Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2081/21.4T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO VILARES FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS DA OBRA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RP202402202081/21.4T8MAI.P1
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No âmbito de um contrato de empreitada, e no domínio da aplicação das regras atinentes à eliminação dos defeitos da obra, deve considerar-se definitivamente incumprida a obrigação de reparação por parte do empreiteiro, ao mesmo tempo que não ocorre mora accipiens do dono da obra, se o primeiro, intimado pelo segundo a reparar a totalidade dos defeitos verificados, apenas aceita reparar parte pouco significativa dos mesmos, levando o dono da obra a recusar tal reparação parcial.
II – A natureza subsidiária do instituto de enriquecimento sem causa, plasmada no art. 474.º do CCivil, impede a sua aplicação em certos casos, designadamente quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO N.º 2081/21.4T8MAI.P1

[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível da Maia – Juiz 2]

Relator: Fernando Vilares Ferreira

Adjuntos: João Diogo Rodrigues

João Proença

SUMÁRIO:

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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

RELATÓRIO

1.

A..., LDA. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo a condenação destes no montante de Eur. 9.776,00€, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal desde 8.4.2018 até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que no âmbito da sua atividade comercial de serralharia, foi contratada pelos Réus para executar obras de serralharia e instalação de equipamentos em alumínio em imóvel que identifica; o material, a mão-de-obra e o serviço de instalação foram orçamentados no valor total de Eur. 11.770,00, acrescido do respetivo IVA; iniciou a obra durante o mês de junho de 2017, execução que foi acompanhada pelos Réus; em 11 de julho de 2017, por conta do preço acordado, os Réus entregaram-lhe a quantia de Eur. 4.000,00; em 2 de Janeiro 2018, os réus alegaram a existência de defeitos na obra realizada, estando alegadamente em falta acabamentos nas claraboias e a recolocação do alumínio instalado, com vista à impermeabilização, conferindo-lhe o prazo de 5 dias úteis para proceder à reparação; após prévia comunicação, no dia 9 de janeiro de 2018, deslocou-se ao local da obra para aferir da existência de defeitos, tendo sido impedida de aceder ao interior do imóvel por um operário que se encontrava no local; no dia 23 de janeiro de 2018, foi efetuada uma perícia com a presença de funcionários da empresa B...; na sequência dessa diligência, remeteu aos Réus um projeto de reparação, indicando data para realização da intervenção; nessa data, foi-lhe impedido o acesso à obra; entretanto, os réus declararam a resolução do contrato de empreitada em apreço; a obrigação de reparação que se lhe impunha tornou-se impossível por facto imputável aos Réus; em segunda linha, invocou o instituto do enriquecimento sem causa, alegando que os Réus viram o seu património enriquecido com a deslocação patrimonial correspondente à colocação de janelas, claraboias, portas, portão e demais equipamentos colocados pela Autora no imóvel da propriedade dos Réus, sem que nunca os Réus tivessem solicitado a remoção ou o levantamento deste material, vendo desta forma o seu património valorizado com esta deslocação patrimonial, em manifesto prejuízo da Autora que teve de pagar o material ao fornecedor e fabricante para além de suportar o custo da mão de obra dos seus funcionários, prejuízo que corresponde ao montante de 9.776,00, inscrito na fatura ....

2.

Os Réus contestaram, impugnando a essencialidade da factualidade alegada pela Autora, afirmando nada deverem, e esclarecendo que numa reunião realizada na segunda quinzena de abril de 2018, estabeleceram um acordo com a Autora, mediante o qual não propunham uma ação de indemnização contra a autora e esta reduzia o preço em dívida ao valor já recebido de Eur. 4.000,00, pugnando assim pela improcedência da ação.

3.

Respondeu a Autora, concluindo como na petição inicial e peticionando a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.

4.

Em 14.10.2021, os Réus apresentaram requerimento nos seguintes termos:

[RR. vem nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 423º, n.º 2 do CPC juntar aos autos (assim o permita V. Exa.) o documento que nomina de n.º 1, complementar, (documento n.º 1 - C) composto por 20 (vinte) folhas e 110 (cento e dez) fotografias, que informam os autos, (em detalhe) dos defeitos e incumprimentos (contrários legis artes).

Vem ainda, nos termos do previsto no artigo 598º, n.º 2 do CPC, requerer aditamento ao rol de testemunhas desta parte, requerendo-se a notificação (nos termos do artigo 507º, n.º 2 do CPC) das seguintes testemunhas:

2 - CC, a notificar na Urbanização ..., R/chão direito, ... ...;

3 - DD, a notificar no domicilio profissional, na Avenida ..., ... Braga;

4 - EE, a notificar na Rua ..., sala ..., ... Maia;

5 - FF, a notificar na Rua ..., ... ....

Por fim, requer-se; nos termos do previsto no artigo 466º, n.º 1 do CPC, as declarações de parte do Réu AA, quanto à matéria de facto contra-alegada (por exceção) articulada em 13º, 14º, 15º, 16º e 17º da Contestação.

Os originais das fotografias (juntas como Documento n.º 1 – C), em breve serão entregues em mão na secretaria desse Tribunal.]

5.

Em 28.10.2021, os Réus juntaram aos autos os originais das fotografias mencionadas no dito requerimento.

6.

Em 4.11.2021 foi proferido o seguinte despacho:

[Notifique-se a autora para, querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciar quanto aos documentos apresentados com o requerimento que antecede.]

7.

Na sequência daquela notificação, a Autora, em 18.11.2021, apresentou o seguinte requerimento:

[(…) vem muito respeitosamente pronunciar-se sobre os documentos apresentados com o requerimento que antecede, o que faz nos seguintes termos e fundamentos



Dispõe o artigo 423 do CPC que:

1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

DA EXTEMPORANEIDADE:



Nos termos legais, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.


Os RR não fizeram qualquer prova de que não pôde oferecer os documentos com os articulados devendo, por conseguinte, retirar-se as inerentes consequências legais.

DA PROVA:



Os RR não fazem corresponder os documentos apresentados com quaisquer factos alegados nos presentes autos.


Tal sucede porque os RR nunca alegaram quaisquer factos relacionados com “defeitos e incumprimentos (contrários legis artes)” como pretendem agora fazer crer no requerimento apresentado,


pretendendo desta forma enviesada trazer factos novos aos presentes autos,


que não foram alegados no articulado de contestação,


em clara violação das regras processuais aplicáveis,


devendo, por conseguinte, o requerimento apresentado ser desentranhado

SEM PRESCINDIR DO EXPOSTO E POR MERO DEVER DE PATROCINIO,


10º

Impugna-se no seu conteúdo, extensão e autenticidade o documento designado de 1-C composto por 20 (vinte) folhas e 110 (cento e dez) fotografias, nos termos dos artigos 444.º e 574.º do CPC, por desconhecer da veracidade e exatidão do seu conteúdo.]

8.

Por sua vez, em 25.11.2021, os Réus contrapuseram assim:

[(…) notificados que fomos (referência 40499396) do Requerimento de Resposta (impugnação) dos referidos documentos juntos cumpre-nos referir que,

conforme resulta do n.º 2 do artigo 423 do CPC e ao contrário do pretendido do articulado em 2º e 3º da intitulada “resposta” a apresentação dos documentos não é extemporânea,

a pertinência da mesma decorre dos poderes de cognição alargados à disposição do Julgador (após 2013) em concreto no âmbito do previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 5º do CPC,

apesar de se perceber que a impugnação dos documentos juntos não corresponde a uma verdadeira convicção de qualquer falsidade dos mesmos, pois, confessadamente decorres e cito de “mero dever de patrocínio” vem esta parte nos termos e para os efeitos do previsto no n.º 2 do artigo 445º do CPC, requerer a produção de prova em vista à comprovação da genuinidade de tais documentos com a inquirição das pessoas indicadas por esta parte no rol de testemunhas.]

9.

Em 10.12.2021, os Réus apresentaram requerimento nos seguintes termos:

[RR. vem nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 423º, n.º 2 do CPC juntar aos autos (assim o permita V. Exa.) o documento que nomina de n.º 3, composto por 110 (cento e dez) folhas e 216 (duzentas e dezasseis) fotografias, que informam os autos, (em detalhe) das operações de reparação efetuadas pelo Sr. GG e que conjugadas com toda a factualidade já descrita nos presentes autos determinam à correta perceção da qualidade da execução dos trabalhos efetuados pelo A., bem como dos trabalhos de correção dos mesmos que os RR. tiveram necessidade de efetuar.

Rogando-se a junção aos autos.

Oportunamente se juntarão os originais, referindo-se que não foi possível apresentar estas fotos em momento anterior uma vez que se encontravam na posse do Sr. GG, facto que os RR. só nesta data tiveram conhecimento.]

10.

E em 13.12.2021 os Réus juntaram aos autos os originais das fotografias mencionadas no requerimento antecedente.

11.

Em 19.01.2022 foi proferido o seguinte despacho:

[Dê conhecimento à autora da junção dos originais das fotografias já remetidas aos autos.

Nada sendo requerido a esse propósito, conclua para prolacção do despacho saneador.

12.

Em 10.06.2022 foi proferido despacho saneador, nos seguintes termos:

[I - SANEADOR

O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio, não existindo nulidades que invalidem todo o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas.

Não existem outras excepções, dilatórias ou peremptórias, ou questões prévias de que cumpra conhecer por ora ou que obstem à decisão do mérito da causa.


***

Ao abrigo do disposto no artigo 596º do Cód. de Processo Civil, cumpre agora proceder à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos factos assentes e dos temas da prova nos termos infra indicados:

Identificação do objecto do litígio:

Nos presentes autos, o objecto do litígio consiste no pedido de condenação dos réus no pagamento à autora de quantia monetária, a título de incumprimento contratual.

Factos assentes:

A) A autora “A..., Lda.” dedica-se à actividade de serralharia.

B) No âmbito da sua actividade, a autora foi contratada pelos réus AA e BB para executar obras de serralharia e instalação de equipamentos em alumínio no imóvel sito na Rua ..., em ....

C) Os trabalhos aludidos em B) englobaram, pelo menos, a:

- Instalação de alumínio lacado (em cinza forja 900 SABLE), que inclui vidro duplo laminado;

- Instalação de três janelas basculantes;

- Instalação de um vão composto por: fixo ao meio, porta de abrir com uma folha, com fechadura de três pontos de um lado e janela basculante do outro;

- Instalação de uma porta de abrir com uma folha, com fechadura de três pontos e um fixo de cada lado;

- Instalação de uma porta de abrir com uma folha chapeada a W25, com fechadura de três pontos;

- Instalação de um portão seccionado lacado (cinza 9006), com automatismo;

D) O material, a mão-de-obra e o serviço de instalação dos trabalhos aludidos em B) foram orçamentados no valor total de Eur. 11.770,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor de 23%.

E) A Autora iniciou os trabalhos aludidos em B) durante o mês de Junho de 2017.

Temas da prova:

1º - Apurar o âmbito e a natureza da globalidade dos trabalhos previstos no acordo aludido em B);

2º - Apurar os trabalhos executados no âmbito do acordo aludido em B);

3º - Apurar se a execução dos trabalhos aludidos em B) foi acompanhada pelos réus;

4º - Apurar a quantia entregue pelos réus à autora por referência ao valor mencionado em D);

5º - Apurar a data e o teor das comunicações efectuadas entre a autora e os réus a propósito os trabalhos aludidos em B);

6º - Apurar as informações prestadas pela autora aos réus quanto à execução dos trabalhos aludidos em B);

7º - Apurar se os trabalhos aludidos em B) foram executados com anomalias e, em caso afirmativo, determinar a sua causa e natureza;

8º - Apurar se a autora se disponibilizou para proceder à reparação das anomalias aludidas em 7);

9º - Apurar se os réus impediram o acesso da ré à obra aludida em B) e, em caso afirmativo, em que data e em que circunstâncias;

10º - Apurar a data de conclusão dos serviços aludidos em B);

11º - Apurar se a autora e os réus acordaram em reduzir o preço dos serviços aludidos em B) à quantia de Eur. 4.000,00;


***

Admito a tomada de depoimento de parte aos réus, nos termos requeridos na petição inicial.

Admito a tomada de declarações de parte ao legal representante da autora, nos termos requeridos na petição inicial.

Admito a tomada de declarações de parte aos réus, nos termos requeridos na contestação.

Admito a produção da prova testemunhal indicada na petição inicial e no articulado de contestação, bem como as testemunhas aditadas.

Proceder-se-á à gravação da prova a produzir em sede de audiência de julgamento.

Para realização da audiência de julgamento designo o próximo dia 7 de Julho de 2022, pelas 14.00 horas.

Notifique, observando o disposto no artigo 151º n.º 2 do Cód. de Processo Civil.]

13.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, em 30.04.2023 foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:

[Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção improcedente e, em consequência, absolvem-se os réus AA e BB do pedido contra si formulado nestes autos pela autora A..., Lda.

Julgam-se improcedentes os pedidos formulados pela autora e pelos réus de condenação da contraparte como litigantes de má-fé, deles os absolvendo.

Custas pela autora, nos termos do artigo 527º n.º 1 do CPC.]

14.

Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, versando matéria de facto e de direito, assente nas seguintes CONCLUSÕES:

1.ª Em 18/11/2021 a Autora requereu o desentranhamento de um conjunto de fotografias juntas pelos Réus, em requerimento apresentado em 28/10/2021, invocando nomeadamente a extemporaneidade da junção porquanto os RR não fizeram qualquer prova de que não tinha sido possível oferecer os documentos com os articulados e cumulativamente pelo facto dos RR não terem feito corresponder os documentos apresentados com quaisquer factos alegados nos presentes autos.

2.ª Tal sucedeu porque os RR nunca alegaram quaisquer factos relacionados com “defeitos e incumprimentos (contrários legis artes)” pelo que pretenderam desta forma enviesada trazer factos novos aos presentes autos que não tinham sido articulados.

3.ª Sucede porém que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre este pedido de desentranhamento. Essa omissão teve consequências graves para uma boa decisão da causa, pois em consequência da mesma, o Tribunal a quo considerou os referidos documentos para concluir pelo cumprimento defeituoso da prestação por parte da Autora.

4.ª O Tribunal a quo não se pronunciou, tendo cometido pois omissão de pronúncia. Essa omissão de pronúncia é cominada com a nulidade, acarretando a nulidade da Sentença nos termos do artigo 668º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, nulidade essa que aqui expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais.

5.ª Ao fazê-lo violou ainda o disposto no referido artigo 423º do CPC, o qual estabelece um regime imperativo. Tal violação é punida com a nulidade, acarretando a nulidade da Sentença. Nulidade essa que aqui expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais.

6.ª Por outro lado, a Sentença em crise também está ferida de nulidade pelo facto de o Tribunal não ter especificado os fundamentos de facto que fundamentam a decisão de considerar que não resulta um enriquecimento sem causa por parte dos réus dos presentes autos.

7.ª O Recorrente discorda que resultem provados os factos constantes nos artigos 18º e 19º.

8.ª Mais não aceita o Recorrente que o Tribunal tenha considerado que “não só não se provou que o valor dos serviços correctamente executados pela autora seja superior à quantia de Eur. 4.000,00” já recebida, como não se provou que o valor que os réus tenham de despender para obter a rectificação dos defeitos imputáveis à autora não seja superior ao montante peticionado pela autora”; porquanto da prova documental e testemunhal produzida nos autos resulta claramente demonstrado e provado o contrário.

9.ª A consideração pelo Meritíssimo Juiz a quo dos factos supra referidos como provados ou não provados resulta de uma errada interpretação e avaliação das provas constantes dos autos, a qual obstou à boa decisão da causa, inquinando erroneamente o sentido da mesma.

10.ª Foi esta errada interpretação da matéria de facto constante dos autos que provocou a motivação que fundamentou a Sentença recorrida, no sentido em que esta foi proferida, tendo assim total relevo na decisão final da mesma.

11.ª Na verdade o que resulta da prova documental e testemunhal produzida nos autos é que efectivamente os Recorridos não pagaram ao ora Recorrente a quantia de € 9.776,00 Euros referente ao orçamento inicial e aos trabalhos adicionais que foram realizados e que constam da fatura que serve de suporte à presente demanda.

12.ª Contrariamente ao que se determinou na sentença recorrida, não era legítimo aos réus recusar a reparação por parte da Autora.

13.ª Disse a testemunha GG que começou a reparação pelas Claraboias por ser as mais urgentes.

14.ª Disse a testemunha DD, (acta: testemunha da Autora, gravação 02:15:00 a 02:31:40), que elaborou a Ficha Técnica o fabricante que os problemas documentados em fotografias na dita Ficha Técnica, eram relacionados com falta de um parafuso, e a ausência de fechos adicionais no Basculante que a Autora se propôs acrescentar.

15.ª O Tribunal ad quo deu como provado que:

- No dia 9 de Janeiro de 2018, cerca das 9.30 horas, funcionários da autora apresentaram-se na morada aludida em 2), tendo sido impedidos de aceder ao interior do imóvel por um operário que se encontrava no local. (12)

- A autora compareceu na morada da obra a 14 de Fevereiro, às 9.30 horas, não lhe tendo sido facultado o acesso à obra, uma vez que ninguém abriu a porta. (22)

- A autora compareceu na morada da obra a 26 de Fevereiro de 2018, às 9.30 horas, não lhe tendo sido facultado o acesso à obra, uma vez que ninguém abriu a porta.

16.ª A Autora pretendia assim concluir a obra e proceder a eventuais retificações/reparações que se afiguravam necessárias.

17.ª Os Réus recusaram, por diversas vezes e categoricamente, deixar a Autora aceder à obra, não obstante os seus funcionários terem-se deslocado ao local por 3 vezes, em datas diferentes, com vista a verificar os defeitos alegados e a repará-los conforme doutamente referido pelo Tribunal a quo.

18.ª Os Réus não tinham qualquer interesse – antes pelo contrário – de permitir o acesso à obra, tanto que nunca o permitiram, apresentando para tal as mais diversas desculpas, tudo com o propósito de se eximirem ao pagamento do preço que sabiam ser devido à Autora, pelos serviços por esta prestados.

19.ª Tendo o contrato de empreitada como objecto a realização de obras em imóvel da propriedade dos Réus, o acesso à mesma dependia totalmente da colaboração dos Réus, pelo que o perfeito cumprimento da obrigação da Autora estava totalmente dependente da colaboração dos Réus, e para tal bastaria que permitissem o acesso ao imóvel aos funcionários da Autora.

20.ª A necessária cooperação do dono da obra para a eliminação dos defeitos constitui uma obrigação do mesmo.

21.ª Denunciados os defeitos existentes, ficaram os Réus, donos da obra, credores sobre o empreiteiro da obrigação de reparação, mas ficaram também onerados com o dever de colaboração no referido cumprimento, de acordo com os ditames da boa fé, previstos no artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil.

22.ª Tendo sido proposta a reparação pela Autora, a oposição do dono da obra a essa oferta e a recusa em permitir o acesso à obra contrariam claramente os ditames da boa-fé.

23.ª Por conseguinte, a violação deste dever faz o credor incorrer em mora accipiendi, nos termos do disposto no artigo 813.º do Código Civil, o qual dispõe que: “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”

24.ª Ao não aceitarem permitirem o acesso à obra nas três datas referidas, os Réus incumpriram claramente o seu dever de colaboração e constituíram-se em mora, nos termos e para os efeitos do artigo 813.º do Código Civil.

25.ª Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 08A1461, relator João Camilo: “Verificados defeitos na moradia realizada no cumprimento de um contrato de empreitada e tendo o dono da obra pedido à empreiteira a sua reparação, a não efectivação desta reparação devido à recusa do dono da obra em desocupar a casa - tendo em conta que tal desocupação era necessária à referida reparação - não extingue, em princípio, a obrigação de reparar da empreiteira, mas apenas faz o dono da obra incorrer em mora como credor, nos termos dos arts. 813º e segs. do Cód. Civil.”

26.ª A recusa pelos Réus, na qualidade de donos da obra, de dar cumprimento ao dever de colaboração nos termos impostos pelo princípio da boa-fé contratual, exclui qualquer eventual responsabilidade da aqui Autora, na qualidade de empreiteiro, por eventuais danos gerados pelo cumprimento defeituoso da empreitada, uma vez que à aqui Autora não foi dada, em momento algum, oportunidade de sequer aceder à obra, para proceder à correção dos defeitos alegados.

27.ª Perante a impossibilidade de fazer a sua prestação e a postura transmitida pelos Réus nas missivas enviadas, a Autora considerou o contrato definitivamente incumprido por parte dos Réus, na data de 15 de Março de 2018.

28.ª A Autora devedora, perante a mora dos Réus credores, fez uso do instituto legal previsto no artigo 808.º do Código Civil, aqui aplicável analogicamente.

29.ª No sentido da aceitação da aplicação analógica do artigo 808.º do Código Civil, in casu, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 96A602:

“IV - A mora do credor (dono da obra) possibilita ao devedor (empreiteiro) que nisso tenha interesse, a extinção da obrigação de facere, por aplicação analógica do artigo 808 n. 1 do citado Código, se tiver fixado um prazo razoável ao credor para este cooperar no cumprimento, e não obstante o mesmo, injustificadamente, mantiver a sua recusa de cooperação.

V - Em tal hipótese, o devedor (empreiteiro) pode exigir do dono da obra o montante global do preço da empreitada.

30.ª Ainda, Fernando A. Cunha de Sá, in “Direito ao Cumprimento e Direito a Cumprir, pág.109, sobre a aplicação analógica do artigo 808.º do Código Civil à mora do credor:

“Ora, quando o devedor de uma prestação de facto ou de coisa inconsignável faz tudo quanto de si depende para cumprir a obrigação, mas tal não se verifica possível por exclusivo facto do credor, só há um meio à face da nossa ordem jurídica para acautelar o seu interesse em exonerar-se, sem dependência do decurso do prazo prescricional. Esse meio é o que resulta da aplicação analógica do art. 808º à mora do credor. Quando este, sem causa justificativa, não aceitar a prestação ou não praticar os actos que são necessários à sua realização, poderá o devedor fixar-lhe um prazo razoável para que desenvolva a colaboração que é indispensável ao cumprimento da obrigação, findo o qual este tem de considerar-se definitivamente impossibilitado por facto do credor.”

31.ª Desta forma haveria que recorrer ao dispositivo do artigo 808.º para fazer converter a mora do credor em impossibilidade definitiva de cumprimento por causa não imputável ao devedor, com a consequente extinção da obrigação, nos termos do referido artigo 790.º, n.º 1; o que a Autora fez.

32.ª Na sua comunicação de 21 de Fevereiro, a Autora interpelou os Réus para que esses permitissem, de uma vez por todas, o acesso à obra para correção dos defeitos, indicando data e hora para o efeito.

33.ª A obrigação que se impunha à Autora empreiteiro tornou-se, portanto, impossível por facto imputável aos credores da mesma, e consequentemente, extinta nos termos do artigo 790.º, n.º 1 do Código Civil.

34.ª O eventual direito à reparação que pudesse assistir aos Réus extinguiu-se por impossibilidade de cumprimento por causa não imputável à Autora, mas antes por causa imputável aos Réus, que sempre recusaram o cumprimento da obrigação à Autora, inviabilizando a sua prestação; com o único propósito de não pagar o material fornecido e a mão de obra prestada.

35.ª Com efeito, o n.º 1 do artigo 790.º do Código Civil - incluído nas normas gerais sobre não cumprimento das obrigações aqui aplicável, por as normas legais referentes ao contrato de empreitada, neste aspecto, não conter regras privativas -, estipula que a obrigação se extingue quando a prestação se torne impossível por causa não imputável ao devedor.

36.ª Neste caso, os Réus para se furtarem ao pagamento do preço da obra com base nos referidos defeitos da mesma, tem não só de os denunciar, como exigir a eliminação dos mesmos.

37.ª Com efeito, tendo os referidos defeitos sido denunciados à recorrida e aprestando- se aquela a eliminá-los, tal não ocorreu por falta dos Réus na colaboração na referida eliminação, ao não permitir a entrada no imóvel, tendo em conta que tal acesso era necessário à referida correção dos defeitos alegados.

38.ª Estabelece o n.º 2 do artigo 795.º do Código Civil:

“2. Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será o valor do benefício descontado na contraprestação.”

39.ª Pelo exposto os Réus não estão desobrigados da contraprestação, neste caso, o pagamento do restante preço do valor da obra, na quantia de 9.776,00 Euros, conforme factura que lhes foi remetida a 15/03/2018, com data de vencimento a 08/04/2018.

SEM PRESCINDIR DO EXPOSTO,

40.ª Os Réus não invocaram qualquer cumprimento defeituoso por parte da Autora, nem qualquer relacionado.

41.ª Para se eximir ao pagamento da quantia peticionada, limitaram-me a invocar uma alegada transação que teria sido acordada no âmbito de uma reunião.

42.ª O Tribunal a quo deu como não provado que “O legal representante da autora e os réus tenham estado presentes numa reunião no escritório de advocacia do Dr. HH, em data circunscrita na segunda quinzena do mês de abril de 2018.”

43.ª Cabia aos Réus invocar e provar o cumprimento defeituoso da prestação contratada e fazer prova dos prejuízos eventualmente sofridos com a reparação realizada por um terceiro.

44.ª Os Réus não juntaram qualquer fatura ou qualquer outro elemento de prova que demonstre que se viram na necessidade de recorrer a um terceiro para reparar os eventuais vícios existentes na obra.

45.ª A testemunha GG, serralheiro que os réus terão alegadamente contratado para proceder às reparações e concluir a obra (acta: testemunha dos Réus, gravação 00:15:00 a 00:53:34) a instâncias do Digníssimo Sr Juiz :

Digníssimo Sr Juiz : Desse valor dos 5000 qual a percentagem relativa a mão de obra?

Testemunha GG: Uma percentagem muito grande.

Digníssimo Sr Juiz : Diga-me um percentagem?

Testemunha : Cerca de 80 %.

46.ª Não é verosímil que os serviços de reparação tenham tido o custo desproporcionado de 5000€ (sem qualquer fatura), incluído a quantia de 4000€ de mão de obra.

47.ª A título de exemplo, e para uma remuneração diária (meramente indicativa) de 100€/dia, o dito serralheiro teria trabalhado 40 dias (cerca de dois meses) na reparação dos alegados vícios nas portas e janelas da moradia!

48.ª Mesmo que o Tribunal a quo considerasse que existiu um cumprimento defeituoso por parte da Autora não teve em conta que a duas faturas emitidas pela Autora por conta desta obra totalizam a quantia de € 13776 €.

49.ª Mesmo que se considere os réus despenderam a quantia de 5 000€ com as reparações, (o que o Tribunal a quo não deu como provado), o crédito da Autora deveria sempre ser reduzido equitativamente à quantia de 8776,00€ (13 776-5000).

50.ª Considerando que os réus só pagaram a quantia de 4000€ seriam sempre devedores à Autora da quantia de 4 776,00€ (quatro mil setecentos e setenta e seis euros) por conta da alegada quantia que tiveram que suportar com as reparações.

51.ª Inexplicavelmente e apesar de ter sido referido que os réus só gastaram alegadamente 5000 € com as reparações, o Tribunal a quo considerou que a integralidade do pedido deveria ser considerado improcedente.

POR MERO DEVER DE PATROCINIO E SEM PRESCINDIR,

52.ª Resulta do depoimento da testemunha GG, serralheiro que os réus terão alegadamente contratado para proceder às reparações e concluir a obra (acta: testemunha dos Réus, gravação 00:15:00 a 00:53:34) que a integralidade da caixilharia colocada na obra pela Autora permaneceu no local e foi aproveitada pelos Réus (que nunca a pagaram esse material).

53.ª Tal é reforçado pelo depoimento de parte do Réu AA que a instâncias do Digníssimo Sr Juiz disse:

Digníssimo Sr Juiz: Há algum material colocado pelo II que esteja na sua obra?

Réu AA: Na minha obra? Do II. Esta tudo colocado lá.

Digníssimo Sr Juiz: Há material colocado pelo II que ficou na obra?

Réu AA: Esta tudo lá.

54.ª O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia, fundada na verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos:

a) a existência de um enriquecimento;

b) que ele careça de causa justificativa;

c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a

restituição;

d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.

55.ª O enriquecimento carece de causa justificativa sempre que o direito não o aprove ou consinta, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitime o enriquecimento.

56.ª Ora, in casu os Réus viram o seu património enriquecido com a deslocação patrimonial correspondente à colocação de janelas, claraboias, portas, portão e demais equipamentos colocados pela Autora no imóvel da propriedade dos Réus, sem que nunca os Réus tivessem solicitado a remoção ou o levantamento deste material.

57.ª Os Réus viram desta forma o seu património valorizado com esta deslocação patrimonial, em manifesto prejuízo da Autora que teve de pagar o material ao fornecedor e fabricante para além de suportar o custo da mão de obra dos seus funcionários, em manifesta contravenção do mais elementar sentimento de justiça.

58.ª Posto isto, devem os Réus solidariamente ser condenados a restituir/indemnizar a Autora pelo montante do enriquecimento de que beneficiaram no seu património, a que correspondeu o prejuízo da Autora.

59.ª Neste particular, totalizando o valor dos serviços prestados e mercadoria colocada na moradia a quantia de 13 776 € (IVA incluído) correspondente às faturas emitidas de 4000€ + 9776€, o valor da mercadoria que permaneceu no local (deduzindo a mão de obra de 1920 € é de 11 856€ (IVA incluído).

60.ª Ora, considerando que pagaram 4000€ o locupletamento dos Réus que ficaram com a integralidade da caixilharia (portas, janelas, claraboias) colocadas na moradia é de 7 856 €(sete mil oitocentos e cinquenta e seis euros ) a titulo de enriquecimento sem causa.


*

Finalizou, pedindo que se declare a nulidade da decisão recorrida e que se substitua por outra que julgue a ação totalmente procedente.

7.

Não foram apresentadas contra-alegações.

8.

Acerca das nulidades da sentença invocadas pela Apelante, pronunciou-se assim o Exmo. Juiz de Direito, nos termos do art. 617.º, n.º 1, do CPCivil:

[Nas alegações de recurso juntas ao processo, a autora veio invocar a nulidade da sentença proferida nos autos.

Para fundamentar a sua pretensão alega que requereu o desentranhamento de um conjunto de fotografias juntas pelos réus, invocando nomeadamente a extemporaneidade da junção porquanto os réus não fizeram qualquer prova de que não tinha sido possível oferecer os documentos com os articulados e cumulativamente pelo facto dos réus não terem feito corresponder os documentos apresentados com quaisquer factos alegados nos presentes autos.

Mais alega que o tribunal não se pronunciou sobre este pedido de desentranhamento, tendo cometido pois uma omissão de pronúncia.

Por outro lado, o tribunal violou o disposto no referido artigo 423º do CPC, o qual estabelece um regime imperativo.

Tal violação é punida com a nulidade, acarretando a nulidade da sentença.

Salienta ainda que a sentença em crise também está ferida de nulidade pelo facto de o tribunal não ter especificado os fundamentos de facto que fundamentam a decisão de considerar que não resulta um enriquecimento sem causa por parte dos réus dos presentes autos.

Notificados para o efeito, os réus pronunciaram-se pela inexistência das apontadas nulidades.

Cumpre decidir.

Compulsados os autos, e não obstante os argumentos aduzidos pela autora, entendo não terem sido cometidas as nulidades apontadas.

Com efeito, na petição inicial a autora alegou ter executado os seus serviços sem quaisquer defeitos, o que foi devidamente impugnado pelos réus na contestação junta ao processo.

Nessa medida, a questão de aferir se os trabalhos executados pela autora padeciam ou não de defeitos constitui uma das questões a decidir, tendo, aliás sido levada aos temas de prova, sem qualquer impugnação por parte da autora.

Por outro lado, a junção das fotografias supra aludidas é processual e tempestivamente válida, atento o disposto no artigo 423º n.º 2 do Cód. de Processo Civil.

Assim, não teria o tribunal de se pronunciar expressamente sobre a sua admissão aos autos, uma vez que essa admissibilidade resulta directamente da lei, não se verificando por esse motivo qualquer omissão de pronúncia.

Acresce que a ponderação das aludidas fotografias se limitou a complementar os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, não existindo qualquer facto que tenha sido considerado como provado apenas com base nas mencionadas fotografias.

Assim, mesmo que as mencionadas fotografias não fossem atendidas, tal não importaria qualquer alteração da factualidade provada.

Por fim, ao contrário do sustentado pela autora, o tribunal especificou os fundamentos de facto que fundamentam a decisão de considerar que não resulta um enriquecimento sem causa por parte dos réus dos presentes autos.

Na verdade, a este propósito foi expressamente referido que não só não se provou que o valor dos serviços correctamente executados pela autora seja superior à quantia de Eur. 4.000,00 já recebida, como não se provou que o valor que os réus tenham de despender para obter a rectificação dos defeitos imputáveis à autora não seja superior ao montante peticionado pela autora.

Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, entendo não se verificarem as nulidades invocadas.]

II.

OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).

Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, desnecessariamente prolixas, as questões estruturais carecidas de solução são as seguintes:
a) Se a sentença recorrida padece de vício de nulidade, por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão, e também por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. b) e d), 1.ª parte, do CPCivil;
b) Se existem razões válidas para modificar a decisão da matéria de facto, por erro de julgamento, quanto à factualidade julgada provada e descrita sob os respetivos pontos 18) e 19); e, no caso de resposta positiva a esta questão,
c) Se se justifica a alteração da solução jurídica dada ao caso pela 1.ª instância, designadamente por via do reconhecimento de mora accipiendi dos Réus ou enriquecimento sem causa dos mesmos.

III.

FUNDAMENTAÇÃO

1.

DA INVOCADA NULIDADE DA SENTENÇA

1.1.

A afirmação feita pela Apelante, de que a sentença “está ferida de nulidade pelo facto de o Tribunal não ter especificado os fundamentos de facto que fundamentam a decisão de considerar que não resulta um enriquecimento sem causa por parte dos réus dos presentes autos”, apresenta-se-nos absolutamente infundamentada e contrária à realidade.

Com efeito, considerando que apenas a absoluta falta de fundamentação, e não já a insuficiência de fundamentação constitui causa de nulidade para o efeito do preceituado no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPCivil, como é unanimemente reconhecida pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores desde há muito, no caso dos autos dúvida alguma subsiste que a sentença recorrida especificou de forma adequada e bastante os fundamentos de facto que justificam a solução jurídica que alcançou sobre as questões controvertidas.

Improcede, pois, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, a arguição de nulidade com tal fundamento.

1.2.

Defende ainda a Apelante que a sentença sob recurso enferma de vício de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto não se pronunciou sobre um seu requerimento, apresentado em 18.11.2021, no sentido de não ser admitido nos autos, como meio de prova, um conjunto de fotografias apresentado pelos Réus com requerimento de 28.11.2021.

Vejamos.

Nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPCivil, a sentença é nula “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”, norma que constitui corolário do dever imposto ao juiz pelo art. 608.º, n.º 2, do mesmo Código: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

É pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que o dever de decidir “não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com «questões» (STJ 27-3-14, 555/2002)”, e “que para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23-1-19, 4568/13)”[1].

No caso, a Apelante parece esquecer que a alegada omissão de pronúncia se reporta a uma questão processual relacionada com a admissão de meio prova, a qual se tem de considerar definitivamente ultrapassada com a prolação do despacho saneador, considerando os atos que deixámos transcritos no relatório supra, em I-4) a 12).

Com efeito, tendo o despacho saneador sido proferido em 10.06.2022, e não tendo o mesmo rejeitado como meio de prova as fotografias em causa, o que se pode concluir é que o tribunal admitiu tal meio de prova tacitamente, sendo que as fotografias se mantiveram nos autos até final da audiência de julgamento, com as quais as testemunhas puderam ser confrontadas, sem que a Autora em algum momento invocasse qualquer impedimento para o efeito, designadamente a omissão de pronúncia expressa do tribunal quanto a tal questão.

Ora, destinando-se o despacho saneador, para além do mais, a conhecer das questões processuais suscitadas pelas partes até então (cf. art. 595.º, n.º 1, a) do CPCivil), a eventual omissão de conhecimento expresso pelo tribunal de tais questões, embora possa constituir nulidade do dito despacho por omissão de pronúncia, a mesma considera-se sanada se não for arguida em tempo e pela via adequada, designadamente por via de recurso do despacho saneador.

A Apelante, em vez de arguir a nulidade do despacho saneador, por omissão de pronúncia expressa da questão em apreço, deixou correr a normal tramitação até prolação da sentença, imputando a esta um vício formal assente em falta de pronúncia, que seguramente não se verifica, porquanto tal questão já então há muito se encontrava ultrapassada.

Dito isto, importa apenas esclarecer a Apelante de que a nulidade invocada assume natureza meramente formal, passível de ser sanada, incluindo pela Relação em substituição da 1.ª instância, nos termos do art. 665.º, n.º 1, do CPCivil, sendo certo que se razões houvesse para a declarar, sempre as fotografias em questão deveriam ser admitidas como meio de prova, ao abrigo do preceituado no art. 423.º, n.º 2, do CPCivil.

Termos em que julgamos improcedente a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

2.

OS FACTOS

1.1.

Factos provados

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

1 – A Autora “A..., Lda.” dedica-se à atividade de serralharia.

2 – No âmbito da sua atividade, a Autora foi contratada pelos Réus AA e BB para executar obras de serralharia e instalação de equipamentos em alumínio no imóvel sito na Rua ..., em ....

3 – Os trabalhos aludidos em 2) englobavam a:

- Instalação de alumínio lacado (em cinza forja 900 SABLE), que inclui vidro duplo laminado;

- Instalação de 4 janelas oscilo-batente de abrir com uma folha e de 1 janela oscilo-batente com lateral fixo;

- Instalação de três janelas basculantes;

- Instalação de 3 claraboias;

- Instalação de 4 fixos;

- Instalação de um vão composto por: fixo ao meio, porta de abrir com uma folha, com fechadura de três pontos de um lado e janela basculante do outro;

- Instalação de uma porta de abrir com uma folha, com fechadura de três pontos e um fixo de cada lado;

- Instalação de uma porta de abrir com uma folha chapeada a W25, com fechadura de três pontos;

- Instalação de um portão seccionado lacado (cinza 9006), com automatismo;

- Instalação de 1 grelha de pavimento em barra, de ferro metalizado.

4 – O material, a mão-de-obra e o serviço de instalação dos trabalhos aludidos em 2) foram orçamentados no valor total de Eur. 11.770,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor de 23%.

5 – A Autora iniciou a execução dos trabalhos aludidos em 2) durante o mês de junho de 2017.

6 – Os Réus foram acompanhando a execução dos trabalhos aludidos em 2).

7 – Para pagamento parcial do preço aludido em 4), os Réus entregaram à Autora a quantia de Eur. 4.000,00.

8 – Em dezembro de 2017, a Autora procedeu à emissão da fatura com o n.º ..., datada de 29 de dezembro de 2017, no valor de Eur. 4.000,00, conforme documento junto com a petição inicial sob o n.º 2, cujo teor se dá por reproduzido.

9 – Os Réus remeteram à Autora, que a recebeu, a carta datada de 29 de dezembro de 2017, conforme documento junto com a petição inicial sob o n.º 3, cujo teor se dá por reproduzido, mediante a qual invocaram a existência de anomalias na execução dos trabalhos mencionados em 2) e conferiram à Autora o prazo de 5 dias úteis para proceder à sua reparação.

10 – A Autora remeteu aos Réus, que a receberam, a carta datada de 3 de janeiro de 2018, conforme documento junto com a petição inicial sob o n.º 4, cujo teor se dá por reproduzido, através da qual, além do mais, informou ainda que se deslocaria à morada onde foi realizada a obra, na data de 9 de janeiro de 2018, às 9h30m.

11 – Os Réus remeteram à Autora, que a recebeu a carta datada de 8 de janeiro de 2018, conforme documento junto com a petição inicial sob o n.º 5, cujo teor se dá por reproduzido.

12 – No dia 9 de janeiro de 2018, cerca das 9.30 horas, funcionários da Autora apresentaram-se na morada aludida em 2), tendo sido impedidos de aceder ao interior do imóvel por um operário que se encontrava no local.

13 – Nessas circunstâncias, os funcionários da Autora aguardaram durante um período de tempo não concretamente apurado, tendo sido informados que o Réu não iria permitir o acesso à obra.

14 – Nas circunstâncias aludidas em 12), nenhum dos Réus se encontrava presente no local da obra.

15 – A Autora remeteu aos Réus, que a receberam, a carta datada de 15 de janeiro de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 1, cujo teor se dá por reproduzido, mediante a qual, além do mais, informaram que no dia 23 de janeiro de 2018 se deslocariam ao local da obra acompanhados por um responsável da sociedade B..., com vista a efetuar uma perícia à obra e aferir e intervir nos alegados vícios invocados.

16 – No dia 23 de janeiro de 2018, foi efetuada uma perícia aos trabalhos executados pela Autora na obra aludida em 2), na qual estiveram presentes o legal representante da Autora, II, o Réu AA, o comercial da empresa B... CC e os técnicos da empresa B... JJ e DD.

17 – Na sequência da visita aludida em 16), o mencionado DD elaborou o relatório junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 2, cujo teor se dá por reproduzido.

18 – Na execução dos trabalhos aludidos em 2), a Autora não efetuou a fixação dos caixilhos da porta de entrada à alvenaria de forma eficaz, sendo que o montante de reforço se encontrava solto na parte inferior e lateralmente apresentava movimentos que indiciavam uma deficiente ligação, sendo visível a movimentação dos perfis.

19 – E assentou os caixilhos sobre o capoto, não permitindo uma fixação sólida, permitindo as infiltrações de água e dando causa às movimentações da caixilharia.

20 – Os Réus remeteram à Autora, que a recebeu, a carta datada de 2 de fevereiro de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 3, cujo teor se dá por reproduzido, mediante o qual solicitaram que a ré, no prazo de 5 dias, lhes apresentasse um “projecto de reparação das anomalias detectadas”.

21 – A Autora remeteu aos Réus, que a receberam, a carta datada de 8 de fevereiro de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 4, cujo teor se dá por reproduzido, mediante o qual informou que iria comparecer na morada do imóvel no dia 14 de fevereiro, às 9.30 horas, para executar as intervenções por si mencionadas, solicitando indicação de nova data para o efeito, caso os Réus não tivessem disponibilidade para permitir o acesso à obra na data sugerida.

22 – A Autora compareceu na morada da obra a 14 de fevereiro, às 9.30 horas, não lhe tendo sido facultado o acesso à obra, uma vez que ninguém abriu a porta.

23 – Os Réus remeteram à Autora, que a recebeu, a carta datada de 12 de fevereiro de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 5, cujo teor se dá por reproduzido, mediante o qual comunicaram que as obras indicadas no “projecto de reparação” seriam insuficientes porquanto não versariam sobre a “fixação do caixilho numa base sólida”.

24 – A Autora remeteu aos Réus, que a receberam, a carta datada de 20 de fevereiro de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 6, cujo teor se dá por reproduzido.

25 – Os Réus remeteram à Autora, que a recebeu, a carta datada de 21 de fevereiro de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 7, cujo teor se dá por reproduzido, mediante o qual comunicaram que procediam à resolução do contrato.

26 – A Autora remeteu aos Réus, que a receberam, a carta datada de 21 de fevereiro de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 8, cujo teor se dá por reproduzido.

27 – A Autora remeteu aos Réus, que a receberam, a carta datada de 21 de fevereiro de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 9, cujo teor se dá por reproduzido.

28 – Os Réus remeteram à Autora, que a recebeu, a carta datada de 23 de fevereiro de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 10, cujo teor se dá por reproduzido.

29 – A Autora compareceu na morada da obra a 26 de fevereiro de 2018, às 9.30 horas, não lhe tendo sido facultado o acesso à obra, uma vez que ninguém abriu a porta.

30 – A Autora remeteu aos Réus, que a receberam, a carta datada de 15 de março de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 11, cujo teor se dá por reproduzido.

31 – Em março de 2018, a Autora procedeu à emissão da fatura com o n.º ..., datada de 9 de março de 2018, no valor de Eur. 9.776,00, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078832 - sob o n.º 11, cujo teor se dá por reproduzido.

32 – Os Réus remeteram à Autora, que a recebeu, a carta datada de 26 de março de 2018, conforme documento junto com o requerimento datado de 31 de maio de 2021 – referência 29078831 - sob o n.º 2, cujo teor se dá por reproduzido.

33 – O capoto existente na moradia dos Réus não foi colocado pela Autora, tendo sido aplicado em data anterior ao início dos trabalhos aludidos em 2).

1.2.

Factos não provados

O Tribunal de que vem o recurso julgou não provado que:

a) Durante a execução dos trabalhos aludidos em 2), os Réus nunca tenham comunicado à Autora a existência de anomalias quanto à execução dos mesmos.

b) A Autora tenha remetido a fatura aludida em 8) ao Réu AA mediante mensagem de correio eletrónico datada de 29 de dezembro de 2017.

c) A carta aludida em 9) tenha constituído a primeira vez que os Réus alegaram a existência de anomalias quanto à execução dos trabalhos aludidos em 2).

d) Até essa data a Autora não tivesse conhecimento da existência de anomalias na execução dos trabalhos aludidos em 2), nem tivessem sido acordadas reparações.

e) Antes ou no decurso da execução dos trabalhos aludidos em 2), a Autora tenha alertado os Réus para os riscos de instalar o caixilho no capoto e não numa base mais sólida.

f) Nessas circunstâncias, a Autora tenha informado os Réus que a instalação das caixilharias deveria ser feita em alvenaria.

g) Nessas mesmas circunstâncias, o Réu tenha recusado a realização de cortes no capoto e tenha dado indicações para que a caixilharia fosse colocada sobre o capoto.

h) Tenham sido os Réus a decidir de forma exclusiva a colocação do capoto antes da caixilharia.

i) Tenham sido os Réus a decidir de forma exclusiva instalar a caixilharia sobre o capoto.

j) Os Réus só mais de cinco meses após o término dos trabalhos executados pela Autora na obra tenham vindo invocar defeitos.

k) O legal representante da Autora e os Réus tenham estado presentes numa reunião no escritório de advocacia do Dr. HH, em data circunscrita na segunda quinzena do mês de abril de 2018.

l) No decurso dessa reunião tenha sido acordado entre a Autora e os Réus que estes não propunham uma ação de indemnização contra a Autora e que esta reduzia o preço em divida ao valor já recebido de Eur. 4.000,00.

1.3.

Apreciação da impugnação da matéria de facto

1.3.1.

Nos termos do art. 640.º, n.º 1, do CPCivil, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto implica, sob pena de rejeição, o ónus de o recorrente especificar: “a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

As alegações de recurso em causa integram motivação e conclusões em termos adequados ao cabal cumprimento do mencionado ónus de especificação, mas tão só no respeitante à materialidade inserta nos pontos 18) e 19) do elenco dos factos julgados provados pela decisão recorrida, que a Apelante pretende seja julgada não provada nesta instância de recurso, com base na valoração que entende ser devida a certos meios de prova que indica, ficando de fora da nossa apreciação tudo quanto mais a Apelante alega de forma vaga e imprecisa em torno da decisão em matéria de facto.

 1.3.2.

Segundo dispõe o art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”[2].

O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, sem olvidar, porém, pontuais limitações relacionadas com os princípios da oralidade e da imediação.

Há que ter presente que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1.ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.

A modificabilidade da decisão de facto é ainda suscetível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do CPCivil.

1.3.3.

Defende a Recorrente que o Tribunal de que vem o recurso não formulou juízo probatório acertado relativamente aos pontos 18) – “Na execução dos trabalhos aludidos em 2), a Autora não efetuou a fixação dos caixilhos da porta de entrada à alvenaria de forma eficaz, sendo que o montante de reforço se encontrava solto na parte inferior e lateralmente apresentava movimentos que indiciavam uma deficiente ligação, sendo visível a movimentação dos perfis” – e 19) – “E assentou os caixilhos sobre o capoto, não permitindo uma fixação sólida, permitindo as infiltrações de água e dando causa às movimentações da caixilharia” –, justificando-se antes que os mesmos sejam julgados não provados, tendo por base os meios de prova que indica, nomeadamente os depoimentos das testemunhas GG e DD, nos segmentos da gravação áudio que transcreve.

Para decidir como o fez, neste particular, o Exmo. Juiz de Direito justificou nos termos que passamos a transcrever nos seus passos mais relevantes:

[O tribunal fundamentou a sua convicção na apreciação conjunta e crítica da prova produzida nos presentes autos, analisada à luz das regras da experiência comum e da lógica, sendo que a prova testemunhal se encontra devidamente gravada.

(…)

Para fundamentação da matéria de facto, o tribunal atendeu igualmente às declarações de parte de II, serralheiro, que revelou ter conhecimento dos factos em virtude de ser o legal representante da autora, tendo tido intervenção directa nos mesmos.

(…)

Apesar de ter reconhecido a verificação de alguns defeitos, referiu que se disponibilizou a rectificar os mesmos, o que só não conseguiu porquanto os réus recusaram a sua intervenção.

Nesta parte, não logrou convencer o tribunal que os defeitos inerentes aos trabalhos executados se tenham restringido às questões por si reconhecidas.

Ao invés, resultou do conjunto da prova produzida, que tais anomalias abrangiam outras situações para além daquelas que a autora aceitou reparar.

Tal conclusão resulta desde logo do relatório elaborado pela testemunha DD.

Acresce que, ao contrário do sustentado, não se provou que as caixilharias tenham sido colocadas por cima do capoto por imposição dos réus.

Com efeito, tal alegação não só foi expressamente infirmada pelos réus, como não resulta comprovada por qualquer outro meio de prova.

(…)

Para fundamentação da matéria de facto, o tribunal atendeu ainda aos depoimentos das

testemunhas:

- DD, engenheiro, que revelou ter conhecimento dos factos em virtude do exercício da sua actividade profissional como funcionário da sociedade B....

Prestou o seu depoimento de forma coerente e espontânea, referindo as circunstâncias em que procedeu a uma vistoria às obras em apreço nos autos.

Referiu ter sido o responsável pela elaboração do relatório junto ao processo, confirmando o teor do mesmo.

Descreveu os erros de execução que foram detectados nos trabalhos levados a cabo pela autora, esclarecendo que a colocação da caixilharia sobre o capoto consubstancia uma prestação defeituosa.

Esclareceu que confrontou o legal representante da autora com tal erro de execução.

- CC, comercial, que revelou ter conhecimento dos factos em virtude de ser

funcionário da sociedade B....

Prestou o seu depoimento de forma coerente, esclarecendo que na obra em apreço foram utilizados materiais da B....

- KK, serralheiro, que revelou ter conhecimento dos factos em virtude de ter sido funcionário da autora.

Prestou o seu depoimento de forma clara, descrevendo os trabalhos executados em obra.

- GG, serralheiro, que demonstrou ter conhecimento dos factos em virtude de ter tido intervenção nas obras realizadas na moradia dos réus.

Prestou o seu depoimento de forma clara e coerente, referindo que foi contratado para executar trabalhos depois da saída da autora.

Pronunciou-se sobre os defeitos que a autora cometeu nos trabalhos realizados, bem como quanto às consequências daí resultantes.

- EE, engenheiro civil, que revelou ter conhecimento dos factos em virtude de ter sido o projectista das obras a realizar na casa dos réus.

Depôs de forma clara, referindo ter indicado aos réus a autora como entidade com capacidade para a execução dos trabalhos.

Pronunciou-se quanto à forma como a autora executou os trabalhos contratados, bem como quanto aos litígios daí decorrentes.

(…)

Foram igualmente considerados os documentos juntos aos autos, designadamente o orçamento junto com a petição inicial (que atesta o âmbito dos trabalhos a executar, bem como o respectivo valor), a factura e o recibo juntos com a petição inicial (que comprovam o valor pago pelos réus à autora), as cartas juntas com a petição inicial (que consubstanciam a troca de correspondência entre a autora e os réus e que permitem aferir as posições assumidas por cada um dos contraentes; tais documentos permitem aferir as circunstâncias em que os réus denunciaram defeitos nos trabalhos executados e que a autora nunca se disponibilizou a reparar as anomalias mais graves), a factura junta com a petição inicial e em que a autora fundamenta a sua pretensão (a qual permite determinar os trabalhos que a autora alega estarem em dívida), o relatório elaborado pela sociedade B... (o qual permite aferir as anomalias resultantes dos trabalhos executados pela autora, bem como os factos que lhe deram origem, sendo que tal documento foi devidamente explicitado pela testemunha DD, do qual resulta que a autora incorreu em manifestos erros de execução dos trabalhos a seu cargo), os documentos juntos com a contestação (sendo que os mesmos não permitem comprovar a realização do acordo mencionado pelos réus na sua contestação, salientando-se que não foi produzida qualquer outra prova credível que permita comprovar a efectiva concretização desse acordo) e as fotografias juntas ao processo (que documentam os trabalhos executados pela autora na moradia dos réus e que permitem visualizar os defeitos de execução mencionados na matéria de facto, designadamente as infiltrações de água – cfr. a título exemplificativo fotos 1 a 4 - e as deficiências de fixação – cfr. a título exemplificativo fotos 12, 13).

O que se nos oferece dizer é que o juízo probatório que formulamos não diverge em nada do que se apresenta como essencial à convicção alcançada pela 1.ª instância, que consideramos solidamente motivada.

Com efeito, a matéria de facto julgada provada e posta em crise por via do presente recurso, coaduna-se inteiramente, a nosso ver, com um juízo probatório sobre o conjunto dos meios de prova produzidos, “sob o signo da probabilidade lógica – de evidence and inference, i. e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis”[3].

É certo que a convicção formada pelo tribunal diverge em certos aspetos da convicção que a Recorrente apresenta, mas é sem qualquer dúvida uma convicção objetiva, alicerçada numa perspetiva eminentemente “universalista” da prova produzida, ao invés da formada pela Apelante, compreensivelmente subjetiva, ancorada em fragmentos de prova convenientes (que não retratam sequer o essencial do sentido dos apontados depoimentos testemunhais) e na vontade de alcançar a sua própria verdade.

É para nós de todo incompreensível que a Apelante se socorra do depoimento da testemunha DD para fundamentar a sua pretensão, quando é justamente aquele depoimento, pelas razões expressas na decisão recorrida, que se apresenta de maior valia probatória no sentido da verificação da factualidade descrita nos pontos 18) e 19) do elenco dos factos provados.

Não vemos, pois, razões, para censurar o juízo probatório ínsito na decisão recorrida, porquanto alcançado com base no princípio da livre apreciação das provas produzidas, e favorecido pela imediação, dotado de racionalidade, objetividade e inteligibilidade bastantes.

Concluímos pela improcedência do recurso nesta parte, com a consequente manutenção da decisão em matéria de facto.

2.

OS FACTOS E O DIREITO

2.1.

Incontroversa é a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes como contrato de empreitada, sabendo nós que este assenta na obrigação de uma das partes realizar para a outra certa obra, contra o pagamento de um preço (art. 1207.º do CCivil).

No caso, a Autora, alegando ter realizado a obra contratada com os Réus, veio pedir na presente ação a condenação destes no pagamento do preço em falta.

Os Réus invocaram exceção de não pagamento, fundada, para além do mais, na prestação defeituosa por parte da Autora e consequente declaração de resolução do contrato.

A sentença recorrida reconheceu a prestação defeituosa por parte da Autora, tendo por base mormente a factualidade que julgou provada, descrita sob os respetivos pontos 18) e 19).

Mantendo-se inalterada nesta instância de recurso a dita factualidade descrita sob os pontos 18) 19) do elenco dos factos provados, dúvida alguma subsiste quanto à execução defeituosa da obra por parte da Autora.

No mais, a decisão sob recurso fundamentou nos termos que passamos a transcrever:

[Tendo os réus denunciado reiteradamente os defeitos supra aludidos, estava a autora obrigada à sua integral reparação, desde logo por inexistir qualquer fundamento para considerar que o direito à reparação tenha caducado.

Conforme supra se referiu, a própria autora assumiu a existência de defeitos, ainda que sem a amplitude que veio a resultar provada.

A autora sustenta ainda que se disponibilizou a reparar os defeitos, o que só não concretizou em virtude da oposição dos réus, sustentando que a sua obrigação deve considera-se extinta ao abrigo do disposto nos artigos 790º, 795º, 808º e 813º do Cód. Civil.

Entendo, porém, que não lhe assiste razão.

Com efeito, resulta da factualidade provada que a autora apresentou um projecto de reparação aos réus.

No entanto, tal projecto – referente a meras afinações e pequenas intervenções -    revela-se manifestamente insuficiente para concretizar a reparação de todas as anomalias imputáveis à autora, designadamente aquele que assume carácter mais relevante, grave e dispendioso.

Nessa medida, atenta a insuficiência da proposta da autora, os réus tiveram toda a legitimidade para recusar a intervenção de reparação indicada pela autora, sem que daí resulte qualquer mora dos réus ou extinção da obrigação de reparação.

A este propósito, a autora veio alegar que as caixilharias foram executadas sobre o capoto por indicação expressa dos réus e que informaram os mesmos da inadequação de tal método de trabalho.

Porém, também nesta parte a autora não logrou comprovar a factualidade em que alicerçou a sua pretensão e cujo ónus lhe incumbia.

Com efeito, a autora não só não logrou demonstrar o cumprimento do dever acessório de informação que sobre si incidia, como resulta que executou obras em desconformidade com as legis artis aplicáveis.

Não obstante as solicitações dos réus, a autora nunca se disponibilizou a realizar todas as reparações exigíveis, recusando realizar aquelas que assumem carácter mais gravoso e dispendioso. Nessa medida, face à recusa da autora, é legal e justificada a resolução contratual operada pelos réus.

Por fim, importa salientar que não se provou qualquer factualidade da qual resulte um enriquecimento sem causa por parte dos réus.

Na verdade, não só não se provou que o valor dos serviços correctamente executados pela autora seja superior à quantia de Eur. 4.000,00 já recebida, como não se provou que o valor que os réus tenham de despender para obter a rectificação dos defeitos imputáveis à autora não seja superior ao montante peticionado pela autora.

Conclui-se, pois, que não assiste direito à autora para exigir a condenação dos réus no pagamento da quantia peticionada.]

De nenhuma censura é merecedora, a nosso ver, a aplicação do direito feita pela decisão recorrida.

Reconhecendo nós sem dificuldade que “denunciados os defeitos existentes, ficaram os Réus, donos da obra, credores sobre o empreiteiro da obrigação de reparação, mas ficaram também onerados com o dever de colaboração no referido cumprimento, de acordo com os ditames da boa fé, previstos no artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil”, certo é que no caso dos autos a factualidade julgada provada não legitima a pretensão da Apelante no sentido de ver reconhecida a mora accipiendi dos Réus, nos termos do art. 813.º do CCivil (“[o] credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação”).

Com efeito, a recusa última por parte dos Réus, de permitir o acesso da Autora à sua casa para levar a cabo obras de reparação elencadas num “projeto” elaborada por aquela, tem-se por inteiramente justificada, porquanto o que a Autora se propunha reparar não correspondia ao que carecia de reparação na sua dimensão mais essencial, justamente os defeitos elencados sob os pontos 18) e 19) do elenco dos factos provados.

Em resumo: os Réus deram oportunidade à Autora para reparar os defeitos; a Autora não reconheceu a existência de defeitos da sua prestação na sua dimensão mais essencial e, como tal, não aceitou a respetiva reparação; obstante ter diligenciado pela reparação, não conseguiu obter tal resultado, sendo certo que não se conhece qualquer explicação da mesma para o facto; perante o incumprimento de reparação dos defeitos por parte da Autora, que deve qualificar-se de definitivo, atendendo ao modo como ocorreu, não custa compreender e aceitar a atitude dos Réus em declarar a resolução do contrato.

Atentemos agora no instituto do enriquecimento sem causa, invocado pela Autora subsidiariamente para fazer valer o seu alegado direito de crédito ante os Réus.

Nos termos do art. 473.º n.º 1, do CCivil, “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. O n.º 2 do mesmo artigo elucida que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.

Prevêem-se, pois, numa enumeração exemplificativa, três situações especiais de enriquecimento desprovido de causa: condictio in debiti (repetição do indevido), condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) e condictio ob causam datorum (enriquecimento derivado da falta de resultado previsto)[4].

Em todo o caso, a obrigação de restituição por enriquecimento assume natureza subsidiária, por via do que dispõe o art. 474.º do CCivil: “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.

No caso, a factualidade julgada provada, não sendo manifestamente adequada e suficiente a concluir pelo enriquecimento dos Réus, em qualquer medida, à custa do empobrecimento da Autora, é ao mesmo tempo bastante para, a nosso ver, impedir a aplicação de semelhante regime, justamente por via da sua natureza subsidiária.

Com efeito, estabelecida entre a Autora e os Réus uma relação jurídica contratual, dela emergindo um complexo de direitos e obrigações para ambas as partes, o direito de crédito pretendido fazer valer pela Autora apenas poderia alicerçar-se em incumprimento de alguma obrigação contratual por parte dos Réus, o que a Autora não logrou demonstrar, como vimos, situação que torna inoperante com toda a lógica o instituto do enriquecimento sem causa.

Concluímos, pois, pela improcedência do recurso também em matéria de direito, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

2.2.

Tendo dado causa às custas do recurso, a Recorrente é responsável pelo respetivo pagamento (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil).

IV

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso improcedente e, em consequência, decidimos:
a) Manter a decisão recorrida; e
b) Condenar a Apelante nas custas do recurso.


***
Porto, 20 de fevereiro de 2024
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
João Diogo Rodrigues
João Proença
_________________
[1] Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES / PAULO PIMENTA / LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, 2020, p. 764.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Penal, 6.ª Edição Atualizada, Almedina, 2020, p. 332.
[3] Cf. Acórdão da RC de 23.06.2015, proferido no processo n.º 1534/09.7TBFIG.C1, acessível, à data deste acórdão, em www.dgsi.pt (http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/fcf9a0d1e0bbe90b80257e73004d7cf0?OpenDocument.
[4] Vide, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Reimpressão, 2010, Coimbra Editora, pág. 205; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, pág. 505; e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 395.