Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
229/18.5GAFLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: WILLIAM THEMUDO GILMAN
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RP20181218229/18.5GAFLG.P1
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL DE RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 738, FLS.63-70)
Área Temática: .
Sumário: No caso em apreço, relativo a crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal praticado por agente com antecedentes criminais, a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades dessa pena.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 229/18.5GAFLG.P1
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Acordam em conferência na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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1 - RELATÓRIO
No processo especial, sob a forma sumária, nº 229/18.5GAFLG, do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo Local Criminal de Felgueiras foi julgado o arguido B… e condenado, como autor de um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3, n.º 2 do DL 2/98, de 3/1, na pena de nove meses de prisão.
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Não se conformando com esta sentença, o mesmo arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):
«CONCLUSÕES
I - Não se conforma o arguido com a pena de prisão de 9 meses em que foi condenado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, porque não foram devidamente pesados, em benefício do arguido, o baixo grau da ilicitude do facto, a ausência de consequências para terceiros advindas do facto criminoso, a idade de 24 anos do arguido, o facto de ele revelar alguma integração profissional e familiar, que impunham que uma pena de prisão que viesse a ser aplicada se situasse abaixo do primeiro quinto da moldura legal, pelo que a douta sentença violou o disposto nos artigos 71.° n.° 1 e n.° 2 al a) e d) do CP.
II - Não se conforma o arguido com a não aplicação do regime de permanência na habitação, consagrado no artigo 43.° n.° 1 al. a) do CP, uma vez que com tal regime ainda sofrerá a privação da liberdade que a douta sentença reclama para a ressocialização do arguido e a restauração da confiança da sociedade na validade da norma violada pelo arguido, sem que, porém, o arguido, que tem 24 anos, seja sujeito ao inapagável estigma da pena de prisão efectiva, a mais gravosa de todas as penas e que apenas poderá ser aplicada, em última instância, se se demonstrar que nenhuma das outras é suficiente.
III - Os autos não evidenciam que a aplicação do regime de permanência na habitação não seja suficiente para cumprir as exigências de prevenção geral e especial, uma vez que se trata de um crime de condução sem habilitação legal, que o arguido jamais foi submetido a tal pena, tendo, até à data em que cometeu o crime destes autos, cumprido penas não privativas da liberdade, pelo que a douta sentença violou o artigo 43.° n.° 1 do Código Penal.
IV - Quer se mantenha a medida da pena - o que não se concede -, quer não, sempre se impõe que a pena de prisão efectiva seja substituída pelo regime de permanência na habitação.
Termos em que concedendo V. Exas provimento ao presente recurso e revogando a douta sentença, farão V. Ex.ªs Justiça.»
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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
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Nesta sede o Exmo. Procurador-geral Adjunto, no seu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1 - QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
Determinação da medida da pena principal aplicada, que no entender do recorrente deverá ser de pena de prisão abaixo do primeiro quinto da moldura legal.
Meio de execução da pena de prisão: que o recorrente pretende seja em regime de permanência na habitação.
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2.2 - A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto e de direito, que é a seguinte (transcrição):
“II - Fundamentação de facto:
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
A) No dia 3.Abri1.2018, pelas 18h45m, o arguido B… conduziu o veículo ligeiro de passageiros da marca Ford, modelo Fiesta, com a matrícula .. - .. - FI, pela Rua …, …, Felgueiras, sem que estivesse devidamente habilitado por carta de condução emitida por entidade competente para aquela categoria de veículos;
B) Ao actuar do modo descrito, o arguido bem sabia não ser titular de carta de condução e que que não podia tripular veículo automóvel na via pública sem se encontrar autorizado por licença para esse efeito e, não obstante, não se coibiu de o fazer;
C) O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei;
D) O arguido já sofreu as seguintes condenações:
- no proc. 558/15.0GAFAF, da Instância Local Criminal do TJ de Braga Fafe, por sentença de 15/7/015, transitada em julgado em 30/9/015, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €5,00, por factos cometidos em 8/7/015;
- no proc. 797/14.0GAFAF, da Instância Local Criminal do TJ de Braga Fafe, por sentença de 18/12/015, transitada em julgado em 18/12/015, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,50, por factos cometidos em 18/11/014;
- no proc. 1/15.4GAFAF, da Instância Local Criminal do TJ de Braga - Fafe, por sentença de 17/5/016, transitada em julgado em 5/12/016, pela prática de crime de maus tratos, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa por igual período de tempo e acompanhada por regime de prova, por factos cometidos em Dezembro/O 14;
- no proc. 354/14.1GAFAF, do Juízo Central Criminal de Guimarães do TJ de Braga (13), por acórdão de 9/11/016, transitado em julgado em 12/5/017, pela prática de crimes de ofensa à integridade tisica qualificada e ameaça agravada, na pena única de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa por igual período de tempo e acompanhada por regime de prova, por factos cometidos em 30/5/014, 11/7/014, 14/7/014,4/8/014,29/8/014 e 9/9/014;
- no proc. 96/17.6GACBT, do Juízo de Competência Genérica de Celorico de Basto do TJ de Braga, por sentença de 31/5/017, transitada em julgado em 10/7/017, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de sete meses de prisão, suspensa pelo período de um ano e com sujeição a deveres, por factos cometidos em 14/4/017;
- no proc. 856/14.0GAF AF, do Juízo Local Criminal de Fafe do TJ de Braga, por sentença de 13/12/016, transitada em julgado em 27/3/017, pela prática de crimes de furto qualificado e de furto qualificado na forma tentada, na pena única de dois anos e nove meses de prisão, suspensa por igual período de tempo e acompanhada por regime de prova, por factos cometidos em 6/12/014 e 8/1/015;
- no proc. 905/15.4GAFLG, do Juízo Local Criminal de Felgueiras do TJ do Porto Este, por sentença de 16/12/016, transitada em julgado em 30/1/017, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de três meses de prisão, substituída por 90 dias de multa à taxa diária de €5,50, por factos cometidos em 2/10/015;
- no proc. 397/15.8GAFAF, do Juízo Local Criminal de Fafe do TJ de Braga, por sentença de 6/4/017, transitada em julgado em 17/5/017, pela prática de crime de furto qualificado, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período de tempo e acompanhada por regime de prova, por factos cometidos em 18/5/015;
E) O arguido é o segundo de cinco descendentes de um casal de condição socioeconómica modesta, inserido em freguesia rural de Fafe; o pai é operário no sector da construção civil, actividade exercida maioritariamente no estrangeiro; os filhos permaneceram aos cuidados da progenitora, que assumiu a responsabilidade pelo seu processo educativo e supervisão; o pai assumia-se como o principal responsável pela sustentabilidade do agregado, enviando mensalmente à família valores pecuniários que eram geridos pela mãe; esta registou várias experiências profissionais, com alguns períodos de desemprego, durante os quais beneficiou de subsídio de desemprego ou rendimento social de inserção; os avós matemos do arguido apresentaram-se como figuras de suporte e apoio, quer na supressão de necessidades, quer na supervisão diurna daquele (na ausência da mãe); o arguido descreveu uma relação não gratificante com a progenitora, verbalizando insatisfação relativamente às práticas educativas exercidas por esta; a dinâmica familiar parece ter-se desenrolado de forma disfuncional, com relatos de agressividade do progenitor relativamente à mãe, divergências ao nível da gestão financeira e dificuldades de supervisão parental, sobretudo do comportamento do arguido, potenciadas pela ausência da figura paterna; o arguido frequentou o sistema de ensino em idade própria, tendo concluído o 9° ano de escolaridade; registou algumas retenções, descrevendo um trajecto escolar pautado por problemas de comportamento disruptivo, absentismo escolar e preferência pelo convívio com os amigos em detrimento dos conteúdos académicos; com cerca de seis/sete anos, foi-lhe diagnosticada Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, pelo que o arguido foi acompanhado na especialidade de pedopsiquiatria ao longo do seu desenvolvimento infanto-juvenil e sujeito a intervenção psicofarmacológica; perante a rejeição das propostas terapêuticas por parte do arguido e as dificuldades da progenitora em supervisionar/controlar o seu comportamento, aquele passou a tomar medicação injectável (risperidona), quinzenalmente, nos competentes serviços de saúde; existem relatos de envolvimento frequente do arguido em episódios de conflito fisico com os pares escolares, situações que terão culminado em processos disciplinares e suspensões; mais tarde, o arguido passou a frequentar o estabelecimento de ensino Escola C…, em Celorico de Basto, em regime de internato; nesta fase, entre os dezasseis e os dezassete anos de idade, o arguido descreveu-se como um jovem reactivo e com dificuldades ao nível do controlo dos impulsos; valorizava a superioridade fisica relativamente aos pares, admitindo um incremento ao nível da auto-estima e autoconfiança daí decorrentes; iniciou, também, o consumo de bebidas alcoólicas, frequentemente de forma excessiva, bem como o consumo de produtos estupefacientes de baixo poder aditivo (designadamente haxixe); concluído o 9° ano de escolaridade, aos dezoito anos de idade, integrou o mercado de trabalho no sector da construção civil, ao serviço de uma empresa que operava na Bélgica e Holanda, países nos quais se manteve durante um ano; regressado a Portugal, o arguido reintegrou o agregado de origem, envolvendo-se num estilo de vida relativamente desorganizado, centrado na busca de oportunidades de sobrevivência financeira, frequência de espaços de diversão nocturna e ingestão de bebidas alcoólicas; durante este período não registou enquadramento laboral formal, descrevendo um quotidiano pouco estruturado; a relação com a família de origem manteve-se disfuncional, havendo relatos de episódios de agressividade entre os seus elementos, designadamente do arguido com a progenitora e irmãos mais novos, daqui tendo resultado um processo criminal (processo 354/14.1GAFAF), no qual foi proferida decisão condenatória numa pena de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova; o arguido foi obrigado a afastar-se da residência da progenitora, passando a viver com a avó materna. Em finais de 2015, o arguido mudou-se para Felgueiras, autonomizando-se e constituindo agregado com a namorada, em imóvel pertencente aos pais desta; deteve, no ano de 2016, algumas experiências profissionais de curta duração, numa bomba de gasolina e em empresas da indústria do calçado; entre Março e Abril de 201 7, o arguido terminou a relação com a namorada, reintegrando, consequentemente, o agregado da avó materna; em Setembro/O 17 emigrou para a Bélgica, país no qual refere ter exercido actividade profissional no sector da hotelaria; regressou a Portugal, reintegrando o agregado da avó materna, no qual permanece até ao presente; no presente, o arguido integra o agregado constituído por si e pela avó materna, reformada; apresenta uma trajectória profissional instável e baseada na informalidade, referindo encontrar-se a trabalhar, de forma irregular e não declarada, em empresa de calçado situada em Felgueiras; perspectiva a possibilidade de emigrar a curto prazo, encontrando-se a aguardar colocação profissional por parte de uma agência de emprego, ainda sem data prevista para o efeito; refere auferir rendimentos variáveis na ordem dos €500,00 mensais, não mencionando dificuldades económicas de relevo; aparentemente organiza o quotidiano em tomo da actividade profissional, dedicando os tempos livres ao convívio com uma namorada e amigos em cafés, bares, frequentando ainda um ginásio em Felgueiras; o arguido mantém relação pouco consistente com os irmãos e progenitor, não contactando com a mãe e irmã mais nova; beneficia do suporte emocional e logístico por parte da avó, surgindo esta como a única figura que ainda vai apoiando o arguido, embora não detenha qualquer ascendência sobre este; o arguido apresenta características pessoais indicadoras de impulsividade, reactividade, tendência para o tédio e busca de estimulação, admitindo descontrolar-se em algumas situações, sobretudo quando provocado ou desafiado; como actividades de tempos livres pratica ocasionalmente boxe e corrida em circuito (mota e/ou carro); no seu meio de residência, em Fafe, são conhecidos os problemas anteriores ao nível das relações familiares do arguido, sendo-lhe, porém, reportado um comportamento adequado e educado com a comunidade vicinal; o arguido encontra-se a cumprir, no presente, cerca de cinco medidas probatórias em simultâneo, reflectindo superficialmente acerca da sua situação jurídico-penal actual, mostrando preocupação com as limitações à sua liberdade que daí possam advir; nesses processos, o arguido esteve em situação de incumprimento até 22/1/018, altura em que se apresentou nos serviços da DGRSP, manifestando disponibilidade para colaborar na elaboração dos respectivos planos de reinserção social; não obstante, não tem comparecido às entrevistas para as quais é convocado, manifestando uma atitude pouco colaborante com a DGRSP e um baixo compromisso relativamente às injunções impostas nas medidas probatórias que lhe foram impostas, bem como baixa motivação para a mudança.
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III - Motivação:
A convicção do Tribunal apoia-se no conjunto da prova produzida em julgamento, apreciada à luz das regras da experiência e segundo a sua livre convicção - art° 127 do CPP - designadamente, nas declarações do arguido, no depoimento das testemunhas D… e E…, e nos doe, de fls. 3 a 5 (auto de notícia), 36, 58 a 62 (relatório social elaborado pela DGRS).
O arguido afirmou que, no dia dos factos que lhe são imputados, se encontrava a trabalhar numa sucata situada no local, tendo-se dirigido ao referido veículo automóvel, pertencente a sua namorada, para ir buscar um casaco, altura em que foi abordado pelos militares da GNR, os quais o viram a dirigir-se para o veículo, tendo-lhe sido por estes solicitado a exibição dos documentos pessoais e do veículo, que não tinha consigo. Mais referiu que tal veículo automóvel não trabalhava e que ali se encontrava estacionado há dois dias porque ia para abate na aludida sucata, esclarecendo que o mesmo para ali foi transportado por um reboque e que do local saiu nas mesmas circunstâncias. Assumiu não ser titular de carta de condução, o que se confirma pelo doe. de fls. 36 (print do IMT).
A testemunha D…, militar da GNR que deteve o arguido, afirmou que se dirigiu ao local por haver notícia da ocorrência de um furto, tendo ali lhe sido dito que o autor de tal furto era o condutor do veículo com a matrícula .. - .. - FI, o qual se encontrava estacionado no local sem pessoas no interior, sendo pouco depois alertado para o facto de tal veículo se estar a ausentar do local, motivo pelo qual foi no seu encalço durante cerca de 500 metros, altura em que foi interceptado, sendo que o mesmo era conduzido pelo arguido, que logo assumiu não ser titular de carta de condução, motivo pelo qual foi detido.
Por seu turno, a testemunha E…, militar da GNR que acompanhava a testemunha anterior, corroborou o depoimento desta, esclarecendo, ainda, que da comunicação do alegado furto foi também referido que o seu autor havia deixado o veículo que conduzia estacionado no local e que havia fugido para o mato. Mais esclareceu que, no local, enquanto procediam à identificação da lesada, foi pedido a uma vizinha para estar atenta ao tal veículo, tendo esta dado o alerta da presença do condutor, pelo que logo para aí se dirigiu acompanhado pela testemunha anterior e no veículo policial, seguindo no encalço de tal veículo, que acabou por ser interceptado numa via sem saída, sendo o seu condutor o arguido, que logo assumiu não ser titular de carta de condução.
Da conjugação dos depoimentos destas testemunhas, prestados de forma segura, clara e isenta, resulta, sem qualquer dúvida, que o arguido, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, conduziu o aludido veículo automóvel na via pública, assim infirmando a versão dos factos apresentada por aquele, sendo certo que o arguido, tendo-se comprometido a fornecer a identificação do sucateiro e da pessoa que rebocou o veículo, não o fez e não compareceu à posterior sessão de julgamento.
Assim, da conjugação de toda a prova produzida com as regras da experiência, logrou o Tribunal formar a convicção no sentido em que fixou a matéria fáctica provada.
Pelo Tribunal foi também atendido o CRC do arguido de fls. 23 a
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IV - Fundamentação de Direito:
Vem o arguido acusado pela prática de um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal, p. e p. pelo art° 3, n02 do DL 2/98, de 3/1.
Resultou apurado em julgamento que, nas apontadas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido conduziu um veículo automóvel na via pública, sem que para tal estivesse habilitado por carta de condução emitida por entidade competente para aquela categoria de veículos.
Mais resultou provado que, ao actuar do modo descrito, o arguido bem sabia que não podia tripular veículo automóvel na via pública sem se encontrar autorizado por licença para esse efeito e, não obstante, não se coibiu de o fazer, tendo agido livre e conscientemente e sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.
A sua conduta preenche, pois, o tipo de crime p. e p. pelo art° 3, n02 do DL 2/98, de 3/1, encontrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal, pelo que se impõe a sua condenação.
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O crime de condução sem habilitação legal é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias (cf. art° 3, nº 2 do DL 2/98, de 3/1).
Nos termos do art° 71 do CP, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele, designadamente as elencadas nesse preceito.
Por outro lado, nos termos do art° 40, n02 do CP, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Culpa e prevenção são, assim, nas palavras do Prof. Figueiredo Dias, os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena, o que vale dizer de determinação concreta da pena (cfr. Direito Penal Português, Parte Geral, II - As Consequências do Crime, 280). Sendo que o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é "aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite é fornecido pelas exigências irrenunciáveis do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou em casos particulares, de advertência ou de segurança do delinquente" (cfr. mesmo autor, in Revista Portuguesa de Ciência criminal, Ano 3, Abril, Dezembro 1993, págs. 186 e 187).
Tendo presentes os critérios supra referidos, há que atender, na determinação da medida concreta da pena, ao grau de ilicitude, que se configura com um grau médio, e ainda ao dolo, no caso bem definido, dolo directo.
As exigências de prevenção geral e especial impõem rigor punitivo, tendo em consideração a ocorrência frequentes deste tipo de ilícito, bem como o facto de o arguido já ter sofrido quatro condenações pela sua prática, em penas de multa, de prisão substituída por de multa e em pena de prisão suspensa na sua execução, o que revela que as mesmas não foram suficientes para o afastar da criminalidade.
Tudo ponderado, e tendo em consideração o passado criminal do arguido, impõe-se a aplicação, no caso concreto, de pena de prisão, já que o mesmo não só revela desprezo pela ordem jurídica, pondo em perigo as expectativas dos demais cidadãos na validade das normas jurídico-penais (prevenção geral), como evidencia que, relativamente a si, as respostas penais não privativas da liberdade se mostram desprovidas de qualquer eficácia (prevenção especial). Assim, entende o Tribunal que, perante as exigências decorrentes das finalidades da punição, se impõe a aplicação de pena privativa da liberdade (cf. art° 70 do CP).
Tudo ponderado, tem o Tribunal por ajustada a pena de nove meses de prisão.
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A aplicação da pena de suspensão de execução da pena de prisão só pode e deve ser aplicada se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - art° 50, nº1, do CP.
Assim, para aplicação daquela pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Por outro lado, o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
A jurisprudência tem assim vindo a acentuar que "A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado", em que na sua base está sempre um juízo de prognose social favorável ao agente, baseada num risco de prudência, em que se deverá "reflectir sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo envolvente da infracção" (neste sentido, cf. Acórdão do STJ de 9/1/02, divulgado em http://www.stj.pt).
No caso em apreço, resulta muito claramente da factualidade assente que as necessidades de prevenção geral e especial impedem a aplicação de qualquer pena de substituição e, concretamente, da suspensão da execução da pena de prisão. A factualidade assente, nomeadamente, o historial delituoso do arguido não alimenta a esperança de que ele sentirá a condenação suspensa como uma advertência e de que não cometerá no futuro qualquer delito.
Efectivamente, o arguido praticou os factos pelos quais é condenado no período de suspensão da execução das penas de prisão aplicadas nos proc. 1/15.4GAFAF (trânsito em 5/12/016), 354/14.1GAFAF (trânsito em 12/5/017), 96/17.6GACBT (trânsito em 10/7/017, sendo a condenação por crime de condução de veículo sem habilitação legal), 856/14.0GAFAF (trânsito em 27/3/017) e 397/15.8GAFAF (trânsito em 17/5/017).
Por isso, no caso concreto, a suspensão da execução da pena não seria compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça. Com a suspensão da execução da pena não ficaria acautelada a defesa do ordenamento jurídico.
Por outro lado, a prática do crime é ainda a expressão de um defeito de socialização do arguido, que não consente uma esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda. Perante o comportamento obstinado do arguido de desrespeito e desprezo pelo direito, a repetição de vários ilícitos da mesma natureza pelos quais foi condenado, permite concluir que a suspensão da execução da pena não configuraria um risco prudencial mas uma imprudência. A reiteração das condutas delituosas não possibilita formular um juízo de prognose de ressocialização favorável.
Acresce que, como referido no relatório social, o arguido apresenta uma trajectória profissional instável e baseada na informalidade, beneficiando do suporte emocional e logístico por parte da avó, surgindo esta como a única figura que ainda o vai apoiando, embora não detenha qualquer ascendência sobre o arguido. O arguido apresenta características pessoais indicadoras de impulsividade, reactividade, tendência para o tédio e busca de estimulação, admitindo descontrolar-se em algumas situações.
Acresce que o arguido, sobre as medidas probatórias em que foi condenado, reflecte superficialmente acerca da sua situação jurídico-penal actual, mostrando preocupação com as limitações à sua liberdade que daí possam advir, sendo que esteve em situação de incumprimento até 22/1/018, altura em que se apresentou nos serviços da DGRSP, manifestando disponibilidade para colaborar na elaboração dos respectivos planos de reinserção social, não obstante, não tem comparecido às entrevistas para as quais é convocado, manifestando uma atitude pouco colaborante com a DGRSP e um baixo compromisso relativamente às injunções impostas nas medidas probatórias que lhe foram impostas, bem como baixa motivação para a mudança.
Denota, pois, o arguido falta de consciência da gravidade dos seus actos e desprezo pelas obrigações que lhe foram impostas por decisões judiciais.
Por isso, só a pena efectiva de prisão poderá assegurar o efeito essencial de prevenção geral e satisfazer a necessidade de socialização do arguido.
Em suma, conclui-se que a ineficácia da pena não privativa da liberdade - ou de uma forma não detentiva de execução da pena de prisão - para a realização das finalidades da punição se encontra devidamente demostrada nos autos, pelo que não é de substituir a pena de prisão ora imposta por pena de multa ou por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, nem proceder à sua suspensão, nem tampouco determinar o seu cumprimento no termos do arte 43 do CP, sob pena de se não realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
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2.3.- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
2.3.1.- Determinação da medida da pena principal aplicada.
Comecemos pela determinação da medida da pena principal aplicada nos presentes autos, pena essa com a qual o recorrente não concorda, pois entende que deverá ser fixada abaixo do primeiro quinto da moldura legal.
A moldura penal aplicável ao crime de condução sem habilitação legal é, de acordo com o disposto no artigo 3º, n.º 2 DL 2/98, de 3/1 e artigos 41º, n.º 1 e 47º, n.º 1 do Código Penal, de pena de prisão de um mês até dois anos ou pena de multa de 10 até 240 dias.
Vista a moldura penal, com previsão em alternativa de prisão ou multa, cabe assinalar que, de acordo com o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal, a escolha da pena a aplicar é determinada pelas necessidades de prevenção – geral positiva e especial de socialização. São estas necessidades que justificam a opção pela pena privativa ou pena não privativa da liberdade – pena alternativa ou pena de substituição.
Entendeu o Tribunal recorrido e nessa parte o recorrente não discordou que face às exigências de prevenção geral e especial do caso dos autos, nomeadamente tendo em conta o passado criminal do arguido, com quatro condenações anteriores em penas não privativas da liberdade, pelo cometimento do mesmo tipo de ilícito, se impunha, ao abrigo do artigo 70º do CP, a aplicação de pena privativa da liberdade. Mais entendeu o Tribunal recorrido, face ao passado delituoso do arguido, disso não tendo também o recorrente discordado, a inaplicabilidade ao caso sub iudice, por força das necessidades de prevenção geral e especial, de qualquer outra das penas de substituição previstas na lei penal.
Não havendo desacordo nesta parte, e cremos que com razão como ficou explicitado na sentença recorrida, para onde remetemos, não haverá aqui que gastar mais tempo ou argumentação com tal opção.
Passemos então à medida concreta da pena, que na sentença se fixou em nove meses de prisão.
A medida concreta da pena determina-se de acordo com o preceituado no artigo 71º, ou seja:
“... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.
Resulta deste preceito que são as exigências de prevenção geral que hão-de definir a chamada moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena corresponderá à medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar. Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial determinar a medida concreta.
Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Vejamos.
A este respeito considerou-se na sentença recorrida, o grau de ilicitude mediano, o dolo directo; a ocorrência frequente deste tipo de ilícito; a circunstância de o arguido já ter sofrido quatro condenações pela sua prática, em penas de multa, de prisão substituída por de multa e em pena de prisão suspensa na sua execução; o que não só revela desprezo pela ordem jurídica, pondo em perigo as expectativas dos demais cidadãos na validade das normas jurídico-penais (prevenção geral), como evidencia, relativamente a si, que as respostas penais não privativas da liberdade se mostram desprovidas de qualquer eficácia (prevenção especial). Entendeu-se na sentença recorrida que as exigências de prevenção geral e especial no caso dos autos impõem rigor punitivo, daí a fixação a pena em nove meses de prisão.
Entendeu o recorrente ser baixo o grau da ilicitude do facto, mas não vemos como, pois o grau de ilicitude é mediano – condução de veículo sem habilitação legal, sem mais. A ausência de consequências para terceiros advindas do facto criminoso, neste tipo de crime não tem, só por si, relevo atenuante. A idade de 24 anos do arguido, já longe da delinquência juvenil, também não tem relevo atenuante, atento o número de condenações que com esta idade já possui. A integração profissional é ténue, a familiar tem relevo.
Tudo visto, contrariamente ao que pretende o recorrente, afigura-se adequada e proporcionada a medida de nove meses de prisão fixada pelo Tribunal recorrido, pois, tal como se refere na sentença, entendemos que a prevenção geral positiva ou de integração, a necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico, em especial no campo dos crimes rodoviários, é elevada, acrescendo as já importantes exigências de prevenção especial do caso dos autos, vistos, além do mais que acima referimos da sentença, os antecedentes criminais – insistindo o arguido na prática do mesmo tipo de ilícito.
Assim, improcede o recurso nesta parte.
2.3.2- Meio de execução da pena de prisão: do regime de permanência na habitação.
No caso dos autos, entendeu o tribunal recorrido que a pena de prisão fixada ao arguido não fosse cumprida, nos termos do artigo 43º do Código Penal, em regime de permanência na habitação.
Pretende o recorrente que a execução da pena de prisão ocorra em regime de permanência na habitação.
Apreciemos.
Ninguém duvidará que no sistema penal português, por imposição constitucional decorrente dos princípios da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções penais (artigo 18º, n.º 2 da CRP e, entre outros, artigos 70º e 98º do CP), a pena de prisão é a ultima ratio da política criminal[1]
Com a redacção actual do artigo 43º do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, poderemos acrescentar que o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional é a opção derradeira para cumprimento de penas de prisão até dois anos.
Com efeito, nos termos do artigo 43º, n.º 1 do Código Penal «Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º»
É que o regime de execução de privação da liberdade deve ser, também em obediência ao princípio constitucional da proporcionalidade da restrição dos direitos, o menos restritivo possível do direito à liberdade[2].
Daí o advérbio sempre com que se inicia a norma legal, a confirmar peremptoriamente como opção derradeira a execução da prisão intra muros.
Resulta do artigo 43º do Código Penal que são pressupostos da aplicação do regime de permanência na habitação como meio de execução da pena de prisão:
- o consentimento do condenado;
- que a pena de prisão efectiva que o condenado tenha de cumprir não seja superior a dois anos;
- que pelo regime de permanência na habitação se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.
Verificando-se estes pressupostos, o Tribunal tem o poder-dever de ordenar a execução da pena pelo regime de permanência na habitação.
Descendo ao caso dos autos, verificamos que os pressupostos formais – consentimento (é o que o condenado pede no recurso) e pena de prisão efectiva não superior a dois anos – estão preenchidos.
Passemos ao pressuposto material – as finalidades da execução da pena de prisão.
As finalidades da execução da pena de prisão, no seguimento do disposto no artigo 40º do Código Penal, são a da prevenção especial de ressocialização e a da satisfação das exigências de prevenção geral positiva.
É o que resulta do disposto no artigo 42º, n.º 1 do Código que dispõe: «A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.»
Ora, para a ressocialização do condenado é preciso desde logo tentar minimizar os efeitos criminógenos da reclusão e tentar aproximá-lo, tanto quanto possível, das condições de vida dos cidadãos em liberdade. Objectivos esses que o regime de permanência na habitação, enquanto meio de execução da pena de prisão, estará decerto melhor apetrechado para atingir.
Voltando ao caso dos autos, perguntemo-nos:
A execução em regime de permanência na habitação da pena de nove meses de prisão efectiva aplicada ao condenado nestes autos servirá, por um lado, para o preparar para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, e, por outro, será suficiente para manter a confiança da generalidade dos cidadãos nas normas que proíbem a condução de veículos sem habilitação legal?
Ou, inversamente, só o cumprimento da pena de prisão dentro do estabelecimento prisional servirá para atingir tais fins?
Antes de responder, é preciso que se note de que se trata sempre da execução de uma pena de prisão efectiva – de uma reacção criminal privativa da liberdade. Não falamos de penas alternativas ou de substituição da pena de prisão. A pena de multa, a de prisão suspensa, o trabalho a favor da comunidade são realidades bem diversas. Aqui o que está em causa são apenas dois modos diferentes de execução da pena de prisão efectiva – duma pena privativa da liberdade -, na cadeia ou em casa.
É certo que, como se refere na sentença recorrida, o historial delituoso do arguido, com quatro condenações anteriores, tendo cometido os factos dos autos no período de suspensão duma pena de prisão aplicada por ilícito da mesma natureza; a trajectória profissional instável e baseada na informalidade; as características pessoais indicadoras de impulsividade, reactividade, tendência para o tédio e busca de estimulação; a atitude pouco colaborante com a DGRSP e um baixo compromisso relativamente às injunções impostas nas medidas probatórias que lhe foram impostas, bem como baixa motivação para a mudança; tudo junto impede um juízo de prognose favorável à aplicação de uma pena de substituição, exigindo a aplicação duma pena de prisão efectiva, até por razões de prevenção geral positiva.
Mas uma coisa é concordar com a necessidade de aplicação de uma pena de prisão efectiva, algo diferente é rejeitar a possibilidade de a pena de prisão efectiva poder ser executada em regime de permanência na habitação.
Com efeito, começando pelas exigências de prevenção geral, cabe referir que numa situação como a dos autos, em que o grau de ilicitude da conduta é mediano, o são sentimento da comunidade na confiança na validade das normas que proíbem a condução sem habilitação legal há-de ficar satisfeito e reforçado com o cumprimento de uma pena de prisão: seja na cadeia ou em casa. A perda de liberdade implicada é decerto suficiente para reforçar tal sentimento comunitário.
Passando às exigências de prevenção especial, diremos que também estas serão satisfeitas, dada a liberdade que o condenado nos autos perderá e o controlo apertado que sofrerá, sendo ainda de acrescentar que integra o agregado familiar constituído por si e pela avó materna, beneficiando do suporte emocional e logístico desta, surgindo esta como a única figura que vai apoiando o condenado. Soma-se ainda o facto de que o regime de permanência na habitação não se limita à mera colocação do condenado na habitação, pois que na individualização da execução tem ainda lugar um plano de reinserção social, o que também contribuirá positivamente para a sua ressocialização.
A única vantagem da execução da pena de prisão em estabelecimento prisional no caso dos autos seria a da chamada prevenção de inocuização, o que não acreditamos ser imposto na situação. De facto, a natureza do crime cometido, o passado do arguido e as suas condições de vida e personalidade não parecem impor tal solução derradeira. Bastará, cremos nós, o cumprimento de uma pena de prisão efectiva, mas executada em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º do Código Penal.
Concluindo, preenchidos que estão os pressupostos de que, nos termos do artigo 43º, n.º 1 do Código Penal, depende a aplicação do regime de permanência na habitação, resta a concretização das questões técnicas para a execução da medida, nomeadamente as relativas à instalação dos meios de vigilância electrónica, ao consentimento de familiares, à agilização dos horários de ausência consoante as necessidades que se forem verificando, bem como eventualmente se necessário a fixação de regras de conduta. Concretização essa que caberá ao Tribunal de primeira instância, realizando as diligências necessárias.
Desde já se afirma que, caso não seja possível a concretização das condições técnicas necessárias à execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, o condenado terá de cumprir a pena em estabelecimento prisional.
Assim, caberá dar parcialmente provimento ao recurso, alterando a sentença recorrida, decretando que a execução da pena de prisão efectiva aplicada ao arguido seja cumprida em regime de permanência na habitação.
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3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso, e alterando a sentença recorrida, determinar que a pena de nove meses de prisão aplicada ao arguido seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
O Tribunal de primeira instância realizará as diligências necessárias à concretização da execução da medida.
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Sem custas.
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Notifique.
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(Elaborado e revisto pelo relator – art. 94º n.º 2, do CPP)
Porto, 18 de Dezembro de 2018
William Themudo Gilman
António Luís Carvalhão
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[1] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2017, p.17.
[2] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2017, p.87.