€ a suportar pelo demandado C…) como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, absolvendo os demandados do demais peticionado.
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b) apreciação do mérito:
Começaremos por recordar que, conforme jurisprudência pacífica[6], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[7], devendo sublinhar-se que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente.
Antes disso, importa apreciar a seguinte
questão prévia.
Ambos os recorrentes vieram alegar que os danos não patrimoniais reclamados não revelam gravidade, pelo que não merecem tutela jurídica.
Sucede, porém, que os demandantes vieram peticionar que os arguidos fossem condenados a pagar a quantia de mil e quatrocentos euros, na proporção de metade para cada um.
Ora, e considerando que o valor atual da alçada dos tribunais de 1ª instância é de cinco mil euros (cfr. artigo 44º da Lei nº 62/2013, de 26/08), cremos linear que não é admissível recurso nessa parte, conforme decorre do preceituado no artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal, onde se prevê, desde logo, que o recurso só seria admissível desde que o valor do pedido fosse superior à alçada do tribunal recorrido, o que aqui não sucede, requisito que é cumulativo com o outro ali previsto, o que sendo pacífico nos dispensa quaisquer citações e/ou outros desenvolvimentos.
Por outro lado, o facto de os recursos terem sido admitidos também nessa parte, tal não vincula o tribunal superior (cfr. artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal).
Assim sendo, resta a rejeição de ambos os recursos nessa parte (cfr. artigos 400º, nº 2, 414º, nº 3 e 420º, nº 1, al. b), todos do Código de Processo Penal), o que, obviamente, não impedirá que o decidido em sede cível não possa vir a ser afetado pela eventual procedência dos recursos se for questionada, e com êxito, a matéria de facto fixada e/ou a inexistência de crime ou crimes necessariamente conexos com o pedido civil (cfr. artigos 402º, nº 2, al. b) e 403º, nº 3, ambos do Código de Processo Penal).
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No mais, e em face daquilo que se apreende das efetivas conclusões trazidas à discussão por cada um dos recorrentes, e respeitando a ordem de precedência (formal) da sua apreciação, importa saber:

1 - se a acusação particular é nula por não conter o elemento subjetivo do crime imputado (ambos os recorrentes);
2 - se a sentença é nula por desrespeitar o artigo 358º do Código de Processo Penal (ambos os recorrentes);
3 - se as afirmações imputadas não são suficientes para fundamentar a prática do crime de injúria (ambos os recorrentes);
4 - se as penas aplicadas são exageradas (ambos os recorrentes) e se, além disso, o cúmulo jurídico deverá englobar todas as penas aplicadas (recorrente B…);
Vejamos, pois[8].
1 - da nulidade da acusação particular.
Ambos os recorrentes alegam que a acusação particular é nula decorrente da omissão do elemento subjetivo, nos termos do artigo 283°, n° 3, al. b), do Código de Processo Penal, no tocante ao crime de injúria, pois que os arguidos limitaram-se a descrever os elementos objetivos da ação típica, sendo a mesma completamente alheia quanto à narração dos elementos subjetivos do tipo, uma vez que não é suficiente para o preenchimento do respetivo elemento subjetivo a alegação de que o arguido sabia que, com aquelas expressões, estava a ofender a consideração, bom nome e honra dos assistentes”, já que se trata de um crime de natureza dolosa, pelo que a acusação deveria necessariamente conter que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, não podendo colmatar-se uma tal lacuna com recurso ao pedido civil, pois que apesar de contarem da mesma peça processual não se confundem, conforme especificam.
Sustentam, pois, que deve ser declarada a sobredita nulidade da acusação, anotando ainda que, segundo autor que citam (sem indicação de fonte/obra), estando em causa vícios estruturais da acusação, estes devem sobrepor-se às nulidades previstas no supra aludido preceito e serão até de conhecimento oficioso e poderão ser conhecidos a todo o tempo, isto é, em qualquer fase do procedimento, enquanto não transitar em julgado.

Na resposta, o Ministério Público sublinhou que a acusação particular contém, de uma forma expressa, o dolo da injúria, sobretudo nos seus artigos 12º, 16º e 17º, pelo que, e contendo os elementos previstos no artigo 283º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal, a mesma é válida e como tal foi e bem considerada pelo tribunal.
Os assistentes também responderam para sustentar, por um lado, que a acusação cumpriu com todas as exigências legais processualmente previstas, conforme depois especificam em pormenor, e, por outro lado, entendem que a arguição da nulidade ora em apreço é extemporânea, já que não se tratando de nulidade insanável, deveria ter sido arguida em momento anterior, sendo certo que os arguidos em nenhum momento anterior a suscitaram.
Sustentam, pois, que o entendimento dos recorrentes não poderá merecer acolhimento, devendo improceder.

O aludido parecer sustentou que se revia na argumentação da resposta do Ministério Público.
Apreciando.
No que ora importa reter, estipula o artigo 283º do Código de Processo Penal, no seu nº 3 que “A acusação contém, sob pena de nulidade:
(…)
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;

Por seu turno, decorre do consignado no artigo 285º da mesma codificação, referente à acusação particular, que:
(…)
3 - É correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto nos n.ºs 3, 7 e 8 do artigo 283.º”.

É pacífico, pois, que a acusação particular há de conter o que consta da sobredita al. b), do nº 3, do citado artigo 283º do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade.
Por outro lado, cremos igualmente pacífico que o elemento subjetivo aqui em apreço deverá constar daquela narração factual, já que dela devem constar todos os elementos da infração, não devendo esquecer-se que “Os factos descritos na acusação normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória, definem e fixam o objeto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal”, o que vale por dizer, nas palavras de Figueiredo Dias, que estamos perante o efeito de vinculação temática do tribunal, no qual “…se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consumação do objeto do processo, ou seja, os princípios segundo os quais o objeto do processo deve manter-se o mesmo, da acusação ao trânsito em julgado da sentença…”[9].
Claro está que esta regra há de ser compaginada com o que dimana do consignado nos artigos 358º e 359º, ambos de Código de Processo Penal[10], daí decorrendo que poderão surgir durante a fase da discussão factos que não constavam da acusação e que deverão ser atendidos, desde que ou não constituam sequer uma qualquer alteração, substancial ou não substancial, dos factos acusados, ou, se tal suceder, sejam respeitados os pressupostos que dimanam daqueles dois citados normativos.
Clarificado que fica este primacial aspeto, e antes de indagarmos se a acusação particular padece da apontada nulidade, convirá decidir previamente se estamos perante o tal vício estrutural a que aludiam os recorrentes, que sustentavam que estaremos perante uma nulidade de conhecimento oficioso, ou então, e tal como anotavam os assistentes (além da inexistência de tal elemento subjetivo), se estaria apenas em causa uma nulidade extemporaneamente arguida.
Temos para nós como linear que a nulidade aqui apreço, tendo em conta a regra instituída no artigo 118º, nºs. 1 e 2, já que o referido artigo 283º, nº 3 a qualifica como simples nulidade e que, por outro lado, a mesma não consta do elenco das nulidades insanáveis a que alude o artigo 119º, há de estar submetida à necessidade de arguição nos termos consignados no artigo 120º, todos os preceitos citados do Código de Processo Penal.
Daqui decorre que os ora recorrentes deveriam ter arguido uma tal nulidade requerendo a abertura de instrução ou, então, no prazo de cinco após a notificação do despacho que tiver declarado encerrado o inquérito, conforme decorre do estatuído no nº 3, al c) do último preceito supra assinalado.
Significa isto que, no caso, uma vez que não foi requerida instrução, restava o prazo contado do encerramento do inquérito, no caso, a contar apenas aquando da notificação de que o Ministério Público acompanhava a acusação particular, pois que se trata de despacho que complementa o prévio despacho misto de arquivamento e de acusação pública, além de que foi através dessa mesma notificação que tiveram conhecimento do teor da acusação particular, ou seja, após a notificação endereçada por via postal simples em 03/11/2016[11].
Ora, não tendo os recorrentes seguido nenhum dos dois apontados percursos processuais, a alegada nulidade, caso existisse, estaria há muito sanada[12].
Independentemente disso, dir-se-á, “a laterae”, que a análise da acusação particular, embora sem utilizar a fórmula tabelar que aduzem os recorrentes, permite reter ainda assim a presença do questionado elemento subjetivo, surpreendendo-se ainda do seu teor a existência de uma atuação livre.
E aqui impõe-se relembrar parte da argumentação contida no citado acórdão do STJ nº 1/2015, que aborda matéria conexa com a presente, no âmbito da qual, e ali incluindo uma citação do Prof. Figueiredo Dias, se refere que [O conhecimento da proibição legal, que não é exatamente equivalente a “consciência da ilicitude” será de exigir em certos casos em que a relevância axiológica de certos comportamentos é muito pouco significativa ou não está enraizada nas práticas sociais em que, portanto, o conhecimento dos elementos do tipo e a sua realização voluntária e consciente não é suficiente para orientar o agente de acordo com o desvalor comportado pelo tipo de ilícito. «Por isso, o desconhecimento deste proibição impede o conhecimento total do substrato de valoração e determina uma insuficiente orientação da consciência ética do agente para o problema da ilicitude. Por isso, em suma, neste campo o conhecimento da proibição é requerido para a afirmação do dolo do tipo...»].
E mais adiante, ali se sublinha que “Na generalidade dos casos, porém, o sentido ou significado da ilicitude do facto promana da realização pelo agente da factualidade típica, agindo com o dolo requerido pelo tipo. Na verdade, em crimes como o de homicídio, ofensa à integridade física, furto, injúrias, pôr a questão de saber se o agente, que atuou conscientemente, representando todas as circunstâncias do facto, e querendo, mesmo assim, a sua realização, atuou ou não com conhecimento da proibição legal, se sabia que matar, agredir fisicamente uma pessoa, subtrair coisa alheia para dela se apropriar, ofender a honra de alguém, era proibido legalmente, seria o mesmo que questionar se ele efetivamente vivia neste mundo ou se não seria uma extraterrestre acabado de aterrar neste planeta, como no filme de Steven Spielberg”[13].
Naufraga, pois, este capítulo do recurso.
2 – da nulidade da sentença.
Os recorrentes alegam que, além do demais acusado, vieram a ser condenados pela prática de dois crimes de injúria, cada um, quando é certo que a acusação particular lhes imputava apenas um crime e que não poderia haver condenação pelo crime diferente do da acusação sem que tivesse sido respeitado o comando do referido artigo 358° do Código de Processo Penal.
Sustentam, por isso, que a inobservância pelo tribunal do procedimento prescrito no aludido preceito implica a nulidade da sentença, e do julgamento, pois que o cumprimento do preceituado no seu nº 1 não se satisfaz com a simples concessão de um prazo para produzir alegações de direito, já que a expressão preparação para a defesa nesse lugar utilizada traduz algo mais do que um mero convite circunscrito à alegação em exclusiva sede jurídica (cita alguns arestos a este propósito, destacando um do STJ, datado de 1999, no qual se sustentava que “A obrigatoriedade de comunicar ao arguido a alteração da acusação verificada no decurso da audiência, concedendo-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a defesa é aplicável mesmo quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”).
Concluiu, pois, que a sentença é nula nos termos do artigo 379° n° 1 c) do Código de Processo Penal, e que tal nulidade torna inválido o julgamento, por ser o ato em que se verificou, conforme artigo 122° n° 1 daquela codificação, que assim deve ser repetido (n° 2 do preceito).

Na resposta, o Ministério anota que acompanhou a acusação particular, apenas com a precisão que deveria ser imputados dois crimes a cada um dos arguidos, uma vez que se trata de dois ofendidos e estão em causa bens jurídicos pessoais (artigo 30º do CP), e não apenas um, tal acusação foi recebida pela mesma qualificação jurídica, acompanhada pelo Ministério Público nos moldes de fls. 191, que os arguidos foram notificados e que o julgamento foi feito com este objeto processual, além do mais.
Sustenta, pois, que não houve surpresa nenhuma para a defesa, não havendo obrigação de cumprir o disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal, inexistindo, por isso mesmo, a invocada nulidade da sentença.

Respondendo, os assistentes vieram alegar, em suma, que, na acusação particular, os recorrentes são acusados da prática de dois crimes de injúria, além de ali acompanharem a acusação pública no mais, tendo sido condenados precisamente pelos mesmos crimes, pelo que entendem que não se verifica uma qualquer alteração não substancial e, por via disso, a apontada nulidade.

Já antes vimos que o aludido parecer subscreveu a argumentação contida na aludida resposta do Ministério Público.
Apreciando.
No que aqui importa destacar, é inquestionável que o artigo 379º do Código de Processo Penal estipula que é nula a sentença (nº 1) que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º (al. c).
No caso, deverá sublinhar-se que, em princípio, estará em causa apenas a alteração da qualificação jurídica dos factos por parte do Ministério Público, o que nos remete para o nº 1 do artigo 358º do Código de Processo Penal, mas apenas por via da remissão contida no seu nº 3.
Por outro lado, decorre do artigo 285º, nº 4, do Código de Processo Penal, que “O Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles”.
De tudo isso devidamente cientes, e repristinando a acusação particular, constata-se que, contrariamente ao que alegam na sobredita resposta, os assistentes imputaram aos arguidos a prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal (cfr. ponto 24º daquela peça processual).
Facto incontornável, portanto.
E de tal forma, que o Ministério Público, conforme refere na resposta aqui apresentada, veio acompanhar aquela acusação particular, mas precisando que deveriam ser imputados dois crimes de injúria a cada um dos arguidos, e não apenas um, alegando que estavam em causa bens jurídicos pessoais. E, na verdade, decorre da factualidade alegada na acusação particular que cada um dos arguidos teria “insultado” cada um dos dois referenciados ofendidos/assistentes/demandantes.
Nenhum reparo, portanto, devendo anotar-se ainda que aquele despacho de acompanhamento equivale a acusar por remissão, isto é, configura também ele uma verdadeira acusação, conforme decorre, linearmente, do próprio artigo 285º, nº 4, do Código de Processo Penal.
Por outro lado, a acusação particular foi integralmente recebida quanto aos factos e pela mesma incriminação jurídica, acompanhada pelo Ministério Público nos moldes constantes de fls. 191, ou seja, no tal despacho/acusação que veio precisar o número de crimes de injúria imputados a cada um dos arguidos, duplicando-os, mas, anote-se, porque tal decorria já dos factos imputados pelos assistentes, o que significa que foi esse o objeto do processo que foi globalmente submetido a julgamento[14].
Flui do que vai dito que temos então aqui uma questão algo mais complexa do que a que resultava da argumentação dos recorrentes.
Com efeito, sendo inequívoco que os assistentes imputaram apenas um crime de injúria a cada um dos arguidos, resta saber se aquela “precisão” aduzida no despacho de acompanhamento/acusação do Ministério Público, e como tal recebida para julgamento, excede a medida imposta pelo supra mencionado artigo 285º, nº 4, do Código de Processo Penal, ou seja, se aquele “acrescento acusatório” aduzido pelo Ministério Público, importa uma alteração substancial dos factos, ou não.
Cremos que não, adiante-se.
Na verdade, no seu artigo 1º, al. f) do Código de Processo Penal define como “Alteração substancial dos factos aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
Por se tratar de matéria que exige um acrescido esforço interpretativo, convirá dar conta daquilo que tem sido o pulsar jurisprudencial que temos como mais significativo e, se nos é permitido, mais assertivo, e do qual decorre o seguinte:

● XI. «Alteração substancial dos factos» significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa. É este o sentido da definição constante do art. 1.°, n.º 1, al. f), do CPP para «alteração substancial dos factos», que se apresenta, assim, como um conceito normativamente formatado: «aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».

XII. A alteração substancial dos factos pressupõe, pois, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

XIII. «Alteração não substancial» constitui, diversamente, uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância
para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal. A alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa[15].


● “Representa uma alteração de qualificação jurídica, sujeita ao regime do artigo 358º do Código de Processo Penal, a qualificação dos factos descritos na acusação e na pronúncia como tantos crimes de tráfico de pessoas quanto o número de vítimas, quando nestas eram qualificados com um único crime”[16].

● A alteração será substancial quando:
- “tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso …” E quando há crime diverso?
Desde logo quando a norma legal aplicável é diferente da constante da acusação, só que neste caso, desde que não estejamos perante uma mera alteração da qualificação jurídica (pois não constitui alteração substancial dos factos), pelo que têm de estar em causa os factos.
E os factos criminosos são diversos se:
“Da … adição ou modificação dos factos resulte que o bem jurídico agora protegido é distinto do primitivo” – razão da intervenção do direito penal: proteção de bens jurídicos;
“Da … adição ou modificação dos factos resulte um facto naturalístico diferente, objeto de um diferente e distinto juízo de valoração social;”
“Da … a adição ou modificação dos factos resulte a perda da “imagem social” do facto primitivo, ou seja, resulte a perda da sua identidade. “O arguido não teve oportunidade de se defender dos “novos factos”, não sendo estes meramente concretizadores ou esclarecedores dos primitivos.” in Ac. R. P. 23/5/2007 cit. – porque ultrapassam o objeto de discussão/conhecimento do tribunal traduzido nos factos constantes da acusação, alegados pela defesa e resultantes da discussão da causa – artº 339º 4 CPP - ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Ou seja a adição ou modificação dos novos factos faz com que a pena aplicável seja superior á pena prevista pelos factos constante da acusação»[17].

● I. Nos termos e para os efeitos do artº1º, al.f) do CPP, a noção de crime diverso pode reportar-se ao mesmo tipo legal, desde que existam elementos diferenciadores essenciais em relação aos factos descritos na acusação ou na pronúncia que determinem uma diminuição das garantias de defesa.

II. A fim de prevenir prejuízos graves para a preparação da defesa, deve entender-se que equivale à imputação de um «crime diverso» a alteração factual que consistir no acrescentamento, aos factos descritos na acusação ou pronúncia, de um facto novo, sem o qual o arguido não poderia ser criminalmente condenado[18].

● O instituto procedimental da alteração de factos [cfr. artigo 1.º n.º 1 alínea f) do CPP] tem por escopo assegurar as garantias de defesa do arguido, prevenindo um julgamento e uma condenação com base em materialidade de facto diversa daquela que, oportunamente, maxime, na acusação, lhe tenha sido comunicada - artigo 32.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP)[19].

Ora, de tudo isso cientes, no caso vertente, não poderá falar-se em imputação de crime diverso (independentemente da dificuldade ainda reinante no tocante à sua definição), nem em agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, pois que os dois crimes imputados têm a mesma moldura dos que já vinham imputados na acusação particular, reconduzindo-se a situação a uma mera questão de “afinação” da qualificação jurídica dos factos acusados pelos assistentes, alteração que, embora, em tese, pudesse consubstanciar uma alteração não substancial dos factos a que alude expressamente o nº 3, do artigo 358º, arreda-nos da aplicação do formalismo estatuído no seu nº 1, pois que aqui claramente afastado pelo regime “especial” plasmado no supra citado artigo 285º, nº 4, ambos os preceitos do Código de Processo Penal.
O que vale por dizer que a referida duplicação incriminatória não encaixa no crime mais grave, nem é crime diverso, logo não é alteração substancial, pelo que, nada obstaria ao recebimento de uma tal peça de acompanhamento/acusação do Ministério Público, tal como aqui sucedeu, pois que tal não belisca sequer o preceituado no artigo 358º, nº 3, do Código de Processo, normativo que, por via disso, e nestas específicas circunstâncias, não era imperioso cumprir.
E, tal como decorre já abundantemente da jurisprudência supra assinalada, mas em reforço, não se diga que existe aqui alguma surpresa ou prejuízo para a defesa, uma vez que é consabido que “…a ratio dos mecanismos previstos naqueles normativos legais (leia-se, dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal) tem a ver com a identidade do processo penal fixada na acusação, visando que ninguém seja condenado por factos ou incriminações com que não podia razoavelmente contar e dos quais não teve oportunidade de se defender”[20].
O que aqui não sucede, manifestamente, atento o objeto do processo globalmente acusado e como tal recebido e submetido a julgamento.
Improcede, pois, também este item recursivo.
3 – dos requisitos do crime de injúria.
Nesta matéria, alegam os recorrentes que as afirmações produzidas por cada um deles, de acordo com o que vem descrito na acusação, não são suficientes para fundamentar a prática do crime de injúria que lhes é imputado (leia-se, dos crimes de injúria que lhes são imputados), pois que o bem jurídico que o preceito em causa visa tutelar é a honra ou a consideração (anota definição dada pelo Prof. Beleza dos Santos quanto aos bens jurídicos aqui em apreço, in R.L.J., Ano 92°, pág. 167), e da matéria de facto descrita na acusação particular não resulta ofendido qualquer destes bens jurídicos, desde logo porque as expressões proferidas não assumem gravidade suficiente, suscetível de criar uma ofensa, devendo as afirmações produzidas ser entendidas, não como uma injúria, mas antes como expressões incluídas num contexto, que representam algum desagrado por uma determinada situação, e não assumem autonomia face aos demais atos praticados, os quais fundamentaram, de resto, a dedução de acusação pública pelo crime agravado de coação, na forma tentada.
Sustentam, pois, que as expressões proferidas, dentro da propriedade do arguido (ambos afirmam o mesmo, embora, do que se apreende, a residência seria apenas a do arguido B…), não podem ter outro sentido que não a de manifestação de desagrado pela circunstância dos assistentes estarem a filmar a sua propriedade, não assumindo caráter injurioso, mormente atento o contexto de exaltação em que foram proferidas, v.g, acompanhadas da prática de um crime de coação agravada na forma tentada, sendo certo que o direito penal não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante afirmações que lhes sejam dirigidas, antes pretende punir factos que sejam objetivamente graves e geradores de ofensas a bens juridicamente protegidos.
Concluem, por tudo isso, que a vivência em sociedade traz contrariedades, normais, por todos sentidas, sem que isso seja bastante para fundamentar a prática de ilícitos criminais, pelo que entendem que as afirmações produzidas não são suficientes para abalar moralmente os assistentes, reduzindo a sua auto estima, não os fazem ser alvo de falta de consideração ou desprezo públicos, pelo que não se encontra preenchida, objetivamente, a previsão do artigo 181°, n° 1 do Código Penal.

Respondeu o Ministério Público para sublinhar que as expressões proferidas pelos arguidos, dirigindo-se para os assistentes, com o propósito de ofender a honra e consideração destes, preenchem, de uma forma clara e inequívoca, todos os elementos constitutivos do crime pelo qual os arguidos foram condenados.

Por sua vez, os assistentes, a coberto de adequadas citações, vieram alegar, em síntese, que as palavras proferidas pelos arguidos não podem ser aceites pelo faco de serem incluídas em contexto, pois que mal a equipa de reportagem chegou ao local foi de imediato intercetada pelos arguidos que de imediato proferiram as apuradas expressões, o que significa que, sem razão alguma, e de forma repentina e espontânea proferiram tais palavras, com o intuito de os ofender, enquanto tentavam, no exercício das suas funções, elaborar uma reportagem.
Sustentam, pois, que terá de concluir-se que as expressões utilizadas pelos recorrentes são ofensivas da sua consideração e honra e que, por assim ser, consubstanciam materialmente o tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 181º do Código Penal.

Reitere-se que o aludido parecer se revia na supra referenciada resposta do Ministério Público.
Apreciando.
Pese embora nos parece claro que existe total sintonia nos autos no tocante à interpretação do preceito aqui em apreço, ainda assim relembraremos singelamente que o tipo ora em análise visa tutelar a honra da pessoa, sendo este o bem jurídico protegido.
No que concerne ao tipo objetivo do ilícito, importa que o agente dirija diretamente ao visado, e sem intermédio de outrem, palavras ofensivas da sua honra e consideração.
Acresce que a honra deverá ser vista como “um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”[21].
Disso cientes, adiante-se que nenhuma razão assiste aos recorrentes.
Na verdade, o enquadramento jurídico vertido na sentença aqui em apreço, ainda que sintético, mostra-se perfeitamente correto e, por isso, se subscreve inteiramente e aqui se tem como renovado, uma vez que é por demais óbvio que as expressões aqui em apreço, v.g, apelidar os assistentes de “filhos da puta”, “cabrões do caralho”;mentirosos”, “cães” (caso do arguido B…) e de “Vão embora seus filhos da puta, cabrões do caralho, ponham-se a andar” (caso do arguido C…), independentemente do contexto do sucedido, afinal uma mera discórdia de uma não desejada reportagem (que, do que se apreende, teria interesse para o público em geral, notoriamente, pois que tratava-se de tentar entrevistar uma pessoa que ganhou o “I…”, cabendo apenas à pessoa em questão desejar e comunicar o seu anonimato e não colaborar naquela reportagem, o que é mais do que compreensível, papel que, contudo, não caberia a qualquer dos arguidos), extrapola a mera intenção de impedir a tal almejada reportagem e colide, inequivocamente, com a honra pessoal e, até, profissional dos visados, posto que “insultados” de uma forma vil, apenas porque procuravam cumprir a sua função, e nada mais.
Tudo muito longe, portanto, do alegado excesso de sensibilidade, bem como das contrariedades normais decorrentes a vivência em sociedade, tal como alegavam os arguidos, o que, sendo para nós linear, nos dispensa maiores considerandos.
Não procede, por isso, também este capítulo do recurso, manifestamente.
4 – das penas aplicadas.
Nesta matéria, ambos os recorrentes discordam do “quantum” das penas aplicadas, as parcelares e a pena única, por entenderem ambos que as mesmas não eram proporcionais e justas e que o tribunal não teve em atenção todos os elementos disponíveis que interessavam em sede graduação da pena, sendo que ambos questionam ainda o facto de o tribunal não ter efetuado o cúmulo jurídico das penas de multa aplicadas quanto ao crime de coação na forma tentada com as dos crimes de injúria, tudo nos moldes que cada um depois especifica, salientando apenas os diferenciados aspetos pessoais de cada um que, na sua diversificada ótica, deveriam ter sido considerados.
Ambos propõem penas alternativas que incluem a redução da taxa diária fixada.

Na resposta, que o aludido parecer absorveu, além de começar por anotar que os recorrentes não indicam, nas conclusões, as normas jurídicas violadas, tal como determina o disposto no artigo 412º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal, o Ministério Público alega depois que, de todo o modo, as penas são adequadas e justas e que a sentença encontra-se também aqui devidamente fundamentada, merecendo a sua inteira concordância, pois que foi muito bem cumprido o disposto nos artigos 40º, 47º, 71º e 72º, todos do Código Penal.

Os assistentes também vieram apresentar a sua reposta para anotarem, em suma, e de novo a coberto de adequadas citações, que, para a determinação da medida da pena e do valor da condenação do pedido de indemnização civil, o tribunal teve em consideração o cúmulo jurídico da pena de multa do crime de coação agravado com o do crime de injúria, tendo atendido a todas as circunstâncias relevantes para ambos os feitos, incluindo a situação sócio - económica dos recorrentes, pelo que entendiam que nenhuma razão lhes assistia.
Apreciando.
Relembre-se que, uma vez que se manteve inalterado o decidido em sede incriminatória, tanto mais que não foi sequer impugnada a decisão em sede de facto, está irremediavelmente afastada desta discussão a questão atinente ao pedido cível conjuntamente formulado pelos assistentes, pelas razões que constam da apreciação da supra mencionada questão prévia.
Resta, pois, a questão das penas.
Nesta matéria, e para nos situarmos em termos interpretativos, embora nos pareça existir total sintonia nos autos nesta matéria, relembraremos que “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, e que “Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa”[22]. De resto, a culpa e a prevenção são os dois parâmetros que norteiam a indagação da medida da pena, conforme resulta claro da previsão do artigo 71º, nº 1, do Código Penal.
Claro está que uma tal tarefa há de partir, logicamente, da análise dos factos, no seu cotejo com a também apurada personalidade do seu agente, o que equivale por dizer que “… o substrato da culpa, e portanto também o da medida da pena, não reside apenas nas qualidades do caráter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível…” mas reside, isso sim, “…na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizada naquilo que chamamos a atitude da pessoa perante as exigências do dever-ser.”[23]
Aqui chegados, e repristinando um tal aspeto da decisão recorrida, e não estando aqui em causa a opção pela pena de multa quanto aos crimes de injúria e ao de coação simples, na forma tentada, o tribunal, adentro de adequado enquadramento legal e interpretativo, ponderou, quanto a ambos os arguidos, o facto de terem atuado com dolo direto (o mais elevado grau de censura jurídico-penal), a intensidade do grau de ilicitude da sua conduta (acentuada tendo em conta a gravidade das imputações efetuadas e a forma de intimidação dirigida a quem apenas tentava exercer as suas funções profissionais), o modo de execução dos factos e o grau de violação dos deveres que lhe eram impostos (denotando um comportamento incorreto perante as normas de vivência comunitária) e o comportamento posterior de ambos (não assumiram a prática da sua conduta, não demonstraram qualquer arrependimento e não repararam o mal cometido, o que indicia que não interiorizaram o desvalor das suas condutas).
Depois, e agora em seu favor, o tribunal salientou a inserção social de ambos na comunidade onde residem e o facto de não terem antecedentes criminais.
Foi, pois, neste contexto, que foram fixadas as penas parcelares aplicadas a cada um dos arguidos.
Quanto às penas únicas aplicadas, após ter sublinhado adequadamente os parâmetros e critérios aqui vigentes, e relembrando que aqui importava extrair consequências de uma visão de conjunto de toda a factualidade, fixou as penas únicas acima referidas.
No tocante ao arguido B…, e no capítulo dedicado à pena de substituição, o tribunal socorreu-se do artigo 47º, nº 1 do Código Penal, após o que, e sublinhando ainda a forma de dosear o quantitativo diário e remetendo depois para os elementos ponderados para fixar as penas principais, considerou adequado, justo e pedagógico condenar o referido arguido na pena de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de dez euros, anotando que não sendo a multa paga, tal implicará o efetivo cumprimento da pena de prisão acima fixada, nos termos do artigo 43º, nº 2 do Código Penal.
Finalmente, e ainda quanto ao mesmo arguido, o tribunal sublinhou que não procedia ao cúmulo jurídico das penas de multa, atenta a sua diferente natureza, já que uma é pena principal e a outra de substituição da pena de prisão, pelo que deveriam ser cumpridas num sistema de acumulação material, conforme aresto que cita.
Ora, na concretização do alegado, o recorrente B… entende que o tribunal recorrido não teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da pena, pois que, da análise da fundamentação da sentença, consta, com interesse para a razão de ser do presente recurso, que está desempregado há cerca de três anos, a sua mãe contribui para o seu sustento com o pagamento de uma mensalidade de seiscentos euros, suportando o pagamento de todas as despesas domésticas, vive numa moradia oferecida pela sua mãe, juntamente com a esposa (doméstica) e a filha do casal com 5 anos, tem a 4ª classe, é primário e os ilícitos praticados não demonstram especial gravidade, pelo que em seu favor milita a sua inserção familiar e social, as suas condições pessoais e económicas, a ausência de antecedentes criminais, o facto de os ilícitos praticados não demonstrarem especial gravidade e de as suas consequências não terem sido graves, os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e as baixas necessidades de prevenção geral positiva ou de integração relacionadas com os crimes desta natureza.
Propõe, por isso, no que respeita ao crime de coação agravada, que a pena de prisão deverá ser reduzida a seis meses e ser substituída pela pena de noventa dias de multa, à razão diária de cinco euros, e que, no que concerne aos dois crimes de injúria, seja aplicada a pena de cinquenta dias de multa, à mesma taxa diária.
Finalmente, entende que deverá efetuar-se o cúmulo jurídico das três penas, propondo a sua condenação na pena única de cento e trinta e três dias, à mesma taxa diária, o que perfaz o montante de seiscentos e sessenta e cinco euros.
Por turno, o recorrente C… aduz igual alegação de descontentamento (a questão do cúmulo jurídico de todas as penas está aqui “desfocada”, depreendendo-se que sendo o mesmo mandatário, terá sido utilizada a mesma base informática) e, após ter destacado também a sua situação pessoal (está desempregado, efetua alguns trabalhos esporádicos e pontuais na construção civil pelos quais recebe montante não concretamente apurado, aufere uma pensão de sobrevivência de cento e cinquenta euros, vive com a mãe e a filha de 16 anos, não paga renda de casa, não está a amortizar créditos bancários, estudou até ao 6º ano, é primário e os ilícitos praticados não demonstram especial gravidade), entende que milita em seu favor a sua inserção familiar e social, as suas condições pessoais e económicas, a ausência de antecedentes criminais, o facto de os ilícitos praticados não demonstrarem especial gravidade e de as suas consequências não terem sido graves, os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime, as baixas necessidades de prevenção geral positiva ou de integração relacionadas com os crimes desta natureza.
Preconiza, por tudo isso, que, no que respeita ao crime de coação, se lhe afigura como proporcional uma pena de sessenta e cinco dias de multa, à razão diária de três euros e meio, e no que concerne aos dois crimes de injúria, tem como adequada, por cada crime, a pena concreta de cinquenta dias de multa, à mesma taxa diária, e que, em cúmulo jurídico de tais penas deveria ser condenado na pena única de cento e dezasseis dias de multa, à mesma taxa diária, o que perfaz o montante de quatrocentos e oito euros e trinta e três cêntimos.
Ora bem.
Começaremos por adiantar que, embora de uma forma algo sintética, o certo é que o tribunal ponderou todos e cada um dos parâmetros que aqui importava considerar, com exceção, efetivamente, da concreta situação sócio-económica dos arguidos, mas apenas em relação à indagação das penas a aplicar, pois que, neste particular, o tribunal peca por um estrondoso silêncio, esquecendo o que dimana do artigo 71º, nº 2, al. d), do Código Penal, já que, no mais, isto é, quanto às taxas diárias fixadas a cada um dos arguidos, o tribunal fez alusão à sua apurada situação económica, o que equivale naturalmente a ponderar os concretos factos que os dois recorrentes aqui nos trazem a um tal propósito e que resultam claramente da matéria de facto tida como assente.
Ainda assim, em relação aos crimes de injúria, e relativamente a ambos os arguidos, e no tocante ao crime coação simples, tentado, imputado ao arguido C…, cremos que o “quantum” das penas concretas de multa encontradas, no respetivo espectro possível, não se mostra nada desajustado à situação vertente, pelo que, e respeitando também alguma margem de subjetivismo que aqui necessariamente impera, nada se impõe alterar nessa matéria (com o maior respeito, no caso dos crimes de injúria seria, até, ridícula a almejada redução de apenas cinco dias de multa em cada um dos crimes).
Já quanto ao crime de coação tentada, na sua forma agravada, apenas imputado ao arguido B…, cremos que a pena de um ano de prisão é excessiva, tendo em conta que a moldura abstrata começa no mínimo legal e vai até três anos e quatro meses.
Cremos, pois, mais adequado fixá-la nos peticionados seis meses de prisão.
Pretendia o aludido recorrente que a pena de substituição (anote-se que não está aqui em causa essa opção) fosse fixada em noventa dias, o que, na prática, corresponderia a manter a proporção que vinha fixada na sentença recorrida.
Mas aqui impõe-se fazer um reparo ao decidido.
Na verdade, para fixar tal pena de substituição, o tribunal recorrido socorreu-se da regra geral contida no artigo 47º, nº 1, do Código Penal, em vez de partir da substituição diretamente a partir da própria pena de prisão, como se impunha, embora, nesta altura, deva ter-se em linha de conta que a proporção já não é direta, mas deverá “…ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída”[24].
Por outro lado, para decretar tal substituição, o tribunal serve-se do artigo 43º, nº 1, do Código Penal, o que dá nota de que aplicou a versão vigente à data da prática dos factos (ou seja, na 40º versão decorrente da publicação da lei nº 110/2015, de 26/08), pois que a referida substituição é atualmente prevista no artigo 45º do Código Penal[25].
Neste contexto, tendo em consideração que o ponto de partida é a pena de prisão aplicada, ou seja, os ora fixados seis meses de prisão, e considerando a supra citada jurisprudência, no seu cotejo com o quadro fáctico aqui em presença e acima referenciado, entende-se substituir esta pena de seis meses de prisão por cento e vinte dias de multa, que temos como mais consentânea com a gravidade do sucedido e as necessidades de prevenção geral e especial aqui presentes, embora ambas de pouca monta.
Passando agora às taxas diárias fixadas para as penas de multa, e tendo presente o que decorre do estatuído no artigo 47º, nº 2 do Código Penal, ou seja, a situação económica e financeira do condenado e seus encargos, a sua real situação pessoal, portanto, cremos que apenas a taxa aplicada ao arguido C… será exagerada.
Na verdade, e pese embora o arguido B… esteja desempregado e, ao que parece, viva, basicamente, à custa da mãe, o certo é que o seu património visível é ostensivo de sinais exteriores de riqueza muito acima da média, pelo que nenhum reparo nos merece a taxa diária fixada.
Diversamente, o recorrente C… também está desempregado, embora efetue alguns “biscates” cujo rendimento não se apurou, e, em bom rigor, apenas se sabe que aufere uma pensão de sobrevivência de cento e cinquenta euros, o que traduz uma realidade bem diferente.
Assim sendo, entende-se mais adequado fixar a taxa diária para o mesmo no mínimo legal, que era de cinco euros já na altura, pelo que é impossível aplicar os três euros e meio que o mesmo vindicava.
Resta a questão do concurso de crimes, dupla no tocante ao recorrente B… (já antes vimos que o outro recorrente abordou a questão apenas por mero lapso).
Nesta matéria, é consabido que rege o artigo 77º do Código Penal, no qual se estipula que:

“1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.

Por uma questão de precedência lógica, a primeira questão a tratar prende-se exatamente com o estatuído neste número 3, pois que o tribunal recorrido considerou que, no tocante ao arguido B…, não procedia ao cúmulo jurídico da pena de multa resultante da substituição da pena de prisão inicialmente aplicada relativamente ao crime de coação agravado, na forma tentada, com as demais penas de multa ao mesmo aplicadas, atenta a sua diferente natureza, pois aquela é uma pena de substituição da pena de prisão e as outras são penas principais, que, por isso, deveriam ser cumpridas num sistema de acumulação material, conforme aresto que cita.
O aludido recorrente limita-se a discordar, mas sem aduzir uma qualquer concreta argumentação de suporte, vazio que decorre também de ambas as mencionadas respostas, embora em ambas se concorde genericamente com o decidido.
Também estamos de acordo, adiante-se.
Primeiro, porque o texto legal terá tido em mente simplesmente as penas aplicadas a título principal e, de acordo com o consignado no artigo 9º do Código Civil, é essa a base de uma qualquer interpretação.
Acresce que a questão da aplicação ou não de uma pena de substituição há de colocar-se, se esse for o caso, perante a pena unitária encontrada, pois que é a partir dessa que deve aferir-se da verificação, ou não, dos necessários pressupostos em função das várias penas de substituição possíveis.
Finalmente, porque a pena de multa resultante da substituição tem um regime específico e diferenciado do que se mostra estipulado para as penas de multa diretamente aplicadas a título principal, desde logo no que respeita ao seu eventual incumprimento, pois que enquanto a pena de multa aplicada inicialmente, em caso de conversão em prisão subsidiária, vê esta reduzida para dois terços e tem outras possibilidades de cumprimento, a pena de multa de substituição, nessa mesma situação, deverá ser integralmente cumprida, tendo ambas em comum apenas a possibilidade da eventual suspensão da execução da prisão (cfr. artigos 43º e 49º, ambos do Código Penal, na versão coeva dos factos, tal como atualmente)[26].
Nada a censurar o decidido nesse particular, portanto.
Avançando.
Finalmente, temos a questão do cúmulo jurídico das penas de multa que ambos os recorrentes contestam igualmente, embora a proposta da pena única por parte do recorrente B… fique aqui de algum modo “perturbada” pelo acabado de decidir, pois que o mesmo sugeriu uma pena única para as três penas, não cuidando de, subsidiariamente, apontar qual seria a pena única que tinha como ajustada mesmo no caso de se manter o cúmulo das duas penas de multa referentes aos crimes de injúria.
Acresce, e agora quanto a ambos os recorrentes, estes, também aqui, limitam-se a propor penas únicas sem fundamentação alguma, em concreto, a não ser a precedente proposta de abaixamento das penas parcelares e, no caso daquele referido recorrente, a questão do cúmulo abranger as três penas aplicadas, pelo que, e em bom rigor, o inêxito daquela prévia pretensão de cada um, sem nada mais de concreto, deveria reconduzir-nos à própria inutilidade superveniente de apreciação desta problemática.
De qualquer modo, e em prol da Justiça material, passaremos a apreciar esta problemática, devendo adiantar-se que, tendo em conta o que antes se decidiu em matéria do “quantum” das penas parcelares de multa, nada se impõe alterar.
Na verdade, é consabido que um tal instituto apenas fornece um parâmetro objetivo delimitador do “quantum” da pena única, conforme se apreende do disposto no nº 2, do artigo 77º, do Código Penal, devendo tudo o mais resultar da análise dos factos e da personalidade revelada pelos agentes (cfr. nº 1 do mesmo normativo), pelo que existe aqui uma grande margem para o julgador, podendo anotar-se que a jurisprudência não é uniforme nesta matéria, mas, analisando-a, constata-se que os critérios doseadores vão variando consoante a gravidade e o número de crimes.
Na prática, tende-se a baixar a influência das penas parcelares quando aumenta o número de crimes, para evitar penas demasiado longas e/ou desproporcionadas.
Uma tal forma de “dosear” as penas vai de encontro ao que nos transmite Souto Moura, o qual, em esclarecedor aresto, sublinha que, embora a justiça do caso não se compadeça com cálculos aritméticos frios, aplicados de modo uniforme a certo tipo de situações, pois que demasiado amplos, devemos estar cientes de que terá que existir um critério que, tendo em conta uma preocupação de proporcionalidade, constitua o ponto de partida para a consideração das especificidades do caso, sob pena de podermos alcançar eventuais e discricionários exageros, pelo que, preconiza, nesta matéria “Acolhe-se a ideia de que a pena conjunta se terá que situar até onde a empurrar o efeito «expansivo» das outras penas, sobre a parcelar mais grave, e um efeito «repulsivo» que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas; ora, são estes efeitos «expansivo» e «repulsivo» que se prendem necessariamente com a referida preocupação de proporcionalidade, a qual surge como variante com alguma autonomia em relação aos critérios da imagem global do facto e da personalidade do arguido”, de tal modo que “Importa traduzir na eleição da pena única um tratamento diferenciado para a criminalidade bagatelar, média e grave, de tal modo que a «representação» das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fração cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade revelada pelas parcelares que acrescem à pena parcelar mais alta aplicada”, daí decorrendo que “Se a parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fração menor dessa(s) pena (s) parcelar (es) deverá contar para a pena conjunta”, e que “E porque a pena do limite máximo dos 25 anos só deverá ter lugar em casos extremos, deve o efeito repulsivo a partir desse limite, fazer-se sentir tanto mais, quanto mais baixa for a parcelar mais grave, e maior o somatório das restantes penas parcelares”, pelo que “Fica, portanto, criado um «terceiro espaço de referência» (e nada mais do que isso), tendo em conta o qual, se possa, conjuntamente, e com flexibilidade, considerar a ilicitude global dos factos e personalidade do agente”[27].
Tendo presentes tais requisitos e o elucidativo entendimento citado, o qual, de resto, e ainda que de uma forma singularmente modelar, vai de encontro ao maioritário pulsar jurisprudencial, e considerando os factos acima assinalados e a associada personalidade de cada um dos arguido, o que foi devidamente ponderado, com destaque para o facto de nada terem assumido e não denotarem sequer arrependimento, logo, não interiorizando o desvalor das suas condutas, o que, apesar de serem primários, dá conta de personalidades tendencialmente avessas às regras vigentes, e relembrando as penas parcelares aplicadas (relembre-se que fica de fora a pena referente à coação agravada, tentada), entendemos que se mostra justo, proporcional e adequado fixar a pena única em oitenta e cinco dias de multa quanto ao arguido B… (na prática, adicionou-se a uma das penas, já que iguais, cerca de metade da outra) e em cento e sessenta dias quanto ao arguido C… (na prática, adicionou-se à pena mais grave um terço do somatório das outras duas, sensivelmente), tratando-se, pois, de um raciocínio comum para casos similares e que vai de encontro ao que acima se explicitou.
Nada a censurar, portanto.
Em suma.
Quanto ao arguido B…:
● relativamente ao crime de coação agravada, na forma tentada, baixar a pena aplicada para seis meses de prisão, substituídos por cento e vinte dias de multa, mantendo-se a taxa diária de dez euros que vinha fixada, pelo que tal multa perfaz agora o montante de mil e duzentos euros, e mantendo também a sua diferente natureza para efeitos de cúmulo jurídico e, por isso, a sua autonomia;
- em relação aos dois crimes de injúria, manter as penas parcelares e a correspondente pena única aplicada, bem como a taxa diária, obviamente, pelo que será de confirmar tal aspecto do decidido;
Quanto ao arguido C…:
● manter as penas parcelares aplicadas, bem como a pena única fixada, baixando apenas a taxa diária para cinco euros, pelo que a pena única perfaz agora o montante de apenas oitocentos euros.

Mantendo-se/confirmando-se, obviamente, e quanto a ambos, o demais decidido.
*
Decorre do exposto o naufrágio apenas parcelar dos presentes recursos, o que naturalmente implicará que a sua não tributação, esta extensível aos assistentes, uma vez que não poderá falar-se aqui propriamente de decaimento parcial quanto aos mesmos (cfr. artigos 513º, nº 1 e 515º, nº 1, al. b), ambos “a contrario”, do Código de Processo Penal).
*
III – DISPOSITIVO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes nesta Relação acordam:

em rejeitar ambos os recursos na parte em que impugnam os pedidos civis formulados pelos assistentes;

– relativamente ao recorrente B…:

● quanto ao crime de coação agravada, na forma tentada, em fixar a pena aplicada em seis meses de prisão, substituídos por cento e vinte dias de multa, mantendo-se a taxa diária de dez euros que vinha fixada, pelo que tal multa perfaz agora o montante de mil e duzentos euros, e mantendo também a sua diferente natureza para efeitos de cúmulo jurídico e, por isso, a sua autonomia;

● em relação aos dois crimes de injúria, manter as penas parcelares e a correspondente pena única aplicada, bem como a taxa diária, obviamente.

– relativamente ao recorrente C…:

● manter as penas parcelares aplicadas, bem como a pena única fixada, fixando a taxa diária para cinco euros, pelo que a pena única perfaz agora o montante de apenas oitocentos euros.

– e, no mais, quanto a ambos os recorrentes, e na parte aqui questionada, em confirmar a sentença recorrida.

Sem tributação (cfr. artigos 513º, nº 1 e 515º, nº 1, al. b), ambos “a contrario”, do Código de Processo Penal).

Notifique.
*
Porto, 27/09/2017[28].

Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
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[1] Este tipo de crime não só abrange as ações de constrangimento, em sentido estrito (vis compulsiva) mas também as ações que eliminam, em absoluto, a possibilidade de resistência (vias absoluta), bem como as ações que afetam os pressupostos psicológico-mentais da liberdade de decisão, isto é, a própria capacidade para decidir.
[2] Não precisa de ser uma conduta que tenha relevância jurídica ou social.
[3] Esta violência tanto pode dirigir-se contra a pessoa do coagido como contra a pessoa de terceiros, bem como pode consistir numa intervenção física sobre coisas.
[4] Este conceito tem de se orientar com base nas seguintes ideias:
a) o mal importante, tanto pode ser ilícito como licito, já que não tem de constituir um ilícito, seja penal ou de qualquer espécie civil, ou laboral;
b) tem de haver uma adequação da ameaça a constranger o ameaçado, isto é, só deve considera-se mal importante aquele que é, nas circunstâncias do caso concreto, suscetível ou adequado a fazer “dobrar” a vontade do coagido.
[5] In Comentário Conimbricence do Código Penal, tomo I, pág. 358.
[6] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[7] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[8] Anote-se que com exceção da supra mencionada questão atinente ao cúmulo jurídico (vide ponto 4), no mais, a argumentação de ambos os recorrentes é exatamente a mesma (só difere, no caso da discussão das penas, no que respeita à diferente situação pessoal de cada um), pelo que, por razões de economia, e a fim de se evitar uma dupla apreciação das mesmas questões, serão as questões comuns tratadas em simultâneo, sem prejuízo de, no mais, se realçar aquilo que as destrinça.
[9] Citações e alusão extraídas do acórdão do TC nº 130/98, publicado no DR, II série, de 07/05/1998, apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 569, 2º e 3º §.
[10] Sendo de relembrar, neste particular, a jurisprudência fixada pelo STJ através do acórdão nº 1/2015, publicado no DR, 1ª série, Nº 18, de 27/01/2015.
[11] Em qualquer caso, para quem entenda que a situação não era albergada pelo mencionado artigo 120º, nº 1, al. c), o que não se patrocina, então a arguição da nulidade em questão teria sempre de ocorrer no prazo supletivo de dez dias a que alude o artigo 105°, n° 1, ambos os preceitos do Código de Processo Penal, contados igualmente desde aquela data de 03/11/2016, o que também por esta via nos remeteria para a sanação de uma alegada nulidade, caso a mesma existisse, obviamente.
[12] Vide, neste sentido, o já algo longínquo acórdão deste TRP datado de 06/12/2006, relatado pelo Desembargador Pinto Monteiro, apud Vinício Ribeiro, Ob. Cit., pág. 574 e, mais recentemente, o acórdão deste mesmo TRP datado de 26/10/2016, relatado pelo Desembargador Manuel Soares, este a consultar in http://www.dgsi.pt.
[13] A este propósito, e em situação idêntica, veja-se o expressivo acórdão deste TRP datado de 12/07/2017, relatado pela Desembargadora Maria Dolores Silva e Sousa, a consultar in http://www.dgsi.pt.
[14] Neste sentido, vide o sumário extraído do acórdão proferido pelo TRE datado de 13/05/2014, apud CPP anotado no site da PGL, que reza o seguinte:
I. Não obstante a omissão de factos atinentes ao dolo na acusação do assistente por crime particular, se o Ministério Público vem a aderir a essa acusação aditando esses factos, não existe fundamento razoável para rejeitar a acusação particular e dar sem efeito a intervenção do Ministério Público.
II. Tais factos integram-se na mesma realidade, no mesmo acontecimento, levado á acusação particular, sem desvirtuar o sentido subjacente á intervenção do assistente, pelo que não existe obstáculo legal a que, ao abrigo do art. 285.º, n.º 4, do CPP, o Ministério Público os tivesse carreado á acusação que deduziu, não contendendo essa circunstância com a legitimidade da sua intervenção, pressuposta, como estava, através da acusação pelo assistente.
III. Formalmente plurais, ambas as acusações passarão a integrar o «thema decidendum», sobre o qual cabe ao juiz fazer o saneamento do processo.
[15] Citação extraída do acórdão proferido pelo STJ, datado de 21/03/2007, apud CPP anotado no site da PGL,
[16] Citação extraída do acórdão proferido por este TRP, datado de 08/07/2015, apud CPP anotado no site da PGL,
[17] Extrato extraído do acórdão deste TRP datado de 26/01/2011, relatado pelo Desembargador José Carreto e que, como dele se colhe, constitui uma citação doutro aresto deste tribunal, ali devidamente identificado, a consultar in http://www.dgsi.pt.
[18] Sumário do acórdão do TRL, datado de 02/11/2011, relatado pelo Desembargador Jorge Raposo, publicado na CJ, 2011, T.V, pág.148, mas cuja citação foi extraída a partir do CPP anotado no site da PGL.
[19] Citação extraída do acórdão proferido pelo TRE, datado de 13/05/2014, apud CPP anotado no site da PGL.
[20] Conforme anota a Desembargadora Deolinda Dionísio, ora adjunta, no acórdão que relatou neste TRP em 21/01/2015, a consultar in http://www.dgsi.pt.
[21] Vide, José de Faria Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Coimbra Editora, 1999, pág. 607.
[22] Vide, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 227.
[23] Vide, Figueiredo Dias, in “Liberdade, Culpa, Direito Penal”, Biblioteca Jurídica Coimbra Editora, 1983, págs. 183 e 184.
[24] Conforme decorre da jurisprudência fixada pelo STJ através do acórdão de uniformização nº 8/2013, publicado no DR, I série, de 19/04/2013.
[25] Mas apenas após a publicação da lei nº 94/2017, de 23/08, que não vigorava à data da sentença, correspondente à 45ª alteração do diploma, sendo que a versão nessa altura era a que resultava da Lei nº 39/2016, de 19/12, equivalente à 41º alteração do Código Penal, que em nada alterou a versão coeva dos factos e, por isso, o tribunal não teve necessidade de ponderar uma eventual aplicação da lei no tempo.
[26] Cremos que, e ainda que com um raciocínio algo controverso, é esta a posição expressa pelo Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Eitorial Notícias, 1993, pág. 289, para cuja leitura se remete, posição, de resto, seguida por parte da jurisprudência publicitada e que, com maior ou menor argumentação, sustenta a mesma solução da diferente natureza das penas em questão – vide, nesse sentido, o acórdão deste TRP datado de 15/10/2014, relatado pelo Desembargador Artur Oliveira, basicamente estribado no acórdão deste mesmo tribunal datado de 12/03/2014, relatado pela Desembargadora Eduarda Lobo e o acórdão, ainda deste tribunal, datado de 21/09/2016, relatado pela Desembargadora Élia São Pedro (do qual consta a indicação doutros arestos no mesmo sentido), todos a consultar in http://www.dgsi.pt. Pode ver-se ainda, sempre na defesa da mesma tese, o acórdão do TRE datado de 12/06/2012 e o acórdão do TRC datado de 29/03/2017, estes sumariados no CPP anotado no site da PGL.
[27] Citação do Ac. do STJ, datado de 15/09/2011, relatado pelo sobredito Conselheiro, a consultar in www.dgsi.pt, aqui elegido pois que, dentre os arestos mais recentes, o temos como o mais emblemático quanto a esta temática.
[28] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico, convertido pelo Lince Composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).