Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
110/20.8T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
VENDA DE BENS DE CONSUMO
EXTINÇÃO DO CONTRATO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Nº do Documento: RP20231010110/20.8T8PVZ.P1
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; DECISÃO REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ao contrato de empreitada aplicam-se, para além das respectivas regras especiais, as normas específicas da venda de bens de consumo (se puder ser atribuída ao dono da obra a qualidade de consumidor) e as normas gerais do cumprimento e incumprimento das obrigações consagradas no Código Civil.
II - Acordando as partes a extinção do contrato por revogação, deixam de estar vinculadas ao regime legal especial do contrato de empreitada e ao regime legal especial da venda de bens de consumo.
III – Tendo a revogação dos autos “apenas” efeito ex nunc, o dono da obra adquiriu o direito à parte da obra já realizada e, por inerência, o empreiteiro mantém-se juridicamente responsável por eventuais vícios e/ou desconformidades da mesma, a apreciar à luz do regime geral do Código Civil.
IV – Provando-se que a prestação do empreiteiro foi cumprida defeituosamente, o dono da obra tem direito à indemnização pelo cumprimento defeituoso, correspondente ao custo necessário à reparação dos defeitos da prestação defeituosamente cumprida, por aplicação do regime dos artigos 798º e ss. do C Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 110/20.8T8PVZ.P1
Comarca: [Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim (J1); Comarca do Porto]

Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunto: João Proença
Adjunto: Rodrigues Pires

SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

“A..., UNIPESSOAL, LDA.”, sociedade com sede na Rua ..., Guimarães, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, residente na Rua ..., Póvoa de Varzim, entretanto falecido e tendo sido julgados habilitados para prosseguirem na causa como sucessores BB, CC e DD, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de EUR 22.615,09 (vinte e dois mil seiscentos e quinze euros e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, sobre a quantia de EUR 21.747,57 (vinte e um mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos), até efectivo e integral pagamento, bem como nas custas legais.
Alega, em síntese[1], ser uma sociedade que se dedica a construção, obras públicas e serviços de engenharia e ter, em 15/02/2018, celebrado com o Réu um contrato de empreitada, com um prazo de execução de 365 dias e por um preço global de EUR 698.925,18, tendo por objecto a ampliação da moradia sita na Rua ..., na Póvoa de Varzim.
Especifica ter ficado acordado que o pagamento do preço seria realizado em parcelas mensais, fixadas através de Autos de medição, a aprovar pela fiscalização contratada pelo Réu. Bem como que ficou igualmente acordado que as facturas seriam emitidas com o prazo de pagamento de 30 dias.
Alega que, a 20/12/2018, emitiu a Factura n.º FT 2018/81, no montante de EUR 23.147,76, referente a trabalhos realizados.
Declara que, na sequência de incorrecções apontadas ao teor desta Factura, emitiu, em 18/01/2019 a Factura n.º 2019/6 (em substituição da anterior), no montante de EUR 21.746,57, referente a trabalhos prestados e não pagos, valor que o Réu aceitou como sendo devido.
Acrescenta ter interpelado diversas vezes o Réu para o pagamento desta factura, designadamente através de carta registada, com aviso de recepção, enviada a 17/07/2019, e recepcionada no dia seguinte.
O Réu veio contestar, aceitando a celebração do indicado contrato com a Autora, a data do início dos trabalhos e o recebimento da Factura n.º 2019/6, impugnando dever a quantia em causa à Autora.
Formulou reconvenção, alegando que a Autora parou a obra em meados de Agosto de 2019.
Expõe que, em reunião realizada em 11/10/2018, acordou com a Autora em resolver o contrato, com o pagamento por si dos trabalhos realizados até à data.
Alega que, na sequência, contratou com a empresa “B... Unipessoal, Lda.” a continuação da execução dos trabalhos, com vista à conclusão das obras de alteração e ampliação da moradia.
Mais alega que, após a recepção da obra pela nova empresa, foram detectadas diversas irregularidades e anomalias na obra feita pela Autora, designadamente as elencadas no art.º 33.º da Contestação. Bem como que a obra lhe foi entregue com toneladas de entulho.
Diz que a nova empresa procedeu à limpeza da obra, no que despendeu EUR 1.200,00, e à reparação das anomalias verificadas nos trabalhos executados pela Autora, no que despendeu EUR 15.850,00 (acrescido de IVA, no valor de EUR 1.023,00), bem como à execução dos trabalhos que tinham ficado por executar.
Remata pedindo que a acção seja julgada inteiramente improcedente, por não provada, e, na procedência do pedido reconvencional, a Autora/Reconvinda condenada a pagar-lhe a quantia de EUR 21.073,00, relativa aos defeitos e omissões da obra contratada, da responsabilidade da Autora, bem como danos não patrimoniais decorrentes do atraso na conclusão da obra, tudo com custas do pedido principal e do reconvencional a cargo da Autora.
A Autora veio apresentar Réplica, impugnando a essencialidade dos factos alegados em sede de reconvenção, contrapondo, com particular relevo, que apenas suspendeu os trabalhos para férias e que não foram realizados mais trabalhos devido aos constantes pedidos de alteração ao projecto inicial realizados pelo Réu.
Contrapõe ainda que todos os trabalhos facturados resultam dos autos de medição que foram alvo de aprovação por parte da equipa de fiscalização do Réu, sem que qualquer anomalia ou irregularidade lhe tivesse sido reportado.
Contrapõe também que acordou com a “B... Unipessoal, Lda.” ceder a esta todo o material e equipamento em estaleiro e, em contrapartida, aquela empresa limpava o entulho em obra e lhe procedia ao pagamento da quantia de EUR 3.000,00.
Conclui pela improcedência do pedido reconvencional formulado pelo Réu/Reconvinte e pela improcedência da excepção deduzida, julgando-se a acção totalmente procedente, como concluiu na Petição Inicial.
Realizou-se Audiência Prévia, no âmbito da qual se proferiu despacho saneador, se definiu o objecto do litígio e se definiram os Temas da Prova.
Realizou-se audiência de julgamento e proferiu-se sentença com a seguinte parte decisória: “Pelo exposto, decide-se: A) Julgar a presente acção procedente, por provada, e, em consequência, condenar o réu a pagar à autora € 21.747,57 (vinte e um mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa de 4 %, contados desde 23-01-2019 até efectivo e integral pagamento; B) Julgar a reconvenção improcedente, por não provada e, em consequência, absolver a reconvinda dos pedidos.”
Inconformado com o julgado, o Réu veio recorrer, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que condene a Reconvinda no pedido reconvencional formulado, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Na sentença recorrida, a M.ma Juiz a quo julgou improcedente o pedido reconvencional porquanto concluiu que o Reconvinte não cumpriu o ónus da prova do incumprimento e do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada por si alegado e assim, não ficando demonstrada a existência de crédito a seu favor, improcedeu a peticionada compensação.
2. Entendeu a M.ma Juiz que o Reconvinte, aqui Recorrente, deveria, por um lado, ter alegado e provado que não aceitou a obra ou a aceitou com reserva, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1218º e 1219º do código civil, e, por outro lado, que fez uso sucessivo dos mecanismos legais previstos nos artigos 1221º e 1222º do código civil.
3. Salvo o devido respeito, a M.ma Juiz a quo fez errada interpretação e aplicação das referidas disposições legais.
4. Desde logo, porque não se aplica ao caso sub judice o disposto no artigo 1218º porquanto, conforme resultou provado, quando a obra foi entregue pela Recorrida (empreiteiro) ao Recorrente (dono de obra) ainda não estava totalmente concluída.
5. O que significa, que não incumbia ao Recorrente o ónus de provar que cumpriu o dever de verificação previsto no artigo 1218º do CC e que não aceitou a obra ou a aceitou com reservas, não se aplicando, em consequência a sanção prevista no artigo 1219º do CC.
6. E se, por um lado, inexistia esse ónus, por outro lado, o facto de o contrato de empreitada ter cessado por acordo e obra ter sido entregue pela Recorrida e recebida pelo Recorrente não significa que tenha sido aceite sem reservas.
7. Pelo contrário, as circunstâncias que resultaram provadas no processo levam-nos a concluir exatamente o contrário, ou seja, que o Recorrente nunca aceitou a obra, com ou sem reserva.
8. Na verdade: a. na data da entrega da obra ao Recorrente, a mesma não estava totalmente concluída; b. Durante a execução da obra, o Recorrente foi efetuando pagamentos, mediante a elaboração dos autos de medição e emissão das faturas respetivas, de acordo com o previsto no artigo décimo do contrato de empreitada, retendo o Recorrente 20% do valor faturado como garantia das obrigações assumidas pela Recorrida, entre elas o dever de eliminação dos defeitos de obra; c. E ainda…. O Recorrente recebeu a obra da Recorrida mas não efetuou o pagamento total do preço contratado pelos trabalhados executados, ficando “em falta” exatamente o valor que se discute nos presentes autos.
9. Do que se concluiu que não houve aceitação da obra pelo Recorrente.
10. Acresce que, o Recorrente recebeu a obra, mas não prescindiu de qualquer dos direitos previstos nos artigos 1221º e seguintes do código civil.
11. Na verdade, o disposto no artigo 1218º do código civil respeita aos defeitos aparentes. O que significa que, mesmo que o Recorrente tivesse aceite a obra sem reserva, sempre poderia denunciar os defeitos de que mais tarde tivesse conhecimento – como foi o caso.
12. Contudo, uma vez extinto o contrato, já não pode haver lugar a pedido de eliminação dos defeitos, bem como à redução do preço, pois estes direitos pressupõem a manutenção do contrato.
13. Mas a circunstância de já não existir contrato de empreitada não significa que o empreiteiro não deva responder pelos prejuízos causados ao dono da obra no período em que o contrato esteve em vigência, quanto à prestação que parcialmente prestou, enquanto o contrato esteve vigente, indemnizando pelo cumprimento parcial defeituoso que operou.
14. Neste caso, como já não existe contrato de empreitada, porque o mesmo foi revogado, o regime legal aplicável não poderá ser o dos artºs. 1221º-1223º do Código Civil, mas sim o do regime geral do cumprimento das obrigações, estatuído nos artigos 762º e seguintes do Código Civil.
15. Verificando-se um incumprimento contratual do ex-empreiteiro relativamente a uma prestação a que se obrigara (realização defeituosa da prestação), cai a mesma na alçada dos artigos 798º e 799º do Código Civil.
16. O reconvinte tinha assim o direito de exigir que a parte da prestação que chegou a ser prestada antes da revogação do contrato houvesse sido realizada de forma proficiente e de acordo com as regras das legis artis – cfr. artº 763º nº 2 do Código Civil.
17. Provado que está que a prestação foi cumprida defeituosamente pela reconvinda (ponto 23 dos factos provados), o reconvinte tem direito à indemnização pelo cumprimento defeituoso, correspondente esta ao custo necessário à reparação dos defeitos da prestação defeituosamente cumprida, atento o regime do artigo 798º e sgs do Código Civil.
18. Aliás, idêntica solução se alcançará se lançarmos mão da Lei de Defesa do Consumidor nº 24/96, bem como da Directiva Comunitária 1999/44/CE e do Decreto-Lei nº 67/2003, posto que o dono da obra é indubitavelmente consumidor final, enquanto a empreiteira é uma sociedade comercial que tem por objeto a realização de empreitadas de construção civil e se dedica por isso à atividade de promoção imobiliária, construção e requalificação de edifícios.
19. Ora, atento o preceituado no artº 12º da Lei de Defesa do Consumidor, o reconvinte, enquanto consumidor, tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
20. Também por esta via se alcança que o reconvinte tem direito à indemnização, a liquidar, a qual lhe deve ser reconhecida, tendo perfeita cobertura legal.
21. Assim, a douta sentença recorrida terá violado o preceituado nos artigos 763º n.º 2, 798º e 799º Código Civil e ainda no artº 12º da Lei de Defesa do Consumidor nº 24/96.
A Autora/Reconvinda veio apresentar contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
1. A Sentença recorrida não merece a mais pequena censura e assim sendo não colhem as críticas apresentadas pelo aqui recorrente.
2. No presente Recurso está delimitado pelas alegações do Recorrente quanto a parte do pedido reconvencional.
3. O pedido reconvencional foi julgado totalmente improcedente.
4. O contrato de empreitada cessou por acordo entre as partes.
5. No acordo de cessação do contrato foi convencionada a entrega da obra no estado que se encontrava e o pagamento da totalidade trabalhos até ali realizados.
6. Com o acordo de cessação do contrato tem-se por concluída a obra na fase/estado em que a cessação tem efeitos.
7. A Recorrida cumpriu com o convencionado no acordo de cessação do contrato e a Recorrente não.
8. Pelo que, andou bem o Tribunal a quo ao aplicar à presente situação o regime de empreitada do Código Civil.
9. Ficou provado nos presentes autos que o Recorrente aceitou a obra sem reservas.
10. O Recorrente tinha o dever de verificar a obra entregue.
11. Ficou provado nos presentes autos que o Recorrente verificou a obra.
12. O Recorrente tinha a obrigação de denunciar eventuais vícios.
13. Nunca em momento anterior ao pedido reconvencional realizado no presente processo foram denunciados quaisquer vícios.
14. O pedido reconvencional é realizado mais de ano e meio após a aceitação da obra sem reserva e da descoberta de eventuais vícios.
15. Os eventuais vícios a denunciar seriam sempre aparentes e não ocultos.
16. Pelo que, o prazo para o Recorrente pedir que a Recorrida responda pelos vícios caducou.
17. Caducidade esta que foi invocada pela Recorrida.
18. De qualquer forma, a resposta pelos eventuais vícios nunca seria a indemnização, pois, há uma ordem legal a seguir: a. Primeiro tem que ser dada a oportunidade ao empreiteiro para reparar/eliminar os vícios; b. Segundo tem que ser dada a oportunidade ao empreiteiro para refazer a obra; c. Terceiro, caso não seja possível reparar ou refazer a obra poderá haver uma redução de preço.
19. Só há “direito de indemnização nos termos gerais apenas tem em vista os danos não ressarcíveis através da eliminação dos defeitos, da construção de nova obra ou da redução do preço.”
20. O Recorrente só denuncia os eventuais vícios depois destes estarem eliminados por terceiro (não havendo urgência que o justificasse), pelo que, passíveis de eliminação.
21. O aqui Recorrente não consegue provar os danos sofridos e o nexo causalidade entre o facto e o dano, como lhe competia.
22. Pelo que, subsunção dos factos ao direito não poderia ser diferente da realizada pelo Tribunal a quo, aplicando o regime jurídico da empreitada do Código Civil, nomeadamente os artigos 1218.º e 1219.º.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
Nos presentes autos, a questão a dirimir, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste na reapreciação dos fundamentos jurídicos da reconvenção.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos dados como provados e não provados na decisão recorrida e aqui definitivamente fixados:

FACTOS PROVADOS:

1) A autora e o réu celebraram, a 15 de Fevereiro de 2018, um acordo que denominaram de “contrato de empreitada”, para a alteração e ampliação da moradia sita na Rua ..., Póvoa de Varzim, nos termos constantes de fls. 6 a 9 verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, que tinha como objecto: Executar os trabalhos consignados nos projectos a apresentar pelo réu de: Arquitectura; Estabilidade; Abastecimento de água; Drenagem de águas residuais, domésticas e pluviais; Instalação de gás; Aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC) e produção de água quente; Instalações eléctricas e telecomunicações; E também (mas não só) Montagem e manutenção de estaleiro; Fornecimento de materiais, equipamentos, acessórios e matérias primas; e eventuais alterações projectos e trabalhos extraordinários/não previstos.
2) O prazo de execução da obra foi inicialmente de 365 dias, que foi sendo estendido.
3) O preço acordado pela execução da obra foi de € 698.925,18 (seiscentos e noventa e oito mil e novecentos e vinte e cinco euros e dezoito cêntimos) aos quais acresciam trabalhos extraordinários/não previstos.
4) A 5 de Março de 2018, o réu entregou o local da obra à autora para que os trabalhos se iniciassem.
5) Após aprovação dos autos de medição a autora emitia factura, com uma redução de 20 % em relação ao valor do auto de medição a título de caução.
6) As facturas foram emitidas com o prazo de pagamento de 30 dias, como acordado.
7) Os pagamentos do réu à autora foram realizados através de cheques.
8) No decorrer da execução do acordo, a autora forneceu os materiais e realizou os trabalhos constantes nos oito autos de medição (balancetes), nos valores de € 30.695,13; € 17.515,00; € 28.060,80; € 7.762,32; € 1.600,00; € 9.500,00; € 10.063,85; € 4.601,60, sem IVA nos termos constantes de fls. 73 verso a 95 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
9) A 20 de Dezembro de 2018, a autora emitiu a Factura 2018/81 no montante de € 23.147,76 (vinte e três mil cento e quarenta sete euros e setenta e seis cêntimos), nos termos constantes de fls. 10 verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
10) A Factura n.º 2018/81 foi enviada, por correio electrónico, pelo antigo funcionário da autora e Director de Obra, Eng. EE, para o Fiscal da Obra, Eng. FF contratado pelo réu.
11) A 3 de Janeiro de 2019 o Eng. FF refere que a referida Factura não se encontra correcta, incorrecção esta que é assumida pelo Eng. EE e disso dá conta ao Fiscal da Obra.
12) Estas comunicações foram realizadas por correio electrónico e as quais seguiram com conhecimento do réu, para o seu endereço de correio electrónico (fmmloliveira°hotmailcom).
13) Em comunicação electrónica, de 19 de Dezembro de 2018, dirigida à autora, o réu em e-mail afirma no final do primeiro parágrafo que esta “só não recebeu ainda porque, manifestamente, não quis.”
14) Os serviços administrativos da A..., em 20 de Dezembro 2018, emitiram a Nota de crédito n.º 2018/19 no montante de € 23.147,76, anulando o valor a pagar da Factura n.º 2018/81, nos termos constantes de fls. 12 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
15) A 18 de Janeiro de 2019, a autora emitiu Factura n.º 2019/6 (em substituição da Factura n.º 2018/81) no montante de € 21.746,57 (vinte e um mil setecentos e quarenta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos), referente aos 20 % de retenção dos materiais fornecidos e trabalhos realizados, nos termos constantes de fls. 12 verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
16) O original da Factura 2019/6 foi enviado para o réu e recepcionada em 23-01-2019.
17) A autora interpelou várias vezes o réu para o pagamento da Factura n.º 2019/6, uma das quais por carta registada com aviso de recepção enviada a 17 de Julho de 2019 e recepcionada no dia seguinte, nos termos constantes de fls. 13 verso a 14 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
18) A autora executou trabalhos na obra, elaborou mensalmente autos de medição dos trabalhos e emitiu as facturas respectivas, que foram integral e imediatamente pagas pelo réu, nos termos acordados, no valor total de € 94.640,05 com IVA incluído.
19) A autora parou a obra em meados de Agosto de 2018 e retomou-a em Setembro de 2018.
20) Em reunião realizada em 11 de Outubro de 2018, a autora e o réu acordaram em cessar o acordo referido em 1), com o pagamento pelo réu dos trabalhos realizados até à data, que incluía o valor retido em cada uma das facturas já emitidas pelos trabalhos realizados e pelos materiais fornecidos.
21) Na sequência, o réu acordou com a empresa “B... Unipessoal, Lda.” a continuação da execução dos trabalhos com vista à conclusão das obras de alteração e ampliação da moradia.
22) Seguiu-se um período em que a autora e a “B... Unipessoal, Lda.” encetaram negociações com vista à entrega da obra, com a aquisição dos materiais em obra, por àquela à autora.
23) Após a recepção da obra pela “B... Unipessoal, Lda.”, foram detectados na obra: a) As paredes encontravam-se sem reboco em ambos os lados, o que abalou o tijolo; b) Na construção da garagem do lado nascente foi rebaixado o terreno sem que tenha sido acautelado o muro da vizinha, que estava em risco de cair; c) Estava por executar o murete do terraço da garagem do lado nascente; d) Estavam por executar os pilares do portão do lado nascente; e) O telhado estava torto ou desalinhado e estavam por executar os respectivos muretes; f) Dos lados poente e norte, o sistema capoto – ETICS estava mal colado; g) A escada de acesso ao primeiro andar era demasiado estreita; h) As caixas dos estores tinham cerca de 17 cm e era necessário 22cm; i) Num dos quartos de dormir, foi colocado roofmate mas faltava injectar a caixa de ar; j) Faltava cortar parte da viga na casa de banho do primeiro andar; k) Faltava executar uma janela na casa de banho do 1.º andar; l) Faltava realizar os muretes nas claraboias, em número de oito.
24) A obra foi entregue pela autora à “B... Unipessoal, Lda.” Com uma quantidade não concretamente apurada de entulho, não inferior a uma tonelada, resultante das obras feitas até então.
25) A “B... Unipessoal, Lda.” procedeu à limpeza da obra, tendo retirado quantidade não concretamente de entulho, não inferior a uma tonelada.
26) A “B... Unipessoal, Lda.” procedeu à execução dos seguintes trabalhos, em valores não concretamente apurados: a) Para reparar as paredes sem reboco em ambos os lados, procedeu à colocação de rede com cola da Weber; b) Construiu um muro de contenção do lado nascente, para sustentar o muro da vizinha; c) Construiu o murete do terraço da garagem do lado nascente e os pilares do portão do lado nascente; d) Reconstruiu o telhado e os respectivos muretes; e) Retirou o capoto dos lados poente e norte e colocou novo capoto; f) Alargou as escadas de acesso ao primeiro andar; g) Substituiu as caixas dos estores de 17 cm por caixas de 22 cm; h) Injectou a caixa de ar com roofmate do quarto de dormir em falta; i) Cortou parte da viga na casa de banho do primeiro andar; j) Executou a janela na casa de banho do 1.º andar; k) Executou as oito claraboias.
27) Desde Maio de 2018 existiam atrasos na obra, por falta dos projectos de electricidade e de AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado) que condiciona a elaboração dos projectos de arquitectura, falta de decisão quanto à estrutura da garagem.
28) O réu não definia o que pretendia quanto à localização dos equipamentos elétricos designadamente interruptores, tomadas, pontos de iluminação e eletrodomésticos, aprovação do depósito de água, localização e aprovação dos equipamentos sanitário, designadamente às louças sanitárias e torneiras, aprovação da abertura e remate dos negativos dos convetores (radiadores de parede para aquecimento central), aprovação do sistema ETICS (isolamento térmico e revestimento final das paredes exteriores) conforme previsto em projecto, apesar das insistências da autora desde Junho de 2018.
29) Os trabalhos facturados pela autora resultam de autos de medição nos termos constantes de fls. 36, 38 a 41, 42 a 45 verso, 46 verso a 50 verso, 51 e 52 a 55 e 56 verso a 57, 58 e verso, 59 verso a 63 e 64 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, que foram alvo de aprovação por parte da equipa de fiscalização do réu, sem que qualquer anomalia ou irregularidade tivesse sido reportada à autora.
30) A autora acordou com “B... Unipessoal, Lda.” a cedência à segunda todo material e equipamento em estaleiro e em contrapartida da “B... Unipessoal, Lda.” limpar o entulho de pelo menos o exterior da obra e o pagamento de € 3.000,00.
31) A “B... Unipessoal, Lda.” pagou à autora o montante de € 3.000,00.
32) A autora disponibilizou a obra, o estaleiro e os materiais à “B... Unipessoal, Lda.”.
33) A “B... Unipessoal, Lda.” entrou em obra em Novembro de 2018, após várias visitas à mesma.
34) A autora não facturou ao réu o trabalho de realização do muro de contenção.

FACTOS NÃO PROVADOS:

1) A autora tem por objecto a construção, obras públicas e serviços de engenharia.
2) Da actuação da autora resultou um atraso na execução dos trabalhos de cerca de 6 meses.
3) O entulho deveria ter sido retirado da obra pela autora à medida em que os trabalhos iam sendo executados.
4) Pelo atraso na conclusão da obra provocado pela autora, o réu e a sua família ficaram impedidos de usufruir da habitação do decurso dos meses de verão de 2020 e até à presente data.
5) Os trabalhos referidos em a. e c. a k. do facto provado 26 não foram facturados pela autora.
6) Os trabalhos de construção do telhado ainda não estavam concluídos pela autora.
7) A autora informou o réu e a “B... Unipessoal, Lda.” que o tamanho da caixa de estores era de 17 cm, o que foi aceite pelo réu.
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IV – REAPRECIAÇÃO DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA RECONVENÇÃO

O Tribunal recorrido julgou a reconvenção improcedente, por não provada, absolvendo a reconvinda dos pedidos.
O Réu veio recorrer, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que condene a Reconvinda no pedido reconvencional formulado.
Sustenta, em síntese, não se aplicar ao caso sub judice o disposto no artigo 1218º do Código Civil[3] porquanto, conforme resultou provado, quando a obra foi entregue pela Recorrida (empreiteiro) ao Recorrente (dono de obra) ainda não estava totalmente concluída. Defende que não lhe incumbia o ónus de provar que cumpriu o dever de verificação previsto no artigo 1218º do C Civil.
Entende que, neste caso, como já não existe contrato de empreitada, porque o mesmo foi revogado, o regime legal aplicável não poderá ser o dos artºs. 1221º-1223º do C Civil, mas sim o do regime geral do cumprimento das obrigações, estatuído nos artigos 762º e seguintes do C Civil.
Especifica que tem direito de exigir que a parte da prestação que chegou a ser prestada antes da revogação do contrato houvesse sido realizada de forma proficiente e de acordo com as regras das legis artis – cf. art.º 763º nº 2 do C Civil. Bem como que, verificando-se um incumprimento contratual do ex-empreiteiro relativamente a uma prestação a que se obrigara (realização defeituosa da prestação), cai a mesma na alçada dos artigos 798º e 799º do C Civil.
Conclui que, provado que está que a prestação foi cumprida defeituosamente pela reconvinda (ponto 23 dos factos provados), tem direito à indemnização pelo cumprimento defeituoso, correspondente esta ao custo necessário à reparação dos defeitos da prestação defeituosamente cumprida, atento o regime do artigo 798º e sgs do C Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
As partes aceitam a qualificação jurídica do contrato celebrado como contrato de empreitada, qualificação esta que se nos afigura, da mesma forma, como a juridicamente acertada.
Estruturalmente o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso previsto no contrato e, por outro lado, o dono da obra deve pagar o preço convencionado (cf. Art.s 1207.º e 1208.º do C Civil).
Ao contrato de empreitada dos autos aplicavam-se, para além das respectivas regras especiais do contrato de empreitada, as normas específicas da venda de bens de consumo (atendendo à qualidade de consumidor do dono de obra) e as normas gerais do cumprimento e incumprimento das obrigações consagradas no Código Civil.
É pacífico que a relação jurídica, constituída ao abrigo do princípio da liberdade contratual, se pode extinguir, para além do cumprimento, por revogação, resolução ou denúncia.
Utilizando a definição de Pedro Romano Martinez[4], “A revogação do contrato corresponde a um acto bilateral, carecendo do assentimento das partes, mediante o qual estas decidem fazer cessar a relação contratual.”
A extinção por revogação, admitida pelo artº 406.º do C Civil, é feita por acordo das partes e tem por fonte a liberdade contratual (ainda que em sentido oposto à presente no momento da celebração do contrato).
Está assente nos autos que, em reunião realizada no dia 11 de Outubro de 2018, a Autora e o Réu acordaram em cessar o acordo referido nos autos, com o pagamento pelo Réu dos trabalhos realizados até à data, que incluía o valor retido em cada uma das facturas já emitidas pelos trabalhos realizados e pelos materiais fornecidos.
É, portanto, manifesto que as aqui partes decidiram, na indicada reunião, desvincular-se para futuro das obrigações decorrentes do contrato de empreitada celebrado.
Em tese geral, a revogação implica apenas a extinção das prestações emergentes do contrato para futuro.
Recorrendo uma vez mais, aos ensinamentos de Pedro Romano Martinez[5]: “Por via de regra, a revogação de um contrato não tem eficácia retroactiva, pelo que a extinção do vínculo só produz efeitos ex nunc, mas a autonomia privada permite que as partes acordem quanto ao efeito retroactivo da revogação.”
Foi precisamente isto que as partes dos presentes autos acordaram, para além de, em face da parte da obra já realizada pelo empreiteiro, definirem, como obrigação consequente à própria cessação do vínculo, o pagamento pelo dono da obra dos trabalhos realizados até à data, que incluía o valor retido em cada uma das facturas já emitidas pelos trabalhos realizados e pelos materiais fornecidos.
Com a extinção do vínculo obrigacional, as partes deixaram de estar vinculadas ao regime legal especial do contrato de empreitada e ao regime legal especial da venda de bens de consumo.
Concordamos, pois, com a tese do Recorrente no sentido de que, extinto o contrato, já não pode haver lugar a pedido de eliminação dos defeitos, bem como à redução do preço.
Não concordamos, consequentemente, com o entendimento do tribunal recorrido, ao decidir que o Reconvinte teria que ter comunicado os defeitos à Reconvinda nos prazos legais e, independentemente disso, ter feito uso sucessivo dos mecanismos legais previstos no regime especial do contrato de empreitada.
Tendo sido extinto o contrato por revogação, deixa de poder haver lugar a pedido de eliminação dos defeitos, de redução do preço e muito menos de resolução, pois estes direitos pressupõem a manutenção do contrato.
Tal como explica João Cura Mariano[6], “(…) a circunstância da desistência provocar a extinção antecipada do contrato de empreitada, não permite a aplicação das regras previstas para o cumprimento defeituoso, as quais visam, em primeira linha, garantir a satisfação integral do contratado.”
No mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 04/05/2020, tendo como Relator Barateiro Martins, ainda que por referência a uma situação de resolução [7]: “Efectuada a declaração resolutiva e operando esta os seus efeitos, a relação contratual existente entra de imediato na chamada “relação de liquidação”, ficando ambas as partes – em razão da função liberatória/desvinculativa da resolução – dispensadas do dever de cumprir as suas prestações (o dono da obra deixa de ter de pagar o preço ainda não pago e o empreiteiro deixa de ter que concluir e executar a obra sem defeito).”
Independentemente disso, tendo a revogação dos autos “apenas” efeito ex nunc, o dono da obra adquiriu o direito à parte da obra já realizada e, por inerência, o empreiteiro mantém-se juridicamente responsável por eventuais vícios e/ou desconformidades da mesma.
Estando assente a inaplicabilidade do regime especial do contrato de empreitada em momento posterior ao acordo de revogação, a factualidade dada como provada da reconvenção terá que ser apreciada exclusivamente à luz do regime geral do Código Civil atinente ao cumprimento/incumprimento das obrigações.
Cumpre, antes de mais, referir que discordamos da Recorrida ao defender a não atendibilidade jurídica desta factualidade ainda por aplicação do regime especial do contrato de empreitada, por referência à época em que o contrato se mantinha vigente.
Concretizando, a Recorrida sustenta que, com o acordo de cessação do contrato, se tem por concluída a obra na fase/estado em que se encontrava. Advoga que o Recorrente tinha o dever de verificar a obra entregue, devendo entender-se que aceitou a obra sem reservas.
A entrega material da obra no estado em que se encontrava na data do acordo de revogação não equivale a aceitação da mesma, já que o acto de aceitação pressupõe uma declaração negocial do dono da obra de reconhecimento de que a mesma foi realizada nos termos contratados.
Este tem sido o entendimento reiterado do Supremo Tribunal de Justiça, citando-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão de 08/09/2015, tendo como Relator Hélder Roque[8]: “A aceitação não deve confundir-se com a entrega material da obra, porque importa a declaração negocial do comitente de que a obra foi efectuada, nos termos contratuais, a seu contento, correspondendo, simultaneamente, à entrega material, acrescida do reconhecimento de que a obra foi realizada, nos termos acordados.”
A Recorrida sustenta igualmente que está provado que o Recorrente verificou a obra e nunca denunciou quaisquer defeitos.
Analisada a matéria de facto dos autos, o que está dado como provado é que as facturas dos autos foram sendo emitidas após aprovação dos autos de medição por parte da equipa de fiscalização do Recorrente, sem que a mesma tivesse reportado alguma anomalia ou irregularidade.
É pacífico que os autos de medição apenas têm por finalidade medir o volume dos trabalhos executados, com vista a ratificar a emissão da factura correspondente. Atenta esta sua finalidade específica, não lhes pode ser atribuída cumulativamente uma função de verificação sucessiva da conformidade da obra ao contratado, sem quaisquer omissões ou anomalias.
Ultrapassadas as objecções trazidas pela Recorrida, cumpre voltar ao regime geral do cumprimento e incumprimento das obrigações, nos termos consagrados no Código Civil.
O princípio geral a este respeito é o de que “O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.” (cf. Art.º 762.º do C Civil).
Em decorrência deste princípio, ocorrerá cumprimento defeituoso sempre que haja uma desconformidade entre a prestação devida e a realizada, entre o mais sempre que a prestação de facto seja prestada de forma incompleta ou contrária ao contratado. Cumulativamente, para que tal desconformidade assuma relevância jurídica é sempre exigível estarmos em face de defeitos relevantes e que tenham ocasionado danos.
Verificada uma situação com estes contornos, incumbe ao devedor indemnizar o credor por todos os danos que a prestação defeituosa lhe tenha causado (cf. Art.º 798.º do C Civil), presumindo-se a culpa do devedor (cf. Art.º 799.º do C Civil).
Na determinação do montante da indemnização aplicam-se as regras gerais dos art.º 562.º e ss. do C Civil, sendo a regra geral a de que o devedor “(…) deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Descendo à situação dos autos, está dado como provado, no essencial, que, após a recepção da obra pela “B... Unipessoal, Lda.”, foram detectados na obra um conjunto de omissões/desconformidades com o projectado nas paredes, na construção da garagem, no murete do terraço da garagem, no telhado, no sistema capoto, na escada de acesso ao primeiro andar, nas caixas de estores, na viga da casa de banho, nas janelas das casas de banho e nos muretes nas claraboias.
Mais está provado que a “B... Unipessoal, Lda.” procedeu a um conjunto de trabalhos em ordem a executar/reparar tais omissões/desconformidades, em valores monetários concretos não apurados.
O Recorrente alega que os factos dados como provados sob o Item 23) correspondem a irregularidades e anomalias na obra efectivamente feita pela Autora.
A Recorrida veio impugnar a existência destas omissões e anomalias e contrapor que não facturou ao Réu qualquer valor referente ao indicado muro de contenção do lado nascente, ao murete do terraço da garagem e pilares da garagem, a retirada e colocação de capoto, às caixas de estores, à injecção de roofmate no quarto de dormir e aos muretes de oito clarabóias. Mais contrapôs que os trabalhos de construção do telhado ainda não se encontravam concluídas.
Analisada a factualidade dada como provada, constata-se que toda esta matéria de excepção resultou não provada, com excepção da constante do Item 34) dos Factos Provados, nos termos da qual a Autora não facturou ao Réu o trabalho de realização do muro de contenção.
Assim, por falta de impugnação por parte da Recorrida e/ou por falta de prova, deve considerar-se assente que os trabalhos concretos incluídos neste Item 23) dos Factos Provados estavam previstos no contrato, deveriam ter sido realizados na fase anterior à da extinção do mesmo e que foram todos eles facturados pela Recorrida ao Recorrente (com excepção da acima referida obra de realização do muro de contenção).
Além disso, por aplicação da regra geral do art.º 799.º, n.º 1, do C Civil, estas omissões e anomalias são imputáveis à Recorrida a título de culpa.
Enquadrando juridicamente a factualidade dada como provada, é indiscutível que a prestação de facto a que a Recorrida se obrigou foi prestada de forma incompleta e/ou contrária ao acordado ou às legis artis: os factos dados como provados sob as alíneas a), b), e), f), g), h), i) e j) do Item 23) correspondem a vícios e os factos dados como provados sob as alíneas c), d), k) e l) do mesmo Item 23) correspondem a desconformidades[9].
Quanto à relevância jurídica dos mesmos, tais vícios e desconformidades, ainda que não impeçam a utilização do imóvel para fins habitacionais, desvalorizam-no, seguramente, na sua afectação normal para habitação.
Além disso, noutra perspectiva, deve presumir-se que as omissões/irregularidades apuradas reduziram o valor de mercado do imóvel. Tendo por referência um padrão de normalidade, a deficiente construção de paredes, da garagem, do portão, das escadas interiores ou do telhado são anomalias que interferem necessariamente no valor corrente do imóvel.
Finalmente, da mera leitura do Item 26), de onde decorre o elenco dos trabalhos que tiveram de ser realizados, é manifesto que os defeitos apurados ocasionaram um conjunto de danos.
A eliminação de tais danos deverá ser feito através da entrega de uma indemnização correspondente ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, a efectuar pelo dono da obra ou por terceiro por si contratado.
A conclusão é, portanto, a de que, tendo a prestação do empreiteiro sido cumprida defeituosamente (ponto 23 dos factos provados), o dono da obra tem direito à indemnização pelo cumprimento defeituoso, correspondente esta ao custo necessário à reparação dos defeitos da prestação defeituosamente cumprida, por aplicação do regime dos artigos 798º e ss. do C Civil.
Em concreto, o Recorrente tem direito a uma indemnização correspondente ao custo necessário à reparação/execução dos defeitos elencados no Item 23), alíneas a), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e l) dos Factos Provados, exceptuando-se a factualidade constante da alínea b) do mesmo Item por, a este respeito, ter ficado provado que a Recorrida não facturou ao Recorrente o trabalho de realização do muro de contenção.
No entanto, tendo apenas ficado provado que a “B... Unipessoal, Lda.” procedeu à execução de um conjunto de trabalhos, em valores não concretamente apurados, não dispomos, neste momento, de elementos de facto suficientes para liquidar a indemnização devida ao Recorrente.
Em face desta indefinição factual, a solução terá que ser proferir-se uma condenação genérica, ao abrigo do disposto no art.º 609.º, n.º 2, do CP Civil, possibilitando que o Recorrente venha, no futuro, liquidar a indemnização devida a este título, nos termos previstos nos art.º 358.º e ss. do CP Civil.
A conclusão final é, portanto, a da total procedência do recurso.
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VI - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso do Recorrente/Réu, revogando-se a decisão recorrida quanto ao julgamento da reconvenção e substituindo a mesma pela condenação da Autora/Reconvinda a pagar ao Réu/Reconvinte uma indemnização correspondente ao custo necessário à reparação/execução dos defeitos elencados no Item 23), alíneas a), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e l) dos Factos Provados, a liquidar ulteriormente, nos termos previstos nos art.º 358.º e ss. do CP Civil.
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Custas da acção e do presente recurso fixadas nos presentes termos: custas da acção a cargo do Réu e curtas da reconvenção a cargo da Autora/Reconvinda - art.º 527.º do CP Civil.
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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

Porto, 10 de Outubro de 2023
Lina Baptista
João Proença
Rodrigues Pires
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[1] Aqui se atendendo já ao teor da Petição Inicial aperfeiçoada, na sequência de convite dirigido nesse sentido.
[2] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[3] Doravante apenas designado por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[4] In Da Cessação do Contrato, 3.ª Edição, 2021, Almedina, pág. 53.
[5] Ob. Cit., pág. 110.
[6] In Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7.ª Edição Revista e Aumentada, 2020, Almedina, pág. 53.
[7] Proferido no Processo n.º 4581/15.6T8VI.C2 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[8] Proferido no Processo n.º 477/07.3TCGMR.G1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[9] Usando a categorização adoptada por João Cura Mariano (in ob. cit., pág. 54 e ss.) nos termos da qual os vícios “são anomalias objectivas da obra, traduzindo-se em estados patológicos desta, independentemente das características convencionadas” enquanto as desconformidades “traduzem-se em desvios ao projecto de obra, expressa ou tacitamente convencionado.”