Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MIGUEL BALDAIA DE MORAIS | ||
| Descritores: | SUSPENSÃO DAS DELIBERAÇÕES SOCIAIS DANO APRECIÁVEL | ||
| Nº do Documento: | RP2024071022061/23.4T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGAÇÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A lei adjetiva (artigo 567º do Código de Processo Civil) não estabelece para a revelia um efeito cominatório pleno mas, tão-somente, um efeito cominatório semipleno, já que ao considerarem-se os factos alegados pelo autor/requerente como confessados tal não implica que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o autor/requerente pretende, porque o juiz deve, seguidamente, julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos, decidindo pela procedência ou improcedência da concreta pretensão de tutela jurisdicional formulada. II - O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) ser o requerente sócio/associado da sociedade/associação que a tomou; (ii) ser essa deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao pacto social; e (iii) resultar da sua execução dano apreciável. III - O primeiro requisito constitui pressuposto da legitimidade ativa e os dois restantes são elementos integrantes da causa de pedir. IV - A qualidade de sócio e a invalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao dano apreciável, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação. V - Essa exigência reclama, assim, a alegação e subsequente demonstração de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos emergentes da execução da deliberação inválida e da correspondente gravidade. VI - Para esse efeito, o dano apreciável não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da ação de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respetivo processo. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 22061/23.4T8PRT.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Local Cível, Juiz 3
Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. António Mendes Coelho 2º Adjunto Des. José Eusébio Almeida
* SUMÁRIO ………………………………. ………………………………. ……………………………….
* Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
“A..., CRL” apresentou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra “AMI – Associação do Museu da Imprensa”, formulando os seguintes pedidos: “– Sejam declaradas suspensas, porque anuláveis, as deliberações tomadas em sede de Assembleia Geral realizada no passado dia 15 de dezembro de 2023, pois ilegítimas e contrárias à Lei, devido à ilegitimidade para convocação de tal assembleia. Caso assim não entenda, (…) – Que a deliberação que aprovou o relatório e contas do ano de 2022 seja suspensa, porque anulável por falta de um requisito essencial de aprovação dos mesmos – do órgão associativo correspondente para o efeito – conselho fiscal – assim como pelo facto de não espelhar e não referenciar informação de extrema importância inerente suspensão de momento. – Que a deliberação que renovou a deliberação tomada em Assembleia Geral de 5 de agosto de 2022, no âmbito da definição do valor da quotização extraordinária para o ano de 2022 seja suspensa porque ilegal e nula. – Seja suspensa porque ilegalmente votada por não se encontrar incluída na ordem de trabalhos, tendo votos contra e abstenção da sua inclusão a deliberação que aprovou uma proposta apresentada na assembleia por um associado, configurando-se nula a deliberação nos termos e para o efeito dos artigos 174.º n.º 3 e 176.º do Código Civil, assim como alínea d) n.º 1 do artigo 56.º do C.S.C.”. Para substanciar tais pretensões alegou que é sócia da associação requerida e que a assembleia geral realizada no dia 15 de dezembro de 2023 foi convocada por quem não tinha competência para o fazer. Para além disso sustenta que três das deliberações aprovadas nessa assembleia enfermam de vício de invalidade, já que: (i) a aprovação do relatório de contas do ano de 2022 foi feita sem o conhecimento e parecer do conselho fiscal; (ii) a renovação da deliberação aprovada em anterior assembleia quanto à fixação de uma quota extraordinária foi realizada sem que lhe tenha sido transmitido o fundamento para essa renovação; (iii) a aprovação de deliberação no sentido de ser convocada uma nova assembleia geral tendo como único ponto da ordem de trabalhos a votação da dissolução da associação sem que tal constasse da ordem de trabalhos. Alega ainda que a execução dessas deliberações importará danos para a requerente: quanto às contas, por as mesmas poderem não espelhar as despesas e lucros da associação e, na eventualidade de serem exequíveis, poder vir a ser instaurada execução contra a requerente e penhorados bens da sua propriedade; o mesmo quanto à quota extraordinária, sustentando que a deliberação poderá constituir título executivo; e quanto à proposta de convocação de uma assembleia para aprovação da dissolução da associação, invocou o dano social que representa a dissolução, quer para a própria associação, quer para os seus sócios, em face do trabalho desenvolvido por mais de trinta anos. Citada a requerida não deduziu oposição. Conclusos os autos foi proferida decisão que julgou “improcedente o presente procedimento cautelar, indeferindo a providência requerida”, por falta de verificação dos pressupostos necessários para o seu decretamento. Não se conformando com o assim decidido, a requerente interpôs o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão. Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes I. A Requerida na providência cautelar interposta foi regularmente citada de acordo com o previsto no art. 246.º do nCPC. II. Não foi deduzida oposição à providência cautelar interposta. III. Deveria ter sido aplicada a norma prevista no n.º 5 do artigo 366.º do Código de Processo Civil, que, claramente estipula: A revelia do Requerido que haja sido citado tem os efeitos previstos no processo comum de declaração. IV. No processo comum de declaração, os efeitos da Revelia do Réu, como se sabe é a confissão dos factos articulados pelo requerente – cfr. artigo 567.º n.º 1 do C.P.C.. V. Pelo que a sentença proferida dever-se-ia bastar com a aplicação da lei, julgando dessa forma procedente a providência cautelar intentada na sua íntegra. VI. Deveriam ter sido declarados confessados os factos alegados em sede de petição inicial, de harmonia com o disposto no art.567º, nº 1, do C.P.C. o que desde já se requer que seja decidido nesta sede de Recurso. VII. Devendo desta feita ser revogada a sentença proferida e proferida outra no sentido supra, em cumprimento da lei, o que se requer. VIII. O Douto Tribunal decidiu, sem que fossem apreciadas as provas apresentadas pelo Requerente na sua totalidade. Mormente, a prova testemunhal! IX. Ou seja, o Tribunal decidiu, sem que fossem ouvidos os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo Requerente, e sem que o Tribunal pudesse, salvo o devido respeito, concluir com convicção da forma que o fez, o dano de facto, não foi sequer apreciado! Nem a sua prova efetuada tendente à conclusão ou não da sua existência. X. Nos termos do disposto no art.º 365º do C. P. Civil o Requerente deverá com a sua petição juntar toda a prova que entenda por necessária. XI. Nos presentes autos não foi apresentada oposição, pelo que, e por si só deveriam ter sido os factos dados como provados (confessados) na sua integra, não obstante, e após o decurso do prazo da oposição, deveria o Tribunal ter inquirido as testemunhas apresentadas por forma a ter a sua convicção mais concreta e fidedigna, no que diz respeito, alias ao pressuposto de dano! XII. A produção de prova aliás, decorre da própria lei, que prevê expressamente no n.º 1 do artigo 367.º do C.P.C. findo o prazo da oposição, quando o requerido haja sido ouvido, procede-se, quando necessário, à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz. XIII. O que, de resto não sucedeu! XIV. Não foi a prova apresentada pelo Requerente produzida, o que, por si só exige que seja proferida uma sentença em sentido diverso do que efetivamente foi, devendo a mesma ser revogada e a prova testemunhal produzida, o que se requer. XV. Tendo o Tribunal decidido que a deliberação referente às contas anuais da Associação é inválida, forçoso seria concluir que existe um dano apreciável para o Requerente, demais associados e para a própria instituição, pelo que se requer que seja a sentença recorrida alterada e substituída por outra que vá no sentido de proceder a suspensão da deliberação. I. No caso dos presentes autos, a deliberação que se pretende suspender e anular relativa a renovação de uma deliberação aprovada em assembleia anterior, foi, de facto, renovada, mas, sem qualquer noção por que razão seria a renovação necessária, e quais os motivos de nulidade, II. Ficou o Requerente, sem conhecimento de quais os preceitos normativos se estaria o senhor Presidente de mesa a apoiar para a aludida “Renovação” de deliberação. III. Para que se possa falar de uma renovação regular de deliberação anulável será necessário que a deliberação não enferme do vício da antecedente, sendo também necessário que o seu conteúdo coincida no essencial com o conteúdo da antecedente. IV. Para o aqui Requerente ter conhecimento se a nova deliberação não enferma do vício da antecedente (na opinião da assembleia claro está), teria o mesmo que ter conhecimento de qual o vício que padecia a mesma por forma a conseguir alcançar a comparação – o que, de resto não sucedeu! V. Sendo assim esta deliberação também ela anulável nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 58.º do C.S.C., requerendo-se assim a sua suspensão. VI. Sendo que, e sem prescindir VII. A deliberação de “renovação” diz respeito a uma quota extra no valor de €10.000,00 a ser paga por todos os associados - cfr. Documento n.º 7 - ata n.º 52 fls. 9 que se junta e cujo teor se dá por integramente reproduzido para todos os legais efeitos. VIII. Tendo sido devido a tal imposição de cumprimento da deliberação – desde logo nula – que o Membro Empresa de B... Lda. enviou comunicação de desassociação – Documento n.º 5 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. IX. O montante deliberado para pagamento não é justificado (poderia até ser deliberado €100.000,00!) nem a data de vencimento de tais quotas foi determinada. X. Tratando-se o cálculo efetuado para a determinação de tal montante a pagar assim como a data de vencimento para pagamento de informações fundamentais para os sócios, não podem existir dúvidas de que a deliberação em causa se trata de uma deliberação nula por força da alínea c) do n.º 1 do artigo 56.º do C.S.C. XI. Tendo assim como presente que a deliberação em causa é nula e justifica a suspensão de tal deliberação imediata pelo Tribunal. XII. A douta sentença que se recorre refere mesmo que, o valor da quota extraordinária só poderia importar a invalidade da deliberação se e na medida em que o requerente tivesse alegado factos que, por exemplo, permitisse concluir pela afirmação de uma situação de abuso, por exemplo, por a quota ter sido imposta num valor tão elevado por forma a determinar certos associados a pedir a exoneração. Quando o Requerente alegou isso mesmo na petição inicial – e demonstrou com documentos. XIII. Nas palavras do douto Tribunal, não há dano apreciável, pois, não sendo a ata um título executivo, apenas será sujeito o Requerente a uma ação declarativa de condenação, tendo nessa sede a oportunidade de invocar a invalidade da deliberação. XIV. Salvo devido respeito, este fundamento não pode ser acolhido, não podendo ser valorado como justificativo do entendimento do tribunal, é que as deliberações não impugnadas são válidas para quem não as impugne, não poderia o Requerente usar o fundamento de invalidade …. XV. Assim sendo, como é, para além do Requerente compreender que a deliberação em causa é nula pelas causas invocadas supra e já alegadas na petição inicial, o dano apreciável é evidente, quando a Associação pode exigir o pagamento de uma quota de um valor astronómico, a qualquer momento e sem motivo ao Requerente!!! XVI. Compreendeu o douto Tribunal que apenas poderia haver dano se houvesse uma deliberação que dissolvesse efetivamente a Associação. XVII. Não pode o Recorrente concordar com tal entendimento, pois a deliberação tendente a convocação de nova deliberação para a dissolução da Associação AMI trata-se do primeiro passo para a sua dissolução. XVIII. A eventual assembleia com a finalidade de dissolução da AMI – proposta pela Câmara Municipal ..., tem um único considerando, aliás falso, sic: XIX. Em caso de dissolução, o terreno, as edificações as benfeitorias revertem para o Município ..., bem como o espólio do Museu, nos termos previstos nos Estatutos da AMI !!! XX. Atendendo a tal afirmação, e a proposta formulada de dissolução, parece claro poder existir um conflito de interesses, que à cautela se invoca nos termos do artigo 176.º do Código Civil, não podendo o Município ... votar em tal deliberação nem em quaisquer outras que digam respeito à dissolução da Associação. XXI. Sendo que a aludida proposta está eivada de falsidades com o objetivo de criar um clima nebuloso para acolhimento da proposta feita pelo município "como proprietária" e não como associada da AMI. Sendo esta uma confusão de papéis que expressa um claro conflito de interesses. XXII. Denote-se que, a dissolução de tal Associação apresenta-se como uma solução incompreensível, e inaceitável, quando nenhum projeto de reanimação do museu foi apresentado ou pensado, quando nada foi feito no sentido em reavivar um Museu relevantíssimo para o Porto, para o País e até para o Mundo salvo se toda a atuação da Câmara Municipal, como tudo indica, esteja a ser preordenada em relação a um projeto que vai sendo executado maquiavelicamente desde o encerramento temporário do Museu. XXIII. A inclusão na ordem de trabalhos e a deliberação em causa, é, para além de tudo ofensiva dos bons costumes, sendo, portanto, sempre nula nos termos da alínea d) n.º 1 do artigo 56.º do C.S.C e assim a mesma ser suspensa de imediato. XXIV. De facto, não foi deliberada a dissolução, mas a mesma avizinha-se caso não seja a deliberação nula e em causa nos presentes autos imediatamente suspensa, sendo o dano evidente e não necessitando de grande prova. XXV. Face ao exposto, salvo o devido respeito, mal andou a sentença também nesta parte, deveria sim ter suspendido a deliberação em causa, quando o Dano é de facto evidente pelos motivos expostos. XXVI. É também manifesta a máxima urgência na tomada de medidas preventivas que evitem os danos que se pretendem evitar, o que face à hipótese mais provável de dificuldades apresentadas e/ou ponham em risco a eficácia e rapidez da presente providência não só aconselha como impõe sejam as medidas de imediato decretadas. XXVII. Aliás, o decretamento da presente providência não traz qualquer prejuízo ou prejuízo atendível à Requerida, muito pelo contrário, a presente providência pretende defender a sua continuidade pela própria natureza das coisas. XXVIII. Deveria e em suma, o Douto Tribunal ter verificado como preenchido o requisito da invalidade das deliberações, assim como a circunstância de no caso em concreto, se verificar, sem margem para dúvidas, o perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável (“periculum in mora”), ou o dano existente. XXIX. Podendo aliás, fazer-se referência ao artigo 349.º e ss do Código Civil, referente a presunções legais que deveriam ter sido tidas em consideração pelo julgador na sentença proferida. XXX. Pelo que, a Douta sentença proferida, aqui recorrida, viola de forma manifesta os factos, a prova e o direito aplicável, pelo que deverá ser alterada, no que diz respeito aos pontos mencionados supra. Julgando sempre a final considerar provado e procedente o presente procedimento cautelar, ordenando, em consequência, a suspensão das deliberações em causa.
* Não foram apresentadas contra-alegações.
* Após os vistos legais, cumpre decidir.
*** II. DEFINIÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[2]. Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas: - dos efeitos da revelia da requerida; - da (in)verificação dos pressupostos necessários para o decretamento da requerida providência cautelar de suspensão de deliberações sociais. *** III. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos: 1) A “AMI – Associação Museu da Imprensa” é uma associação que tem por finalidade principal promover, sem fins lucrativos e por todos os meios legais ao seu alcance, o conhecimento e a difusão da História da Imprensa, através da criação de um Museu da Imprensa e de outras ações de divulgação que contribuam para um melhor conhecimento da função social dos media. 2) A associação é constituída pela Assembleia Geral, pela Direção, pelo Conselho Dinamizador e pelo Conselho Fiscal. 3) O Conselho Fiscal é composto por três membros, um dos quais será o presidente, com as atribuições previstas nas disposições legais aplicáveis. 4) Os estatutos estipulam que “os casos de omissão (..) regem-se pela legislação aplicável e pelo regulamento interno, cuja aprovação e eventual alteração é da competência da Assembleia Geral.”. 5) O requerente e o Município ... são, entre outros, associados da requerida. 6) No dia 5 de agosto de 2022, pelas 10 horas, foi realizada uma assembleia, tendo estado representados todos os associados da Associação, e sido aprovada, com a abstenção do requerente e os votos contra da APIGRAF e da Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros, uma quota extra no valor de 10.000,00€ por cada associado, “tendo em conta as despesas correntes mensais identificadas (e recorrentes), a implementação/retificação/correção do Plano de Segurança e auditoria às contas”. 7) Em 28 de novembro de 2023, o Município ... remeteu ao requerido uma convocatória com o seguinte teor: “Considerando que: a) A última Assembleia Geral ordinária da AMI realizou-se no dia 5 de agosto de 2022, sendo certo que, ao abrigo do artigo 173.°, n.° 1 do Código Civil, a Assembleia Geral deve ser convocada pela administração uma vez em cada ano para aprovação do balanço; b) Por deliberação tomada em Assembleia Geral no dia 5 de agosto de 2022, o Museu encontra-se encerrado, por falta de condições de segurança; c) O Município ..., através do seu representante na Direção da AMI, Eng.° AA, tomou conhecimento, entre outras dificuldades, da grave situação financeira que a associação enfrenta, tal como consta do relatório de auditoria que segue em anexo à presente convocatória; d) Apesar das diligências adotadas pelo Senhor Diretor Eng.° AA, não foi possível realizar a convocação, por oposição dos restantes Associados membros da Direção, embora, nos termos do artigo 173.°, n.° 1, do Código Civil, a convocação da Assembleia Geral seja competência da Direção, prevendo os Estatutos, no artigo 9.°, que a AMI se obriga legalmente com a assinatura de dois membros da Direção. Vem o Município ..., nos termos do disposto nos artigos 173°, n.° 3 e 174° do Código Civil, pela presente convocar a Assembleia Geral da AMI - Associação Museu da Imprensa para reunir, em sessão ordinária, no próximo dia 15 de dezembro, pelas 9h30, nas instalações da Associação ... à Estrada ..., ..., na cidade ..., com a seguinte Ordem de Trabalhos: 1. Apresentação, discussão e aprovação dos relatórios e contas do ano de 2021; 2. Apresentação e discussão Relatório de Procedimentos Auditoria — AMI Associação Museu da Imprensa; 3. Apresentação, discussão e aprovação dos relatórios e contas do ano de 2022; 4. Renovação da deliberação tomada em Assembleia Geral de 5 de agosto de 2022, no âmbito da definição do valor da quotização extraordinária para o ano de 2022; 5. Atualização dos Associados acerca da atividade e situação atual da AMI; 6. Apreciação da comunicação da desassociação da AMI recebida por parte da Empresa do B..., Lda., e demais renúncias recebidas aos cargos dos órgãos sociais; 7. Apresentação de propostas, discussão e deliberação da nomeação de novos membros para ocuparem os cargos dos órgãos sociais entretanto vagos, na sequência das renúncias recebidas. Todos os documentos de suporte serão enviados por via digital aos Associados, tendo em conta a sua dimensão. Solicitamos, por favor, que se façam acompanhar dos mesmos, durante a Assembleia Geral. Não havendo número legal de associados para deliberar em primeira convocatória, convoco desde já a mesma Assembleia para reunir em segunda convocatória no mesmo dia, local e com a mesma Ordem de Trabalhos, meia hora depois, deliberando então com qualquer número de associados presentes.”. 8) No dia 15 de dezembro de 2023, pelas 9h35, foi realizada uma assembleia, tendo estado representados todos os associados da Associação. 9) Quanto ao ponto 3 da ordem de trabalhos, foi aprovado com os votos favoráveis do C..., do B... e da D..., com o voto contra do requerente e a abstenção dos demais associados. 10) O requerente apresentou a seguinte declaração de voto: “O relatório não especifica, com documentação atinente, a razão porque não foram cumpridas determinadas ações como o PortoCartoon 2022, o Concurso "Textos de Amor Manuel António Pina" e o projeto do restaurante, cujo contrato de exploração, no terraço exterior ao Museu, não colide com o regime de direito de superfície inscrito na escritura pública de 20 de junho de 1994, assinada entre a CM... e a AMI, visando apenas dar um contributo financeiro à entidade museológica. Por outro lado, o mesmo Relatório é muito parcial ao dar ênfase à transição da documentação contabilística, sem referir o acompanhamento e execução continuada do processamento de salários, processamento de faturas, obrigações fiscais, contratação pública entre outras, durante vários meses (de junho a outubro), e sem qualquer tipo de remuneração pelo serviço), para corresponder às solicitações da nova direção, feitas através de muitas dezenas de e-mails, como forma de não bloquear os processos administrativos em curso e contribuir para o prosseguimento da missão da AMI. Em termos de rigor, também não há qualquer referência ao facto de todas as ações do ano 2022 (exposições externas) terem sido concebidas e planeadas no exercício da direção anterior. Acresce que o Relatório não apresenta o parecer do Conselho Fiscal.”. 11) O conselho fiscal não assinou o relatório de contas, não tomou conhecimento do mesmo e não foi emitido parecer. 12) Quanto ao ponto 4 da ordem de trabalhos, foi explicado que tal se havia suscitado a dúvida quanto à regularidade da aprovação da deliberação na Assembleia de 5 de Agosto de 2022, por não constar da Ordem de Trabalhos. 13) O ponto 4 da ordem de trabalhos foi aprovado com o voto contra do requerente, a abstenção da APIGRAF e os votos favoráveis dos restantes associados. 14) O Município ... fez uma proposta à mesa da assembleia no sentido de ser submetida a deliberação “a convocação de uma Assembleia Geral tendo por Ponto Único da respetiva Ordem de Trabalhos a “Votação e Discussão da Dissolução da AMI – Associação Museu da Imprensa”. 15) O requerente manifestou a oposição à votação de tal proposta. 16) A proposta foi submetida a votação e foi aprovada com o voto contra do requerente, abstenção da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros e votos favoráveis dos demais associados.
*** IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO IV.1. Dos efeitos da revelia da requerida
A apelante inicia as suas alegações recursivas sustentando que em razão da revelia da requerida “a sentença proferida dever-se-ia bastar com a aplicação da lei, julgando dessa forma [procedente] a providência cautelar intentada na sua íntegra”. Que dizer? Sob a epígrafe “Efeitos da revelia”, dispõe o nº 1 do art. 567º (aplicável aos procedimentos cautelares por força da remissão contemplada no nº 5 do art. 366º) que «[S]e o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor». De acordo com o inciso transcrito, o efeito do apontado comportamento omissivo do réu/requerido traduz-se, pois, na confissão tácita ou ficta dos factos alegados pelo autor/requerente[3], sendo que, nos termos da parte final do seu nº 2, nessas circunstâncias restará apenas decidir a causa “conforme for de direito”. Portanto, ao invés do que parece ser entendimento da apelante, a lei adjetiva não estabelece para a revelia um efeito cominatório pleno, mas, tão-somente, um efeito cominatório semipleno, já que ao considerarem-se os factos alegados pelo autor/requerente como confessados tal não implica que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o autor/requerente pretende, porque o juiz deve, seguidamente, julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos, decidindo pela procedência ou improcedência da concreta pretensão de tutela jurisdicional formulada. In casu foi esse, precisamente, o caminho trilhado pelo decisor de 1ª instância que, em resultado da revelia operante da requerida, deu como assentes os factos (mas já não as conclusões e as considerações de direito) articulados pela requerente, deixando, assim, de haver controvérsia quanto aos mesmos, razão pela qual não faria sentido – contrariamente ao que preconiza a apelante – que os autos prosseguissem para inquirição das testemunhas que arrolou. Definido, desse modo, o quadro factual relevante a atender, o juiz a quo decidiu então não decretar a requerida providência cautelar por considerar não estarem reunidos os necessários pressupostos normativos para esse efeito. Improcedem, por conseguinte, as conclusões I) a XIV).
* IV.2. Da (in)verificação dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais
Preceitua o nº 1 do art. 380º que «[S]e alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável». Da exegese deste normativo resulta que o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, como procedimento nominado que é, assenta na verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (a) Que o requerente tenha a qualidade de sócio da associação ou da sociedade que tomou deliberação; (b) Que tal deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato/pacto social; (c) Que a execução dessa deliberação possa causar dano apreciável. Vem sendo entendido por setor significativo da doutrina e jurisprudência[4] que o primeiro requisito aludido constitui pressuposto de legitimidade ativa e os dois restantes são constitutivos da causa de pedir, esclarecendo-se que a qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao dano apreciável, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação. No caso em apreço, não estando em discussão a qualidade da requerente como associada da requerida (cfr. ponto nº 5 dos factos provados), debate-se essencialmente a verificação dos demais enunciados pressupostos. Como se deu nota, a requerente intentou o presente procedimento cautelar advogando, a título principal, serem anuláveis as deliberações tomadas em sede de Assembleia Geral da requerida realizada no dia 15 de dezembro de 2023, devido a ilegitimidade na sua convocação. Para a hipótese de se entender que esse vício de procedimento não ocorreu, sustenta – agora subsidiariamente - que serão inválidas algumas das deliberações tomadas nessa assembleia, concretamente: (i) a deliberação que aprovou o relatório e contas do ano de 2022, por falta do parecer do conselho fiscal; (ii) a deliberação que renovou a deliberação tomada em Assembleia Geral de 5 de agosto de 2022, no âmbito da definição do valor da quotização extraordinária para o ano de 2022, sem que tivesse sido revelado o fundamento para a renovação; (iii) a deliberação que aprovou uma proposta no sentido de ser convocada uma nova assembleia geral onde iria ser votada a dissolução da associação requerida, sendo que essa matéria não estava incluída na ordem de trabalhos. Tomando posição sobre as apontadas invalidades, o decisor de 1ª instância entendeu ser concretamente inoperante a invocada irregularidade na convocação da assembleia geral, em virtude de todos os associados terem comparecido à assembleia sem que qualquer deles se tenha oposto à sua realização, mostrando-se, assim, sanado esse vício por aplicação do regime vertido na al. a) do nº 1 do art. 56º do Código das Sociedades Comerciais. De igual modo, no ato decisório sob censura considerou-se que a deliberação referida em (ii) não enferma de qualquer vício, já que o motivo para a sua renovação consta expressamente da ata que a documenta - qual seja “por terem sido suscitadas dúvidas quanto à deliberação aprovada em 5 de agosto de 2022” -, sendo certo que a requerente sequer põe em crise que efetivamente consta da ata nº 53 (junta aos autos pelo Município ...) a concreta razão que motivou a deliberação renovatória, inexistindo, consequentemente, fundamento para a invocação do vício. Já no concernente à deliberação que aprovou o relatório e as contas do ano de 2022 entendeu-se que a mesma, por afrontar o disposto no nº 1 do art. 69º do Código das Sociedades Comerciais, enferma de vício de anulabilidade por falta de emissão do parecer (obrigatório, ainda que não vinculativo) do conselho fiscal da associação requerida. Idêntica conclusão foi emitida relativamente à deliberação identificada em (iii), afirmando-se que a mesma padece de vício de anulabilidade porquanto a aprovação de deliberação no sentido de ser convocada uma nova assembleia para discussão da dissolução da requerida não constava da ordem de trabalhos. Como resulta do supra exposto, o juiz de 1ª instância considerou que das deliberações em causa, duas delas – concretamente as deliberações identificadas em (i) e (iii) – enfermam de vício de anulabilidade. Ainda assim não decretou a requerida providência cautelar por entender que o substrato factual apurado não é de molde a permitir afirmar a ocorrência do requisito do dano apreciável. É precisamente quanto a esse último segmento decisório que ora se rebela a apelante, argumentando que a execução das ditas deliberações é passível de ocasionar dano apreciável para a requerente, demais associados e para a própria requerida. Vejamos, antes de mais, em que termos procurou a requerente/apelante substanciar faticamente esse requisito. Assim, no que tange ao dano emergente da execução da deliberação referida em (i), alegou que “no que diz respeito às contas aprovadas, as mesmas podem não espelhar concretamente as despesas e lucros da Associação uma vez que não tiveram sequer conhecimento das mesmas o Conselho Fiscal e na eventualidade de tais deliberações serem exequíveis, as mesmas poderão configurar título executivo e assim ser instaurado processo correspondente com as inerentes penhoras de bens suscetíveis de penhora da propriedade da Autora, o que, se pretende de todo evitar”. Já no que respeita à deliberação referida em (iii), articulou que “no que se refere à proposta apresentada de convocação de assembleia para dissolução da A.M.I. tal deliberação para além do dano social (pois todos os cidadãos nacionais sofreriam um dano imenso com a pretendida dissolução) acarreta para si um dano da própria associação e de todos os sócios, que se deparam com um trabalho de mais de trinta anos que não querem que seja visto como em vão, sendo contra os seus fins para que foi constituída». Questão que se coloca é a de saber se uma alegação nos moldes descritos é passível de, logrando demonstração, legitimar conclusão no sentido da verificação do requisito em causa. Conforme vem sendo sublinhado pela doutrina pátria[5], a exigência legal de prova de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade. No entanto, o “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas antes a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da ação de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o periculum in mora, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respetivo processo. Pretende-se, assim, evitar o dano[6] apreciável/significativo causado pela demora inevitável da ação principal - o processo de anulação dessa deliberação a intentar pelo sócio requerente -, com vista à declaração da sua invalidade, por forma a que a sentença favorável que aí venha a ser proferida assuma o seu efeito útil. Daí que, para efeitos da concessão da providência cautelar, não haja que atender à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença a proferir naquela ação de anulação de que constitui dependência. Balizado, deste modo, o conceito operativo de “dano apreciável” resta, então, dilucidar se pode afirmar-se a ocorrência do mesmo nas deliberações que se considerou enfermarem de vício de anulabilidade. Começando pela deliberação que aprovou o relatório e as contas do exercício de 2022 verifica-se que, neste conspecto, a requerente nada de concreto alegou (e consequentemente não se provou) no sentido de permitir densificar faticamente o aludido conceito, limitando-se, na essência, a tecer meras conjeturas de que “as contas aprovadas poderão não espelhar as despesas e lucros da requerente” e de que “na eventualidade dessa deliberação ser exequível, a mesma poderá configurar título executivo e assim ser instaurado processo correspondente com as inerentes penhoras”. Ora, como se deixou evidenciado, para o preenchimento do pressuposto em causa não basta uma alegação nos descritos moldes, pressupondo antes a alegação e demonstração de um substrato factual donde emirja, em termos objetivos, a séria possibilidade de ocorrência do periculum, não sendo despiciendo ressaltar que, contrariamente ao que sufraga a apelante, a ata da assembleia de uma associação que aprova as contas não é passível de constituir título executivo - já que não se integra em qualquer uma das hipóteses típicas contempladas no art. 703º -, inexistindo norma especial (à semelhança do que sucede, por exemplo, com as atas da assembleia de condomínio – cfr. art. 6º do DL nº 268/94, de 25.10) que lhe atribuía essa força executória. Nessas circunstâncias não se pode, pois, afirmar a ocorrência de um dano apreciável para a requerente, na justa medida em que os seus bens não podem, tendo por base a dita deliberação, ser alvo de penhora sem que previamente tenha sido contra si instaurada ação declaratória onde seja obtido título suscetível de desencadear essas démarches de natureza executiva. A mesma conclusão se impõe relativamente à deliberação referida em (iii), não se vislumbrando onde, afinal, existirá o invocado dano apreciável, quando nesse ato tão-somente se deliberou o agendamento de uma nova assembleia para discussão e subsequente votação de uma eventual dissolução da requerida. Significa isto que, relativamente à deliberação em crise, o dano que a requerente verdadeiramente pretende acautelar com a propositura do presente procedimento cautelar não é uma (qualquer) consequência direta dessa deliberação, mas antes de uma posterior (e, por ora, inexistente) deliberação que venha a aprovar a projetada dissolução, ato deliberativo esse que, naturalmente, não constitui objeto de apreciação nestes autos. Por conseguinte, por inverificação dos requisitos normativos de que depende o decretamento da requerida providência cautelar, impõe-se a improcedência do recurso.
*** V. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas, em ambas as instâncias, a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).
Porto,10/7/2024. Miguel Baldaia de Morais Mendes Coelho José Eusébio Almeida __________________________ |