Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1278/21.1T9VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO M. MENEZES
Descritores: ACUSAÇÃO
FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
NULIDADE
REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO
Nº do Documento: RP202402071278/21.1T9VNG.P1
Data do Acordão: 02/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A invalidade prevista no artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – no caso, por referência à respetiva alínea a) – só se verificará quando, a partir do texto da acusação (e dos factos nela descritos), ou da articulação entre este e outros elementos constantes dos autos para que a acusação inequivocamente remeta, não seja possível determinar, sem margem para dúvidas, contra quem uma acusação (pública ou particular) é formulada.
II - Só neste caso a acusação não cumprirá a sua função de delimitação (do objeto do processo e de identificação da pessoa do arguido contra quem o processo se dirige) e, dessa forma, servir de baliza à subsequente atividade do Tribunal de julgamento, assim se justificando a sua rejeição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º: 1278/21.1T9VNG.P1
Origem: Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia (Juiz 4)

Recorrente: AA (assistente)
Referência do documento: 17686650




I
1. O aqui recorrente impugna, com o presente recurso, decisão proferida no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia (Juiz 4) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que rejeitou, por manifestamente infundada (no caso, por falta de identificação da arguida contra quem foi formulada), a acusação que, a seu tempo, deduziu contra a arguida nos autos.
2. Este é, na parte aqui relevante, o texto da decisão recorrida:
«Nos presentes autos de processo comum, veio o assistente AA deduzir acusação particular, na qual alega factos suscetíveis de configurar a prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 280º do Código Penal.
Porém, compulsada a acusação particular, verifica-se que o assistente não identificou a/o agente a quem imputa tais factos, não deduzindo a acusação contra um arguido ou uma arguida, não fazendo constar da acusação qualquer indicação tendente à sua identificação, apenas se referindo, ao longo da acusação, à “arguida”, sem sequer indicar o seu nome.
Decorre do disposto no artigo 283º, n.º 3 do Código de Processo Penal que a acusação deduzida pelo Ministério Público contém, sob pena de nulidade, além do mais: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; e c) A indicação das disposições legais aplicáveis.
Por sua vez, decorre do disposto no artigo 285, n.º 3 do mesmo código que a referida disposição legal se aplica à acusação deduzida pelo assistente.
Constata-se, deste modo, que a acusação particular deduzida pelo assistente AA é nula, por falta de indicação de elementos tendentes à identificação da arguida.
Decorre do disposto no artigo 311º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal que se o processo tiver sido remetido para julgamento, o juiz rejeita a acusação se a considerar manifestamente infundada.
Por sua vez, decorre da alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo 311º que a acusação se considera manifestamente infundada quando não contenha a identificação do arguido.
É precisamente este o caso dos autos, porquanto a acusação particular é omissa quanto à identificação da arguida.
Termos em que, por todo o exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 311º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal, decido rejeitar a acusação particular, por manifestamente infundada.
Notifique.
[...]».


3. A aludida acusação particular tem o seguinte teor:
«[...]
AA, queixoso/assistente nos autos à margem identificados, tendo sido notificado do douto despacho nº 445911588 [por lapso, refere-se a referência n.º 446747486, relativa à notificação do despacho],
Vem apresentar Acusação Particular e Deduzir Pedido Cível,
O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos,
I- Introdução
1- O ora queixoso/assistente é trabalhador do Banco 1... (...), desde 1999,
2- Assim como a arguida que, desde 1 Julho de 1980, também desempenha funções na entidade bancária indicada,
3- Portanto, queixoso/assistente e arguida trabalham para a mesma entidade, sendo colegas de trabalho,
4- A arguida, desde Abril de 2014, que integra a Comissão de Trabalhadores da entidade bancária identificada, tendo já estado em funções no mandato de 2012 a 2016, e no de 2016 a 2020,
5- Assim como o queixoso/ assistente, que também pertence à supra citada Comissão de Trabalhadores,
6- Cabendo-lhes, assim, assegurar a defesa dos interesses dos seus colegas do sector bancário,
7- Pelo que, quer a arguida quer o queixoso/assistente integravam grupos de trabalho, participam em reuniões em conjunto.
8- Ora, na pendência desta relação e fruto de sucessivos conflitos existentes entre ambos face a diversos motivos, presumivelmente como estratégia eleitoral para as eleições que se viriam a realizar,
9- A arguida deu entrada de acção judicial declarativa especial de Processo Laboral, para tutela de Direitos de Personalidade (nos termos dos arte 186ºD a 186 F do Código de Processo Trabalho, contra o denunciante, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Vila Nova Gaia, juiz 2, Proc nº 5039/20.7T8VNG,
10- E, também, contra a entidade empregadora de ambos, Banco 1...,
11- Invocando em suma, a violação de direitos de personalidade, pelo queixoso tais como imputando-lhe uma série de atitudes hostis, tais como o facto de este: alegadamente desvalorizar o trabalho da arguida de alegadamente interrompê-la constantemente enquanto esta usava a palavra, pelo facto de o de o queixoso alegadamente colocar em causa a participação da arguida nas actividades laborais, de alegadamente não analisar convenientemente os documentos objecto de análise, de alegadamente este fazer a leitura em voz alta de artigos do código de trabalho, imputando ainda ao queixoso o facto de este alegadamente desarrumar a sua secretária.
12- Ou seja, a arguida alegou que queixoso/assistente teria comportamentos de assédio moral para com esta, motivo pelo qual esta invocava sentir-se perseguida por este no seu local de trabalho, sentindo-se deprimida, ansiosa, desmotivada, entre outras.
13- Ora, o aqui queixoso/assistente contestou a acção e, naturalmente, rebateu todas as acusações que lhe eram dirigidas,
14- Pois as mesmas eram falsas e destinariam-se tão somente a atingir um fim, ou seja que o ora queixoso/assistente, não tivesse hipótese de se voltar a candidatar à Comissão de Trabalhadores, da qual ambos faziam parte, (a Comisão de Trabalhdores do Banco 1..., é composta por trabalhadores de várias listas, estando alguns deles afectos a essas funções a tempo inteiro);
15- Quando na realidade o aí discriminado publicamente era o queixoso/assistente, uma vez que por exemplo, os demais membros da Comissão de Trabalhadores se recusavam a assinar as despesas de representação deste, entre outros comportamentos. Como por exemplo,
16- Os e-mails remetidos pelo queixoso/assistente eram apagados pela ora arguida sem serem sequer abertos,
17- Ou assuntos do foro pessoal deste, incluindo convicções políticas que foram usadas para publicamente o denegrirem,
18- Usando inclusive um pretenso Direito de Resposta de 23 Julho de 2018, em que a arguida, entre outros, imputaram ao arguido/assistente uma série de comportamentos ofensivos e vexatórios,
19- Naturalmente que as testemunhas da supra citada acção judicial da ora arguida eram, entre outros, membros da lista desta da Comissão de Trabalhadores,
20- Não sendo despiciendo ainda deixar aqui vertido que outro colega do ora queixoso/arguido, também tinha sido contemplado com uma acusação de assédio moral, pela parte da ora arguida
21- Ora, o que é facto é que a acção judicial supra citada terminou em sede Audiência de Partes, por acordo homologado e transitado em julgado, entre queixos/assistente e arguida, em 9 Setembro de 2020, conforme documento já junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido.
22- De modo que, de u[m]a vez por todas, julgava o ora queixoso/assistente ter sido posto a termo a todos e quaisquer "frissons".
23- Não obstante, a denunciada não satisfeita com o vertido, resolveu em requerimento a esses mesmos autos no dia 17 e 19 de Setembro de 2020,
24- Através da sua mandatária, e em resumo, procurar rectificar a acta /homologação acordo, porque "queria" que a mesma reflectisse a assunção de culpa ou da prática dos actos que eram imputados ao aqui queixoso/assistente, conforme documento já junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido.
25- O que o tribunal, em sede de Audiência Partes, já tinha amplamente referido, que o acordo alcançado era apenas um compromisso da adopção de um determinado comportamento que o aqui queixoso/assistente alega sempre ter tido.
26- Nessa medida, o Tribunal rejeitou a pretensão da aqui arguida, entendendo não assistir qualquer fundamento legal, pela prolação de um despacho que o Tribunal nunca proferiu nem iria proferir, conforme documento já junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido.
Acresce que,
27- A aqui arguida nos dias 15 e 16 Setembro de 2020 decidiu remeter vários e-mails, já juntos aos autos e que se dão aqui como integralmente reproduzidos,
28- Em que entre outros imputa ao aqui queixoso/assistente uma série de comportamentos/acusações que, como infra se relatará, são o objecto da presente queixa,
29- Procurando levar terceiros a acreditar que o aqui queixoso/assistente tinha assumido os supra referidos comportamentos incorrectos para com a aqui arguida e os tinha assumido em sede judicial, o que não corresponde à verdade,
30- Ora, como se poderá concluir naturalmente que esta, após o envio dos e- mails no dia 15 e 16 Setembro de 2020 (idem doc. 3), mas numa tentativa de legitimar o seu comportamento resolve no dia 17 Setembro de 2020, através de requerimento, rectificar a acta/acordo homologatório supra referido, que foi indeferido.
31- Tendo ainda insistido na sua pretensão através de novo requerimento em 19 Setembro de 2020, em que novamente o tribunal resolve indeferir, conforme documento já junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido.

II- Da Acusação
33- Ora, a partir do dia 16 Setembro de 2020, o queixoso/assistente, começou a receber vários telefonemas de colegas de vários pontos do País, Porto, Lisboa, Bragança, Chaves, Algarve, Madeira, Açores, conforme documento já junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido.
34- Bem como lhe chegou ao conhecimento um e-mail que circulou entre vários representantes dos sindicatos de Lisboa e Porto, mais concretamente dos Sindicatos - (Sindicato Bancários do Norte- BB, CC, DD e do Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários - EE, FF, GG.Sindicatos Independente da Banca - HH, II),
35º- Não sendo despiciendo referir que estes e-mails acima indicados enviados pela arguida surgem precisamente após a publicação da data das eleições em 14 Setembro de 2020 para a Comissão de trabalhadores no Portal do Banco 1..., a realizar a 29 Outubro de 2020, conforme documento já junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido.
36º- Tendo como fito, tão somente, desacreditar o queixoso/assistente e impedir que este conseguisse recolher as assinaturas para a apresentação da sua candidatura
37- Ora, é referido assim ao queixoso/assistente pelos vários Trabalhadores, terem recebido o referido e-mail da ora arguida, onde este é alvo de graves acusações levadas a cabo por este;
38- Tendo o citado e-mail o seguinte titulo: "EM DEFESA DO BOM NOME E DA VERDADE – VIRAR DE PÁGINA "
39º- Imputando assim a arguida ao queixoso/assistente o facto de este, nos últimos 2 anos, ter feito falsas acusações à arguida, relacionadas com uma alegada falta de assiduidade, ausências ao trabalho, falta de profissionalismo, falta de competência,
40º- Referindo a arguida que os alegados ataques foram feitos por escrito e que são da autoria "de AA”, o ora queixoso/assistente, e que chegaram a um grande número de trabalhadores, tendo sido elaborados de modo unilateral, à revelia dos demais membros da comissão de trabalhadores ..."
41º- Além de a arguida, alegar ter intentado a supra citada acção judicial "que teria ficado concluída no dia 9 Setembro de 2020, do qual o Srs AA se comprometeu a abstrair-se da prática de quaisquer actos, visando a minha pessoa, violadores dos meus direitos de personalidade, designadamente os comportamentos visados nos artigos 18,19 e 22 da acção, cujo teor é o seguinte-,
a) "desvaloriza deforma reiterada e insistente o trabalho da autora enquanto membro da comissão, critica as suas opiniões e sugestões, fazendo-o perante outros elementos da comissão de trabalhadores, deforma gratuita e sem qualquer fundamento, apenas e tão só por serem emitidas pela Autora",
b) "Interrompe-a constantemente enquanto a mesma usa da palavra e exprime a sua opinião, quer quando tal acontece no exercido das suas funções de coordenação da comissão de trabalhadores",
c) "Coloca em causa constantemente a presença e/ou participação da Autora nas actividades laborais que esta desempenha, acusando-a de não estar presente no respectivo posto de trabalho, controlando a respectiva assiduidade de forma abusiva e sem ter legitimidade para tal, quer porque não é superior hierárquico da Autora, quer porque esta é assídua no exercício das respectivas funções"
d) O 2º Réu dirige correspondência através de correio electrónico aos colegas, incluindo a Autora (portanto com conhecimento desta), acusando-a publicamente perante todos os colegas, de não analisar convenientemente os documentos objecto de analise, pondo em dúvida o direito da Autora de se pronunciar sobre o teor dos mesmos"
e) "O mesmo coloca em causa que a Autora tenha lido os documentos e dossiers, acusando-a de estar ausente do posto de trabalho e ausente das instalações da comissão de trabalhadores- esta atitude é repetida e reiterada por escrito em vários e-mails trocados, mas também pessoalmente durante as reuniões de trabalho, em que é constantemente invocado e questionado o tema da assiduidade da Autora, quando esta é assídua eo23 Reu, sabe que o é; “
f) "O 2º Reu, com as suas atitudes pretende descredibilizar o trabalho da Autora, bem como desacreditar a mesma perante os colegas, fazendo-os crer que a mesma não exerce deforma competente as respectivas funções, quer ao serviço do 1º Reu, quer ao serviço da comissão de trabalhadores; acusando-a de estar ausente, e que por tal facto não tem legitimidade para formular opiniões, ou sugestões sobre os temas em analise";
g) "O 2º Reu contesta as decisões tomadas pela Autora no exercido da coordenação e quando é esta a assumir tal função"
h) "O 2º Reu procura intimidar a Autora, com as repetidas acusações de ausência do local de trabalho, que não tem fundamento, por tal não ser verdade, e por não lhe incumbrir qualquer autoridade ou estatuto hierárquico que lho permita, um[]a vez que se encontra em paridade de funções como membro da Comissão de Trabalhadores, nomeadamente utilizando nos e-mails expressões como "Esta semana ainda não o/a vi no meu local de trabalho", “ ainda bem que não esquceu o caminho para se dirigir ao local de trabalho",
i) O 2º Reu faz crer a Autora que a tem sob vigilância, que consegue controlar todos os seus actos no exercido das funções ao serviço da Ia Ré como membro da Comissão de Trabalhadores"
j) "O 2º Reu tudo faz para rebaixar e inferiorizar o trabalho da Autora, para a constranger e humilhar, referindo-se a ela nos e-mails trocados com outros colegas, sem utilizar o respectivo nome que substitui por "certa pessoa", sabendo que quem lê o e-mail identificará a Autora, por saber ser a mesma a visada com a utilização de tais expressões",
k) "O 2º Reu interrompe o decurso dos trabalhos ou as reuniões em que a Autora é a coordenadora, introduzindo assuntas alheios ao que se está a debater, fazendo-o para quebrar a concentração, para desviar os temas do essencial, não deixando a Autora pronunciar-se, usando esta estratégia para impedir a produtividade dos trabalhos e para a poder acusar de não os saber dirigir, questionando a sua competência como cooordenadora e como membro da comissão de trabalhadores "
l) "Com o intuito de impedir a Autora de usar a palavra por diversas vezes o Reu excede largamente o tempo do seu período de intervenção, fazendo leituras de artigos do Código do Trabalho em voz alta, obrigando a colocar termo às reuniões de trabalho por impossibilidade de as continuar, face ao desrespeito por parte do 2º Reu,"
m) "Conforme se referiu supra o 2º Reu, reiteradamente, acusa a Autora de falta de assiduidade, acusando-a de estar ausente das instalações atribuídas à comissão de trabalhadores, com recurso a cinismo faz constar nos e-mails que lhe dirije expressões tais como: "já terá esquecido o trajecto para o local de trabalho...", "folgo em vê-la no seu local de trabalho"
n) "O 2º Reu comprometeu-se a não alterar a disposição dos equipamentos de trabalho da Autora no seu local de trabalho",
42º- E nessa medida, anexa o acordo homologatório alcançado e acima referido,
43º- Ora, não obstante a arguida saber que o que alegava não correspondia à verdade, fazendo-o com único fito de obter vantagem nas eleições para a Comissão de Trabalhadores agendadas conforme supra alegado,
44.º- Não se coibiu de fazer circular por todo o País, entre os Trabalhadores , e do conhecimento dos Sindicatos, acima indicados,
45º- Embora soubesse que o que imputava ao queixoso/assistente como tendo sido assumido por este em sede de Audiência Partes não correspondia à verdade,
46º- E tanto assim o é que quando percebeu o que tinha feito, foi a correr enviar requerimentos aos autos, através da sua mandatária a tentar legitimar o que tinha feito, conforme documento junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido.
47º- Bem sabendo que o que alegava no e-mail, já junto aos autos, não correspondia à verdade, pois nunca o queixoso/assistente assumiu qualquer dos alegados comportamentos que a arguida invocou, porque não os teve, e que faziam parte da sua versão traduzida na Petição Inicial, a qual foi contestada pelo queixoso/assistente.
48º- Porquanto à semelhança do já acima explicitado, o douto tribunal na sentença homologatória/acordo foi bem claro, esclarecendo que o aí vertido não constitui qualquer assunção de culpa ou da prática dos actos imputados por parte do Réu ora queixoso/assistente e que este negou ter tido tais comportamentos , conforme
documento junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido.
49º- E, ainda assim a arguida em novo requerimento insistiu que o tribunal elaborasse despacho em que em rigor lhe permitia "mostrar o mesmo " aos demais, como sendo uma espécie de confissão do queixoso/assistente,
50º- Motivo pelo qual o tribunal indeferindo essa pretensão, emitiu despacho, referindo " A A. insiste, sem qualquer fundamento legal, na prolação de um despacho que o Tribunal nunca proferiu e não vai proferir”.
51º- Ora, o objectivo da arguida foi fazer crer através de um expediente enganoso os demais colegas, que o ora queixoso/assistente, tinha tido os supra citados comportamentos e os tinha assumido em sede judicial,
52º- De modo a que este perante os demais, não só quem tinha votado neste para a Comissão de trabalhadores, como aqueles que não tinham votado, de que o queixoso/assistente, tinha tido os comportamentos aí visados,
53º- E que, por conseguinte, estando na iminência de novas eleições o prejudicar na sua candidatura ao novo mandato para os anos 2020/2024,
54º- Mas não só destinavam-se a ser divulgadas pelos demais colegas, como o foram, e quiçá chegar ao conhecimento da sua entidade empregadora o Banco 1...,
55º- Fazendo passar a imagem, sem margem para dúvidas, de que o queixoso/assistente era uma pessoa sem carácter, que perseguia e implicava com os colegas,
56º- De modo até que estes repensassem eventualmente o seu voto neste, (levando a que este enviasse e-mail a 14 Outubro de 2020 a clarificar a situação], conforme documento já junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido,
57º- Pelo que para tal não se coibiu de lançar falsas acusações, fazendo-as crer como verdadeiras e até assumidas por este em sede judicial, e de modo a tornar verosimel as mesmas, junta inclusive a acta audiência do tribunal,
58º- Esquecendo-se é claro posteriormente de juntar os despachos do tribunal que recaíram sob a sua pretensão conforme acima vertido,
59º- Nessa medida, ao proferir estas acusações a arguida fê-lo em moldes de seriedade, de modo a provocar a convicção nos demais de que os comportamentos que esta aí descrevia tinham sido efectivamente assumidos e confessados pelo queixoso/assistente em sede judicial,
60º- Tendo como único propósito ou melhor atingir o bom nome e a reputação do queixoso/assistente
61º- Agindo de modo premeditado, livre e consciente de que a sua conduta era censurável,
62º- Tanto o é que se refira, mais uma vez, que procurou junto do Tribunal Judicial acima referido obter despacho que legitimasse as suas imputações,
63º- Ora, o queixoso/assistente é uma pessoa educada, respeitada pelos colegas e demais,
64º- E que ocupa um cargo - Membro da Comissão de Trabalhadores do Banco 1..., que implica que este tenha uma conduta irrepreensível, com todos os que com este se cruzam,
65º- E mais tem uma imagem de seriedade competência e educação a manter perante a sua entidade empregadora, colegas e demais,
66º- Sentindo-se naturalmente ultrajado, e melindrado com o teor do e-mail da arguida que pretendia sem mais fazer crer, que efectivamente este teria tido os comportamentos que esta lhe imputa e que os teria confessado,
67º- Pondo em causa a sua palavra, bom nome e honra,
68º- Não se coibindo a arguida, sabendo que tal não correspondia a verdade, de fazer uma ampla divulgação por Portugal inteiro e ilhas, do supra referido e-mail,
69º- Note-se que esta conduta colocou em causa, não só a honra e o nome do queixoso/assistente, como a sua própria saúde,
70º- Tendo mesmo levado a que este tenha que ter estado de baixa médica, face ao estado ansiedade, sem conseguir dormir, conforme documento já junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido.
71º- Pela humilhação que passou, tendo este mesmo vergonha de falar ou cruzar-se com os seus colegas,

ASSIM,
73º- Assim, e pelo exposto cometeu a arguida em autoria material um crime de difamação, nos termos do artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal traduz uma medida restritiva da liberdade de expressão, conferindo tutela penal ao direito do cidadão à sua integridade moral e aos seus bom nome e reputação, ao estabelecer que comete o crime de difamação "quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”.
74º- O bem jurídico protegido com a incriminação é a honra (que respeita mais a um juízo de si sobre si) e a consideração (que se traduz, normalmente, num juízo dos outros sobre alguém) de uma pessoa.
75º- Para Beleza dos Santos, in R. L. J. n° 3152, pág. 167 "A honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa, com legitimidade, ter estima por si, pelo que é e vale". A consideração é, ainda na doutrina daquele autor "aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público". São estes os valores que integram o bem jurídico protegido pelo crime de difamação, sendo certo que a sua consagração constitucional opta pela referência aos conceitos de "bom nome" e "reputação".
76º- Não está em causa a perceção subjetiva que se tem da valia ética individual ou a maior ou menor sensibilidade ao ataque dessa valia mas antes uma perceção, mediada pela sensibilidade comunitária mediana, daquilo que representa o núcleo essencial das ditas condições morais ou requisitos éticos, à luz do princípio da dignidade humana. Nestes termos, "a difamação pode definirse como atribuição a alguém defacto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si uma reprovação ético-social".
77.º Nos termos da lei, o ataque à honra tanto pode ocorrer mediante a imputação de um facto como de um juízo e valor, sendo relativamente pacífico na doutrina e na jurisprudência que um facto será "um acontecimento ou situação pertencente ao passado ou ao presente e suscetível de prova" e um juízo de valor será "toda a afirmação contendo uma apreciação sobre o carácter da vítima que não está inscrita em factos", (segundo Augusto Silva Dias, Alguns Aspetos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e de Injúrias, AAFDL, 1989, pág. 149.)
78.º- Trata-se de um crime de perigo abstrato-concreto, isto é, um crime em que basta a possibilidade de ofensa à honra e consideração, sem necessidade de realização concreta do perigo, mas em que tal perigo terá de ser, concretamente, possível, seja qual for a forma de afirmação ofensiva (através de ironia ou sarcasmo, de forma dubitativa, por mera insinuação, etc.).
79º- A difamação é um crime doloso, sendo suficiente a imputação baseada apenas em dolo eventual (número 3 do artigo 14.e do CP) e é um crime comum.
80.º- Para a verificação do elemento subjetivo do crime de difamação não se exige que o agente queira ofender a honra e consideração alheias, bastando que saiba que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que, consciente dessa perigosidade, não se abstenha de agir: ou seja, basta o dolo eventual. (Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, comentário ao artigo 180.2, n2l, p. 612.).
81.º- Por sua vez, o artigo 183º do C.P. dispõe que “1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º: a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; (...).,
82-.º- Ora dúvidas não subsistem, de que a arguida, usa de e-mail, dirigido a um conjunto vasto de pessoas de modo a facilitar a divulgação do seu - Comunicado,
83.º- Não sendo despiciendo referir que o mesmo poderá ter sido ainda reencaminhado, centenas milhares de vezes entre o leque de trabalhadores do Banco 1... de todo o País,
84º- Pois que, nas ofensas à honra estão sempre em causa dois valores constitucionais de igual valor - a honra e a liberdade de expressão (art.ºs 262 e 372 da CRP), sendo que a prevalência de um deles em cada caso tem sempre que resultar de uma ponderação das circunstâncias do caso concreto, encontrando um equilíbrio que preserve sempre a liberdade de expressão, indispensável à subsistência de uma sociedade democrática, limitada pela proibição do aniquilamento da honra.
85º- Como se sabe, a honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada individuo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior - reputação ou consideração -, traduzida na estima e respeito que a personalidade moral de alguém infunde aos outros e que vai sendo adquirida ao longo dos anos, probidade e lealdade de carácter, protegendo-se a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade", a qual encontra o seu "fundamento essencial" na "irrenunciável dignidade pessoal" ;
86.º- -Refira-se ainda, que e quanto ao elemento subjectivo do crime de difamação a lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efectiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se, com efeito, tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira "ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra], bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminatórias respectivas;
87.º- No que diz respeito ao grau de culpa do agente, o mesmo é elevado sendo que a ofensa não podia ser mais intensa como revelam em concreto sabendo a arguida que ao atuar como atuou, difundindo as afirmações que difundiu, estaria a afetar a imagem, credibilidade e bom nome do queixoso/assistente,
88.º- Consequentemente, a arguida em todas as suas actuações, agiu livre, deliberada e conscientemente, bem ciente de que, com as suas condutas, violava a lei.
Pelo que cometeu a arguida, de um crime de difamação e publicidade prevista e punida pelos artigos 180º nº 1 e 183º al a) e b) do CP
[...]».


4. O referido despacho que constitui o documento com a referência n.º 445911588 (22/03/2023) tem o seguinte teor
«Notifique o assistente AA para, querendo, deduzir acusação particular, em 10 (dez) dias, a contar da presente notificação, nos termos do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Para esse efeito, consideramos existirem indícios suficientes da prática pela arguida JJ dos factos denunciados e que consubstanciam, em abstrato, a prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º do Código Penal.


5. Após dedução da acusação particular, o Ministério Público acompanhou-a, nos moldes seguintes:
«Proceda à formulação de pedido eletrónico de nomeação de defensor oficioso à arguida ao SINOA (Sistema de Informação da Ordem dos Advogados), atento o disposto nos artigos 64º, n.º 3 do Código de Processo Penal e 2º da Portaria n.º 10/2008, de 03.01.
Comunique à arguida a nomeação, com menção da identificação do defensor nomeado, nos termos do artigo 66, n.º 1 do Código de Processo Penal, informando o arguido de que fica obrigado, caso seja condenado, ao pagamento dos honorários do defensor oficioso nomeado, salvo se lhe for concedido apoio judiciário, e de que pode proceder à substituição desse defensor mediante a constituição de advogado, ao abrigo do disposto no artigo 64.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
*
Acusação
O Ministério Público acompanha a acusação deduzida pelo Assistente, AA e, consequentemente acusa para julgamento, em Processo Comum e em Tribunal Singular, nos termos do artigo 285.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Penal,
JJ, id. a fls. 127,
Pelos factos descritos na acusação particular a fls. 421-440 e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
Pelo exposto, JJ cometeu, como autora e a título doloso, um crime de difamação, p.p. pelo artigo 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
[...]».


6. O recorrente verbera à decisão supra transcrita (reproduzem-se as «conclusões» com que termina o seu arrazoado):
«[...]
2- O recurso ordinário, é interposto interposto do douto despacho que decidiu não aceitar a acusação particular por manifestamente infundada nos termos do artº 311 nº2 alinea a ) e nº3 al) a do CPP, pois refere que o assistente não identificou a/o agente a quem imputa tais factos, não deduzindo a acusação contra um arguido ou arguida não fazendo constar da acusação qualquer indicação tendente à sua identificação, apenas se referindo, ao longo da acusação, à arguida sem sequer indicar o seu nome, constatando igualmente, é nula, por falta de indicação de elementos tendentes à identificação da arguida
3- Contudo, é certo que acusação tem que conter sob pena de nulidade sanável as indicações que permitam identificar a arguida , pois que em rigor não cumpre de forma completa o que prescreve o artº 283 nº3 al a ) do CPP, porém , contém , as indicações tendentes à identificação inequívoca da arguida , não subsistindo dúvidas que a pessoa acusada é certa e determinada, bastando consultar os autos, onde desde logo na queixa-crime é identificada cabalmente a arguida como JJ , tal identificação acerca da identidade da arguida resulta ainda da própria constituição de arguido, assim como do douto despacho proferido pelo Meritissimo Juiz do Tribunal a quo, com a ref. 445911588, “ Para esse efeito consideramos existirem indícios suficientes da pratica pela arguida JJ dos factos denunciados e que consubstanciam , em abstracto , a prática de um crime de difamação previsto e punido pelo artº 180º do CP”,
4- Basta atentar ainda ao teor da própria acusação particular , mais concretamente o artº 9 da mesma, para duvidas não subsistirem de que é JJ, a pessoa ai identificada como arguida , “A arguida deu entrada de acção judicial declarativa de processo laboral, para tutela de direitos da personalidade ......que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia, juiz 2, Proc nº 5039/20.7T8VNG”, constando dos autos certidão judicial que indica inequivocamente quem é ai a Autora e consequentemente aqui arguida, bem como é indicado na acusação particular ora rejeitada , o e-mail da arguida: JJ@Banco 1....pt, ,resultando a sua identificação ainda inequivocamente de toda a prova documental junta aos autos.
5-A acusação particular, foi deduzida tempestivamente, só existindo uma arguida nos autos com esse estatuto processual ,
6º-O aqui recorrente invocou perante o tribunal a quo (após ser notificado pelo douto tribunal a quo da decisão em apreço), que quanto muito se entende que a existir na acusação em causa uma deficiência formal é sempre possível corrigi-la (artigo 249.º do CC), sem que esse facto viole o princípio da independência do Juiz em relação às partes, face do principio geral de aproveitamento dos actos e de prevalência das questões de substancia em detrimento das objecções de forma, solicitando assim a recepção da acusação particular , que até a data ainda não foi alvo de despacho
7º-Sucede que ainda assim,face a todos os elementos constantes dos autos, é possível aferir com absoluta certeza a identificação cabal da arguida JJ, tanto assim o é, que a Dignissima Procuradora no despacho proferido nº 446747486, não tem qualquer dificuldade em referir que “Para esse efeito consideramos existirem indícios suficientes da pratica pela arguida JJ, dos factos denunciados e que consubstanciam em abstracto, a prática de um crime de difamação , p.p pelo artº 180 do Código Penal”,
8º- O douto tribunal a quo, deveria ter determinado a rectificação da acusação particular e nunca à sua rejeição, pois tal não passou de um erro material (artº 249 do CC), absolutamente revelado no próprio contexto da declaração, até porque a existir na acusação uma deficiência formal é sempre possível corrigir a mesma , sem que esse facto viole o principio da independencia do juiz em relação as partes.
9º- Ademais, a nulidade a que o douto tribunal a quo alude nos termos do artº 283 nº3 alinea a) , do CPP, não é insanável , uma vez que como tal não é referida no preceito, nem está abrangida na enumeração taxativa do artº 119 do CPP; E não só as alíneas a) b) e c) do nº3 do artº 311 do CPP, são nitidamente casos de nulidade da acusação, constituindo a alínea d) o único caso de verdadeira acusação manifestamente infundada.
10º- É que, ao contrário do preconizado pelo douto tribunal a quo, questão manifestamente diferente é a rejeição da acusação por manifestamente infudada, e a simples existência de um erro ou lapso na acusação, relativamente à identificação da arguida.
11º- Pois que, nos termos do artº 380 nº1 al a ) e nº3 do CPP, o Tribunal procede oficiosamente ou a requerimento, à correcção dos actos decisórios previstos no artº 97 do CPP, quando contiverem “erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação substancial”, o que não sucedeu, levando a que a rejeição da acusação particular, como foi feita pelo Tribunal a quo, crie um desproporcionado obstáculo no acesso ao direito, que não se coadnuna com o artº 20 da CRP.
12º- É que à lei basta-se com uma identificação que permita ter por seguro que o individuo acusado é um certo e determinado. Porém dúvidas não subsistem perante todos os elementos dos autos acerca de quem é a única arguida nos mesmos.
13º-Motivo pelo qual devia/podia o Tribunal a quo, ou suprir oficiosamente essa deficiência nos termos do artº 97 do CPP, ou notificar o assistente para querendo vir corrigir o lapso de escrita o que não fez, ao invés decidiu rejeitar a mesma por a considerar manifestamente infundada o que como já se referiu não é o caso, não podendo assim cuminar a nulidade da mesma como sendo insanável porquanto tal nem sequer está previsto na lei mais concretamente no art283 n º3 alinea a) , do CPP, uma vez que como tal não é referida no preceito, nem está abrangida na enumeração taxativa do artº 119 do CPP,
14º- A acusação particular não padece assim da nulidade a que alude o artº 283 nº 3 al a) do CPP, nem é manifestamente infundada nos termos do artº 311 nº 2 al a ) e nº3 al a) do CPP

Termos em que,
deve ser revogado o despacho proferido pelo douto tribunal a quo, ordenando-se a sua substituição por um outro, em que o douto tribunal a quo rectifique o lapso material de escrita constante da acusação nos termos ai consignados.
[...]».


7. Em resposta, defende o Ministério Público junto da 1.ª instância o acerto da decisão recorrida, pugnando pela improcedência do presente recurso.
8. Por seu turno, em resposta ao recurso interposto pelo assistente, conclui a arguida nos autos as suas alegações nos moldes seguintes:
«Por todo o exposto, a acusação particular é manifestamente infundada, não só porque não contém a identificação de um arguido, mas também, porque os factos imputados não têm a virtualidade de constituírem crime.
Nem a imaginação prodigiosa do Assistente em relação às ilações que ele (e só ele) pretende retirar da circunstância de ter sido publicado o conteúdo de uma sentença judicial homologatória, tornam possível o preenchimento do tipo (objectivo e subjectivo) do crime em causa.
Posto o que precede, devem assim improceder as conclusões da motivação de recurso interposto pelo Recorrente/Assistente, impondo-se a manutenção do douto despacho recorrido, rejeitando-se a acusação particular por manifestamente infundada, face ao disposto na alínea a) do n.º 2 e alíneas a) e d) do n.º 3, do artigo 311º do Código de Processo Penal.
[...]».


9. O Ministério Público junto deste Tribunal, aderindo às alegações do Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, pronunciou-se nos termos a seguir reproduzidos, pugnando, também, pela improcedência do presente recurso:
«[...]
Sobre as questões suscitadas, subscrevemos a argumentação do despacho recorrido, bem como a da Magistrada do Ministério Público junto do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia e a da arguida.
Conforme admite o próprio recorrente, na acusação particular omitiu a identificação da pessoa a quem pretendia imputar o crime de difamação, pelo que dúvidas não subsistem de que foi violado o disposto na alínea a), do n.º 3, do art.º 283.º do Código de Processo Penal, aplicável à acusação particular por força do estatuído no art.º 285.º, n.º 3, do mesmo diploma.
A violação em causa, tal como se impõe no art.º 311.º, n.º 3, alínea a), também do Código de Processo Penal levou à rejeição da acusação particular por a mesma ser manifestamente infundada.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao Código de Processo Penal, 2.ª edição, pág. 790.
A acusação deve contar os "elementos tendentes" à identificação do arguido, isto é, todos os elementos disponíveis nos autos que permitam a identificação e localização do arguido, ainda que não haja certeza dos mesmos. Assim, a acusação em que se indique apenas o nome, o estado civil e a última morada conhecida do arguido não padece de qualquer insuficiência (acórdão do TRE, de 27.6.2000, in CJ, XXV, 3, 280, e acórdão do TRP, de 15.9.2004, in CJ, XXIX, 4, 207), o mesmo se podendo dizer da acusação em que se indique o nome do arguido, com remissão dos demais elementos identificativos para peça constante no processo (unanimemente, acórdão do TRE de 10.11.1999, in CJ, XXIV, 5, 228, acórdão do TRL, de 26.9.2001, in CJ, XXVI, 4, 135, acórdão do TRC, de 21.4.2004, in CJ, XXIX, 2, 51, e acórdão do TRG, de 8.12.2004, in CJ, XXIX, 5, 295). Mas a acusação em que falte qualquer menção à identidade da arguida deve ser rejeitada (acórdão do TRE, de 2.11.2002, in CJ, XXVII, 5, 250), como o deve ser também a acusação em que consta apenas o nome incompleto da arguida e a sua morada (admitindo, contudo, o acórdão do TRL, de 28.9.2000, in CJ, XXV, 4, 142, a sanação do vício se a arguida, notificada, nada requereu).
No que se refere ao argumento do recorrente no sentido de que a omissão total da identificação da arguida constitui apenas um erro material e que o Tribunal não poderia ter cominado com a nulidade da mesma como sendo insanável porquanto tal nem sequer está previsto na lei mais concretamente no art 283 nº3 alínea a), do CPP, uma vez que como tal não é referida no preceito, nem está abrangida na enumeração taxativa do artº 119 do CPP, afigura-se-nos pertinente convocar o que se decidiu neste Tribunal, in Ac. Rel. Porto de 19- 10-2022, proferido no processo n.º 192/20.2T9MCN.P1(1) [(1) – Consultável em: www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/229140e6c399fbca80258958004c05cd?OpenDocument] a propósito da nulidade da acusação,

I – A nulidade da acusação pública não é de conhecimento oficioso, nem se trata de nulidade insanável, estando sujeita ao regime de arguição e de sanação legalmente previstos.
II – No entanto, os fundamentos da nulidade da acusação previstos nas alíneas a), b) e c)do n.º 3, do artigo 283.º, do Código Processo Penal, são coincidentes com os fundamentos de rejeição da acusação, por manifestamente infundada, no âmbito do despacho judicial que inicia a fase do julgamento, nos termos consignados no artigo311.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alíneas a), b) e c), do Código Processo Penal, sendo estas matérias de conhecimento oficioso do tribunal, motivo pelo qual tem sido considerado que está em causa uma invalidade atípica, dado que deve ser arguida, mas também pode ser conhecida “ ex oficio”, no momento em que a acusação é recebida.
III – Tal motivou o entendimento jurisprudencial que considera a nulidade da acusação, nomeadamente por falta de narração de factos, de conhecimento oficioso, e, em decorrência, que pode ser conhecida a todo o tempo, enquanto a decisão final não transitar em julgado, interpretação que o texto legal não consente, uma vez que a citada norma legal consagra regime especial de conhecimento de matérias que integram causa de nulidade de acusação, o qual não corresponde e não pode ser confundido com o regime das nulidades previsto no artigo 119.º do Código Processo Penal.
No mesmo sentido, veja-se o Ac. Rel. Porto de 8-04-2015, proferido no processo n.º 134/13.1GASPJ.C1.P1(2) [(2) – Consultável em: www.dgsi.pt/ jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/525b93a8563c13d280257e2f00475bd0?OpenDocument].
I - Se a acusação é omissa quanto a um dos elementos objectivos do crime imputado ao arguido não só é nula, como manifestamente infundada e como tal devia ter sido rejeitada.
Por todo o exposto, também entendemos que deverá manter-se o despacho recorrido improcedendo o recurso do assistente.
[...]».


10. Cumpridos os legais trâmites importa decidir.

II
11. O presente recurso merece provimento.
12. 1. A acusação particular deduzida nos autos contém, não obstante a sua deficiente conceção, os elementos indispensáveis «tendentes à identificação do arguido».
13. a) Decorre expressamente da lei que a acusação, pública e particular, tem sempre de conter, «sob pena de nulidade», «[a]s indicações tendentes à identificação do arguido» (cf. artigos 283.º, n.º 3, alínea a), e 284.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
14. Tal exigência e consequência são fáceis de compreender: por força do princípio acusatório que estrutura o nosso processo penal, o julgador apenas pode «investigar e julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado» (assim, por todos, Figueiredo Dias, Direito processual penal, reimpr., 2004, pp. 136-137; Claus Roxin/Bernd Schünemann, Strafverfahrensrecht, § 13, n.ºs m. 4-6), efeito de vinculação temática este que naturalmente se estende não apenas aos factos que integrem o objeto do processo, mas igualmente à pessoa do seu (alegado) agente (ou agentes).
15. Por isso mesmo, a falta de identificação do agente do crime, ou dos factos que alegadamente praticou ele, impede que a acusação cumpra adequadamente a função de delimitação (do objeto do processo e de identificação da pessoa do arguido contra quem o processo se dirige) que lhe cabe assegurar (a propósito, vd., por outros, C. Roxin/B. Schünemann, cit., § 40, n.º m. 12; Werner Beulke/Sabine Swoboda, Strafprozessrecht, § 13, n.º m. 285); como sublinham paradigmaticamente os dois últimos autores indicados, se não for claro em relação a que pessoa e a que concretos factos a acusação se refere, não pode dizer-se que exista uma acusação válida.
16. Este, portanto, até pelos seus efeitos gravosos, o critério da invalidade prevista no artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, por referência à respetiva alínea a): esta só se verificará quando, a partir do seu texto, ou da articulação entre este e outros elementos constantes dos autos para que ela inequivocamente remeta, não seja possível determinar, sem margem para dúvidas, contra quem uma acusação (pública ou particular) é formulada. Ou, dito de outro modo, quando de todo em todo a acusação não possa cumprir minimamente a sua aludida função de delimitação e, dessa forma, servir de baliza à subsequente atividade (porventura também investigatória) do Tribunal de julgamento.
17. Sendo assim as coisas, não é apenas a acusação que contenha expressamente todos os elementos de identificação previstos no artigo 141.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (cf., ainda, o artigo 342.º, n.º 1, do mesmo corpo de normas) que poderá ser considerada válida.
18. Desde logo, uma tal conclusão é manifestamente contrariada pela própria expressão que a lei emprega para se referir à identificação do arguido na acusação: limitando-se, como se limita, a exigir a inclusão das «indicações tendentes» a realizar tal identificação, afigura-se inequívoco que desta forma se pretendeu acautelar todas as situações em que, precisamente, não é possível apurar, com exatidão, todos e cada um dos elementos de identificação civil de um arguido (ou mesmo quaisquer desses elementos), bastando, nesse caso, a inclusão das «indicações» que estejam disponíveis e que minimamente o identifiquem (vd., a propósito, João Conde Correia, anotação ao artigo 283.º do Código de Processo Penal, no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, t. III, § 18, pp. 1195-1196).
19. Por outro lado, são imagináveis várias formas de identificação do arguido contra quem a acusação é formulada que não passam, necessariamente, pela inclusão de todos (ou mesmo alguns, como se acabou de ver), dos seus elementos de identificação civil (e criminal), sem que, com isso, a final, subsistam dúvidas quanto a saber contra quem foi apresentado o libelo acusatório. Em todos estes casos, a eventual imperfeição técnica da acusação, embora seja infeliz e deva ser evitada, não deverá, porém, conduzir à sua invalidade.
20. b) No caso dos autos, e bem vistas as coisas, nenhuma dúvida pode subsistir quanto à identidade da pessoa contra quem a acusação particular apresentada pelo assistente foi deduzida.
21. Em primeiro lugar, o processo, desde a sua origem, foi dirigido apenas contra uma, e só uma, pessoa – a aqui arguida JJ – a quem foram imputados os factos objeto de queixa e sobre cuja identidade nenhuma dúvida se suscitou, fosse em que momento fosse; nessa conformidade, e além do mais, foi aquela constituída arguida nos autos, prestou oportunamente termo de identidade e residência, e foi ouvida na referida qualidade no decurso do inquérito (cf. fls. 127-128 e segs.).
22. Em segundo lugar, a acusação particular deduzida nos autos foi apresentada na sequência do despacho supratranscrito no parágrafo 4, no qual o Ministério Público concluía «considera[r] existirem indícios suficientes da prática pela arguida JJ dos factos denunciados e que consubstanciam, em abstrato, a prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º do Código Penal».
23. Nestas circunstâncias, ao convocar (embora identificando erroneamente a respetiva referência) tal despacho, a acusação particular não pode ser interpretada senão como uma resposta à notificação recebida, e como um libelo pensado e dirigido contra quem o próprio Ministério Público identifica como sendo eventualmente responsável pela prática do crime de difamação que o assistente posteriormente lhe imputou.
24. E sendo as coisas assim, não se vislumbra contra quem mais poderia ter sido deduzida a acusação apresentada pelo assistente, tendo até em atenção o seu respetivo teor: com efeito, e em terceiro lugar, a acusação particular deduzida nos autos está recheada de referências que permitem identificar perfeitamente contra quem foi ela deduzida.
25. É assim seguro que se dirige contra pessoa que é «colega de trabalho» do assistente, que, com ele, «integra a Comissão de Trabalhadores da entidade bancária identificada [«Banco 1...»], tendo já estado em funções no mandato de 2012 a 2016, e no de 2016 a 2020», que tal «como o queixoso/assistente, [...] também pertence à supra citada Comissão de Trabalhadores» (parágrafos 2 a 5 da acusação), que – o que é mais significativo – intentou, contra o mesmo assistente, uma «acção judicial declarativa especial de Processo Laboral, para tutela de Direitos de Personalidade (...) contra o denunciante, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Vila Nova Gaia, juiz 2, Proc nº 5039/20.7T8VNG» (parágrafo 9 da acusação), litígio que «terminou em sede Audiência de Partes, por acordo homologado e transitado em julgado, entre queixoso/assistente e arguida, em 9 Setembro de 2020, conforme documento já junto aos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido» (parágrafo 21 da acusação; cf. fls. 167 e segs.), sendo que a conduta que lhe é atribuída corresponde, no essencial, à divulgação do comportamento de que se queixou ela na aludida ação judicial (parágrafos 40 e 41 da acusação).
26. Para além de tudo o mais, pois, a simples remissão para a ação judicial atrás mencionada, constante da acusação, e a consulta dos pertinentes documentos, que se mostram juntos aos autos, sempre permitiria saber a quem imputa o assistente os factos pelos quais deduziu acusação particular neste processo.
27. Finalmente, e em quarto lugar, importa não olvidar que o Ministério Público, após a dedução da acusação particular, resolveu, igualmente, formular acusação contra a arguida nos autos, nos moldes constantes do despacho reproduzido supra, no parágrafo 5, onde expressamente identifica a pessoa contra quem a acusação é formulada («JJ, id. a fls. 127»), e sustenta a posição assumida por remissão para a factualidade melhor descrita na acusação particular do assistente («[p]elos factos descritos na acusação particular a fls. 421-440 e que aqui se dá por integralmente reproduzida»).
28. Ponderando todas as mencionadas circunstâncias, afigura-se-nos que a acusação particular deduzida nos autos, por si e em conjugação com todos os elementos contextuais que atrás se referiram, contém assim «[a]s indicações tendentes à identificação do arguido» (cf. artigos 283.º, n.º 3, alínea a), e 284.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), porquanto cumpre ainda, minimamente, a função de delimitação que, com a exigência da inclusão de tais «indicações», pretendeu o legislador que a acusação assegurasse. Procede, pois, o recurso interposto.
29. 2. O recorrente e o Ministério Público não suportam quaisquer custas (artigos 515.º, n.º 1, alínea b), a contrario, 522.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o mesmo ocorrendo com a arguida (artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do mesmo corpo de normas).

III
30. Pelo exposto, acordam os da 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto em, julgando procedente o presente recurso, revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que, nada mais obstando, receba a acusação particular deduzida nos autos e ordene o mais que for cabido no caso.

31. Sem custas (artigos 513.º, n.º 1, a contrario, 515.º, n.º 1, alínea b), a contrario, e 522.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).




Porto, 8 de fevereiro de 2024.
Pedro M. Menezes
Castela Rio
Paula Guerreiro
(acórdão assinado digitalmente).