Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ALBERTO TAVEIRA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO REGULARIZAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE LITÍGIOS PROTOCOLO SEGURADORA LESADO INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202409106297/23.0T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O Protocolo IDS, “tem como finalidade acelerar a regularização de sinistros automóveis e simplificar os reembolsos entre as signatárias”. II - O Protocolo não passa de um instrumento negocial que apenas envolve as seguradoras que a subscreveram. Os sinistrados, apenas reflexamente beneficiam de tal Protocolo, pois que o mesmo visa operacionalizar (rectius “simplificar”, nos seus dizeres) em primeira linha os interesses das seguradoras. III - Somente com o pagamento da indemnização cessa o dano. Somente em tal data cessa o dano da privação do uso da viatura da A. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | PROC. N.º[1] 6297/23.0T8VNG.P1 * Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 2
RELAÇÃO N.º 159 Relator: Alberto Taveira Adjuntos: Rui Moreira João Diogo Rodrigues * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO * AS PARTES A.: A..., UNIPESSOAL, LDA. R.: B... S.A. * A[2] A. Intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a R. pedindo que a acção seja julgada provada e procedente e, em consequência, a ré seja condenada a pagar à autora a quantia de € 29.930,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, assim como € 30,00 diários desde a propositura da acção até integral e efectivo pagamento. Para o efeito, a autora alegou que o veículo seguro na ré provocou um acidente de viação que lhe causou os prejuízos cuja indemnização peticiona. A ré, por seu turno, aceitando a dinâmica do acidente alegada pela autora e a imputação da responsabilidade da ocorrência do mesmo ao veículo nela seguro, coloca em causa os danos alegados pela autora. ** * Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgou parcialmente procedente a demanda, nos seguintes termos: “Em face do exposto, decido julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência: a) Condenar a ré a pagar à autora € 8.730 (oito mil, setecentos e trinta euros), quantia acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento. b) Absolver a ré do demais peticionado pela autora. c) Condenar a autora e a ré no pagamento das custas processuais na proporção dos respectivos decaimentos, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil.“. * A A., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte: “Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Venerandas Excelências, se requer, seja dado inteiro provimento ao presente recurso, consequentemente se revogando a decisão recorrida na parte em que é fixada a indemnização de € 2.010,00 (dois mil e dez euros), pela privação do veículo automóvel da Recorrente, sendo substituída por outra que condene a Recorrida no pagamento à Recorrente de uma indemnização por aqueles mesmos danos de privação de uso, no montante de € 21.810,00 (vinte e um mil oitocentos e dez euros), desde a data do acidente até à propositura da ação, e de € 30,00 (trinta euros), desde aquela data até efetivo e integral pagamento e, por último, condenar a Recorrida no pagamento à Recorrente de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), pela falta de apresentação de uma proposta razoável, assim se fazendo plena, como ela o é, Justiça!“. * A recorrente apresenta as seguintes CONCLUSÕES: “1 – A Recorrente veio propor a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a aqui R/Recorrida, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia total de € 6.720,00 (seis mil setecentos e vinte euros), acrescido de € 21.810,00 (vinte e um mil oitocentos e dez euros), a título de privação do uso, desde a data do acidente até à data da propositura da ação, bem como na quantia diária de € 30,00 (trinta euros), desde a data do acidente até efetivo e integral pagamento, e, por último, na quantia de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros) pela falta de apresentação da proposta razoável. 2 – Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com a consequente produção de prova. 3 – Em face da fundamentação sufragada na douta sentença ora sob censura, não pode a Recorrente aceitar a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo. 4 – O presente recurso versa, única e exclusivamente, sobre a matéria de direito. 5 – Efetivamente, a viatura acidentada da Recorrente encontra-se, desde a data do acidente, por facto imputável à Recorrida, paralisada. 6 – Em face da fundamentação sufragada na douta sentença ora sob censura, não pode a Recorrente aceitar a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo. 7 – O presente recurso versa, única e exclusivamente, sobre a matéria de direito. 8 – O acidente relatado nos autos foi participado às companhias de seguros, tendo sido regularizado ao abrigo da convenção IDS. 9 – No seguimento da participação do sinistro, a seguradora da Recorrente considerou a viatura automóvel da Recorrente em situação de perda total, atribuindo-lhe um valor de € 5.600,00 (cinco mil e seiscentos euros), no entanto, não contemplou a majoração de 120%. 10 – A Recorrente apresentou uma contraproposta, onde considerou os 120%, atribuindo o valor à sua viatura no montante de € 6.720,00 (seis mil setecentos e vinte euros). 11 – Valor que a seguradora da Recorrente não aceitou, tendo cessado o protocolo IDS e remetido o processo à congénere, aqui Recorrida. 12 – A Recorrida não entrou em contacto com a Recorrente, nem apresentou qualquer proposta, e, com base no silêncio da Recorrida, a Recorrente deu entrada da presente ação, pedindo a condenação desta no pagamento dos montantes referidos em 1 das presentes conclusões. 13 – A Recorrida, na sua contestação, aceitou o valor da viatura apresentado pela Recorrente, assim como aceitou o valor diário de € 30,00 (trinta euros) pela privação do uso da viatura, contudo limitado temporalmente à data em que a segurada da Recorrente apresentou-lhe a proposta, 11 de Outubro de 2021. 14 – Foi realizada a audiência de julgamento, tendo sido dado como provada toda a matéria alegada pela Recorrente. 15 – Não obstante, o Tribunal a quo decidiu apenas condenar a Recorrida, para além do valor da viatura, € 6.720,00 (seis mil setecentos e vinte euros), no pagamento de € 2.010,00 (dois mil e dez euros), a título de privação do uso, desde a data do acidente, 6 de Agosto de 2021, até ao dia 11 de Outubro de 2021, data em que, segundo aquele Insigne Tribunal, a seguradora da Recorrente apresentou a proposta de pagamento de € 5.600,00 (cinco mil e seiscentos euros). 16 – Ora, o Tribunal a quo fez tábua rasa ao que dispõe o artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 291/2007. 17 – Por força da aplicação daquele normativo legal, a Recorrente tem direito a um veículo de substituição ou, em caso de perda total, aquele direito cessa quando a companhia de seguros coloca à disposição do sinistrado o pagamento da indemnização (n.º 2 do artigo 42.º). 18 – Sucede, porém, que a Recorrida, em momento algum, colocou à disposição da Recorrente o pagamento daquela indemnização. 19 – Encontra-se demonstrado nos autos que a Recorrente ainda tem a sua viatura automóvel imobilizada por força do acidente, não lhe tendo sido colocada à disposição pela Recorrida uma viatura automóvel que a substituísse. 20 – Assim sendo, é responsável pelo pagamento da indemnização pela privação do uso, desde a data do acidente, 6 de Agosto de 2021, até efetivo e integral pagamento, no montante diário de € 30,00 (trinta euros). 21 – A privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito. 22 – A isto acresce o facto de a viatura automóvel acidentada ser um veículo que se encontrava ao serviço do escopo social da Autora. 23 – Quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação (artigo 562.º do Código Civil), sendo certo que a obrigação de indemnização só existe relativamente aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563.º do Código Civil), compreendendo o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artigo 566.º n.º 2 do Código Civil). 24 – A propósito do segmento da pretensão do aqui Recorrente, não se pode ignorar que a privação do uso do veículo automóvel da Recorrente, desacompanhada da sua substituição por outro veículo de idênticas características ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflete o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” dos poderes inerentes ao proprietário. 25 – De acordo com o vertido, na avaliação do dano, deve-se procurar alcançar uma reconstituição efetiva, por equivalente ao valor em dinheiro, que corresponda ao montante dos danos. 26 – A sua quantificação depende, porém, de muitos fatores, designadamente da utilidade que era dada à viatura acidentada, neste caso, sendo uma viatura automóvel utilizada pela gerência da Autora, todas as despesas que se mantiveram no período da paralisação e o lucro que a Recorrente deixou de auferir motivado pela privação do uso. 27 – E com base nestes fatores, entendeu o Tribunal a quo, até porque a Recorrida aceitou no seu articulado impugnatório, atribuir o valor diário de € 30,00 (trinta euros), pelo paralisação diária da viatura automóvel da Autora, 28 – E, nessa medida, não é desajustado o pagamento à Recorrente por parte da Recorrida da quantia total de € 21.810,00 (vinte e um mil e oitocentos e dez euros), desde a data do acidente até à data da propositura da ação, acrescido da quantia diária de € 30,00 (trinta euros), desde aquela data, até efetivo e integral pagamento. 29 – Acresce que a Recorrida não colocou à disposição da Recorrente o valor da indemnização e, nessa medida, mantém-se a sua obrigação em indemnizar a Recorrente, a título de privação do uso da viatura automóvel. 30 – A Recorrida apesar de aceitar os valores propostos pela Recorrente no seu articulado impugnatório, não colocou à disposição desta o valor da indemnização. 31 – Motivo pelo qual não conseguimos perceber o raciocínio legal realizado pelo Tribunal a quo ao atribuir a paralisação desde a data do acidente até à data em que a seguradora da Recorrente lhe apresentou a proposta que, entretanto, foi rejeitada, contrariando o que dispõe no Decreto-Lei n.º 291/2007. 32 – Deste modo, deverá ser alterada a sentença sob análise, por não ter sido valorado, corretamente, o dano sofrido pela Recorrente com a privação do uso da sua viatura automóvel, em virtude do sinistro da responsabilidade da Recorrida. 33 – Deverá a sentença recorrida ser revogada na parte em que é fixada a quantia de € 2.010,00 (dois mil e dez euros) a título de privação do uso, substituindo-a por outra que condene a Recorrida no no montante de € 21.810,00 (vinte e um mil oitocentos e dez euros), desde a data do acidente até à data da propositura da ação, e ainda a quantia diária de € 30,00 (trinta euros), desde aquela data até efetivo e integral pagamento, a título de privação do uso de viatura. 34 – Por último, ser a sentença revogada na parte em que não considerou a falta de apresentação de uma proposta razoável, substituindo-a por outra que condene a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), pela falta de apresentação de proposta razoável.“. * A R. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. *** * O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes: A) Nos termos do artigo 42.º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, a obrigação de veículo de substituição cessa quando a companhia de seguros apresenta proposta de indemnização, correspondendo tal a colocar “à disposição do lesado o pagamento da indemnização”. B) Da indemnização decorrente da não apresentação de proposta razoável. ** * A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade. “A - Factos provados 1. No dia 6 de Agosto de 2021, pelas 20 horas e 30 minutos, no entroncamento da Rua ... com a Rua ..., na freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, ocorreu um acidente de viação. 2. Foram intervenientes neste acidente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca BMW, com a matrícula ..-OU-.., e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen, modelo ..., com a matrícula ..-FE-.., doravante designados OU e FE respectivamente. 3. À data do acidente, a Autora afectava o veículo FE, afecta à gerência da sociedade - designadamente, para se deslocar a fornecedores e a clientes - e outra viatura era utilizada por um funcionário da autora com as funções de vendedor. 4. A viatura FE estava segurada na Companhia de Seguros C... PLC, através da apólice com o número .... 5. O veículo OU encontrava-se segurado na companhia de seguros B..., SA, aqui Ré, através da apólice com o número .... 6. O veículo FE circulava na Rua ..., em ..., Vila Nova de Gaia. 7. O veículo OU seguia na Rua ..., em direção à Rua ..., onde circulava a viatura da Autora. 8. Antes da intercepção com o referido entroncamento, na Rua ..., existe um sinal vertical Stop. 9. O condutor do veículo OU não parou imediatamente antes da entrada no entroncamento com a Rua ..., motivo pelo qual, no aludido entroncamento, embateu no veículo FE. 10. O embate deu-se entre a frente direita do veículo OU e a frente e lateral esquerda do veículo FE. 11. Como consequência do embate, o veículo FE ficou danificado na frente e na parte lateral esquerda, assim como na suspensão esquerda, manga de eixo e longarina. 12. Em virtude do embate, o veículo FE ficou imobilizado na artéria onde circulava, tendo sido transportado para uma oficina. 13. O veículo OU encontrava-se, à data dos factos, segurado na ré por contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice .... 14. O veículo da Autora encontrava-se segurado na Companhia de Seguros C... PLC, por contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice .... 15. O acidente descrito foi participado às respectivas companhias de seguros. 16. Ao processo de sinistro foi aplicada a convenção lDS (Indemnização Direta ao Segurado). 17. A Autora recebeu uma missiva da sua seguradora C..., datada de 18 de Agosto de 2021, que considerava o veículo FE em situação de perda total e lhe atribuía o valor de € 5.600,00. 18. O salvado foi avaliado em € 1.010,00. 19. Na sequência daquela missiva, a Autora comunicou à gestora do sinistro a sua discordância em relação ao valor proposto. 20. Ao valor do veículo FE proposto pela seguradora C..., autora contropropôs o valor de € 6.720,00, ou seja, mais € 1.120,00. 21. A companhia de seguros C... apenas respondeu no dia 11 de Outubro de 2021, quase dois meses após o envio da referida contraproposta, comunicando a rejeição do valor proposto pela autora. 22. O veículo FE apresenta um valor de € 6.720.00. 23. No mesmo dia 11 de Outubro de 2021, a C... enviou novo email à Autora, onde refere que enviaria o processo para a aqui Ré, uma vez que não havia acordo quanto aos valores indemnizatórios. 24. No dia 11.10.2021, a C... inseriu na plataforma informática de acesso comum às seguradoras a seguinte informação: “proposta de retirar processo da convenção” – inexistência de Acordo com o segurado e que, em virtude da falta de acordo quanto aos valores indemnizatórios, o processo havia sido encaminhado para a ora ré. 25. Desde então, nem a autora foi contactada pela ré nem a ré foi contactada pela autora. 26. O aluguer diário de um veículo com as características do FE apresenta um custo de, pelo menos, € 30,00. B – Factos não provados A. A C... não remeteu qualquer informação à Ré, designadamente quanto aos valores propostos e não aceites pelo Autor, pelo que a Ré não era conhecedora do motivo da inexistência do acordo.“. ** * A) Nos termos do artigo 42.º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, a obrigação de veículo de substituição cessa quando a companhia de seguros apresenta proposta de indemnização, correspondendo tal a colocar “à disposição do lesado o pagamento da indemnização”. No caso em apreço existe apenas discordância quanto à fixação do momento em que fica desobrigada a companhia de seguros de indemnizar a A. pelo dano da privação de uso da viatura sinistrada. Nenhuma outra questão é colocada nesta sede de recurso. Dispõe o artigo 42.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21.08, com a epígrafe “Veículo de substituição”, o seguinte: “1 - Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores. 2 - No caso de perda total do veículo imobilizado, nos termos e condições do artigo anterior, a obrigação mencionada no número anterior cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização. 3 - A empresa de seguros responsável comunica ao lesado a identificação do local onde o veículo de substituição deve ser levantado e a descrição das condições da sua utilização. 4 - O veículo de substituição deve estar coberto por um seguro de cobertura igual ao seguro existente para o veículo imobilizado, cujo custo fica a cargo da empresa de seguros responsável. 5 - O disposto neste artigo não prejudica o direito de o lesado ser indemnizado, nos termos gerais, no excesso de despesas em que incorreu com transporte em consequência da imobilização do veículo durante o período em que não dispôs do veículo de substituição. 6 - Sempre que a reparação seja efectuada em oficina indicada pelo lesado, a empresa de seguros disponibiliza o veículo de substituição pelo período estritamente necessário à reparação, tal como indicado no relatório da peritagem.”
A primeira instância decidiu que o período da privação do uso da viatura deverá abranger até à “conclusão das negociações entre as partes”, ie, até 11.10.2021. “Se a autora resolveu rejeitar uma proposta de indemnização razoável, não poderá imputar à ré os prejuízos da privação do uso do veículo, pelo menos, a partir do fecho das negociações.” Por sua vez, a apelante entende que a companhia de seguros nunca colocou à sua disposição quantia correspondente à indemnização, nos termos da citada disposição legal. Da factualidade dada como provada, vejamos se procede a pretensão da apelante. Dos pontos de facto 17 a 23, resulta, sem qualquer dúvida, que ocorreu troca de propostas entre a A. e sua companhia de seguros, relativamente ao valor atribuído ao veículo sinistrado – a sua companhia de seguros atribuiu o valor de 5.600€, sendo que a A. entendia ter o valor de 6.720€. Nem a A., nem a sua companhia de seguros, fizeram propostas quanto à indemnização pela privação de usos da viatura. Mais resulta – tal como foi alegado pela companhia de seguros R. – que entre A. e R. tenha havido qualquer apresentação de proposta. Está dada como provado que a companhia de seguros C... (companhia de seguros da A.) informou a A. de que enviou o processo para a aqui R., por não haver acordo quantos aos valores indemnizatórios. Mais está dadocomo provado (ponto 25) que desde 11.10.2021 até à data da propositura da presente acção (03.08.2023), não ocorreu qualquer contacto entre A. e R..
O Protocolo IDS, “tem como finalidade acelerar a regularização de sinistros automóveis e simplificar os reembolsos entre as signatárias” – artigo 2.º. Deste modo, haverá que concluir por Protocolo não passar de um instrumento negocial que apenas envolve as seguradoras que a subscreveram. Os sinistrados, apenas reflexamente beneficiam de tal Protocolo, pois que o mesmo visa operacionalizar (rectius “simplificar”, nos seus dizeres) em primeira linha os interesses das seguradoras. A seguradora do lesado (ali designada como Credora) aparece como uma mera facilitadora ou intermediária no processo indemnizatório de que são partes únicas e verdadeiras o lesado e a seguradora do veículo mediante o qual se provocaram os danos (ali designada como Devedora). Segue-se daqui à evidência que as consequências jurídicas do sinistro se repercutem sempre e apenas na pessoa da seguradora dita Devedora. Neste sentido, Ac Tribunal da Relação de Guimarães 2843/09.0TBVCT.G1, de 07.07.2011, relatado pelo Des MANSO RAÍNHO, dgsi.pt, e Ac do Supremo Tribunal de Justiça 11280/17.2T8LRS.L1.S1, de 04.02.2021, relatado pelo Cons TIBÉRIO NUNES DA SILVA, dgsi.pt, onde se pode ler: “Na realidade, trata-se de acordos entre as seguradoras, no sentido de agilizar o pagamento da indemnização, sendo alheios ao lesado, a quem assiste o direito a ser indemnizado pelo causador do dano, no caso, pela respectiva seguradora, para a qual este transferiu a responsabilidade decorrente dos danos decorrentes da circulação do seu veículo. E à seguradora do lesante – a 1ª Ré, ora Recorrente – se dirigiu, em primeira linha, o Autor. O lesado não pode, pois, ser prejudicado por situações de indefinição entre as seguradoras ou do incorrecto uso de um mecanismo que, visando o rápido pagamento da indemnização, acabe por redundar no contrário e crie espartilhos que não existiriam na relação directa entre o lesado e uma única seguradora.” Por todo o exposto, cai por terra o fundamento exposto na sentença, ao afirmar que ocorreu negociação entre as partes. Os factos dados como provados dizem-nos que houve contactos entre a A. e a sua companhia de seguros C... e que a aqui R. foi completamente alheia a tal.
Ainda assim, o que está para decidir é se este período de tempo, entre 11.10.2021 e 03.08.2023, deverá ser tido em conta para efeitos de atribuição de indemnização a título de indemnização do dano da privação de uso. Ou por outras palavras, o comportamento omisso da A. em não contactar a R. tem como consequência a não reparação de tal dano. Dispõe o artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, o seguinte: “1- Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve: a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar; b) Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior; c) Em caso de necessidade de desmontagem, o tomador do seguro e o segurado ou o terceiro lesado devem ser notificados da data da conclusão das peritagens, as quais devem ser concluídas no prazo máximo dos 12 dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea a); d) Disponibilizar os relatórios das peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão; e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do 12/01/2021 termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico; f) Na comunicação referida na alínea anterior, a empresa de seguros deve mencionar, ainda, que o proprietário do veículo tem a possibilidade de dar ordem de reparação, caso esta deva ter lugar, assumindo este o custo da reparação até ao apuramento das responsabilidades pela empresa de seguros e na medida desse apuramento.” Deste modo, é de concluir por recair sobre a R. o dever de contactar com prontidão o lesado, A.. A redacção do n.º 5 da citada normal é esclarecedora: “A decisão final da empresa de seguros relativa à situação descrita no número anterior deve ser comunicada, por escrito ou por documento electrónico, ao tomador do seguro ou ao segurado, no prazo de dois dias úteis após a apresentação por estes das informações aí mencionadas”. Mais é a companhia de seguros obrigada a proceder ao pagamento da indemnização no prazo de oito dias úteis – artigo 43.º, n.º 1 do citado diploma legal.
Face a Lei aplicável aos autos e de acordo com os factos provados, somente com o pagamento da indemnização cessa o dano. Somente em tal data cessa o dano da privação do uso da viatura da A.. Com efeito, nos termos do artigo 562.º do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Acompanhando aqui o citado Ac do Supremo Tribunal de Justiça, em abono do afirmado: “No Ac. do STJ de 11-12-2012, Rel. Fernando Bento, Proc. 549/05.9TBCBR-A.C1.S1, publicado em www.dgsi.pt, concluiu-se que (com destaque nosso a negrito): «II - A inutilização e perda total de veículo confere ao seu proprietário não só o direito à sua substituição, ou indemnização pelo respectivo valor, como também a ser indemnizado pelo uso de que foi privado no período compreendido desde a data do acidente até à data de entrega do veículo de substituição ou pagamento daquela indemnização (privação do uso).» E, no Ac. do STJ de 05-07-2018, Rel. Abrantes Geraldes, Proc. 176/13.7T2AVR.P1.S1, em www.dgsi.pt, consignou-se que (com destaque nosso): «IV. Independentemente da resposta à questão da ressarcibilidade do dano da privação do uso como dano autónomo de natureza patrimonial, o facto de o veículo sinistrado ser usado pelo lesado no seu quotidiano profissional e na sua vida particular não pode deixar de determinar a atribuição daquela indemnização respeitante ao período em que perdurou a privação do uso da viatura […]» Ora, a aplicação dos princípios estabelecidos nos arts. 562º e segs. do C. Civil leva a que seja tida em consideração, para efeitos indemnizatórios, a privação do uso desde o momento em que esta se verifique, tal como sucede com os restantes danos causados pelo acidente, preenchidos que estejam todos os requisitos da responsabilidade civil, o que se distingue do momento a partir do qual possa a seguradora fornecer um veículo de substituição, que, neste caso, nem foi facultado. Reflexo dessa distinção surge, por exemplo, no art. 42º do citado DL 291/2007, de 21-08, em cujo nº 5 se estabelece o direito de o lesado ser indemnizado, em termos gerais, pelas despesas em que incorreu devido à imobilização do seu veículo fora do período em que não tenha disposto de veículo de substituição.“ Por fim, Ac Tribunal da Relação do Porto 1080/19.0T8GDM.P1, de 11.01.2021, relatado pelo des JOAQUIM MOURA, dgsi, sumariado, “A lesada que ficou privada do uso da sua viatura automóvel, e não lhe foi disponibilizado veículo de substituição, tem direito a ser indemnizada por esse dano enquanto o responsável não lhe entregar o valor indemnizatório que permita repor a situação patrimonial que tinha no momento anterior à lesão.” Pelo exposto, não tendo a R. companhia de seguros apresentado à A. qualquer proposta, incumpriu o dever que lhe é imposto pela normal legal, pois tudo o que passou no âmbito do Protocolo IDS, é ineficaz para a A.. Por último, tal como resulta da factualidade dada como provada, entre A. e a sua companhia de seguros, no âmbito da troca de correspondência, nenhuma proposta foi apresentada quanto a este dano. Em consequência, é devida indemnização à A. pela privação do uso até ao momento do efectivo pagamento da quantia indemnizatória devida. ** * B) Da indemnização decorrente da não apresentação de proposta razoável. Argumenta a apelante que lhe é devida indemnização de 100€ diários, computando o valor em 1.400€, por a R. não lhe ter apresentado proposta razoável, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21.08. Dispõe o citado artigo o seguinte: “Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.os 1 dos artigos 38.º e 39.º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada ia de atraso.“ Assiste razão à apelante. Com efeito, é considerada como proposta razoável “aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”. Tal como ficou atrás afirmado, recaía sobre a R. companhia de seguros, após a comunicação do sinistro na sequência da decisão final da companhia de seguros C... no âmbito do Protocolo IDS, o dever de “Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico”, alínea e) do n.º 1 do artigo 36.º do citado diploma legal. Não tendo a R. companhia de seguros apresentado à A. proposta razoável que a Lei lhe impõe, incorre em responsabilidade civil nos termos da Lei, que no caso é peticionado o valor de 1.400,00€. * A estas quantias acrescem juros de mora, à taxa legal. *** * Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença, nos seguintes termos: a) Vai a R. condenada a pagar à A. a quantia de 21.810,00 € (vinte e um mil oitocentos e dez euros), desde a data do acidente até à propositura da ação, e de 30,00 € (trinta euros), desde aquela data até efectivo e integral pagamento, a título de dano da privação do uso da viatura; b) Mais vai a R. condenada a pagar à A. a quantia de 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), pela falta de apresentação de uma proposta razoável. c) No mais, mantem-se o decidido na primeira instância. Custas pela R., companhia de seguros (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil). * Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil. ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Alberto Taveira Rui Moreira João Diogo Rodrigues ________________ [1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria. [2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz. |