Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2161/21.6T9VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: WILLIAM THEMUDO GILMAN
Descritores: PENA DE PRISÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP202402282161/21.6T9VFR.P1
Data do Acordão: 02/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL /CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Lendo o artigo 43º do Código Penal, podemos afirmar que o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional é a opção derradeira para a execução de penas de prisão (efetivas) até dois anos.
II - O advérbio sempre com que se inicia a norma legal, confirma perentoriamente como opção derradeira a execução da prisão intra muros.
III - Assim, a regra é a de que a execução das penas de prisão até dois anos tem lugar através do regime de permanência na habitação, constituindo o cumprimento em estabelecimento prisional a exceção.
IV - Só quando o tribunal chegar à conclusão de que a execução da pena privativa da liberdade na habitação se mostra desadequada, v.g. por falta de condições de exequibilidade, ou insuficiente para satisfazer as finalidades de prevenção é que pode optar pela execução dentro dos muros da cadeia.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral:  Processo n.º 2161/21.6T9VFR.P1

Sumário (da responsabilidade do relator):

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Relator: William Themudo Gilman

1ª Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa

2º Adjunto: Francisco Mota Ribeiro


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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

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1-RELATÓRIO

No Processo sumário n.º 2161/21.6T9VFR.P1 do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 1, foi proferida sentença que condenou o arguido AA pela prática como autor material, de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353º Código Penal por referência ao artigo 69º do Código Penal na pena de oito meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano e dois meses, sujeita a regime de prova, com vista à interiorização do desvalor da conduta e ao desenvolvimento de estratégias de prevenção da prática de factos similares àqueles pelos quais vai condenado e sujeita aos deveres e regras de conduta previstos no nº3 do art. 54º CP, a saber: c.1)Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; c.2) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; c.3) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; c.4) Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.


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Não se conformando com esta sentença, o Ministério Público recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):

«CONCLUSÕES

1) Circunscreve-se o objeto do presente recurso à matéria de direito da sentença que condenou o arguido pela prática como autor material, de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353º Código Penal por referência ao art.º 69º do Código Penal na pena de 8 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano e 2 meses;

2) O Tribunal “a quo” incorreu num erro de julgamento na decisão de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido;

3) O arguido já sofreu 11 condenações (com a deste processo 12) pela prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (9) e de violação de proibições (1);

4) Nenhuma das anteriores condenações – designadamente, as cinco condenações em penas suspensas e as quatro em prisão (por dias livres, RPH ou efetiva) – constituiu suficiente estímulo para que o arguido não voltasse a praticar factos típicos, manifestando uma total indiferença perante os valores tutelados pelas normas penais e pela ameaça das respetivas sanções e, portanto, evidenciando incapacidade para entender a oportunidade que a suspensão da execução da pena significa;

5) Em pleno decurso do período de suspensão de execução da pena que resultou do cúmulo jurídico de penas efetuado no processo n.º 379/19.0GAVFR (que tinha englobado duas penas de prisão suspensas na sua execução) o arguido voltou a incorrer na prática de crimes;

6) A sentença cumulatória do processo n.º 379/19.0GAVFR transitou em julgado no dia 06/05/2021 e menos de 1 mês depois (no dia 01/06/2021) o arguido voltou a incorrer na prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (processo n.º 269/21.7GAVFR) e de violação de proibições (deste processo);

7) No passado duas das penas de prisão suspensas (nos processos n.ºs 11/12.3PAESP e 106/12.3PAESP) aplicadas ao arguido foram revogadas;

8) O arguido já tinha sido condenado anteriormente pela prática do crime de violação de proibições no processo n.º 618/12.9PAESP pelo qual foi condenado numa pena de 4 meses e 15 dias de prisão por dias livres;

9) Embora sendo de diferente natureza face à maioria das condenações que o arguido sofreu (por condução de veículo em estado de embriaguez), no caso concreto, o crime de violação de proibições está intrinsecamente relacionado com a prática dos crimes rodoviários pelos quais o arguido foi condenado;

10)O argumento de que o arguido “está familiar e profissionalmente inserido” tem um valor relativo, pois se assim o é no presente e foi no passado (visto trabalhar há vários anos), tais factos deveriam ter constituído um fator suficientemente dissuasor para que ele, após os múltiplos contatos que teve com o sistema judicial, não voltasse a incorrer na prática de crimes, o que não aconteceu;

11)O arguido tem uma “instabilidade pautada pela dependência de ingestão de bebidas alcoólicas” e “admitiu parcialmente os factos”, circunstâncias quenão favorecem igualmente a formulação de um juízo de prognose favorável;

12)Daí que sejam elevadas as necessidades de prevenção especial;

13)Por outro lado, as necessidades de prevenção geral são também acentuadas pois o crime de violação de proibições que atenta contra a chamada autonomia intencional do Estado, protegendo a não frustração de sanções impostas por sentença judicial aplicadas, designadamente, a título de pena acessória, vem sendo cometido de forma cada vez mais frequente na sociedade;

14)A comunidade num caso de, numa situação destas (após 11 condenações, duas em cúmulo jurídico superveniente de penas), não compreenderia que fosse aplicada novamente uma pena de prisão suspensa na sua execução, porque a repetição dessa pena colocaria em causa a manutenção e o reforço da confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal;

15)Por tudo o exposto, não se vê como possa ser formulado um juízo de prognose favorável, pressuposto material da aplicação do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal e, em consequência, deverá ser aplicada uma pena de prisão efetiva;

16)Não obstante, deverá a pena de 8 meses de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação com a permissão de ausências por razões de saúde e conexas, devidamente comprovadas, assim como para o exercício da sua atividade laboral (cf. ponto 8 da matéria de facto provada), sendo tais saídas controladas através dos mecanismos de fiscalização eletrónica;

17)De facto, o arguido exerce uma atividade profissional e atualmente está a cumprir uma pena de prisão em regime de permanência na habitação no processo n.º 269/21.7GAVFR;

18)Ao decidir aplicar uma pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 2 meses, o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 40.º, n.º 1, 50.º, n.ºs 1 e 2 e 70.º todos do Código Penal.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença proferida e o arguido ser condenado numa pena de 8 meses de prisão efetiva a cumprir em regime de permanência na habitação. V.ª(s) Ex.ª(s), porém, e como sempre farão, JUSTIÇA »


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O arguido, nas suas alegações de resposta, apresentou as seguintes conclusões:

«1.ª É materialmente inconstitucional o artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa;

2.ª Atenta a inconstitucionalidade parcial quantitativa, do segmento de norma “30 anos”, salvando-se a restante norma, deverá ser declarado extinto o procedimento criminal, relativo ao crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por amnistia, pelo qual o Arguido veio a ser condenado, nos termos do disposto no artigo 4.º da Lei 38-A/2023, de 2/8;

3.ª Não é verdade que o Arguido se mostre, conforme resulta da conclusão 17 do recurso, «atualmente a cumprir uma pena de prisão em regime de permanência na habitação no processo 269/21.7GAVFR», uma vez que a mesma já se mostra extinta desde 10/05/2022;

4.ª A pena aplicada ao Arguido não merece reparo ou censura, tendo sido devidamente ponderada e mostra-se proporcional, adequada, justa e indicada;

5.ª Nenhum princípio fundamental ou regra processual penal foi violada pela sentença recorrida;

6.ª Deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a Douta Decisão recorrida nos seus precisos termos.

FAZENDO-SE ASSIM INTEIRA E SÃ JUSTIÇA! »


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Nesta instância o Ministério Público apôs visto.

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Ainda nesta instância, após exame prévio do processo pelo Juiz relator, foi determinado se notificasse o arguido para em 5 dias vir aos autos expressamente dizer se dá o seu consentimento para (na eventualidade de vir a ser procedente o recurso do Ministério Público) o cumprimento da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação.

O arguido veio dar o seu consentimento para o cumprimento da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação.


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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP.

Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


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2-FUNDAMENTAÇÃO

2.1-QUESTÕES A DECIDIR

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, a questão a apreciar e decidir é a de saber se a pena de prisão aplicada deve ser efetiva e, nesse caso, a sua execução ser levada a cabo em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica (RPHVE).

Entretanto, o arguido na resposta ao recurso veio colocar a aplicação da inconstitucionalidade do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser declarado extinto o procedimento criminal, relativo ao crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por amnistia, pelo qual o Arguido veio a ser condenado, nos termos do disposto no artigo 4.º da Lei 38-A/2023, de 2/8.

A extinção do procedimento criminal é questão prévia e de conhecimento oficioso, pelo que se conhecerá esta primeiro.


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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:

Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto e da de direito (esta parcialmente), que são as seguintes:  

« II – FUNDAMENTAÇÃO

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A.1) FACTOS PROVADOS

Com interesse para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. No dia 01 de Junho de 2021, cerca das 23h20, na Rua ..., em ..., concelho de Santa Maria da Feira, o arguido conduzia um veículo de duas rodas com motor eléctrico incorporado directamente à roda traseira, sem possuir quaisquer pedais, o que exigia, em exclusividade, para que este veículo se movesse, a potência desenvolvida pelo motor eléctrico,

2. Apesar de o arguido conduzir nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido encontrava-se a cumprir, desde 20 de Julho de 2020, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de um ano e seis meses, em que havia sido condenado, por sentença transitada em julgado, no Processo Comum Singular nº 271/20.6GAVFR, que correu termos no Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira.

3. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que durante o período em que se encontrava inibido de conduzir em consequência do cumprimento da pena acessória em que havia sido condenado por sentença, transitada em julgado, proferida no processo id. em 2. não podia conduzir qualquer tipo de veículo motorizado.

4. O arguido sabia ainda que a sua conduta era punida e proibida por lei.


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Mais se provou que:

5. AA tem a 4.ª classe de escolaridade, vive maritalmente com BB de 52 anos de idade, têm um filho em comum, a residir em França.

6. A casa onde vivem é uma construção rural, do tipo anexo, antiga e degradada, pertencente à família do arguido, onde este tem vivido e efectuado alguns arranjos de reparação para garantir condições de habitabilidade.

7. A casa é constituída por um quarto, sala e cozinha, com instalações sanitárias rudimentares, no exterior.

8. Profissionalmente, o arguido desempenha, há vários anos, funções de caldeireiro e de vigilante aos fins de semana, na fábrica de cortiça “A... – produtor e exportador de rolhas de cortiça natural”, concretamente na unidade industrial B..., que se situa na zona industrial de ..., em Santa Maria de Lamas, opera em dois turnos rotativos mensalmente (16h às 24h e das 24h às 08h) e recebe um salário de 915 euros, com a inclusão do subsídio de turno

9. A companheira presta serviços de limpeza num posto de abastecimento de combustível, auferindo cerca de 200 euros mensais.

10. O arguido mantém relações familiares estáveis e de bom entendimento com a companheira e restantes familiares

11. A companheira apresenta uma postura crítica, mas de tolerância e de compreensão em relação ao percurso de dependência etílica do arguido e aos problemas criminais associados, valorizando, sobretudo, a sua dedicação profissional e o seu comportamento pacífico e realçando as relações cordiais e afectuosas que o arguido estabelece de uma forma geral.

12. AA apresenta uma rotina pautada pelo trabalho e ocupa os tempos livres com pequenas tarefas hortícolas e em convívio familiar.

13. O arguido manteve, ao longo de vários anos, uma trajetória de consumo alcoólico abusivo, tendo sofrido a primeira condenação por condução em estado de embriaguez em 2003 e tendo um percurso criminal, não obstante algumas tentativas de tratamento realizadas no âmbito das medidas de execução na comunidade com o acompanhamento da DGRSP.

14. No âmbito do cumprimento de pena de prisão entre Fevereiro de 2014 e Agosto de 2015 frequentou um programa de prevenção rodoviária.

15. Após a libertação voltou a recair nos consumos.

16. Cumpriu de forma responsável, com todas as obrigações de tratamento ao alcoolismo e frequência do programa STOP-Responsabilidade e Segurança nas quais foi condenado nos Ps 379/19.0GAVFR e 271/20.6GAVFR e 269/21.7GAVFR, respeitando o acompanhamento da DGRSP.

17. Mantém, até ao presente, consultas de psicologia na Associação ... e tem vindo assumir-se abstinente e a manifestar o propósito de não reincidir.”.

18. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais registados, ademais da pena já referida em 1.:

- Psumário n.º 711/04.1GAVFR, do 2.º Juízo criminal de Santa Maria da Feira, por sentença proferida no dia 21 de Julho de 2004, transitada em julgado no dia 29 de Setembro de 2004, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de € 3, já extinta, pela prática, no dia 21 de Julho de 2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal;

- Psumário n.º 375/10.3PAESP, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por sentença proferida no dia 20 de Abril de 2010, transitada em julgado no dia 17de Maio de 2010, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de € 5, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses, ambas já extintas, pela prática, no dia 11 de Abril de 2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal;

- Psumário n.º 11/12.3PAESP, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por sentença proferida no dia 17 de Janeiro de 2012, transitada em julgado no dia 7 de Fevereiro de 2012, na pena de nove meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de nove meses, ambas já extintas, pela prática, no dia 6 de Janeiro de 2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal. Tal suspensão da pena de prisão foi revogada, por decisão proferida no dia 11 de Novembro de 2013, transitada em julgado no dia 21 de Janeiro de 2014;

- Psumário n.º 106/12.3PAESP, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por sentença proferida no dia 13 de Fevereiro de 2012, transitada em julgado no dia 21 de Março de 2012, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinada à obrigação de o arguido se submeter a tratamento médico de desintoxicação alcoólica, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de nove meses, já extinta, pela prática, no dia 11 de Fevereiro de 2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal. Tal suspensão da pena de prisão foi revogada, por decisão proferida no dia 9 de Outubro de 2013, transitada em julgado no dia 3 de Fevereiro de 2014. Tal pena foi cumulada com a pena de prisão aplicada no processo sumário n.º 11/12.3PAESP, vindo a pena única de treze meses de prisão a ser declarada extinta no dia 14 de Março de 2015;

- Psumário n.º 618/12.9PAESP, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por sentença proferida no dia 21 de Setembro de 2012, transitada em julgado no dia 22 de Outubro de 2012, na pena de quatro meses e quinze dias de prisão, a cumprir em dias livres, em vinte e sete períodos de trinta e seis horas cada, aos fins-de-semana, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de um ano, já extinta, pela prática, no dia 7 de Setembro de 2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º1, do Código Penal. Tal pena de prisão foi declarada extinta no dia 12 de Janeiro de 2014;

- Psumário n.º 742/13.0PAESP, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por sentença proferida no dia 16 de Setembro de 2013, transitada em julgado no dia 16 de Outubro de 2013, na pena de cinco meses e quinze dias de prisão, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de um ano e seis meses, já extinta, pela prática, no dia 13 de Setembro de 2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal. Tal pena de prisão foi declarada extinta no dia 28 de Agosto de 2015;

- P. sumário 271/20.6GAVFR deste Juízo local criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 3, por sentença proferida no dia 13 de Julho de 2020, transitada em julgado no dia 20 de Julho de 2020, ademais da pena referida em 2., na pena de 6 meses de prisão suspensa na execução por 2 anos, pela prática, no dia 28 de Maio de 2020, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal;

- P comum singular n.º 379/19.0GAVFR, deste Juízo local criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 3, por sentença proferida no dia 2 de Novembro de 2020, transitada em julgado no dia 2 de Dezembro de 2020, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, subordinada a regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de vinte meses, pela prática, no dia 21 de Julho de 2019, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, sendo proferda sentença cumulatória, transitada em julgado em 06.05.2021, em cúmulo da pena de prisão nestes autos e na qual o arguido foi condenado no P. 271/20.6GAVFR, na pena única de 1 ano e um mês de prisao suspensa na execução por dois anos e 2 ans e 8 meses de pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados;

- P Sumário n.º 269/21.7GAVFR, deste Juízo local criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 3, por sentença proferida no dia 12 de Julho de 2021, transitada em julgado no dia 27 de Setembro de 2021, na pena de sete meses de prisão, em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, já extinta, e obrigação de continuação de tratamento/acompanhamento clínico especializado para problemática de dependência de substâncias etílicas, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de dois anos, pela prática, no dia 1 de Junho de 2021, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.


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A.2) FACTOS NÃO PROVADOS

a) Nenhum com interesse.


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O mais constante da acusação e contestação não foi atendido na decisão supra por se tratar de matéria conclusiva, genérica, de direito ou sem relevo para a boa decisão da causa.

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A.3) MOTIVAÇÃO

Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.

Assim, enunciados os factos, cumpre apreciar criticamente as provas, não bastando uma mera enumeração dos meios de prova, sendo necessária “ a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal” - cfr. Ac. TC nº680/98, de 02.12, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980680.html, por forma a resultar claro para os destinatários a compreensão do porquê da decisão e do processo lógico - mental que permitiu alcançar a decisão proferida.

Na fixação da matéria de facto relacionada com condução pelo arguido do veículo no dia e hora referidos em 1., natureza do veículo em causa, o Tribunal socorreu-se das declarações confessórias do arguido, que admitiu tal factualidade, não se vendo que quanto à mesma tenha interesse em faltar à verdade, mais a mais tratando-se de factualidade que lhe é desfavorável, conjugadas com o depoimento da testemunha CC, militar da GNR, o qual confirmou a condução pelo arguido no dia dos factos, nele se fazendo bem assim fé, atento o modo circunstanciado como descreveu os factos, não se vendo qualquer interesse em faltar à verdade, mais a mais tendo em conta as funções desempenhadas, sendo ainda considerado para prova da factualidade relacionada com a condução pelo arguido no dia, hora e local em causa o auto de notícia de fls. 11 e ss., apenas não relevando este depoimento e auto no que se refere à natureza e características do veículo conduzido pelo arguido, sendo que neste particular o Tribunal teve em conta, ademais das declarações do arguido, o depoimento da testemunha DD, militar da GNR e ainda o relatório pericial de fls. 59, 76 e ss., autorização de fls. 62, teste de fls. 63 e ss. e relatório fotográfico de fls. 68 a 73, que foram confirmados ademais pela última testemunha como sendo de sua autoria, confirmando o seu teor, tendo ainda o arguido confirmado tratar-se do seu veículo, confrontado com tais fotos, e bem assim ter autorizado o teste no dia em causa, confirmando ainda o documento de aquisição e seguro de fls.73.

Quanto à factualidade provada em 2. a convicção do o Tribunal socorreu-se da certidão judicial junta a fls. 89 a 104.

A factualidade relacionada com o elemento subjectivo resultou provada por apelo às regras da experiência – face ao normal acontecer das coisas em situações da mesma natureza – e a livre apreciação, tendo em conta a demais prova de que o Tribunal se socorreu para dar como provada a factualidade já apontada supra.

Quanto a este aspecto, note-se que não colheu a versão apresentada pelo arguido. O arguido bem sabia quando da condenação que a mesma ademais implicava proibição de conduzir veículos a motor. Ora, o que o arguido quis fazer crer é que pensou que poderia conduzir – não estando em infracção – por lhe ter sido asseverado pelo vendedor que não carecia de carta de condução. Sucede que, nem essa versão foi corroborada, nem se vê que tal argumento do vendedor – a ser verdadeiro - colhesse. Com efeito, até para uma pessoa com a escolaridade com arguido, dada a sua experiência de vida, é fácil perceber o que é um veículo a motor e o arguido bem sabia que o veículo em causa não tinha pedais (tanto que esse outro que possuía, na sua versão, ficou na posse da companheira) e que se movia a motor eléctrico. Também sabia o arguido que estava proibido de conduzir veículos a motor.

De modo que não se vê como o arguido não compreendesse que o veículo em causa, sendo a motor, não estava abrangido na proibição de conduzir veículos a motor imposta pela pena acessória na qual foi condenado. Sequer a essa conclusão se chega pela simples análise objectiva do veículo – em tudo semelhante a uma scooter e não a uma bicicleta.

No que se refere aos factos relacionados com as condições sócio-económicas a convicção do Tribunal assentou uma vez mais nas declarações do arguido, nelas se fazendo fé neste estrito particular, não se vendo que o mesmo nesta matéria tenha interesse em faltar à verdade, ademais se socorrendo do relatório da DGRSP.

Os antecedentes criminais resultaram do CRC.


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 B) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA

(…)

DA ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA

1. Na escolha da pena a aplicar, confrontando-se uma pena privativa e outra não privativa da liberdade, o Tribunal dará preferência a segunda sempre que a mesma assegure de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.70ºCP). Apela-se aqui à tutela dos bens jurídicos e ainda às finalidades de prevenção especial, que se prendem com a reintegração do sujeito para uma vida conforme ao direito. (art.40º CP).

A norma consagra igualmente uma ideia de proporcionalidade, ínsita no art.18º da CRP, sendo certo que as medidas privativas da liberdade devem ser aplicadas como ultima ratio, apenas e só quando as não privativas não forem bastantes para assegurar as finalidades supra referidas.

De acordo com o critério geral de escolha da pena previsto no aludido art.70º CP, a opção por pena privativa da liberdade só deverá ser tomada por razões de “prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência, e/ou por exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico, ou à “defesa” da ordem jurídica, no sentido do patamar mínimo das exigências de prevenção geral positiva ou de integração.”.1

Conforme já expendido supra,

do disposto no art. 353.º CP resulta que ao crime a que se subsume a conduta do arguido cabe pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.

No caso concreto, são de sublinhar as prementes e elevadas exigências de prevenção geral, dada a frequência com que vêm sendo lesado o bem jurídico protegido pela norma, importando por isso reforçar a confiança da comunidade na norma jurídica violada.

As exigências de prevenção especial são no entender do Tribunal também já significativas pois que arguido conta com várias condenações por crimes associados à condução de veículo a motor, tendo bem assim registado um antecedente da natureza daquele em apreço, tendo já inclusive cumprido penas de prisão.

Atento o exposto, não obstante o Tribunal não desconhecer o carácter criminógeno da pena de prisão, entende-se que, no caso concreto, apenas a pena de prisão se apresenta como suficiente para proteger os fins a que alude o artigo 40º CP , sendo apta à protecção do bem jurídico em causa, e capaz de assegurar os fins da prevenção especial.

2. Uma vez ultrapassada a questão da escolha das penas a aplicar, impõe-se agora determinar a medida concreta da pena de prisão.

Do art. 353.º CP em articulação com o art. 41.º CP resulta que ao crime em apreço cabe pena de prisão de 1 mês até 2 anos.

A lei (art.71º CP) consagrou nesta matéria o chamado “modelo da prevenção geral”, apelando na determinação da medida da pena à culpa e às finalidades de prevenção geral e especial. De acordo com este modelo importa primeiro determinar a moldura da prevenção geral dentro da qual será determinada a pena atendendo as exigências de prevenção especial, sendo certo que a pena nunca poderá ultrapassar a medida da culpa. As exigências de prevenção constituem pressupostos de medida da pena. A culpa é seu pressuposto e limite. Concebe-se culpa sem pena. Mas jamais pena sem culpa.

De acordo com o modelo da moldura da prevenção geral há um ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e um limiar mínimo abaixo do qual já não é possível assegurar a confiança da comunidade na norma jurídica violada. É dentro da moldura assim definida que irá determinar-se a medida da pena, considerando as exigências de prevenção especial que no caso se façam sentir. Se tais exigências forem mínimas, a pena será fixada perto do limiar mínimo de tutela dos bens jurídicos. Se as exigências de prevenção especial forem de monta então a pena fixar-se-á junto do ponto óptimo de tutela. Há que atender, no entanto, à culpa imputada ao agente que serve de limite a medida da pena. Esta não pode, como já referido supra, ser superior à medida da culpa.

Seguimos de perto, quanto à determinação da medida concreta da pena, o ensinamento do Prof. Figueiredo Dias [ in “As consequências jurídicas do crime”, pag. 229].

Aqui chegados, o Tribunal tem de considerar designadamente as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente as previstas no art. 71º nº2 CP, mais concretamente, o grau da ilicitude do facto, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o agente à prática do crime, as condições pessoais do agente, a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.

No caso sub judice o dolo é directo, sendo de censurar a actuação do arguido por ter optado em agir nos termos em que o fez, na modalidade mais intensa de dolo, sendo a sua culpa acentuada.

A ilicitude situa-se em grau que apesar de se fixar acima do mínimo, não se vê se ultrapasse a mediania, embora se aproxime da mesma, pois que ainda que se veja que da conduta resultassem danos para terceiras pessoas ou bens resultou lesada a autoridade do Estado.

O Tribunal não pode ainda descurar os antecedentes criminais do arguido, conta com várias condenações por crimes associados à condução de veículo a motor, tendo já inclusive cumprido penas de prisão, tendo bem assim registado um antecedente da natureza daquele em apreço, sendo por isso já significativas, como se disse, as exigências de prevenção especial.

Não podem também desconsiderar-se as prementes exigências de prevenção geral que no caso em apreço se fazem sentir, mostrando-se necessário reafirmar a validade das normas junto da comunidade.

Em favor do arguido o lapso de tempo já decorrido desde a data da prática dos factos, o facto de se encontrar profissional e familiarmente inserido, ter admitido na generalidade dos factos, a circunstância de ter vindo a corresponder às intervenções da DGRSP.

Tudo ponderado, o Tribunal entende ser de aplicar ao arguido, em concreto,

a pena de 8 meses de prisão.


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DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO

Considerando o facto de o arguido ir condenado em pena de prisão inferior a um ano, impõe-se a ponderação da sua substituição por outras penas não privativas da liberdade.

Desde já se diga que fica afastada a substituição por admoestação (cfr. 60.º CP), atenta a natureza da pena concreta aplicada.

Bem assim não se vê verificada a possibilidade de substituição por pena de multa (art. 45.º CP) ou prestação de trabalho a favor da comunidade, por se entender que a execução da prisão é, no caso concreto – considerando essencialmente o passado criminal do arguido -, necessária para prevenir o cometimento de futuros crimes, não permitindo, no entender do Tribunal, as penas de substituição realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Assim, apenas se coloca a possibilidade da sua suspensão da execução da pena de prisão (art.50º CP).

A propósito, estatui o art. 50º do CP:

“1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”

A suspensão de execução da pena de prisão de curta duração não resulta como uma faculdade do Tribunal, mas antes de um poder - dever, impondo-se a sua apreciação sempre que o arguido seja condenado numa pena de prisão inferior a cinco anos.

O instituto da suspensão visa que “no domínio da pequena criminalidade, a que corresponderiam penas curtas de prisão, a simples ameaça da prisão poderia em muitos casos, nomeadamente sempre que se tratasse de delinquentes primários, bastar para pleno cumprimento das finalidades da punição” - DIAS, Figueiredo - “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão de execução da prisão”, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124º, n.º 3804.

 A pena cuja execução fica suspensa pode, contudo, ser sujeita ao cumprimento de deveres e regras de conduta e ainda à fiscalização (e apoio) dos serviços de reinserção social – cfr. arts.51.º a 52.º CP.

Em caso de cumprimento, a pena extingue-se, permitindo “a significativa vantagem de as finalidades intimidativas da punição terem sido alcançadas sem que o agente tivesse sido submetido ao ambiente deletério e criminógeno da prisão” - DIAS, Figueiredo – op. cit.

São dois os pressupostos de que depende a suspensão:

a) a aplicação de pena de prisão em medida não superior a 5 anos e

b) um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido – a operar no momento da decisão e não por referência ao momento da prática do facto (cfr. Prof. Figueiredo Dias – As consequências Jurídicas do Crime, p.343.

Quanto a este último importará atender à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluindo-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No caso concreto, não obstante o arguido contar já com antecedentes por crimes vários, à data dos factos, o único antecedente por crime da mesma natureza daquele em apreço teve trânsito em julgado há mais de 10 anos, tendo a pena sido extinta em Janeiro de 2014. Por outro lado, não obstante a instabilidade pautada pela dependência de ingestão de bebidas alcoólicas, o arguido encontra-se familiar e profissionalmente inserido, não se vê tenha registadas condenações posteriores aos factos em apreço por crime da mesma natureza e admitiu parcialmente os factos.

Tudo ponderado, afigura-se-nos ser, ainda, adequado proceder à suspensão da pena de prisão.

Com efeito, não obstante o referido quanto aos antecedentes criminais do arguido, as circunstâncias de referidas fazem-nos crer que a condenação em prisão, mesmo suspensa na execução, ainda permitirá a realização de um juízo de prognose favorável ao arguido no sentido da sua ressocialização tendo–se a esperança que o arguido acolha (mais) esta oportunidade com vista a viver em conformidade com o Direito.

Quanto ao período de suspensão, face a tudo quanto já ficou dito e atento sobretudo o passado do arguido, designadamente quanto aos antecedentes criminais que impõe maior exigência, entende-se por adequado suspender a execução por um ano e dois meses – art. 50º nº5 CP.

A suspensão da execução da pena de prisão, como já apontado supra, pode assumir três modalidades: a suspensão simples, a suspensão com imposição de condições (deveres ou regras de conduta) e a suspensão com regime de prova.

Nos termos do art. 50º nº2, 53º do CP a suspensão pode ser acompanhada de regime de prova, se se considerar tal adequado conveniente a promove a reintegração do arguido na sociedade, o que, no caso concreto, o Tribunal entende que se justifica.

Face ao exposto, entende-se ser adequado que a suspensão da execução da pena de prisão seja acompanhada de um regime de prova com vista à interiorização do desvalor da conduta e ao desenvolvimento de estratégias de prevenção da prática de factos similares àqueles pelos quais vai condenado.

De facto, na expectativa prudente e razoável de que a socialização em liberdade pode ser lograda, o Tribunal encontra-se disposto a correr um certo risco (fundado e calculado) sobre o cumprimento da pena em liberdade.

No caso concreto, entende-se, como já ficou dito, que a simples censura e ameaça da prisão mostram-se suficientes para se alcançarem as finalidades de prevenção geral e especial.

Assim o cumprimento de um plano de reinserção social (art. 54º CP), a elaborar e a executar com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, no âmbito do regime de prova (art.494º, nº3, CPP), a cumprir durante o tempo de duração da suspensão, fomentará igualmente o alcance daquelas finalidades de prevenção especial.

Com vista a que o plano de reinserção social surta efectivamente os efeitos desejados, mais fica o arguido sujeita aos deveres e regras de conduta previstos no nº3 do art. 54º CP, a saber:

a)Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;

b) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;

c) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;

d) Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.»

2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.

2.3.1- Questão prévia- da extinção do procedimento criminal por amnistia.

Entende o recorrente que, não obstante tenha nascido em ../../1972, ou seja, à data dos factos com 49 anos de idade, lhe é aplicável a amnistia da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, por inconstitucionalidade material do artigo 2.º n.º 1. Argumenta que o limite de idade imposto no artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto constitui discriminação, sem fundamento razoável, relativamente ao arguido, com idade superior e, consequentemente, fere de inconstitucionalidade material esse limite, por violação do núcleo fundamental do princípio da igualdade, na modalidade de proibição do arbítrio, prevista no artigo 13.º, n.º 2 da CRP.

Vejamos.

A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, conforme se diz no seu artigo 1º veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.

Nos termos do seu artigo 2º, n.º 1 e na parte que interessa ao caso dos autos «Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º»

Da interpretação da lei resulta que os maiores de 30 anos de idade à data da prática do facto não beneficiam das medidas de graça da lei relativamente às sanções penais.

Ora, de acordo com o artigo 127º do Código Penal, "a responsabilidade criminal extingue-se ainda pela morte, pela amnistia, pelo perdão genérico e pelo indulto". Nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 128º do Código Penal, "a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como medida de segurança"; "o perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte"[1].

A amnistia é um pressuposto negativo da punição, com o mesmo regime jurídico (quanto ao efeito principal) do perdão genérico: pretende-se impedir que o agente sofra a sanção a que já foi (ou pode vir a ser) condenado.

A amnistia dirige-se à infração enquanto tal, impedindo a sua punição ou extinguindo-a, determinando mesmo a extinção das penas já aplicadas; pelo seu lado, o perdão genérico atinge apenas a sanção aplicada, determinando a sua extinção total ou parcial.

A amnistia ou o perdão genérico não são um mero ato de clemência, antes têm de assentar nalguma racionalidade, conforme disse o Tribunal Constitucional no Ac. TC 347/2000[2] e vários outros acórdãos nesse citados. Tratando-se da definição de direitos individuais perante o Estado, que pela amnistia, como pelo perdão, são dilatados tal como são comprimidos pela aplicação das sanções, a delimitação dos factos abrangidos pela lei de amnistia ou perdão genérico tem de ser feita segundo critérios suscetíveis de generalização, em função de circunstâncias não arbitrárias do ponto de vista do Estado de direito, sob pena de violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.

Embora o legislador tenha uma ampla margem de manobra quanto à delimitação do campo de aplicação das medidas de clemência, a verdade é que se não houver qualquer racionalidade nessa delimitação entramos num arbítrio não consentido pelo artigo 13º da CRP.

 O legislador pretendeu exercer este direito de graça da Lei n.º 38-A/2023 por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude e da visita Papal a ela associada.

A Jornada Mundial da Juventude é um evento religioso instituído pelo Papa João Paulo II em 1985, que reúne milhões de católicos de todo o mundo, sobretudo jovens.

Daí que a delimitação do âmbito de aplicação da amnistia e do perdão genérico também pela idade das pessoas abrangidas, até aos 30 anos de idade, o que tem alguma correspondência com a idade dos destinatários principais das ditas jornadas, não seja destituída de qualquer racionalidade.

É certo que não se vislumbra qualquer relação da concessão desta amnistia com quaisquer das tarefas de política criminal que devem caber ao direito de graça, designadamente a intervenção como «válvula de segurança» do sistema, evitando a severidade da lei mediante circunstâncias supervenientes nas relações comunitárias ou da situação pessoal do agraciado, mas a verdade é que tem sido ‘tradicional’ entre nós a publicação de leis de amnistia para efeitos de comemoração de eventos festivos ou de visitas ao país de personalidades importantes[3].

Seja como for, a delimitação pela idade, até aos 30 anos, da aplicação da amnistia e perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, não se afigura decisivamente irracional e arbitrária, tendo em conta o evento que se comemora destinado em primeiro lugar à juventude católica, mas também aberto a pessoas não católicas e não jovens, pelo que tal delimitação está dentro da margem de manobra do legislador, não ferindo de forma decisiva o princípio da igualdade[4].

Concluindo, tendo o arguido à data da prática dos factos que lhe são imputados mais do que 30 anos, ficando fora do âmbito de aplicação da amnistia e perdão da Lei n.º 38-A/2023, a questão prévia invocada da extinção do procedimento criminal é manifestamente improcedente[5].


*

2.3.2-Da substituição da pena de prisão.

A questão colocada pelo recorrente Ministério Público não diz respeito à medida da pena de prisão aplicada, mas unicamente à sua substituição por pena de prisão suspensa na sua execução sujeita a deveres, com a qual não concorda, devendo ser revogada a sentença e ser aplicada uma pena de prisão efetiva.

Entende o recorrente que o tribunal recorrido ao suspender na sua execução a pena de 8 meses de prisão fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 40.º, n.º 1, 50.º, n.ºs 1 e 2 e 70.º todos do Código Penal, por não ser possível formular um juízo de prognose favorável, pressuposto material da aplicação do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal e, em consequência, deverá ser aplicada uma pena de prisão efetiva, propondo como modo de execução o regime de permanência na habitação.

Em resumo, argumenta o recorrente para chegar a tal conclusão que as necessidades de prevenção especial são elevadas, o que fica demonstrado pelas dez condenações anteriores sofridas (nove pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez e uma pelo de violação de proibições), a que acresce o facto de no decurso do período de suspensão de execução da pena e menos de 1 mês depois (no dia 01/06/2021) o arguido voltou a incorrer na prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (processo n.º 269/21.7GAVFR) e de violação de proibições (deste processo) - condenações estas que se encontram em relação de concurso superveniente para efeitos de cúmulo jurídico e aplicação de uma pena única, nos termos do artigo 77º e 78º do Código Penal -,  bem como o facto de já ter sido condenado anteriormente pelo cometimento do crime de violação de proibições que agora cometeu. Por outro lado, o facto de estar familiarmente e profissionalmente inserido tem um valor relativo pois sempre este e não deixou de cometer crimes a que se soma o facto da instabilidade da dependência de ingestão de bebidas alcoólicas. Finalmente, em termos de prevenção geral as necessidades são acentuadas pois o crime em causa vem sendo cometido de forma cada vez mais frequente e a comunidade não compreenderia que fosse aplicada novamente uma pena de prisão suspensa na sua execução.

Argumenta o arguido que a pena não merece reparo, censura, tendo sido devidamente ponderada e mostra-se proporcional, adequada, justa e indicada, pelo que se deve manter.

Vejamos.

 Entremos no campo das penas de substituição da pena de prisão.

Critério material de aplicação das penas de substituição é que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, as finalidades de prevenção - geral e especial – do crime (artigos 40º, n.º 1, 70º, 46º, n.º 1, 50º, n.º 1, 58º, n.º1, e 60º, n.º2 do CP)[6], sendo de acentuar que a pena tem como finalidade primordial a proteção de bens jurídicos e, sempre que possível, a reintegração do agente na sociedade, agindo a prevenção geral positiva como limite à atuação da prevenção especial de socialização.

Assim, para efeito de aplicação de uma pena de substituição da pena de prisão, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.

Considerou o Tribunal recorrido que a suspensão da execução da pena de prisão cumpre de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pois que não obstante o arguido contar já com antecedentes por crimes vários, à data dos factos, o único antecedente por crime da mesma natureza daquele em apreço teve trânsito em julgado há mais de 10 anos, tendo a pena sido extinta em janeiro de 2014. Por outro lado, não obstante a instabilidade pautada pela dependência de ingestão de bebidas alcoólicas, o arguido encontra-se familiar e profissionalmente inserido, não se vê que tenha registadas condenações posteriores aos factos em apreço por crime da mesma natureza e admitiu parcialmente os factos. Tais circunstâncias fazem crer que a condenação em prisão, mesmo suspensa na execução, ainda permitirá a realização de um juízo de prognose favorável ao arguido no sentido da sua ressocialização tendo–se a esperança que o arguido acolha (mais) esta oportunidade com vista a viver em conformidade com o Direito.

Apreciemos.

Em primeiro lugar, quanto à ilicitude dos factos da violação da proibição de condução de veículos motorizados, haverá de se ponderar que a forma de execução do crime (condução de um veículo de duas rodas com motor elétrico incorporado diretamente à roda traseira, sem possuir quaisquer pedais, o que exigia, em exclusividade, para que este veículo se movesse, a potência desenvolvida pelo motor elétrico) é a forma menos grave de execução do crime, pois que dos factos provados apenas resulta que o veículo não passa de um velocípede com motor. Ora, a violação da proibição de condução de veículos motorizados pode ser graduada em termos de ilicitude de execução do facto desde o velocípede com motor até ao camião carregado de passageiros ou de mercadorias perigosas, pelo que a ilicitude do facto é baixa. Daqui resulta também que a culpa pelo facto seja relativamente mediana-baixa e que as exigências de prevenção geral, no sentido da confiança da comunidade na norma violada não vão além da baixa mediania. Já quanto às circunstâncias relativas às necessidades de prevenção especial, resultantes das demais condenações e do alcoolismo do arguido, cremos que são algo acentuadas como refere o recorrente. É manifesto o grande alheamento do arguido em relação às sanções que lhe foram sendo sucessivamente aplicadas.

Parece-nos, tudo visto, ser de concluir pela impossibilidade de fazer um juízo de prognose favorável à ressocialização do arguido em liberdade, ou seja, de que cumprindo a pena em liberdade é de crer que não volte a delinquir.

 São as exigências de prevenção especial que exigem que a pena de prisão aplicada ao recorrente não seja substituída pela suspensão da execução da pena ou por outra das penas de substituição, sob consequência de frustração das finalidades da punição em relação ao comportamento do arguido – que se quer leve uma vida no futuro sem cometer crimes –, mas já não será assim em relação à manutenção e reforço da confiança da comunidade nas normas colocadas em crise pelo comportamento criminoso do arguido, dada a pequena ilicitude do crime cometido.

Sendo necessária a aplicação de uma pena de prisão efetiva, vejamos da possibilidade da sua execução pelo regime de permanência da habitação.

O regime de permanência na habitação é um meio de execução da pena de prisão (efetiva) não superior a 2 anos[7]. Não se confunde com as penas de substituição (multa, suspensão da execução da pena de prisão, trabalho a favor da comunidade) nem tem qualquer afinidade com estas.

Materialmente são realidades diversas. De um lado temos uma mera forma de execução de uma pena principal e do outro penas autónomas de substituição. No caso do regime de permanência da habitação temos a execução de uma pena privativa da liberdade, de uma prisão domiciliária. Nas penas de substituição temos o afastamento da pena de prisão, tomando o seu lugar uma pena autónoma não detentiva, sendo executadas por definição em meio livre, sem reclusão ou confinamento no estabelecimento prisional ou domicílio.

Como vimos, critério material de aplicação das penas de substituição é que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, as finalidades de prevenção - geral e especial – do crime.

Já relativamente ao regime de permanência na habitação, por se tratar de um mero meio ou forma de execução da pena de prisão, o pressuposto material é o de que por meio deste regime se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão (artigo 43º, n.º 1 do CP)[8], o que constitui um critério bem distinto do respeitante às penas de substituição.

Com efeito, resulta dos artigos 42º, nº1 do CP e do artigo 2º do CEPMPL que as finalidades da execução da pena de prisão são, em primeiro lugar e essencialmente, a reintegração social do recluso na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, o que implica como objetivo primeiro da execução a não-dessocialização do recluso, e, em segundo lugar e acessoriamente, a satisfação das exigências de prevenção geral positiva, de defesa da sociedade[9].

Para prossecução desse objetivo primeiro de socialização do condenado deve a execução da pena de prisão seguir um sistema progressivo de preparação para a liberdade e ser o menos restritivo possível do direito à liberdade, estando previstas na lei de execução de penas medidas de flexibilização, a liberdade condicional, as licenças de saída e o regime de permanência na habitação.

Assim, o critério material fundamental para a opção entre a execução da pena de prisão no estabelecimento prisional ou na habitação é o de qual o melhor modo de proporcionar ao condenado as condições necessárias para conduzir no futuro a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes.

Caso nenhum dos modos de execução da pena de prisão se apresente como decisivamente melhor posicionado para a socialização do condenado, assumirá o papel primordial o regime de permanência na habitação, de acordo com os princípios vigentes no nosso sistema penal.

Com efeito, no sistema penal português, por imposição constitucional decorrente dos princípios da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções penais (artigo 18º, n.º 2 da CRP e, entre outros, artigos 70º e 98º do CP), a pena de prisão é a ultima ratio da política criminal[10].

Mas mesmo quando a pena de prisão tiver de ser aplicada, por insuficiência das penas alternativas ou de substituição, o regime de execução da privação da liberdade deve ser, também em obediência ao princípio constitucional da proporcionalidade da restrição dos direitos, o menos restritivo possível do direito à liberdade[11].

Lendo o artigo 43º do Código Penal, podemos afirmar que o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional é a opção derradeira para a execução de penas de prisão (efetivas) até dois anos[12].

Com efeito, nos termos do artigo 43º, n.º 1 do Código Penal «Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão (efetiva) não superior a dois anos;

b) A pena de prisão (efetiva) não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º»

O advérbio sempre com que se inicia a norma legal, confirma perentoriamente como opção derradeira a execução da prisão intra muros.

A regra é a de que a execução das penas de prisão até dois anos tem lugar através do regime de permanência na habitação, constituindo o cumprimento em estabelecimento prisional a exceção.

Só quando o tribunal chegar à conclusão de que a execução da pena privativa da liberdade na habitação se mostra desadequada, v.g. por falta de condições de exequibilidade, ou insuficiente para satisfazer as finalidades de prevenção é que pode optar pela execução dentro dos muros da cadeia

Resulta do artigo 43º do Código Penal que são pressupostos da aplicação do regime de permanência na habitação como meio de execução da pena de prisão:

- o consentimento do condenado;

- que a pena de prisão (efetiva) que o condenado tenha de cumprir não seja superior a dois anos;

- que pelo regime de permanência na habitação se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.

Verificando-se estes pressupostos, o Tribunal tem o poder-dever de ordenar a execução da pena pelo regime de permanência na habitação.

Descendo ao caso dos autos, verificamos que os pressupostos formais – consentimento e pena de prisão (efetiva) não superior a dois anos – estão preenchidos.

Passemos ao pressuposto material – as finalidades da execução da pena de prisão.

As finalidades da execução da pena de prisão, no seguimento do disposto no artigo 40º do Código Penal, são a da prevenção especial de ressocialização e a da satisfação das exigências de prevenção geral positiva.

É o que resulta do disposto no artigo 42º, n.º 1 do Código que dispõe: «A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.»

Ora, para a ressocialização do condenado é preciso desde logo tentar minimizar os efeitos criminógenos da reclusão e tentar aproximá-lo, tanto quanto possível, das condições de vida dos cidadãos em liberdade. Objetivos esses que o regime de permanência na habitação, enquanto meio de execução da pena de prisão, estará decerto melhor apetrechado para atingir.

Voltando ao caso dos autos, perguntemo-nos, como tem sido feito em acórdãos anteriores[13]:

A execução em regime de permanência na habitação da pena de oito meses de prisão (efetiva) aplicada ao condenado nestes autos servirá, por um lado, para o preparar para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, e, por outro, será suficiente para manter a confiança da generalidade dos cidadãos nas normas que protegem a autonomia intencional do Estado?

Ou, inversamente, só o cumprimento da pena de prisão dentro do estabelecimento prisional servirá para atingir tais fins?

Antes de responder, é preciso que se note de que se trata sempre da execução de uma pena de prisão (efetiva) – de uma reação criminal privativa da liberdade.

 Não falamos de penas alternativas ou de substituição da pena de prisão. A pena de multa, a de prisão suspensa, o trabalho a favor da comunidade são realidades bem diversas.

Aqui o que está em causa são apenas dois modos diferentes de execução da pena de prisão (efetiva) – duma pena privativa da liberdade -, na cadeia ou em casa.

E não se diga que a perda de liberdade executada na habitação não é uma pena dura, mas antes um mal pouco significativo, um mero conjunto de inconveniências, imposto à pessoa condenada. Basta lembrarmo-nos dos confinamentos à habitação decretados ou impostos nos tempos da pandemia covidiana para vermos que assim não é. Todos passámos por eles e sabemos o que custa essa perda da liberdade.

Estamos a tratar de uma pena de prisão efetiva, da mais dura das penas previstas no nosso sistema penal, e não de uma pena substitutiva ou alternativa. Não se trata de conceder uma oportunidade ou ser benevolente, mas tão só de decidir da melhor forma de executar a pena de prisão, face aos fins (de prevenção) que se pretendem atingir, sem perder de vista os princípios humanistas que enformam a nossa Constituição Penal.

 É certo que o arguido conta já com 10 condenações pela prática de crimes rodoviários e 1 crime de violação de proibições, embora constatemos que algumas sejam já algo antigas, tendo-lhe sido aplicadas desde penas de multa a prisão sendo que a última condenação, posterior aos factos dos autos, pela prática de crime de condução em estado de embriaguez redundou na aplicação ao arguido de uma pena de prisão a executar em RPHVE.

E certo é que tudo junto parece impedir a formação de um juízo de prognose favorável à aplicação de uma pena de substituição, exigindo a aplicação duma pena de prisão (efetiva) por razões de prevenção especial de socialização.

Mas uma coisa é concordar com a necessidade de aplicação de uma pena de prisão (efetiva), algo bem diferente é rejeitar a possibilidade de a pena de prisão (efetiva) poder ser executada em regime de permanência na habitação.

Quem está em RPH está em cumprimento de uma pena de prisão (efetiva), só que em casa em vez de na cadeia.

Assim, o facto de se exigir, por razões de prevenção, o cumprimento de uma pena de prisão (efetiva), não impede que a mesma seja cumprida em casa, em regime de permanência na habitação.

Este regime não consiste apenas na colocação do condenado em casa e fechando-lhe a porta. No regime de permanência na habitação tem lugar na individualização da execução um plano individual de readaptação, o que também contribuirá positivamente para a sua ressocialização, designadamente através da frequência de programas de ressocialização e de reencaminhamento para consultas para atacar os problemas relacionados com o abuso de bebidas alcoólicas.

Posto isto, procuremos então dar resposta à questão que colocámos da suficiência da execução da pena de oito meses de prisão (efetiva) aplicada em regime de permanência na habitação.

Começando pelas exigências de prevenção geral, cabe referir que numa situação como a dos autos, com um grau de ilicitude baixo, o são sentimento da comunidade na confiança na validade das normas que obrigam a cumprir as proibições impostas haverá de ficar satisfeito e reforçado com o cumprimento de uma pena de prisão (efetiva): seja na cadeia ou em casa. A moderação das penas, quer na aplicação quer na execução, é uma ideia que na aplicação de um direito penal humanista como o nosso não se pode abandonar e o princípio constitucional da necessidade das penas, com incidência não só na escolha e determinação da medida como também na sua execução, não pode ser nunca olvidado. É preciso não esquecer que a ilicitude do caso dos autos mostra-se baixa, tendo em conta que se tratava de um velocípede com motor em que circulava apenas o condutor.

A perda de liberdade implicada é decerto suficiente para reforçar tal sentimento comunitário.

Passando às exigências de prevenção especial, diremos que também estas serão satisfeitas, dada a liberdade que o condenado nos autos perderá e o controlo apertado que sofrerá. Acresce que o arguido está laboral e socialmente inserido. Dos factos provados resulta também que o arguido tem apoio familiar. Sendo ainda de acrescentar em sentido positivo em sede de prevenção especial que o regime de permanência na habitação não se limita à mera colocação do condenado na habitação, pois que na individualização da execução tem ainda lugar um plano de reinserção social, o que também contribuirá positivamente para a sua ressocialização, designadamente através do reencaminhamento para consultas (se consentidas) para atacar os problemas relacionados com o abuso de bebidas alcoólicas.

A única vantagem da execução da pena de prisão em estabelecimento prisional no caso dos autos seria a da chamada prevenção de inocuização na sua forma mais pura (na cadeia) e indesejável, o que não acreditamos ser imposto na situação. De facto, a natureza do crime cometido, o passado do arguido e as suas condições de vida e personalidade não parecem impor tal solução derradeira. Bastará, cremos nós, o cumprimento de uma pena de prisão (efetiva), mas executada em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º do Código Penal, com o devido plano de reinserção social.

Quanto à autorização de saídas com a permissão de ausências por um período diário correspondente ao seu horário de trabalho, haverá de se referir que tal possibilidade está prevista no n.º 3 do artigo 43º do Código Penal e é  até de encarar como um dos fatores de ressocialização (ou não dessocialização) de maior relevo previstos nesta forma de execução da pena de prisão, tendo paralelo  no campo da execução da pena de prisão em estabelecimento prisional com o regime aberto no exterior (artigo 12º, n.º 3-b do CEPMPL) que se caracteriza pelo desenvolvimento de atividades de ensino, formação profissional, trabalho ou programas em meio livre, sem vigilância direta.

Aliás, seria um contrassenso e uma grave contradição do sistema admitir-se para a execução da pena de prisão (efetiva) na cadeia um regime com possibilidade de desenvolvimento de atividades de ensino, formação profissional, trabalho ou programas em meio livre e não o fazer para a modalidade de execução da pena de prisão (efetiva) na habitação.

Tal permissão de ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado, tanto pode ter lugar logo na sentença como posteriormente, até ao termo da pena, em sede de modificação das condições do regime de permanência na habitação, quando ocorram circunstâncias supervenientes relevantes nos termos do artigo 44º, n.º 1 do Código Penal (As autorizações de ausência e as regras de conduta podem ser modificadas até ao termo da pena sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.)

No caso dos autos, tendo em conta o facto de que o arguido trabalha, será de autorizar de imediato as ausências necessárias para poder cumprir com o seu horário de trabalho.

Concluindo, preenchidos que estão os pressupostos de que, nos termos do artigo 43º, n.º 1 do Código Penal, depende a aplicação do regime de permanência na habitação, resta a concretização das questões técnicas para a execução da medida, nomeadamente as relativas à instalação dos meios de vigilância eletrónica, ao consentimento de familiares.   Concretização essa que caberá ao Tribunal de primeira instância, realizando as diligências necessárias.

Desde já se afirma que, caso não seja possível a concretização das condições técnicas necessárias à execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, o condenado terá de cumprir a pena em estabelecimento prisional.

Assim, caberá dar provimento ao recurso, alterando a sentença recorrida, revogando a suspensão da execução da pena de oito meses de prisão em que foi condenado, decretando que a execução da pena de oito meses de prisão aplicada ao arguido seja cumprida em regime de permanência na habitação, desde já se autorizando as saídas para cumprir o seu horário de trabalho.


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3- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e, em consequência, alteram a sentença recorrida, revogando a suspensão da execução da pena de oito meses de prisão em que o arguido foi condenado e decretando que a execução da pena de prisão de oito meses de prisão aplicada ao arguido seja cumprida em regime de permanência na habitação, desde já se autorizando as saídas para cumprir o seu horário de trabalho.

O Tribunal de primeira instância realizará as diligências necessárias à concretização da execução da medida, designadamente solicitando à DGRSP a realização de plano de reinserção social.

Sem custas


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Notifique.

Porto, 28 de fevereiro de 2024
William Themudo Gilman
Maria Dolores da Silva e Sousa
Francisco Mota Ribeiro
________________
[1] Cfr. sobre esta matéria: Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 687-690; Ac. TC 347/2000 e Ac. TC 444/97, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000347.html, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19970444.html .
[2] https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000347.html .
[3] Cfr. sobre estes aspetos, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 685-687.
[4] No sentido da não violação do princípio da igualdade pela Lei n.º 38-A/2023, cfr. o Ac. TRP de 19.12.2023, proc. 24/21 .4PEPRT-B.P1 (Raul Cordeiro), não publicado em www.dgsi.pt, mas disponível para consulta no livro de registo de sentenças desta relação sentenças desta Relação; o Ac. TRC de 22.11.2023, proc. 39/07.5TELSB-H.C1 (João Abrunhosa), in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/d2762142f201fda180258a830039c6f0?OpenDocument
[5] Cfr. a decisão sumária do TRP de 05.01.2024, proc. 30/21.9SFPRT-B.P1 (William Themudo Gilman, in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/e2a957f45ab7486080258aa6003995ae?OpenDocument&Highlight=0,amnistia .
[6] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 331; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p.92.
[7] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p.106 e 114
[8] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 112.
[9] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 104-106; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 110.
[10] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 52-53; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 18, 20-21.
[11] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 106.
[12] Cfr. sobre a aplicação do Regime de Permanência na Habitação em contexto de crime rodoviário o Ac. TRP de 18-12-2018 - proc. 229/18.5GAFLG.P1 (William Themudo Gilman), in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4ca6077de029732f802583a9003f252f?OpenDocument, bem como o Ac. TRP de 21-09-2022 (Proc. n.º 67/20.5GEVNG.P1) e o Ac. TRP de 29.03.2023 (proc. 421/22.8PDPRT.P1, não publicados em www.dgsi.pt, mas consultáveis através da plataforma citius no livro de registo de decisões desta Relação), e ainda o Ac.TRP de 15.02.2023, proc. 394/22.7GBOBR.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/2b2510386ba880fe80258965003786ec?OpenDocument.
[13] Questões colocadas também nos já citados acórdãos: o Ac. TRP de 18-12-2018 - proc. 229/18.5GAFLG.P1 (William Themudo Gilman), in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4ca6077de029732f802583a9003f252f?OpenDocument, bem como o Ac. TRP de 21-09-2022 (Proc. n.º 67/20.5GEVNG.P1) e o Ac. TRP de 29.03.2023 (proc. 421/22.8PDPRT.P1, não publicados em www.dgsi.pt, mas consultáveis através da plataforma citius no livro de registo de decisões desta Relação), e ainda o Ac. TRP de 15.02.2023, proc. 394/22.7GBOBR.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/2b2510386ba880fe80258965003786ec?OpenDocument.