Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
463/19.0PBVCT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
CONVICÇÃO DO JULGADOR
Nº do Documento: RP20230419463/19.0PBVCT.P1
Data do Acordão: 04/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O juízo probatório integra-se num processo que, não sendo criativo, é de reconhecimento e de identificação do acontecer histórico discutido.
II - Na decisão da matéria de facto, quando um facto é dado como provado, para além da vida histórica que lhe é reconhecida, esse facto ganha relevo na ordem jurídica, produzindo efeitos normativos, passando a estar integrado na mesma, atuando como fator de produção de efeitos jurídicos.
III - O referido processo de reconhecimento e de identificação de certos factos como tendo historicamente acontecido implica necessariamente o uso das regras da experiência comum e da lógica, imprescindíveis para pesar as probabilidades em discussão.
IV - Nesse processo de prova, o Tribunal, como observador, coloca-se no espaço e tempo dos factos discutidos, e, à luz das regras da experiência, pesa as probabilidades, procurando perscrutar o íntimo dos protagonistas, aferindo do dolo e como se teceram as linhas da causalidade naquele momento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.Nº463/19. 0PBVCT.P1
X X X
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No processo comum com intervenção do Tribunal Singular do Tribunal judicial da comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, realizado julgamento foi proferida sentença julgando:
Pelo exposto decide-se:
a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), ou seja, na multa de € 800,00 (oitocentos euros);
b) Condenar o arguido BB pela prática, em autoria material, de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), ou seja, na multa de € 800,00 (oitocentos euros);
c) Absolver o arguido CC da prática, em autoria material, de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal;
d) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condenar cada um dos arguidos/demandados AA e BB a pagar-lhe a quantia de € 1.000,00 (mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, absolvendo os arguidos do demais peticionado e o arguido/demandado CC de tudo o que contra si foi peticionado.
Custas: Parte criminal: Vão os arguidos AA e BB nos termos dos artigos 513º e 514º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, condenados no pagamento das custas do processo, fixando-se, individualmente, em três unidades de conta a taxa de justiça, nos termos do artigo 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa. *
Mais se condena o assistente DD no pagamento das custas do processo (artigo 515º, nº 1, al. a) e 518º, ambos do Código de Processo Penal), fixando-se em duas unidades de conta a taxa de justiça, nos termos do artigo 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais.
*
Não se conformando com a decisão, o arguido AA veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:
1º O presente recurso tem por objecto a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, invocando-se a ocorrência de erro notório na apreciação da prova, mas também de erro de julgamento.
2.º Tem ainda por objecto, por mera cautela de patrocínio, e caso não proceda a merecida alteração da matéria de facto, a impugnação da medida concreta da pena aplicada ao recorrente.
Na verdade,
3.º O recorrente considera que foram incorrectamente julgados os seguintes factos, que a douta sentença recorrida julgou provados e que deveriam ter sido e devem ser declarados como não provados:
«8. Perante a situação, EE tentou retirar o arguido BB do gabinete do assistente e quando já estavam, ambos, a transpor a porta para saírem do gabinete, surgiram, os sócios e aqui arguidos AA e CC, também eles membros da referida “Lista ...”;
9. De imediato os arguidos AA e CC começaram a questionar a actuação do assistente enquanto Vice Presidente da Direcção dos Serviços Sociais da Banco 1..., e de Director do Centro Clínico ..., dirigindo-lhe o arguido AA a expressão “filho da puta” por diversas vezes;
10. Os nomes e expressões dirigidas pelos arguidos AA e BB ao assistente tiveram o propósito de ofender a sua honra, brio e dignidade pessoal, bem como a consideração em que é tido por terceiros, o que conseguiram;
11. Os Arguidos AA e BB agiram livre, deliberada e conscientemente, com o intuito conseguido de ofender o Assistente na sua integridade moral, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.»
4.º As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida — isto é que os factos impugnados sejam declarados não provados, pelas razões que ficaram desenvolvidas no texto da respectiva motivação — são as seguintes:
a) Depoimento da testemunha EE prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 11 de Maio de 2022, com referência à passagem entre os 21 minutos e 54 segundos e os 23 minutos e 38 segundos da gravação acima já identificada (cujo ficheiro informático tem a designação 20220511163157 _16024912_2871500.wma) — relativamente à qual o julgador recorrido cometeu o erro notório invocado;
b) Declarações do assistente prestadas na audiência de discussão e julgamento do dia 11 de Maio de 2022, com referência às passagens:
i. entre os 3 minutos e 6 segundos e os 4 minutos e 28 segundos,
ii. entre os 6 minutos e os 9 minutos e 8 segundos,
iii.entre os 11 minutos e 24 segundos e os 11 minutos e 44 segundos,
iv. entre os 12 minutos e 10 segundos e os 12 minutos e 20 segundos,
v. entre os 34 minutos e 46 segundos e os 38 minutos e 16 segundos, todas da gravação acima já identificada (cujo ficheiro informático tem a designação 20220511125616_16024912_2871500.wma);
c) Declarações do assistente prestadas na audiência de discussão e julgamento do dia 11 de Maio de 2022, após a interrupção da audiência para almoço, com referência à passagem entre os 12 minutos e 13 segundos e os 14 minutos e 31 segundos da gravação acima já identificada (cujo ficheiro informático tem a designação 20220511143152_16024912_2871500.wma);
d) Declarações do arguido AA, ora recorrente, prestadas na audiência de discussão e julgamento do dia 11 de Maio de 2022, com referência às passagens:
i. entre os 3 minutos e 30 segundos e os 6 minutos e 33 segundos,
ii. entre os 6 minutos e 33 segundos até aos 6 minutos e 50 segundos, todas da gravação acima já identificada (cujo ficheiro informático tem a designação “20220511112615_16024912_2871500.wma”);
e) Declarações do arguido BB, prestadas na audiência de discussão e julgamento do dia 11 de Maio de 2022, com referência às passagens:
i. entre o início e o 1 minuto e 20 segundos,
ii. entre os 5 minutos e 50 segundos e os 6 minutos e 18 segundos, todas da gravação acima já identificada (cujo ficheiro informático tem a designação “20220511120105_ 16024912_2871500.wma”);
f) Declarações do arguido CC, prestadas na audiência discussão e julgamento do dia 11 de Maio de 2022, com referência às passagens entre os 2 minutos e 30 segundos e os 3 minutos da gravação acima já identificada (cujo ficheiro informático tem a designação 20220511123646_16024912 _2871500.wma);
g) Depoimento da testemunha FF, prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 11 de Maio de 2022, com referência às passagens:
i. entre o 1 minuto e 30 segundos e os 7 minutos e 42 segundos,
ii. entre os 10 minutos e 22 segundos e os 11 minutos e 14 segundos,
iii. entre os 13 minutos e 48 segundos e os 17 minutos, todas da gravação acima já identificada (cujo ficheiro informático tem a designação 20220511154345_16024912_2871500.wma);
h) Depoimento da testemunha GG, prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 11 de Maio de 2022, com referência às passagens:
i. entre o início e os 56 segundos,
ii. entre o 1 minutos e 7 segundos e o 1 minuto e 12 segundos,
iii. entre o 1 minuto e 28 segundos e os 2 minutos,
iv. entre os 4 minutos e 8 segundos até aos 8 minutos e 10 segundos,
v. entre os 8 minutos e 45 segundos e os 9 minutos e 17 segundos,
vi. entre os 12 minutos e 40 segundos e os 13 minutos e 35 segundos
vii. entre os 13 minutos e 43 segundos e 14 minutos e 40 segundos,
viii. entre os 17 minutos e 10 segundos até aos 17 minutos e 25 segundos, todas da da gravação acima já identificada (cujo ficheiro informático tem a designação 20220511161049_16024912_2871500.wma);
i) Depoimento da testemunha HH, prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 11 de Maio de 2022, com referência às passagens:
i. entre os 2 minutos e 14 segundos e os 3 minutos e 15 segundos,
ii. entre 18 minutos e 55 segundos aos 23 minutos e 15 segundos,
todas da da gravação acima já identificada (cujo ficheiro informático tem a designação 20220511151401_16024912_2871500.wma);
5.º Pois, como se explanou na respectiva motivação, o tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação do depoimento da testemunha EE, que valorizou, conforme decorre da respectiva motivação da decisão quanto à matéria de facto, entendendo que a testemunha disse literalmente o contrário do que efectivamente afirmou — conforme gravação indicada sob a al. a) da conclusão anterior.
6.º Na verdade, mostrando-se que a prova produzida é essencialmente a mesma quanto à actuação do arguido AA, aqui recorrente, e do arguido CC, que foi absolvido em primeira instância, salvo quanto à matéria indicada por este tribunal, em erro notório, de que a testemunha EE havia dito que o primeiro chamou “filho da puta” ao assistente, não pode deixar de se sanar tal erro, trazendo igual absolvição para o ora recorrente.
7.º É que, como se acima já se mostrou, a testemunha EE (relativamente à qual o próprio tribunal recorrido destaca que «presenciou os factos desde o primeiro momento») disse que o recorrente não proferiu qualquer insulto e o assistente, por seu lado, afirmou claramente que tinha sido insultado pelos dois (aliás, pelos três) arguidos.
Isto é,
8.º a evidente dúvida que o tribunal não esclareceu relativamente ao arguido CC, teria necessariamente que se ter instalado quanto ao arguido aqui recorrente, uma vez que o acervo probatório do presente processo protege este em maior medida do que aquele (face às palavras da testemunha EE).
Assim,
9.º ocorreu um erro notório na apreciação da prova, por ofensa das regras da lógica, consubstanciada na incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação (o depoimento da testemunha EE) e os factos dados como provados com base nesse meio de prova (nos quais resulta a afirmação de que o arguido AA teria, efectivamente, chamado “filho da puta” ao assistente), uma vez que esta testemunha disse precisamente o contrário que: não ouviu o arguido AA proferir qualquer insulto.
10.º Padece, então, a decisão recorrida do vício de erro notório na apreciação da prova, conforme prevê o artigo 410.º do CPP, pelo que expurgada de tal vício, não poderão os factos tidos como provados sob os n.ºs 8.º a 11.º deixar de constar como tal, com as inerentes consequências — nomeadamente a absolvição do arguido, aqui recorrente.
Por outro lado,
11.º os depoimentos das testemunhas FF, GG e as declarações do assistente são exposições extremamente frágeis do ocorrido, mostrando, nestes dois últimos casos, uma parcialidade absolutamente intolerável para que possam suportar a convicção trazida pelo tribunal.
12.º Como abundantemente se expôs em alegações (de julgamento e de recurso), a testemunha GG procurar demonstrar um conhecimento sobre o ocorrido que é difícil de aceitar, à luz da experiência comum, de alguém que não tinha possibilidade de ver o que estava a ocorrer e que, ainda para mais, estava a resolver “uns assuntos em comum” com um dos arguidos quando tudo começou.
13.º Igualmente se demonstrou à saciedade o empenho do assistente em aprimorar a versão que apresentou em tribunal (e que dista em muito do que o próprio tribunal recorrido deu como provado), em vez de contar as coisas como elas teriam ocorrido.
14.º Quanto à testemunha FF, ficou acima também demonstrado a irrelevância do seu depoimento, uma vez que nada sabe ou se lembra, com excepção de ter ouvido muitas vezes a expressão “filho da puta” sem nada oferecer quanto a quem a disse ou a quem foi dita.
15.º Assim, conjugada a fragilidade destes elementos de prova resulta que os mesmo não são susceptíveis de suportar a prova dos factos ora objecto de impugnação em desfavor do arguido, por respeito ao princípio in dubio pro reo.
16.º Concorrendo com o depoimento da testemunha EE em sentido diverso, mais claro fica o erro de julgamento do tribunal recorrido, por incorrecta avaliação e valoração da prova e ofensa irreparável das regras da experiência comum, violando assim, nomeadamente, o artigo 127.º do CPP, o artigo 32.º n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, mas também o próprio 181.º, n.º 1, do CP.
17.º Ora, não tendo o Tribunal elementos suficientes para emitir o juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável essencial para a condenação em processo penal deve, seja pelo erro notório já exposto, seja pelos erros de julgamento ora apontados, a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que altere a matéria de facto dada como provada sob os n.ºs 8 a 11 para não provada e absolva o arguido, ora recorrente, da prática do crime pelo qual foi condenado.
Sem prescindir,
18.º ainda que assim não fosse — o que apenas se concede por cautela no patrocínio — também se terá de reconhecer que o tribunal recorrido excedeu os critérios legais para a definição da medida concreta da multa e do seu valor diário.
19.º A condenação do recorrente nunca poderia ter sido superior a 20 dias de multa, posto que dificilmente se conceberá forma mais ligeira da prática do crime de injúria, sobretudo no Norte do país onde é notório que o uso desta expressão não carrega o mesmo peso que no resto do território.
20.º Aliás, comparando-se com outras referências jurisprudencias, verifica-se que o tribunal recorrido puniu o recorrente de forma mais grave do que foi punido um sujeito que detido pelas forças policiais, morde e desfere bofetadas e pontapés contra um agente dessas forças enquanto circulavam na respectiva viatura, já que este crime importava uma moldura penal com um máximo três vezes superior e a medida concreta da pena foi de 80 dias de multa para ambos.
21.º Violou assim a decisão recorrida o disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como do previsto no artigo 71.º do CP.
22.º Violou ainda novamente o artigo 13.º da CRP, e os artigos 40.º, 47.º e 71.º, todos do CP, ao fixar o valor diário de tal multa em € 10, considerando as condições económicas e sociais do recorrente, tratando-o de igual modo que ao arguido BB, cuja situação é diferente da daquele.
23.º Mostrando-se que tal condenação não se pode ter por proporcionada e justa se comparada quer com aquele outro arguido, quer com a prática jurisprudencial, como se expôs acima.
24.º Deve assim, na improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto anteriormente feita — o que apenas se concede num espírito cauteloso de patrocínio — ser revogada a decisão quanto à pena aplicada e substituída pela aplicação da pena de multa não superior a 20 dias, à razão diária de € 6.
25.º Nos termos do disposto na al. b) do artigo 431.º do CPP, pode e deve este Tribunal da Relação modificar a decisão recorrida e julgar não provados todos os factos referenciados acima em 3.º
26.º Sendo essa a decisão, o recorrente tem que ser absolvido, por não se verificar nenhum dos elementos constitutivos do crime que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado, e, consequentemente, também absolvido do pedido de indemnização civil.
27.º Caso assim não se entenda, não deverá deixar de reduzir a medida da multa aplicada, bem como o respectivo quantitativo diário.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, tudo com as legais consequências.
Fazendo-se, assim, JUSTIÇA.
*
Igualmente o arguido BB não se conformando com a sentença proferida, dela veio interpor recurso, concluindo da seguinte forma:
I O presente recurso tem por objeto a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP, mas também, supletivamente, a impugnação da medida concreta da pena aplicada ao recorrente, bem como a falta de aplicação do mecanismo da dispensa da pena previsto no CP.
II O concreto ponto de facto incorrectamente julgado foi: «…e este [o arguido BB], em voz alta, por forma a ser ouvida por todos quantos frequentavam o Centro Clínico, doentes, profissionais de saúde e administrativos, apelidando-o de “és uma merda”, “és um filho da puta”, “andas aqui a matar pessoas”» (parte do facto provado n.º 6);
III A decisão que considere tal parte do facto provado como não provado, implicará a alteração do juízo quanto à prova dos seguintes factos, que dependem daquele:
e) «Tais impropérios foram proferidos de forma exaltada, e com uma postura física agressiva» (facto provado n.º 7);
f) «Os nomes e expressões dirigidas pelos arguidos (…) BB ao assistente tiveram o propósito de ofender a sua honra, brio e dignidade pessoal, bem como a consideração em que é tido por terceiros, o que conseguiram» (parte do facto provado n.º 10);
g) «Os Arguidos (…) BB agiram livre, deliberada e conscientemente, com o intuito conseguido de ofender o Assistente na sua integridade moral, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei» (Parte do facto provado n.º 11).
IV As concretas provas que implicam decisão diversa da recorrida são:
a) Depoimento da testemunha EE, gravado no Habilus, das 16:31:58 às 17:01:07 horas;
b) Depoimento dessa mesma testemunha, gravado no Habilus, das 17:02:52 às 17:28:52 horas;
c) Depoimento da testemunha FF, gravado no Habilus, das 15:43:47 às 16:10:49 horas;
d) Depoimento da testemunha GG, gravado no Habilus, das 16:10:51 às 16:31:57 horas;
e) Declarações do assistente DD, gravadas no Habilus, das 12:56:17 às 13:35:50 horas;
f) Declarações desse mesmo assistente, gravadas no Habilus, das 14:31:53 às 14:52:58 horas;
g) Declarações do arguido CC, gravadas no Habilus das 11:18:07 às 11:19:03 horas e das 12:36:48 às 12:56:16 horas;
h) Declarações do ora recorrente BB, gravadas no Habilus das 11:17:10 às 11:18:06 horas e das 11:54:37 às 12:36:47 horas;
i) Documento n.º 1 junto com a contestação com a referência CITIUS 30706456 de 3 de Dezembro de 2021;
j) Auto de inquirição, a fls. 77, da testemunha EE no 11 de Novembro de 2019 no âmbito do inquérito que precedeu o presente processo.
V O tribunal recorrido motivou a sua decisão quanto à matéria de facto, no que aqui importa:
a) Nas declarações do recorrente: «…o arguido BB, admite que lhe possa ter dirigido ao assistente a expressão “Vai à merda”»;
b) Na conjugação das:
1. «…declarações do assistente…»,
2. «…com o depoimento das testemunhas FF, à data funcionária da secretaria e que ouviu várias vezes vozes masculinas a proferirem a expressão “filho da Puta”…»
3. «…da assistente social GG, que ouviu o arguido BB a proferir a expressão filho da puta…»
4. «…bem como a testemunha EE que presenciou os factos desde o primeiro momento e confirmou também o teor das expressões proferidas pelos (…) BB, não restam dúvidas que estas expressões ofensivas foram proferidas…».
Ora,
VI A identificada prova não suporta a demonstração de que o recorrente tenha dito que o assistente era “um merdas”, em suma, porquanto:
a) O próprio recorrente não o confessa;
b) O assistente não o refere;
c) As testemunhas GG e FF nunca referem tal expressão;
d) A única testemunha que confirmou tal afirmação, EE, fê-lo sob orientação da mandatária que lhe fez a pergunta para o efeito, sendo certo que a própria testemunha admitiu que só a partir de data posterior à recepção da notificação para prestar depoimento no julgamento dos autos é que chegou à conclusão de que ouviu o recorrente proferir tal expressão, mostrou e expressou muita incerteza quanto ao que ocorreu, contrariando o depoimento que havia prestado no inquérito poucos meses depois da prática dos factos e a mensagem de correio electrónico que elaborou menos de uma semana depois da prática dos factos.
Por outro lado,
VII A identificada prova também não suporta a demonstração de que o recorrente tenha dito que o assistente era “um filho da puta”, porquanto, em suma:
a) O próprio recorrente não o confessa;
b) O assistente refere-o no contexto de declarações profundamente contraditórias, parciais, exageradas e em grande medida de carácter alegatório;
c) A prova documental invocada (doc. n.º 1 da contestação e o auto de inquirição de EE) aponta no sentido diverso de tal juízo, sendo que constituem os elementos mais próximos da data em análise apresentados em julgamento (uma vez que foram elaborados poucos dias e meses, respectivamente, face à mesma);
d) Estes documentos contrariam em grande medida o depoimento da testemunha GG, que além de ter entrado em contradição o mais do que uma vez, omitiu que conhecia um dos arguidos doutro contexto que não os Serviços Sociais, afirmou que o viu chegar junto com um outro arguido, quando, afinal se encontrava a tratar de uns assuntos com o mesmo no seu próprio gabinete e excedeu manifestamente os limites do que possa ter ouvido naquilo que narrou;
e) A testemunha FF, por sua vez, afirmou-se incapaz de identificar a identidade de quem proferiu as palavras que acredita ter ouvido (“filho da puta”);
f) O arguido CC afirmou espontaneamente que se encontrava no gabinete da testemunha GG quando o recorrente se encontrava dentro do gabinete do assistente e que não se ouvia nada do que se estava a passar no interior desse espaço.
VIII O tribunal recorrido fez fé no sentido da decisão que deu por provada o facto n.º 6 de forma perfeitamente imotivável, não apresentando qualquer razão que explicasse o descrédito a que votou as declarações do recorrente, a prova documental apresentada, nem o crédito que conferiu a prova manifestamente tão frágil — como o próprio julgador fez questão de expressar (nomeadamente durante o depoimento da testemunha EE).
IX Ora, essa decisão subjectiva e emocional, não encontra respaldo no artigo 127.º do CPP, pelo que se terá de considerar por arbitrária, sendo a sua motivação impossível de se reconstituída (ou sequer conhecida) pelo tribunal de recurso, em flagrante violação do previsto no artigo 32.º da CRP e, na medida exposta em 17.º, também do artigo 13.º do aludido texto constitucional.
X Ademais, note-se que a dúvida razoável que persistiu após o julgamento ocorrido em primeira instância não se ficou a dever a qualquer estado de necessidade probatório, porquanto o assistente sempre expôs a situação como tendo sido ouvida por utentes, médicos, funcionários e doentes do Centro Clínico e também como tendo sido objecto de um relatório da segurança da Banco 1..., pelo que não se percebe porque não juntou tal documento e apenas apresentou duas testemunhas que afirmam ter ouvido algo do que se passou e que à data eram seus funcionários, sujeitos, então, a uma relação de inferioridade relativamente a si.
XI Escamotear tais elementos probatórios (os utentes, doentes e médicos que teriam ouvido tudo e o relatório da segurança da instituição bancária) não pode deixar de ser visto, à luz da experiência comum, contra o propósito probatório do assistente, que decidiu sujeitar o tribunal a uma “austeridade” probatória — no que se reporta à fragilidade e inconsistência da prova apresentada, malgrado o elevado número de testemunhas ouvidas, note-se.
XII Não se podendo, portanto, em respeito pelas regras da experiência comum, dar por resolvida a dúvida razoável quanto às acções do recorrente na data dos factos, sendo por isso de dar o segmento do facto indicado na conclusão II como não provado, com todas as inerentes consequências, conduzindo à absolvição daquele.
Sem prescindir,
XIII pelo interesse académico e dentro de uma prática cautelosa de patrocínio, não pode deixar de se apontar que o tribunal recorrido foi muito duro na definição da medida concreta da pena, fixando a pena do recorrente em 80 dias de multa, o que corresponde a dois terços da respectiva moldura legal.
XIV Tal não se consegue perceber em face do facto provado n.º 14 da sentença recorrida, do facto do recorrente não ter antecedentes criminais e de ser uma pessoa socialmente inserida e de alegadamente tudo se ter passado num ambiente geográfico como a cidade do Porto, no qual este tipo de linguagem é frequente e tolerado, não tendo o significado que noutras áreas do país lhe é reconhecido.
XV Assim, admitindo-se que tais expressões seriam ofensivas, mas de pouca importância, não se pode deixar de concluir que face à reduzida dimensão da culpa do recorrente (caso tivesse agido conforme declarado provado pelo tribunal recorrido) e das exigências de prevenção geral e das praticamente inexistentes exigências de prevenção especial, entende-se que o tribunal não poderia fixar uma multa que excedesse um terço do máximo legal (40 dias).
XVI Sendo certo que se a matéria de facto se alterar de modo a constar que o recorrente apenas proferiu uma das expressões (“filho da puta” ou “merdas”) e não as duas, sempre deverá a sua pena acompanhar tal alteração dos factos, reduzindo-se a multa para um quinto do máximo legal (24 dias).
XVII Vivendo o recorrente num agregado composto por três pessoas adultas, a viver em casa própria e com um total mensal, de cerca de € 1.800,00, disponível para sustento desses três indivíduos, mostra-se adequada a fixação de um valor diário não superior a € 7,50 por dia e não de € 10,00 como foi decretado na sentença ora em crise.
XVIII Além do mais, na presente situação, estão reunidas todas as condições para decretar a dispensa da pena ao recorrente, caso improceda — possibilidade que se coloca por mera
hipótese de raciocínio — a impugnação da matéria de facto apresentada ao início, ainda que sujeita ao mecanismo previsto no número 2 do artigo 74.º do CP.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que julgue o facto provado n.º 6 como não provado, absolvendo o recorrente em conformidade.
Supletivamente, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que reduza a multa aplicada ao recorrente para 40 dias (se resultar provado o uso de ambas as expressões indicadas) ou 25 dias (se resultar provado o uso de apenas uma das mesmas) e que fixe o valor diário em montante não superior a € 7,50;
Deve ainda ser dispensada a aplicação da pena ao abrigo do disposto nos números 1 e 2 do artigo 74.º do Código Penal. Fazendo-se, assim, JUSTIÇA
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O Digno Procurador apresentou contra-motivação sustentando em síntese o seguinte:
I- O objecto do recurso:
Nos autos supra referenciados, por sentença de 15.07.2022, foram os arguidos AA e BB condenados pela prática, em autoria material, de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 10,00. Inconformado com tal decisão, alega o recorrente AA, em síntese, em primeiro lugar, a existência de erro na apreciação da prova; em segundo lugar, argumenta com a existência de erro notório na apreciação da prova; em terceiro lugar conclui pela violação do princípio “in dubio pro reo” por parte do Tribunal; e termina reputando como excessiva pena que lhe foi aplicada.
O recorrente BB, por seu lado, invoca a existência de erro na apreciação da prova com consequente violação do princípio “in dubio pro reo”; e a excessividade da pena.
* II- A posição do Ministério Público:
a) Recurso do arguido AA:
i. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto. Invoca, em primeiro lugar, o recorrente que o Tribunal julgou incorrectamente uma parte dos factos apurados em sede de audiência de julgamento, nomeadamente os que constituem o núcleo objectivo da infracção que lhe foi imputada – traduzida nos factos 4 a 10 da sentença recorrida. Sobre esta matéria refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04- 02.2016 [Proc. n.º 23/14.2PCOER.L1-9, www.dgsi.pt/jtrl] que “(...) o erro de julgamento da matéria de facto, tal como resulta do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, reporta-se, normalmente, a situações como as seguintes: - o Tribunal a quo dar como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha e a mesma nada declarou sobre o facto; - ausência de qualquer prova sobre o facto dado por provado; - prova de um facto com base em depoimento de testemunha sem razão de ciência da mesma que permita a prova do mesmo; - prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova; - e todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso e resulta da audição do registo áudio, se permite concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas.”
No caso vertente, o recorrente apela para o vício que consiste na “prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova”. No entanto, resulta com meridiana clareza do texto da decisão recorrida qual o caminho seguido pelo Tribunal a quo até à decisão sobre a matéria de facto, desde a aquisição da prova até à sua valoração, sendo que, no que tange a este aspecto, a decisão do Tribunal respeitou os limites balizados pelo art.º 127.º do CPP. Porém, como se pode constatar da simples leitura da sentença recorrida, a Mm.a Juiz a quo explicou de forma clara, racional e compreensível o motivo pelo qual decidiu considerar como provada a matéria de facto ora contestada. E a ponderação do Tribunal –considerando os depoimentos conjugados do assistente e das testemunhas FF e GG, na sua globalidade- parece-nos acertada e suficiente para justificar cabalmente a matéria de facto julgada como provada. Acresce que, relativamente à matéria em causa, o Tribunal a quo não demonstrou ter ficado com dúvidas razoáveis, pelo que não tem cabimento invocar em tal situação o princípio in dubio pro reo. De todo o exposto, quanto à restante matéria, conclui-se como no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.12.2011 [Proc. n.º 51/08.7GAMCD.P1, www.dgsi.pt/jtrp]: “por via do princípio reitor da livre apreciação da prova [Artigo 127º CPP], a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos” é antes a de lhes pesar a valia. Por isso que, conforme já decidido nesta Relação, “o juiz que em primeira instância julga, goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, nada obstando a que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade.” “Nada impede, por isso, que o tribunal alicerce a sua convicção nas declarações de arguidos, ofendidos, testemunhas ou partes civis, caso as considere credíveis (apesar do interesse que possam ter no desfecho do processo e que não deixará de ser devidamente sopesado) e plausíveis face às regras da experiência comum e, nalguns casos, a outros elementos de prova que as corroborem. Também nada obsta a que o tribunal o faça apenas relativamente a parte dessas declarações, desconsiderando aspectos das mesmas que não se mostrem tão credíveis ou plausíveis, ou em relação aos quais se suscitem dúvidas razoáveis que não seja possível ultrapassar.” É manifesto, pois, que o arguido pretende apenas a substituição da ponderação do Tribunal pela sua própria, o que a lei não permite.
ii. Quanto ao erro notório na apreciação da prova. O erro notório na apreciação da prova “é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta” [Germano Marques da Silva, Curso de 4 de 6 Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, 326]. O erro notório na apreciação da prova não se confunde com “(...) a valoração prévia das provas que convenceram o tribunal e que gerou esse texto descritivo e expositivo, exclusivamente factual” [Ac. STJ de 27.04.2011, Proc. n.º 7266/08.6TBBRG.G1.S1, www.dgsi.pt]. Ora, é nosso entendimento que a sentença recorrida não incorreu em qualquer erro notório na determinação da matéria de facto considerando a globalidade prova produzida em sede de audiência de julgamento. Com efeito, é patente do texto da decisão recorrida qual o caminho seguido pelo Tribunal a quo até à decisão sobre a matéria de facto, desde a aquisição da prova até à sua valoração, sendo aí explicado, de forma clara, racional e compreensível, o motivo pelo qual optou por credibilizar mais determinados elementos de prova e, sobretudo, porque é que, com base nas regras da experiência e da normalidade do acontecer, entendeu que tais elementos apontavam logicamente para a comissão da infracção pelo recorrente. A decisão do Tribunal é clara e respeitou os limites balizados pelo art.º 127.º do CPP. Na verdade, repetimo-lo, da leitura da sentença recorrida pode o destinatário concluir dos motivos que justificaram a convicção do Tribunal. Aquilo contra o que se insurge a recorrente, mais uma vez, é precisamente quanto à valoração que foi feita desses elementos de prova, o que é coisa bem distinta do erro notório. Também neste caso não se verifica qualquer erro evidente na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo e, de resto, um eventual erro não resulta do texto da decisão recorrida.
iii. Quanto à medida da pena. Dispõe o artigo 71.º do Código Penal que: "A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Estabelece, o mesmo artigo, no seu n.º2, que: "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua condição económica; e) na conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena". 5 de 6 Reza, por seu turno, o artigo 47.º do Código Penal, nos seus n.ºs 1 e 2: "1-A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo 10 dias e o máximo 360. 2- Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 1 euro e 498,80 euros, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais." Defende o recorrente que, em face dos critérios que impõe o artigo 71.º do Código Penal, é exagerada a pena aplicada. Ao contrário do que defendem o recorrente, contudo, cremos que o Tribunal recorrido atendeu e ponderou todos os factores referidos no artigo 71.º, do Código Penal, na determinação da pena aplicável e, ao determiná-la, não cremos que tenha ultrapassado o limite máximo da pena concreta imposto pela medida da culpa do arguido (que consideramos intensa no caso concreto, considerando a energia criminosa traduzida na prática dos factos).
b) Recurso do arguido BB:
Por se entender que as razões que ali alinhadas são as mesmas no que diz respeito ao recurso deste arguido, o Ministério Público dá por reproduzido o exposto supra, nos pontos i. e iii. do recurso do arguido AA.
*** Pelos motivos explanados o Ministério Público do Juízo Local Criminal do Porto entende que os presentes recursos devem ser julgados improcedentes, sendo que, assim decidindo, Vossas Excelências farão Justiça.
*
O assistente veio responder ao recurso nos seguintes termos:
I - Resposta às Alegações apresentadas pelo Arguido AA:
O Recorrente, inconformado com a decisão, vem colocar em questão a matéria dada como provada nos pontos 8, 9, 10 e 11, dos factos provados, alegando erro notório na apreciação da prova, não obstante a ampla prova produzida, em sede de prova testemunhal pela Acusação ao longo de três sessões que constituíram a Audiência de Julgamento nos presentes autos, das quais uma se realizou durante todo o dia, porém, omitindo, na construção da sua exposição, factos provados, como se não tivesse ouvido nem presenciado a produção de prova que realmente foi produzida em Audiência.
Aliás, é evidente a preocupação do aqui Recorrente no sentido de que nos presentes autos seja valorado, essencialmente, em sede de prova testemunhal, o depoimento da testemunha EE, por, no seu entender, aquela testemunha ter afirmado que o Arguido AA “(…) não proferiu a expressão “filho da puta” nenhuma vez durante o decurso dos factos.”
Nada de mais falso, como podemos verificar pela transcrição do depoimento da testemunha, que consta da Alegação do aqui Recorrente, que apenas refere “Não, da parte do AA não vi nada, de, de nenhum insulto, nenhuma, pronto, sempre de uma forma agressiva, é verdade, com muito vigor, mas não, não, não vi isso.”
Ou seja,
Esta, apenas, refere que não viu nada, nem agressão à testemunha HH, nem insulto, nunca referindo que o Arguido não proferiu a expressão “filho da puta”.
Aliás, este apenas se expressa em termos do que viu, falando de grande agressividade e muito vigor por parte do Arguido.
Do acabado de expor, nunca poderá concluir-se, como o fez o Recorrente, que a testemunha não proferiu o impropério pelo qual o Recorrente foi julgado e condenado.
Acresce que, quanto aos demais depoimentos das testemunhas arroladas pela Acusação, FF, GG e HH, resulta inequívoco, sem necessidade de mais considerações, bastando atentar nos depoimentos transcritos e reproduzidos pelo Recorrente, que, como julgou a Meritíssima Juíza, o Recorrente AA proferiu, por diversas vezes, nas circunstâncias de tempo e lugar constantes da matéria de facto provada, a expressão “filho da puta”, dirigindo-se ao aqui Recorrido.
Acresce, ainda, às declarações do aqui Recorrido, que, de forma espontânea, com extremo rigor e imparcialidade e, por isso, merecedoras de credibilidade por parte do Tribunal, relatou os factos ocorridos, nomeadamente o facto e as circunstâncias em que o Recorrente, reiterada e repetidamente, o injuriou, apelidando-o de “filho da puta”.
Do sucintamente exposto, dúvidas não restam que o Tribunal a quo fez uma correcta apreciação da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, não restando qualquer dúvida quanto ao acerto da matéria dada como provada nos pontos 8, 9, 10 e 11 dos factos provados.
Ademais, não tem, igualmente, qualquer razão o invocado pelo Recorrente quanto à pretensa fragilidade do depoimento das testemunhas acima referidas.
De facto, a douta Sentença em crise fundamentou, de forma criteriosa e exemplar, a convicção do Tribunal.
Convicção, essa, alicerçada numa correcta valoração da prova, produzida em sede de Audiência de Julgamento, apreciada pelo Tribunal a quo, segundo as regras da experiência e da sua livre convicção, conforme dispõe o artigo 127º, do Código de Processo Penal.
De resto, e conforme ficou claro – e por isso se transcreve - resulta da douta Sentença em crise, que os Recorrentes pautaram a sua defesa ao longo dos presentes autos, nomeadamente em sede de Audiência de Julgamento, pela vontade exclusiva de:
“(…) denegrir o carácter do assistente e não defender-se das acusações que lhes foram dirigidas.
Não indicaram qualquer testemunha que infirme o declarado pelas testemunhas de acusação.
Em síntese a defesa veio tentar questionar o carácter, personalidade e desempenho profissional do assistente, sem que tal suspeição que pretenderam levantar, afaste a conduta criminosa dos dois apontados arguidos ao injuriarem o assistente com as expressões mencionadas.” (sublinhado e negrito nosso)
Quanto à medida e ao quantum da pena de multa aplicada ao Recorrente, entende o Recorrido que a douta Sentença em crise não merece qualquer reparo.
Desde logo, porque o Arguido actuou com dolo directo, sendo clara a ilicitude da sua conduta, como ficou provado no ponto 10 e 11, dos factos provados que:
“10. Os nomes e expressões dirigidas pelos arguidos AA e BB ao assistente tiveram o propósito de ofender a sua honra, brio e dignidade pessoal, bem como a consideração em que é tido por terceiros, o que conseguiram;
11. Os Arguidos AA e BB agiram livre, deliberada e conscientemente, com o intuito conseguido de ofender o Assistente na sua integridade moral, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”
Acresce que, os impropérios foram proferidos pelo Arguido no local de trabalho do Assistente - Centro Clínico ... dos Serviços Sociais da Banco 1... – de modo a serem ouvidos por todos os doentes e profissionais que ali se encontravam, humilhando o recorrido, nomeadamente por força das funções de grande responsabilidade
que este exercia.
O aqui Recorrido não pode deixar de lamentar o despudor e a discriminação entre as gentes do Norte e as do Sul do País, manifestada pelo Recorrente ao desvalorizar o crime de injúrias cometido por aquele e ao atribuir-lhe um significado diferente conforme seja proferido na Zona do Porto ou na Zona de Lisboa!
De acordo com a Lei e a Jurisprudência, é evidente que chamar “filho da puta” a outrem é dirigir-lhe uma expressão obscena ou soez, com uma carga manifestamente injuriosa, que, ao abrigo dos critérios no artigo 71º e tendo em conta o disposto no n.º 1, do artigo 47º, ambos do Código Penal, implica o cumprimento da pena de 80 dias de multa aplicado pelo Tribunal a quo.
Relativamente à taxa diária aplicada a cada dia de multa, mais uma vez, aplicou a douta Sentença em crise o critério adequado, face à situação socio-económica do Recorrente constante do ponto 16 da matéria de facto dada como provada.
II - Resposta às Alegações apresentadas pelo Arguido BB:
Como já anteriormente se referiu, a douta Sentença em crise não padece de qualquer vício por erro na apreciação da prova, tendo feito uma correcta valoração dos depoimentos prestados ao longo das várias sessões de Julgamento.
Sendo absolutamente falso e até deselegante, atendendo ao empenho na descoberta da verdade, que o Tribunal demonstrou durante o longo processo de Julgamento, falar-se que
a douta Sentença tem por base uma “crença” arbitrária fruto de um juízo subjectivo e imotivável.
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos depoimentos prestados em Audiência de Julgamento, como lhe competia, em obediência ao artigo 127º, do Código de Processo Penal, julgando de acordo com a sua convicção e, nomeadamente, com o princípio do imediatismo que rege qualquer Audiência de Julgamento.
Por sua vez, o aqui Recorrente que, como bem refere a Meritíssima Juíza a quo – não indicou qualquer testemunha que infirmasse o declarado pelas testemunhas de acusação - com o objectivo de tentar descredibilizar uma testemunha, EE, que depôs com total imparcialidade, tenta passar a ideia de que a Sentença valorou o seu depoimento sem que este tivesse qualquer credibilidade, acrescentando, ainda, o facto de o seu depoimento ter sido conduzido pela Mandatária do Assistente!
Muito estranha o aqui Recorrido que a mesma testemunha EE seja tão valorizada pelo Recorrente AA, que a considera como a única testemunha que verdadeiramente presenciou os factos, e tão desvalorizada pelo Recorrente BB, que a acusou, inclusivamente, de ter inventado uma nova versão dos factos, intitulando-a, mesmo, de “versão 2022”.
Tão grande discrepância só pode resultar, na modesta opinião do Recorrido, do facto de a Ilustre Mandatária do Recorrente só, agora, ter sido constituída nos presentes autos e, por tal facto, não ter participado na Audiência de Julgamento, impedindo-a, assim, de melhor avaliar o teor e a espontaneidade dos testemunhos, a vivacidade dos seus discursos, bem como as expressões faciais e outros dados absolutamente relevantes para aferir e valorar os depoimentos dos mesmos.
Posto isto,
Em síntese, o Recorrente, inconformado com a decisão, coloca em questão a matéria dada como provada, em parte, do ponto 6 dos factos provados, ou seja, “«… e este [o arguido BB], em voz alta, por forma a ser ouvida por todos quantos frequentavam o Centro Clínico, doentes, profissionais de saúde e administrativos, apelidando-o de “és uma merda”, “és um filho da puta”, “andas aqui a matar pessoas”».”
Porém, nenhuma razão assiste ao Recorrente, à semelhança do que se referiu anteriormente, sendo as suas Alegações, mormente o referido nos artigos 5º a 39º, para além de prolixas, confusas, contraditórias, apresentando falsidades, transcrevendo e resumindo depoimentos para que estes encaixem nas suas pretensões.
Entende o Recorrido, com a devida vénia, que este venerando Tribunal, ao apreciar as transcrições dos depoimentos das testemunhas, concluirá, sem margem para quaisquer dúvidas, que o aqui Recorrente apelidou o Assistente de “és uma merda”, “és um filho da puta”, “andas aqui a matar pessoas”, como foi dado como provado na douta Sentença em crise.
Aliás, basta atentarmos no depoimento do aqui Recorrente para concluirmos que este confessou que disse ao Assistente, no tempo e lugar dos factos dos autos, que este andava a “matar pessoas”, mais confessando, embora sem querer concretizar, que aquele era “um merdas”.
Acresce que, se atentarmos na conjugação dos depoimentos das testemunhas da acusação, EE, FF, GG e HH e das declarações do Assistente, conforme, aliás, sucintamente, o Recorrente fez no artigo 11º, das suas Alegações (com remissão para a gravação dos referidos depoimentos) verificámos que, mais uma vez, o Recorrente tenta manipular a verdade dos factos, pois, do conjunto da prova produzida resulta, expressamente, sem margem para qualquer dúvida, que, como julgou a Meritíssima Juíza, o Recorrente BB proferiu as expressões “és uma merda”, “és um filho da puta”, “andas aqui a matar pessoas”, dirigindo-se ao aqui Recorrido.
Ademais, cumpre esclarecer o seguinte:
- O aqui Recorrido não aceita que o Recorrente, através da sua Ilustre Mandatária que, repete-se, não assistiu à Audiência de Julgamento, teça considerações do cariz das constantes na alínea b), do artigo 13º e 14º, das Alegações, porquanto a testemunha EE fez as declarações que entendeu prestar, não sendo “conduzido” nem pela Mandatária do Recorrido, nem pela Meritíssima Juíza que prosseguiu com a Instância.
- Quanto ao referido nos artigos 24º a 29º, das doutas Alegações, não pode o Recorrido deixar de manifestar o seu grande espanto, por o Recorrente entender que o Assistente, enquanto Vice-Presidente da Direcção dos Serviços Sociais da Banco 1... e Director do Centro Clínico ..., tem trabalhadores ao seu serviço, numa relação de subserviência, que implicaria que, decorridos cerca de três anos depois de este cessar funções e até ter ficado na situação de reformado, tenha influenciado o depoimento de colegas de trabalho!
- Isto, para não referir, como consta da Sentença que competia ao Recorrente apresentar testemunhas que contrariassem o depoimento das testemunhas arroladas pela acusação, o que, manifestamente, não fez, procurando, apenas, através das testemunhas por si arroladas, pôr em causa o carácter, a personalidade e o desempenho profissional do Recorrido.
Do sucintamente exposto, resulta, ao contrário do que refere o Recorrente, que a douta Sentença não fez mais do que examinar criteriosamente os factos e deles extrair as necessárias ilações, ou seja, nada justifica que se conclua, neste particular, de forma diversa do que se concluiu na douta Sentença, devendo manter-se inalterada a apreciação da prova e a resposta dada à matéria de facto constante nos pontos 6, 7, 10 e 11 dos factos provados.
No que respeita ao alegado nos artigos 40º a 61º das doutas Alegações, referentes à medida e ao quantum da pena de multa aplicada ao Recorrente, o Recorrido, por economia processual, dá por reproduzido tudo quanto alegou na Resposta às Alegações do Arguido AA.
Por todo o exposto, verifica-se que a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, fez uma correcta subsunção dos factos ao Direito, interpretando e aplicando, de forma sábia, além de outros, os artigos 181º, nº1, 47º, nº 1, 70º e 71º, do Código Penal, o artigo 208º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, 71º, 127º, do Código de Processo Penal e os artigos 494º, 496º e 566º, nº1 do Código Civil.
Razão pela qual deve a, aliás, douta Sentença recorrida ser inteiramente confirmada,
fazendo-se, assim, inteira e sã justiça.
*
Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, depois de alertar que os recorrentes foram seletivos nos excertos que transcreveram, assim se deturpando os depoimentos, pugnou pela improcedência de ambos recursos.
*
Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, não obstante as respostas dos arguidos, nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II.
Objeto do recurso e sua apreciação.
O objecto do recurso está limitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
*
Deste modo integram o objeto do recurso do arguido AA:
- Erro notório na apreciação da prova;
- erro na apreciação da matéria de facto.
- violação do princípio de in dúbio pro reo;
- redução da medida da pena.

No objeto do recurso do arguido BB integra:
- Erro notório na apreciação da prova;
- erro na apreciação da matéria de facto.
- violação do princípio de in dúbio pro reo;
- redução da medida da pena.

Do enquadramento dos factos.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1ª Instância:
“DD, assistente nos presentes autos (cfr. fls. 40), deduziu acusação particular para julgamento em processo comum e com a intervenção do tribunal singular (fls. 198 e ss.) de:
AA, divorciado, empregado bancário, actualmente reformado, nascido a .../.../1957, em Angola, filho de II e de JJ, residente na Rua ..., - 2.3, freguesia ..., concelho do Porto;
BB, casado, empregado bancário, actualmente reformado, nascido a .../.../1951, na freguesia ..., concelho do Porto, filho de KK e de LL, residente na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar;
e CC, casado, empregado bancário, actualmente reformado, nascido a .../.../1947, na freguesia ..., concelho do Porto, filho de MM e de NN, residente na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho do Porto, Imputando-lhes, a cada um dos arguidos, a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal.
* A acusação particular foi acompanhada pelo Digno Magistrado do Ministério Público (fls. 203).
* Pelo assistente DD foi deduzido pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a condenação de cada um deles a pagar-lhe a quantia de € 3.500,00 a título de danos não patrimoniais (fls. 200 a 201).
* Por despacho de fls. 228 a 229 foi recebida a acusação e designadas datas para a realização da audiência de julgamento.
* Os arguidos AA, BB e CC apresentaram contestação escrita em que negam a prática dos factos que lhe são imputados. Assumem a sua presença no local, assim como que estiveram na presença do assistente, mas negam que lhe tenham dirigido expressões ofensivas, apenas questionando a existência de uma “mesa da voto” nas instalações do Centro Clínico ..., dos Serviços Sociais da Banco 1..., situação que consideram irregular. Impugnam o valor peticionado a título de indemnização pelos danos morais. Juntaram dois documentos e arrolaram testemunhas (fls. 235 a 239 e aditamento ao rol de testemunhas de fls. 250).
* Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
* Mantém-se a validade e a regularidade da instância.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos provados
Da acusação particular:
1. Na qualidade de Vice-Presidente da Direcção dos Serviços Sociais da Banco 1..., que cumulava com a de Director do Centro Clínico ..., o assistente DD, no dia 23 de Abril de 2019, encontrava-se, como habitualmente, no seu gabinete;
2. Nesse dia, decorriam eleições para os corpos sociais dos referidos serviços, mediante votação eletrónica, tendo o assistente autorizado que o computador existente na sala de reuniões, fosse utilizado pelos sócios para poderem votar no local, se assim o entendessem;
3. Cerca das 15:20 horas o assistente DD apercebeu-se que se encontravam duas pessoas a porta do seu gabinete, e após abrir a mesma, o assistente verificou que se encontrava na presença de dois sócios dos Serviços Sociais, EE e o arguido BB, ambos concorrentes às eleições que decorriam integrando a “Lista ...”;
4. De imediato, foi questionado pelo referido EE, sobre a existência e a razão pela qual havia um computador nos referidos Serviços onde os sócios podiam votar;
5. O assistente DD confirmou a existência do computador e explicou que a sua existência visava facilitar as votações em curso;
6. Acto contínuo, gerou-se uma discussão entre o assistente DD e o arguido BB, e este, em voz alta, por forma a ser ouvida por todos quantos frequentavam o Centro Clínico, doentes, profissionais de saúde e administrativos, apelidando-o de "és uma merda", "és um filho da puta", "andas aqui a matar pessoas”;
7. Tais impropérios foram proferidos de forma exaltada, e com uma postura física agressiva;
8. Perante a situação, EE tentou retirar o arguido BB do gabinete do assistente e quando já estavam, ambos, a transpor a porta para saírem do gabinete, surgiram, os sócios e aqui arguidos AA e CC, também eles membros da refenda “Lista ...”;
9. De imediato os arguidos AA e CC começaram a questionar a actuação do assistente enquanto Vice Presidente da Direcção dos Serviços Sociais da Banco 1..., e de Director do Centro Clínico ..., dirigindo-lhe o arguido AA a expressão “filho da puta” por diversas vezes;
10. Os nomes e expressões dirigidas pelos arguidos AA e BB ao assistente tiveram o propósito de ofender a sua honra, brio e dignidade pessoal, bem como a consideração em que é tido por terceiros, o que conseguiram;
11. Os Arguidos AA e BB agiram livre, deliberada e conscientemente, com o intuito conseguido de ofender o Assistente na sua integridade moral, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Do pedido de indemnização civil:
12. Os factos foram praticados no local de trabalho do Assistente - Centro Clinico - sendo proferidos de modo a serem ouvidos por todos os doentes e profissionais que ali se encontravam, humilhando o Assistente nomeadamente por força das funções de responsabilidade que este exercia;
13. O assistente sentiu-se humilhado com as expressões que lhe foram dirigidas, bem como nervoso e ansioso, sendo pessoa educada e respeitadora.
Da contestação:
14. Nas circunstâncias descritas no ponto 6 dos factos provados o assistente disse ao arguido BB que o mesmo era maquiavélico e tortuoso;
Mais se provou que:
15. Do certificado do registo criminal de cada um dos arguidos nada consta;
16. O arguido AA é empregado bancário reformado e aufere a pensão de reforma de € 1.200,00. Vive sozinho em casa arrendada e paga a renda mensal de € 400. Paga € 240 por mês de alimentos a um filho e tem como habilitações literárias a licenciatura em engenharia civil;
17. O arguido BB é empregado bancário reformado e aufere a pensão de reforma de € 1.630,00. Vive com a esposa que é costureira reformada e aufere uma pensão de reforma de € 310,00 e uma filha de 41 anos de idade que depende economicamente dos pais. Vivem em casa própria e paga uma prestação ao banco de € 150,00. O arguido tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade;
18. O arguido CC é empregado bancário reformado e aufere a pensão de reforma de € 1.652,00. Vive com a com a esposa que é cabeleireira reformada e aufere uma pensão de reforma de € 450,00. Vivem em casa própria e paga uma prestação ao banco de € 220,00. O arguido tem como habilitações literárias o 7º ano de escolaridade. Paga a renda de casa a uma filha, no valor de € 500,00/mês em virtude de a mesma estar desempregada.
2. Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa, não se provou:
Da acusação particular:
1. Que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no ponto 6 dos factos provados o arguido BB proferiu a expressão “mentiroso”;
2. Que nas circunstâncias descritas no ponto 9 dos factos provados o arguido CC tenha apelidado o assistente de “filho da puta” e lhe tenha dito “és um gatuno”
3. Que o arguido CC tenha dirigido ao assistente expressões que tiveram o propósito de ofender a sua honra, brio e dignidade pessoal, bem como a consideração em que é tido por terceiros, o que conseguiu;
4. Que o arguido CC agiu livre, deliberada e conscientemente, com o intuito conseguido de ofender o Assistente na sua integridade moral, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
* As demais circunstâncias relatadas e considerações efetuadas, na contestação escrita dos arguidos não foram tidas em conta (e por isso não constam da fundamentação de facto) por conterem meros juízos conclusivos e argumentativos, ou por não terem qualquer relevância para a decisão da causa, concretamente da matéria criminal a apurar (sendo certo que a lei apenas exige que devam constar da sentença os factos com relevo para a decisão da causa e só estes, devendo proceder-se se necessário ao aparo do que, porventura em contrário e com carácter supérfluo provenha das referidas peças processuais de que aquela não é nem pode ser mera serventuária -– neste sentido Ac. STJ de 02/06/2005, proc. 05P1441, publicado em www.dgsi.pt).
3. Convicção do tribunal
A convicção do tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida em julgamento, a qual se encontra integralmente documentada e valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal. Cada um dos arguidos explicou o contexto em que se deslocou ao Centro Clínico ... da Banco 1... e negaram que tenham proferido as expressões que lhe são imputadas. Apenas o arguido BB, admite que lhe possa ter dirigido ao assistente a expressão “Vai à merda”. Ficou sobejamente demonstrado que os arguidos se deslocaram ao Centro Clínico ..., dos Serviços Sociais da Banco 1..., em virtude de no dia em causa decorrerem as eleições para os corpos sociais daquele serviço, e no local estar a ser permitida a utilização de um computador para os sócios, que assim o pretendessem, efectuarem a votação electrónica, única modalidade de voto possível. O sócio e testemunha EE foi uma das pessoas que se insurgiu contra tal situação, por considerar a mesma irregular, acabando os arguidos por ali se deslocaram a fim de se inteirarem de tal procedimento. Nessas circunstâncias estavam os três arguidos na cave do edifício, onde se localizam, para além de outros serviços, a Secretaria, o gabinete do assistente, o gabinete da assistente social e a sala de reuniões onde se encontrava o referido computador. Há uma primeira conversa entre o EE e o arguido BB com o assistente DD, no sentido o questionarem sobre a utilização do computador para os sócios ali votarem, que rapidamente resvala para uma discussão, à qual se juntam os co-arguidos AA e CC. Todos os arguidos assumem a sua presença no local e a existência da discussão, negando que tenha dirigido expressões injuriosas ao assistente, excepção feita ao que o arguido BB admitiu a já foi mencionado. Contudo, conjugadas as declarações do assistente, com o depoimento das testemunhas FF, à data funcionária da secretaria e que ouviu várias vezes vozes masculinas a proferirem a expressão “filho da Puta”, da assistente social GG, que ouviu o arguido BB a proferir a expressão filho da puta e que chegaram mais duas pessoas, o Sr. CC que considera que proferiu expressões ameaçadoras (relativamente às quais foi proferido despacho de arquivamento) e o AA que apelidou o assistente de filho da puta, bem como a testemunha EE que presenciou os factos desde o primeiro momento e confirmou também o teor das expressões proferidas pelos arguidos AA e BB, não restam dúvidas que estas expressões ofensivas foram proferidas pelos dois apontados arguidos. Relativamente ao arguido CC a prova apresenta mais dúvidas e fragilidades, pois desde logo o assistente não refere que este arguido lhe tenha chamado filho da puta, mas sim gatuno, e que andava com um carro que não era dele, sendo que aquela primeira expressão não é confirmada pelas demais testemunhas já mencionadas, que são as únicas que assistiram aos factos das pessoas que forma trazidas a julgamento. A testemunha HH, à data responsável pela Secretaria, não ouviu as expressões que foram proferidas pelos arguidos porque estava no exterior do edifício, mas logo que entrou apercebeu-se pela agitação que algo tinha acontecido, presenciando ainda que os arguidos se encontravam muito alterados. A matéria atinente ao pedido de indemnização civil resultou das declarações do próprio assistente e das testemunhas que sobre tal depuseram, a saber: a Dra. OO, médica, Coordenadora do centro Clínico, que foi contactada pelo assistente pouco tempos após a ocorrência dos factos, que se mostrava muito ansioso e nervoso e aconselho-o a ser acompanhado em Psicologia. Descreveu o assistente como pessoa sensível e correcta. No mesmo sentido depôs o Dr. PP, Coordenador Clínico da Medicina Dentária, assim como a testemunha QQ, que integrava a lista em exercício de funções do Assistente, sendo que a esta testemunhas as expressões que foram dirigidas ao assistente foram-lhe relatadas pelo próprio. Os arguidos ao longo do seu depoimento questionaram o desempenho profissional do assistente, sendo manifesto que não seria nesta sede que se iria sindicar as suas decisões no exercício de funções. Indicaram testemunhas como RR, SS e TT que vieram depôs em favor do seu carácter, e as demais (UU, enfermeira, VV, médico dentista, e WW, médica dentista), são testemunhas que por questões profissionais se incompatibilizaram com o assistente, pretendendo os arguidos com os seus depoimentos denegrir o carácter do assistente e não defender-se das acusações que lhes foram dirigidas. Não indicaram qualquer testemunha que infirme o declarado pelas testemunhas de acusação. Em síntese a defesa veio tentar questionar o carácter, personalidade e desempenho profissional do assistente, sem que tal suspeição que pretenderam levantar, afaste a conduta criminosa dos dois apontados arguidos ao injuriarem o assistente com as expressões mencionadas. Finalmente, o Tribunal valorou as declarações dos arguidos relativamente à sua situação pessoal e o teor dos certificados do registo criminal juntos sob as referências 36873179, 36873388 e 36873279.
4. Apreciação jurídica
Cada um dos arguidos vem acusado da prática de um crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal.
* Do crime de injúria
Pratica este crime quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração. São elementos do tipo legal de crime, um elemento objectivo, que se concretiza quando alguém imputa factos a outrem ou lhe dirige palavras, ofensivos da sua honra ou consideração e um elemento subjectivo, que consiste no facto de o agente ter a consciência de que os factos ou palavras são ofensivos da honra ou consideração da pessoa visada e que a sua conduta é proibida por lei, basta para tanto a existência de um dolo genérico, não sendo exigível o “animus injuriandi” (neste sentido cfr. Ac. RC de 15/3/89, C.J. ano XIV, tomo II, pág. 84 e Ac. RC de 13/4/94, C.J. ano XIX, tomo II, pág. 47). O bem jurídico protegido é a honra ou a consideração, expressão do direito ao nome e à reputação, sendo este preceito penal a concretização da tutela conferida pelo artigo 26º da Constituição da República Portuguesa. As expressões constantes dos factos provados foram proferidas com a intenção de ofender a honra o respeito e a consideração da assistente, o que sucedeu. As expressões proferidas pelos arguidos AA e BB mostram-se objectiva e subjectivamente aptas a lesar a honra e a consideração da assistente, o que sucedeu (refira-se contudo que a lesão efectiva não constitui elemento típico do crime, para cuja verificação basta a mera colocação em perigo de tais valores), intenção com que os arguidos actuaram ou e com perfeita consciência que assumia um comportamento proibido e punido por lei. Preenchidos que estão os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal, conclui-se que cada um dos arguidos AA e BB praticou um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal. Relativamente ao arguido CC é manifesto que não ficou demonstrada a prática dos factos que lhe são imputados, pelo que nada mais resta do que a absolver da prática do crime que lhe vem imputado.
* A medida da pena.
A escolha da pena Estabelece o artigo 181º, nº 1 do Código Penal que o crime de injúria é punido com a moldura abstracta de pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias, pelo que à luz do artigo 70º do Código Penal, o tribunal deve dar preferência fundamentada à segunda, fundamentação exigida nos termos do artigo 208º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. A pena de prisão, e de acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei nº 48/95 no seu ponto 4, deve ser reservada para situações de maior gravidade e alarme social, devendo ser dada preferência à pena de multa, desde que essa pena não detentiva de liberdade se afigure como suficiente "para promover a reintegração do delinquente na vida social e dar satisfação aos fins da retribuição e da prevenção das penas" (Robalo Cordeiro, Escolha e medida da pena, Jornadas de Direito Criminal, C.E.J., pág. 238).
Porque relativamente aos arguidos, se mostra viável quer o pagamento de uma multa, quer que essa pena satisfaça os fins de retribuição e de prevenção geral e especial que se visam com a pena, entende o tribunal que será de lhe aplicar uma pena não privativa de liberdade, ou seja, uma pena de multa, cuja moldura abstracta se situa entre 10 e 120 dias nos termos dos artigos 47º, nº 1 e 181º, nº 1, ambos do Código Penal. A determinação concreta da pena A determinação em concreto da medida da pena consiste em determinar, dentro da moldura abstractamente aplicável o quantum de pena concreta aplicável ao agente, tendo em conta os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal.
Estabelece o nº 1 deste preceito que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes. A pena será assim determinada entre o limite mínimo dado pela prevenção geral e o limite máximo dado pela culpa, actuando na determinação da medida concreta da pena os critérios de prevenção especial de ressocialização. Importa assim ponderar que os arguidos actuaram com dolo directo.
É elevada a ilicitude da sua conduta tendo em consideração o teor das expressões proferidas, e o facto de terem sido proferidas em alta voz, perfeitamente audíveis para quem estivesse em condições de as escutar e foram dirigidas ao assistente quando este se encontrava no seu local de trabalho, para onde os arguidos se dirigiram.
Há a ponderar em favor dos arguidos o facto de não ter antecedentes criminais e de serem pessoas socialmente inseridas. Tudo ponderado consideramos justa e suficiente, pelas exigências de prevenção geral e especial e pelo princípio da necessidade da pena, à luz dos critérios estabelecidos no artigo 71º e tendo em consideração o disposto no artigo 47º, nº 1 do Código Penal o cumprimento de uma pena de 80 dias de multa, a cada um dos arguidos. Face à apurada situação sócio-económica dos arguidos e remetendo aqui para a matéria de facto constante dos pontos 16 e 17 da matéria de facto dada como provada, e tendo em consideração que em face do disposto no artigo 47º, nº 2 do Código Penal, a cada dia de multa corresponde uma taxa diária cujo limite mínimo é de € 5 e máximo de € 500, a qual será fixada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, entende o tribunal fixar a taxa diária correspondente em € 10,00 o que perfaz a multa de € 800,00.
* 5. O pedido de indemnização civil
Pelo assistente DD foi deduzido pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a condenação de cada um dos arguidos a pagar-lhe a quantia de € 3.500,00 a título de danos não patrimoniais. Nos termos do disposto no artigo 71 ° do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido, em regra, no respectivo processo penal. A competência deste Tribunal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre apenas da responsabilidade civil extracontratual resultante do facto praticado pela arguida a que se reportam os presentes autos e não de qualquer outro. De acordo com o preceituado no artigo 129° do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil. Nos termos do disposto artigo 483°, nº 1, do Código Civil, "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação." A leitura do preceito mostra os vários pressupostos que condicionam, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante. Vejamos:
a) a existência de um facto voluntário ilícito, isto é, lesivo de bens jurídicos pessoais ou patrimoniais; b) um nexo de imputação subjectiva desse facto ao lesante, a título de dolo ou mera culpa; c) a ocorrência de prejuízo; e d) um nexo de causalidade adequada entre o facto e o prejuízo, o que equivale a dizer, a imputação objectiva do dano ao facto de que emerge, nos termos consagrados no artigo 563.° do Código Civil. Quanto ao primeiro elemento para a concretização da responsabilidade civil – o facto - resulta da factualidade dada como provada que ocorreu uma acção voluntária por parte da arguida demandada, que se traduziu na apropriação de uma quantia monetária e objectos que não lhe eram devidos. Quanto à ilicitude importa referir que a mesma pode revestir duas modalidades: pode traduzir-se na violação do direito de outrem, ou seja, na infracção de um direito subjectivo; pode consistir, também, na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios. Tendo as normas uma valência valorativa e obrigando ao respeito do valor expressamente tutelado, tudo o que expressamente atente contra essa reserva normativa, viola o sentido injuntivo do Direito Positivo aplicável. E nisto consiste a ilicitude. O desrespeito pelo valor ético e social que a norma transporta no seu texto, revelando-o consequentemente, funda a ilicitude do acto. Por isso, a conduta que o suporta é juridicamente reprovável. Daí que não haja dificuldades em verificar que os factos praticados pelos demandados AA e BB são ilícitos, porque violadores do direito de outrem.
Quanto ao dolo e à Culpa: Quanto à responsabilidade civil extracontratual o nosso Código optou pela tese da culpa em abstracto. Na verdade, segundo o nº 1 do artigo 487º do Código Civil, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção de culpa em contrário. Todavia a regra contida no preceito deve ser entendida com maleabilidade "sob pena de se lançar sobre o lesado um ónus de prova excessivamente gravoso ou até incomportável", Acórdão do STJ de 11/04/81, BMJ, 307, pg. 191. A inobservância das leis e dos regulamentos faz presumir a produção dos danos decorrentes, dispensando a prova em concreto da falta de diligência (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/06/99, BMJ, 488, pg. 323). No caso em apreço, a responsabilidade do arguidos/demandados pelo pagamento da indemnização civil resulta da circunstância da sua condenação, nos termos supra expostos, pela autoria de facto ilícito criminalmente punível, responsabilidade que não poderá ser assacada ao arguido/demandado XX, uma vez que não resultou demonstrada a prática de um facto ilícito típico por parte do mesmo. Quanto aos danos: Como refere Galvão Teles, in Direito das Obrigações, 6." edição, pg. 570, o prejuízo ou dano consiste em se sofrer um sacrifício, tenha ou não um conteúdo económico. Distingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuária. Os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. No caso em análise, são peticionados apenas danos não patrimoniais, peticionando o demandante o valor de € 3.500,00 de cada um dos arguidos. De acordo com o previsto no artigo 496° do Código Civil devem ser ressarcidos os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. O tribunal deve fixar ao lesado uma compensação em dinheiro em termos equitativos (artigo 496° e 566° nº 3 do Código Civil), atendendo ainda às circunstâncias referidas no artigo 494° do Código Civil. Nesta sede apurou-se que os factos foram praticados no local de trabalho do Assistente - Centro Clinico - sendo proferidos de modo a serem ouvidos por todos os doentes e profissionais que ali se encontravam, humilhando o Assistente nomeadamente por força das funções de responsabilidade que este exercia. O assistente sentiu-se humilhado com as expressões que lhe foram dirigidas, bem como nervoso e ansioso, sendo pessoa educada e respeitadora. Atendendo a estes factos afigura-se-nos ser adequada a atribuição de € 1.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, a suportar por cada um dos arguidos/demandados, quantia à qual não acrescem juros por não terem sido peticionados. III. DECISÃO (…).
*
Cumpre apreciar.
Os recorrentes centram o objecto do recurso na impugnação da decisão da matéria de facto.
Sobre a demarcação dos conceitos de erro de interpretação da prova, e erro notório, cabe traçar os limites de cada uma destas categorias, para que a sua análise não se confunda e sobreponha.
Os Tribunais superiores de forma pacífica e mantida vêm estabelecendo a destrinça entre a arguição da categoria de vícios que incidam sobre a decisão e dos vícios que inquinem o julgamento. A este propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011 proferido no processo nº288/09.1GBMTJ.L1-5 sustentou que “a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de «revista alargada»; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs3, 4 e 6, do mesmo diploma; No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Ora, os vícios previsto no nº2 do citado art.410 (concretamente na alínea a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; na alínea b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e na alínea c) Erro notório na apreciação da prova) são vícios da decisão sobre a matéria de facto “vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que hão-de derivar do texto da decisão recorrida por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.”
No elenco dos vícios da decisão, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio.
Diversamente, a impugnação da matéria de facto prevista no art.412º nº3 do CPP, consiste na apreciação, tal como sustentou o acórdão que temos vindo a citar”,que não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs3 e 4 do art. 412º do C.P. Penal. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º]”.
Portanto, traçados os contornos do quadro dogmático dos diversos vícios que poderão compor o objecto de recurso, cabe primeiramente apreciar os vícios reportados no art.410º nº2 do CPP.
No invocado vício de erro notório a impugnação dos recorrentes na sua maior parte, não se baseia apenas no texto da sentença, antes, é “contaminada” pelas asserções que derivam da análise dos meios de prova, os quais como elementos externos à decisão em si, não podem se aferidos no âmbito do invocado vício, sobretudo quando sustentam que o Tribunal “A Quo” não considerou o conteúdo do depoimento da testemunha EE, extraindo conclusões diversas e contrárias a esse depoimento. Aqui, como se referiu, tão pouco, estamos no domínio do erro notório, pois a fundamentação, a pesagem e o confronto dos vários meios de prova foi feita de forma congruente, com boa localização das regras da experiência comum.
O recorrente pretende, afinal, suscitar a reapreciação ampla da prova, cuidando, inclusivamente, de cumprir os já supra referidos ónus de especificação previstos no artigo 412.º, n.º3 e 4, do C.P.P.
Portanto, não padecendo a sentença de quaisquer dos vícios previstos no art.410º do CPP, nesta parte deve improceder o recurso.
*
Cumprindo agora apreciar a impugnação nos termos do art.412º nº3 do CPP, a qual constitui o ponto central do objecto do recurso, estabelecendo os pressupostos dos poderes de cognição do Tribunal Superior
Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, Proc. nº 07P4375 (in www.dgsi.pt) a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, restrita á indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º).
Com efeito, no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril do corrente ano (processo n.º 360/08-1.ª, www.dgsi.pt) sustentou-se «Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente

Não basta à recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o tribunal de recurso tenha de fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.
O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. O recurso com esses fundamentos apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância [cfr. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999].
Com efeito, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» [cfr, neste sentido, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt]
O Tribunal de recurso apreciando os fundamentos da impugnação da matéria de facto e os meios de prova indicados nos termos do art.412º nº3 do CPP (quando conste do objecto de recurso), deve aferir se o Tribunal “a quo” apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões e as regras da experiência comum (a regra da experiência expressa aquilo que normalmente acontece, é uma regra extraída de casos similares), não extraindo conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempre um plano de convencimento do Tribunal a quo, segundo a livre convicção do julgador que não cabe a este Tribunal de recurso reformular.
Em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.º do C.P.P.
Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do Tribunal “a quo” se estribou nestes pressupostos, como já se enfatizou, o Tribunal “ad quem” não pode sindicar ou sobrepor outra convicção.
Com as limitações que decorrem da falta de mediação e da impugnação parcelar dos factos, o Tribunal de recurso somente poderá alterar a decisão de facto quando se “imponha” (usando a expressão legal), ou seja, quando o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da 1ª Instância se fundou fora da razoabilidade em juízos destituídos de lógica, ou distintos dos padrões da experiência comum.
Quanto às alegadas incongruências e concretas divergências enfatizadas pelos recorrentes, o AA pretende se dê como não provados os factos que constam dos pontos 8 a 11 dos factos provados; e o BB impugna as injúrias e subsidiariamente a densidade das injúrias apuradas, visando que se elimine uma das duas expressões insultuosas que constam dos factos provados, assim pretendendo uma diminuição da ilicitude.
Primeiramente, cabe discorrer sobre a atividade probatória num plano ontológico-normativo, onde os Tribunais no juízo probatório que formulam, de entre as várias regras processuais que definem este complexo processo decisório, e que vão desde os princípios constitucionais que visam mapear os parâmetros de dúvida que interferem ou podem interferir com os graus de probabilidades, e como essas probabilidades são aferidas pelos Tribunais, seja na ponderação de prova direta ou indireta, com recurso às regras da lógica e da experiência comum, sem perder de vista o sistema de proibições de prova e de valoração condicionada, como é o caso da prova pericial.
Assim, perante a factualidade que se encontra imputada, afirmada e descrita na acusação e contestações, ambas fazendo parte do objeto de processo, deve ter-se presente que a decisão a proferir, ocorre integrada num processo de reconhecimento e de identificação do acontecer histórico. As afirmações de facto que constam da acusação (peça que já contém uma carga indiciária que a suporta e, por isso, dotada de relevo jurídico, mas cuja discussão está totalmente aberta, no sentido de não implicar, por si, qualquer princípio de prova), são alvo, não de criação, mas de um processo de reconhecimento e de identificação, pelos meios de prova, sobre se um pedaço da vida ocorreu. Essa decisão da matéria de facto, com o inerente processo de reconhecimento e de identificação, julgando provados determinados factos, integra-os na ordem jurídica, com os inerentes efeitos penais e de responsabilidade civil, postergando outros tantos factos, que assim os afasta do acontecer histórico verificado. Quando um facto objeto de discussão é dado como provado, para além da vida histórica que lhe é reconhecida, o mesmo ganha relevo na ordem jurídica, produzindo efeitos normativos, passando a estar integrado na mesma, atuando como fator de produção de efeitos jurídicos.
Um facto dado como não provado, é negada a sua existência na vida histórica, assim com se excluem efeitos jurídicos dos mesmos. Aqui chegados, no referido processo de reconhecimento e de identificação de certos factos como tendo historicamente acontecido, implica necessariamente o uso das regras da experiência comum e da lógica, imprescindíveis para pesar as probabilidades em discussão, caminho que o Tribunal prosseguiu. A atividade probatória do Tribunal implica a entrada cognoscível no curso dos acontecimentos imputados e afirmados, com a mensuração do índice de probabilidades, através das regras da experiência comum e da lógica, as quais incidem, avaliam e testam cada uma das versões.
Nesse processo de prova, o Tribunal como observador, coloca-se no espaço e tempo dos factos discutidos, e à luz das regras da experiência pesa as probabilidades, procurando perscrutar o íntimo dos protagonistas, aferindo do dolo, e como se teceram as linhas da causalidade, naquele momento.
Por isso, o legislador nos termos do art.127º do CPP concedeu ao julgador a liberdade, ou mais propriamente, a possibilidade de aceder às regras da experiência comum para formar a convicção probatória, na intimidade dos factos.
As concretas divergências dos recorrentes centram-se no distanciamento do julgamento da matéria de facto proferido pelo Tribunal “A Quo”, designadamente, ao depoimento da testemunha EE, referindo ser dissonante com a avaliação que dele foi feita pelo Tribunal de 1ª instância, designadamente quanto ao comportamento assumido pelo arguido AA. Sobre este ponto, o Tribunal de recurso depois de ouvido esse depoimento, considera assistir razão ao recorrente em considerar que a testemunha EE não ouviu este arguido a proferir insultos. A testemunha em causa, mostrou repetida dificuldade em se recordar das expressões dirigidas ao ofendido, explicando que ficou muito impressionado com o ambiente de elevada e inusitada violência que presenciou e em que se viu envolvido, por parte dos arguidos, e com o qual não concordou, sendo sua preocupação, nesse momento, impedir uma escalada de violência física. Seja como for, acabou por confirmar que o arguido BB, que aliás estava consigo, proferiu as injúrias que se vieram a apurar, embora em momento algum do seu depoimento haja confirmado que o arguido AA tenha proferido insultos, contrariamente ao que foi referido pelo Tribunal “A Quo” na sua fundamentação.
Deste modo, se o Tribunal de 1ª instância, cometeu este lapso, quando refere que a testemunha EE, presente no local dos factos, ouviu o arguido AA a proferir as injúrias que se apuraram, contudo, não obstante esse lapso, o juízo probatório em causa nos autos não se mostra afetado, dado que, no conjunto da prova produzia, quer as declarações do assistente DD (as quais relevaram incisivamente para o apuramento dos factos), como também da testemunha GG, a qual estando no seu gabinete a curta distância dos factos, conhecendo os intervenientes, soube explicar o que se passou, vendo a agitação através da porta do seu gabinete, referindo que o AA repetiu a injúria “filho da puta”, realidade que descreveu com objetividade, sem se divisar qualquer aspeto tendencioso no seu depoimento. Igualmente as declarações do assistente, contrariamente ao sustentado pelos arguidos recorrentes, foram manifestamente credíveis, tendo o mesmo deposto com serenidade e objetividade, não empolando ou efabulando qualquer parcela do seu depoimento. Alias, os factos são muito circunscritos no tempo e no local que aconteceram. O recorrente AA pretende que o juízo probatório negativo que incidiu sobre a participação do arguido CC que foi absolvido, lhe seja transmitido, mas sem razão, dado que as testemunhas foram bem precisas sobre a participação de cada um dos arguidos. Quanto à atuação delitual do recorrente BB, a par do depoimento EE, não obstante as dificuldades de memória que repetiu, confirmou as expressões dirigidas por este ao ofendido, o que foi confirmado pelo próprio ofendido e pela testemunha GG.
Com efeito, este Tribunal de recurso tendo ouvido as declarações dos arguidos recorrentes, as mesmas não lograram infirmar os meios de prova que ainda agora se analisaram, revelando-se manifestamente tendenciosas, ainda agora, concentrando-se na pessoa do ofendido.
Portanto, este Tribunal de recurso ouvidas as declarações dos arguidos, do assistente e das testemunhas concorda com o resultado probatório que foi realizado pelo Tribunal a quo, não existindo qualquer erro manifesto, ditado em qualquer desconformidade na formulação lógica ou pelas regras da experiência comum, que imponham alteração de convicção, devendo deste modo improceder a impugnação movida à decisão da matéria de facto.
Como é bom de ver, não se alterando qualquer ponto da matéria de facto, nenhuma alteração poderá suceder à improcedência da pretensão cível, que se mantém.
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Sobre os trâmites da convicção do Tribunal “A Quo”, para além de não se identificar qualquer perspetiva de dúvida, por si só determina o afastamento do “in dúbio pro reo”, também, não se evidenciando quebras no seu raciocínio lógico, nem o uso indevido das regras da experiência comum.
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Quanto à pretendida redução da medida da pena de multa por cada um dos recorrentes, no sistema sancionatório português as sanções privativas da liberdade constituem a última ratio da política criminal, por influência dos princípios político-criminais da necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade. Como reflexo, a lei estabelece no artigo 70.º do Código Penal uma preferência pela pena não privativa da liberdade sempre que ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção, previstas no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal.
Considerando o conteúdo normativo presente no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação de uma pena visa assegurar exclusivamente finalidades de prevenção: geral positiva, traduzidas na proteção de bens jurídicos, e especial positiva, tendo em vista a reintegração do agente na sociedade.
Prosseguindo finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, a pena é concebida “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, do ordenamento jurídico-penal”. Por sua vez, assegurando finalidades de prevenção especial positiva ou de socialização a pena visa, “com respeito pelo modo de ser do delinquente, pelas suas concepções sobre a vida e sobre o mundo, pela sua posição própria face aos juízos de valor do ordenamento jurídico, criar as condições necessárias para que ele possa, no futuro, continuar a viver a sua vida sem cometer crimes”. (Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Português - Parte Geral I – Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2011, (2.ª reimpressão), págs. 51 e 55).
Assim sendo, a opção pela pena alternativa à pena de prisão terá que ser feita sempre e apenas nos casos em que através dela se possam realizar as finalidades da punição.
Por outro lado, para efeitos de determinação da medida concreta da pena a aplicar deve, impreterivelmente, o Julgador recorrer aos critérios legalmente definidos nos artigos 70º a 74º do Código Penal.
Nesta matéria refere o artigo 71º, nº 1 do citado diploma legal que: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, enumerando-se no nº 2 do mesmo preceito algumas das circunstâncias exemplificativas que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Os parâmetros fundamentais para o Julgador aferir da pena concreta a aplicar um arguido, são por um lado a culpa do mesmo (porquanto esta “não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas afirma-se também como limite máximo desta”) e, por outro as necessidades/exigências de prevenção geral e especial. No caso sob apreciação e analisada a motivação da Douta sentença, foi feita a ponderação de todos os factos que depõe a favor e contra o arguido.
A aferição da medida da culpa do arguido implica a ponderação da censura do facto cometido, o desvalor da sua atitude, a qual por vezes resulta do quadro de ilicitude cometida e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo agora ser apreciada em concreto.
No caso sob apreciação e analisada a motivação da Douta sentença, facilmente se depreende que foi feita uma ponderação de todos os fatores determinantes para a medida da pena, valorando-se as circunstâncias que, in casu, depõem a favor e contra cada um dos arguidos.
Neste sentido, a Douta Sentença ora recorrida face à ausência de antecedentes criminais dos arguidos, e sua inserção social, familiar e profissional, optou pela multa para cada um dos arguidos, cfr.art.70º do Cód.Penal.
Visa a pena responder à perigosidade do comportamento e obstar a que o agente pratique novo delito, sendo que in casu se mostra atenuado o efeito preventivo especial, pois que é primário.
A graduação da concreta pena de multa deve expressar a culpa e as exigências de prevenção. Assim, a medida de 80 dias de multa afigura-se ajustada, impondo que os arguidos recorrentes sejam confrontados de forma impressiva com a censura do seu facto, para que, não sobrem possibilidades e riscos de nova recidiva no seu comportamento incumpridor.
Cominar uma pena de multa única inferior a 80 dias, face à gravidade do ilícito, presenciado por várias pessoas, às elevadas exigências de prevenção geral, associada à participação dos arguidos com dolo direto e forte energia criminosa, sem que os mesmos se hajam arrependido da sua violenta conduta verbal, seria incumprir com os fins da pena. Não existem outros fatores de atenuação geral ou especial da culpa, sendo que os fins da pena tornam mais exigente a medida da pena de multa a cominar, circunstância que seria diferente, no caso da mensuração de uma pena de prisão (na proporção da amplitude da pena abstrata, claro está). Também, por este somatório de razões não se encontram verificados quaisquer dos requisitos que possibilitem a dispensa da pena nos termos do art.74º nº2 do CP, como pretende o recorrente BB.
Os arguidos recorrentes invocam a sua situação pessoal, económica e familiar como ponto central para condicionar o cômputo diário da pena. Mas este Tribunal de recurso entende que a medida da pena de multa e a sua razão diária se mostram adequadas atento o nível de vida apurado e capacidade económica de cada um dos arguidos, sendo que a razão diária de 10€, contrariamente ao que é afirmado pela recorrente, face à amplitude fixada na lei, foi cominada relativamente próxima do mínimo, e somente esse valor poderá produzir o almejado sacrifício que deve ser inerente ao cumprimento da pena.
Como resulta dos fundamentos expostos, ambos os recursos não poderão merecer provimento.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar ambos os recursos totalmente improcedentes e consequentemente, nos termos e fundamentos expostos, manter a decisão do Tribunal “A Quo”.

Custas do recurso a cargo de cada um dos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 5 UCs para cada um - 513º, n.º 1 do Código Processo Penal).

Notifique.

Sumário:
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Porto, 19 de Abril 2023.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
Pedro Afonso Lucas