Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
25789/18.7T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
SEGUNDA HIPOTECA
Nº do Documento: RP2019050725789/18.7T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 05/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º890, FLS.51-58)
Área Temática: .
Sumário: I - A caução tem por função assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada e, no caso específico da caução para suspensão da execução, garantir o pagamento da dívida exequenda e acréscimos processuais e de juros de mora.
II - Face à actual redacção do art.º 733.º, n.º 1, a), do CP Civil, sempre que o Executado/Embargante pretenda suspender o processo de execução, e ainda que o crédito exequendo esteja coberto por uma garantia real (designadamente por hipoteca), terá que prestar outra garantia especial, a qual poderá ser, se o caso concreto o possibilitar, uma nova hipoteca sobre os mesmos bens.
III - Esta nova hipoteca visará já não garantir o crédito exequendo (que já se encontra garantido pela anterior hipoteca), mas tão-só o que acresce a este, designadamente o valor provável dos juros de mora, das custas da execução, dos honorários e das despesas do agente de execução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 25789/18.7T8PRT-A.P1
Comarca: [Juízo de Execução do Porto (J3), Comarca do Porto]

Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
Adjunto: Vieira e Cunha
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
“B…, LDA.”, Executada nos autos principais, veio deduzir incidente de prestação espontânea contra “BANCO C…, S.A.”, Exequente nos mesmos autos, alegando – em síntese – que é proprietária de diversos bens imóveis, melhor identificados no requerimento executivo, sobre os quais constituiu garantia hipotecária a favor da Exequente.
Afirma que tais bens, no seu conjunto, foram considerados pela Exequente suficientes para garantir as importâncias de €5.250 000,00 (até ao valor máximo de €7.192.500,00) e de €1.926.500,00 (até ao valor máximo de €2.639.305,00).
Acrescenta que se assistiu, desde então, a uma recuperação e valorização do mercado imobiliário, pelo que o seu valor de mercado será seguramente superior.
Defende que tais garantias têm valor suficiente para garantir o credor relativamente ao pagamento dos quantitativos por si reclamados na presente execução, bem como a compensação pelo decurso do tempo, despesas prováveis e honorários de Agente de Execução – totalizando, no seu conjunto, um valor de €7.179.500,00, superior a 378% ao da dívida exequenda.
Declara que, caso o tribunal o entenda como formalmente necessário, constituirá hipoteca voluntária dos imóveis já anteriormente registados a favor do Banco Exequente.
Pede que seja admitida a presente caução como forma de garantir a suspensão da Execução nos seus efeitos até que seja julgada a Oposição deduzida por embargos.
Arrolou uma testemunha, remeteu para a prova documental junta com o requerimento executivo e requereu a realização de prova pericial para apuramento do valor actual de mercado dos imóveis dados em garantia.
Admitiu-se liminarmente o presente incidente.
A Exequente veio deduzir oposição, contrapondo que a caução deve constituir uma garantia suplementar para a satisfação do crédito do credor.
Supletivamente diz que os imóveis excutidos no âmbito de uma acção executiva acabam por ser, a maior parte das vezes, vendidos por preços muito inferiores ao seu valor venal ou fiscal.
Diz estar por demonstrar que os imóveis em causa possuam o valor indicado pela Recorrente de €7.200.000,00. Ou que esteja garantido que na execução de tais imóveis o crédito exequendo seja absolutamente satisfeito.
Proferiu-se decisão final com a seguinte fundamentação resumida “(…). Como é evidente, a caução oferecida pela requerente é claramente insuficiente e inidónea, não acautelando, de modo algum, os interesses da exequente. Na verdade, face à específica finalidade que preside à prestação da caução com vista à suspensão da marcha da execução, a prestação da mesma através de hipotecas voluntárias sobre bens imóveis relativamente aos quais a exequente já beneficia de hipotecas registadas sobre tais bens (isto é, já existe essa garantia real anterior, hipoteca, sobre tais imóveis), não acrescente qualquer “plus”, pelo que não pode julgar-se idónea. (…) Assim sendo, deferir a modalidade de caução oferecida pela requerente traduziria na prática validar a dispensa de caução neste processo na medida em que seria concedida com base em garantia real anteriormente constituída e registada a favor da aqui exequente. Salvo o devido respeito, esta forma de prestação de caução não respeita o exigido na lei. (…).” e com a seguinte decisão “Pelo exposto, julgo totalmente improcedente o presente incidente de prestação espontânea de caução, declarando inidónea e insuficiente a caução oferecida pela aqui requerente.”
Inconformada com esta decisão, a Embargante/Executada interpôs recurso, pedindo que seja anulada a sentença recorrida e substituída por Acórdão que (i) julgue idónea a caução oferecida em que, no limite (ii) ordene que sejam realizadas as necessárias diligências a aquilatar da idoneidade da garantia oferecida para a caução, aquando da apresentação do requerimento de abertura do incidente de caução, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
I. O presente recurso tem por objecto a sindicância (i) da Sentença, proferida a 05.01.2019.
II. O Tribunal a quo andou mal ao julgar improcedente o apenso de caução, por entender que a caução oferecida pelo Recorrente era inidónea.
III. O artigo 733.º do CPC não obriga, para a suspensão do processo de execução, que os Recorrentes prestem sempre uma caução diferente da que já foi prestada, independentemente do valor e liquidez que essa mesma garantia possua.
IV. A recusa de caução por inidoneidade deverá alicerçar-se em razões objectivas relacionadas com a susceptibilidade, ou não, da mesma assegurar o pagamento da dívida exequenda e créditos acessórios, não podendo a recusa fundamentar-se noutros aspectos, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do artigo 623.º do C.C.
V. O Tribunal a quo andou mal ao concluir pela inidoneidade da caução oferecida pela Recorrente, bem como por não ter aceite a produção da prova requerida, apenas por entender que é necessário apresentar uma garantia adicional já existente.
VI. A prova testemunhal requerida era bastante para verificar que o valor dos imóveis é mais do que suficiente para acautelar o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem da suspensão derivada da prestação de caução – pelo que a caução devia de ter sido julgada idónea.
VII. As hipotecas existentes a favor da ora Recorrida constituídas sobre o conjunto de imóveis identificados supra na motivação, só por si são suficientes para garantir a quantia exequenda e acréscimos resultantes da acção executiva, e bastantes para que o Tribunal a quo pudesse ter declarado suspensa a execução.
VIII. Não é fundamento bastante para a rejeição por inidoneidade da caução proposta pela Recorrente, o facto dos bens oferecidos já se encontrarem a garantir, por via de hipoteca voluntária anterior, o mesmo crédito.
IX. Os fundamentos invocados na douta Sentença recorrida para julgar inidónea a caução oferecida pela Recorrente são genéricos e abstractos, não se fundam em qualquer critério objectivo, lógico ou da experiência comum, que permitam apurar da sua idoneidade ou valor.
X. Á data em que os imóveis oferecidos pela Recorrente em garantia, teriam de ter o valor mínimo, de €7.192.500,00, o que se comprova não só pelos contratos celebrados constantes dos autos executivos e aceites pelas partes, bem como pelo declarado pela Recorrida em sede de requerimento executivo, pontos “B”, “F” e “G”, “H”.
XI. Devendo assim passar a constar dos factos provados que o valor dos imóveis dados em garantia do financiamento, seria, no mínimo, de €7.192.500,00 e idóneos para assegurar o pagamento da dívida exequenda e créditos acessórios.
A Embargada/Exequente veio apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
O presente recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
A questão a dirimir, delimitada pelas conclusões do recurso, cinge-se a saber se a caução oferecida pela Embargante/Executada, para efeitos de obtenção da suspensão da execução, deve ser julgada idónea.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos Provados (Factos elencados na decisão em recurso):
1) A exequente beneficia de hipoteca constituída a seu favor sobre os imóveis identificados sob as letras “AQ”, “AR”, “AS”, “AT”, “AU”, “AV”, “AM”, “AX”, “AY”, “BA”, “BB”, BC”, BD”, BE”, “CG” e “CH”, descritas sob o n-º 133 da 1.ª Conservatória do Registo Predial do Porto (vide certidões de direitos, ónus e encargos de fls. 24 verso a 41 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
2) No requerimento executivo, em sede do anexo para indicação de bens à penhora, a aqui exequente indicou, entre outros, os bens imóveis referidos em 1).
Outros Factos Provados (resultantes do requerimento executivo e documentos juntos com este):
1) A exequente instaurou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, indicando como valor da execução o de €1.896.354,56 (um milhão oitocentos e noventa e seis mil trezentos e cinquenta e quatro Euros e cinquenta e seis cêntimos).
2) No dia 13 de Agosto de 2007, a Exequente e a Executada celebraram um contrato, através do qual a Exequente concedeu à Executada crédito no montante de €5.250. 000,00 (cinco milhões e duzentos e cinquenta mil Euros), a utilizar na modalidade de abertura de crédito, pelo prazo de 36 meses.
3) As partes estipularam que sobre o capital efectivamente utilizado pela Mutuária seriam cobrados juros, calculados tendo por base a média aritmética simples das cotações diárias da “Euribor” a 12 meses.
4) Mais estipularam que, para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do contrato, designadamente amortização do capital mutuado, pagamento de juros, encargos contratuais ou prémios de seguro, a Mutuária constituía hipoteca sobre um conjunto de imóveis identificados no documento de fls. 67 e ss. do presente recurso.
5) Em 28 de Setembro de 2009, as mesmas partes outorgaram um aditamento a este contrato, alterando algumas cláusulas do mesmo, designadamente o limite da abertura de crédito, que foi reduzido para o valor de €1.926.500,00 (um milhão novecentos e vinte e seis mil e quinhentos Euros), e a duração do contrato, cujo termo ficou fixado na data de 03 de Fevereiro de 2011.
6) Na mesma data, a Mutuária, para garantia do pontual reembolso do capital aberto, bem como do pagamento dos juros remuneratórios calculados, cláusula penal e despesas judiciais e extrajudiciais, constituiu hipoteca sobre as fracções “BA”, “BB”, “BD”, “BE”, “AZ”, “AY”, “AX”, “AW”, “AV”, “AU”, AS”, “AR”, “AQ”, “CG”, “CH”, “AT” e “BC” do imóvel referido em 1).
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IV - DONEIDADE DA CAUÇÃO OFERECIDA PELA EMBARGANTE/EXECUTADA
O tribunal recorrido julgou improcedente o presente incidente de prestação espontânea de caução, declarando inidónea e insuficiente a caução oferecida.
Justificou que, face à específica finalidade que preside à prestação da caução com vista à suspensão da marcha da execução, a prestação da mesma através de hipotecas voluntárias sobre bens imóveis relativamente aos quais a exequente já beneficia de hipotecas registadas sobre tais bens (isto é, já existe essa garantia real anterior, hipoteca, sobre tais imóveis), não acrescente qualquer “plus”, pelo que não pode julgar-se idónea.
A Embargante/Executada pede, no presente recurso, que seja anulada a sentença recorrida e substituída por Acórdão que (i) julgue idónea a caução oferecida ou que, no limite (ii) ordene que sejam realizadas as necessárias diligências a aquilatar da idoneidade da garantia oferecida para a caução, aquando da apresentação do requerimento de abertura do incidente de caução.
Sustenta que o art.º 733.º do CP Civil não obriga, para a suspensão do processo de execução, que os Recorrentes prestem sempre uma caução diferente da que já foi prestada, independentemente do valor e liquidez que essa mesma garantia possua.
Contrapõe que a recusa de caução por inidoneidade deverá alicerçar-se em razões objectivas relacionadas com a susceptibilidade, ou não, da mesma assegurar o pagamento da dívida exequenda e créditos acessórios.
Afirma que os imóveis oferecidos pela Recorrente em garantia, teriam de ter o valor mínimo, de €7.192.500,00, o que se comprova não só pelos contratos celebrados constantes dos autos executivos e aceites pelas partes, bem como pelo declarado pela Recorrida em sede de requerimento executivo, pontos “B”, “F” e “G”, “H”.
Defende que deve passar a constar dos factos provados que o valor dos imóveis dados em garantia do financiamento, seria, no mínimo, de €7.192.500,00 e idóneos para assegurar o pagamento da dívida exequenda e créditos acessórios.
Supletivamente sustenta que a prova testemunhal requerida era bastante para verificar que o valor dos imóveis é mais do que suficiente para acautelar o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem da suspensão derivada da prestação de caução.
Estamos em face de uma oposição à execução, mediante embargos, típico meio de defesa conferido ao executado em processo executivo.
Neste meio de defesa compete ao executado e embargante alegar e provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente ou que impeçam a execução do título.
A Recorrente pretende, com o oferecimento de hipoteca já constituída a favor da Exequente ou, supletivamente, através da constituição de nova hipoteca, obter a suspensão da execução até à decisão dos embargos.
O art.º 733.º, n.º 1, alínea a), do CP Civil prescreve que “O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se: a) O embargante prestar caução.”
Esta norma, contrariamente ao regime anterior, tornou a suspensão da execução numa situação excepcional, apenas aplicável através da prestação de caução (ou em alguma das demais situações previstas igualmente no normativo, aqui não aplicáveis).
Compreende-se esta obrigatoriedade de prestação de caução, já que, tal como relembra Paula Meira Lourenço[2], “(…) na execução já não se visa “declarar o direito”, nem a estrutura da execução implica iuris dictio, pois na sua origem histórica, ela pressupõe essa actividade prévia, e a existência de um título executivo faz presumir a existência desse direito que se pretende satisfazer.”
Tendo o Exequente o seu favor um título em que se incorpora um direito de crédito, só a procedência dos embargos faz cessar a presunção da existência do direito executado.
A caução tem por função assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada[3] e, no caso específico da caução para suspensão da execução, garantir o pagamento da dívida exequenda.
Em concreto, o seu valor deve garantir “o pagamento da quantia exequenda, dos juros de mora, das custas da execução e dos honorários e despesas do agente de execução”[4].
Na prestação espontânea de caução o requerente deve indicar, no requerimento inicial, o motivo por que a oferece, o valor a caucionar e o modo por que a quer prestar (cf. art.º 913.º, n.º 1, do CP Civil).
O art.º 623.º, n.º 1, do Código Civil[5] identifica as espécies de garantia que, em abstracto, são idóneas para prestar caução, sendo a hipoteca uma delas.
A hipoteca é uma garantia real que, recaindo sobre bens imóveis, confere ao credor o direito de ser pago, com preferência sobre os credores comuns, pelo valor de coisa determinado, que pode pertencer ao devedor ou a terceiro (cf. art.º 686.º do C Civil).
Trata-se de um direito acessório do crédito que constitui garantia para o respectivo crédito e seus acessórios que constem do registo (cf. art.º 693.º do C Civil), designadamente juros, despesas de registo e/ou constituição da hipoteca e cláusula penal.
Os bens hipotecados não saem da esfera patrimonial do autor da garantia, mantendo este a administração dos mesmos, podendo inclusivamente constituir nova hipoteca sobre o mesmo bem ou outros direitos obrigacionais ou reais.
Obviamente que o credor que seja titular de uma segunda hipoteca ou de um outro qualquer tipo de direito sobre o bem apenas poderá obter satisfação do mesmo depois de o credor titular da primeira hipoteca ser inteiramente pago do seu crédito e dos respectivos acessórios (cf. art.º 713.º do C Civil).
Aceite a idoneidade abstracta da hipoteca, o n.º 3 do art.º 623.º, n.º 3, do C Civil remete para o Tribunal a aferição da respectiva idoneidade concreta.
Tal como refere Margarida Lima Rego[6], “Para a aferição da idoneidade concreta da caução, é fundamental atender ao valor a caucionar, devendo o tribunal ter em conta, não apenas o valor dos bens que se oferecem ao tempo da prestação da caução, mas também a depreciação que os bens podem sofrer em consequência da venda forçada, bem como as despesas que esta pode acarretar.”
Descendo ao caso concreto, podemos, desde já, afirmar que, em face dos regimes legais referidos e das finalidades da prestação da caução na execução, nenhum óbice haverá a que se possibilite que a Recorrente/Embargante preste caução, tal como esta pediu supletivamente, através da constituição de uma segunda hipoteca sobre os bens já hipotecados.
Esta nova hipoteca é uma das formas legais de prestação de caução e constituirá um benefício e uma segurança suplementar para a Exequente.
Obviamente desde que se apure – tal como alega a Recorrente – que os imóveis têm o valor mínimo de €7.192.500,00. Ou até valor inferior, desde que assegure os previsíveis valores suficientes para pagar a quantia exequenda, o pagamento da quantia exequenda, dos juros de mora, das custas da execução e dos honorários e despesas do agente de execução.
Questão diferente é a de saber se as hipotecas constituídas antes do processo executivo dispensam a prestação de caução como condição do prosseguimento da acção executiva, como defende a Recorrente, em fundamento central do seu recurso.
Como já ficou referido acima, o art.º 733.º do CP Civil actual, contrariamente ao regime anterior, tornou a suspensão da execução como uma situação excepcional, somente aplicável através da prestação de caução (ou em alguma das demais situações previstas igualmente no normativo).
As hipotecas constituídas anteriormente visaram, como decorre da matéria de facto provada, a garantia do pontual reembolso da abertura de crédito, bem como do pagamento dos juros remuneratórios calculados, cláusula penal e despesas judiciais e extrajudiciais.
Esta garantia teve uma finalidade própria, dirigida directamente ao contrato e tendo por objecto o respectivo crédito.
Assim sendo, é possível que os mesmos bens não tenham valor suficiente para cobrir, além destes, igualmente os juros de mora, as custas da execução e os honorários e as despesas do agente de execução.
Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a Exequente/Recorrida não aceitou ser este o valor actual dos bens hipotecados. Aliás, este alega inclusivamente estar por demonstrar que os imóveis em causa possuam o valor indicado pela Recorrente de €7.200.000,00 ou que esteja garantido que na excussão de tais imóveis o crédito exequendo seja absolutamente satisfeito.
Por outro lado, face à actual redacção do art.º 713.º do CP Civil, deve entender-se – tal como se entendeu na decisão recorrida – que a prestação de caução implica, necessariamente, a prestação de uma nova garantia pessoal ou real, diferente da hipoteca já existente.
As finalidades e o âmbito da hipoteca pré-existente e da caução são necessariamente diferentes, motivo por que deverá considerar-se insuficiente a mera afectação daquela aos fins da caução.
Estamos conscientes da existência de doutrina e de algumas decisões jurisprudenciais em sentido convergente com a tese aqui defendida pela Recorrente[7]. No entanto, todas elas foram proferidas à luz do regime legal anterior, designadamente do então art.º 818.º, n.º 2, do CP Civil (redacção da Reforma de 2003), que estipulava que “Não havendo lugar à citação prévia, o recebimento da oposição suspende o processo de execução, sem prejuízo do reforço ou substituição da penhora. (…).”
O legislador actual, apesar de presumivelmente conhecedor da controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre esta questão, optou claramente por uma nova redacção marcadamente restritiva.
Assim sendo, deve entender-se, à luz desta actual lei, que sempre que se pretenda suspender o processo de execução, e ainda que o crédito exequendo esteja coberto por uma garantia real (designadamente por hipoteca), o Embargante terá que prestar outra garantia especial, a qual poderá ser, se o caso concreto o possibilitar, uma nova hipoteca sobre os mesmos bens. A defesa da tese da Recorrente equivaleria a dispensa de prestação de caução em situação não contemplada pelo legislador.
Esta nova hipoteca visará já não garantir o crédito exequendo (que já se encontra garantido pela anterior hipoteca), mas tão-só o que acresce a este, designadamente o valor provável dos juros de mora, das custas da execução, dos honorários e das despesas do agente de execução.
Refere, neste sentido, Lebre de Freitas[8] que “Antes da reforma da acção executiva, punha-se o problema de saber se, havendo garantia real suficiente (constituída antes do processo ou por via de penhora já efectuada), ela bastava à suspensão da execução, sem necessidade de prestar ainda caução. (…) Havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo.”
Tendo a Recorrente pedido, a título supletivo, a prestação de caução através da constituição de uma segunda hipoteca sobre os bens já hipotecados impõe-se apurar da suficiência desta garantia real oferecida.
Há que apurar se o valor dos bens em causa é suficiente para cobrir, para além da quantia exequenda e dos demais acréscimos abrangidos pela hipoteca inicial, igualmente os acréscimos que potencialmente resultem da suspensão do processo executivo.
Esta decisão implica produção de prova, nomeadamente a realização das diligências probatórias requeridas pela Recorrente.
A conclusão final é, pois, a da procedência do presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e devendo os autos prosseguir para se aferir da suficiência da garantia supletiva oferecida, através da constituição de uma segunda hipoteca, para garantia do valor provável dos juros de mora, das custas da execução, do honorários e das despesas do agente de execução.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso da Recorrente/Embargante, revogando-se a decisão recorrida e determinando que os autos prossigam para se aferir da suficiência da garantia supletiva oferecida, através da constituição de uma segunda hipoteca, para garantia do valor provável dos juros de mora, das custas da execução, do honorários e das despesas do agente de execução.
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Custas a determinar no final do incidente - art.º 527.º do CP Civil.
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Notifique e registe.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Porto, 07 de Maio de 2019
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
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[1] Doravante designado apenas por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] In “Processo Executivo” in 4º anos de Políticas de Justiça em Portugal, 2017, Almedina, pág. 228.
[3] Veja-se para mais esclarecimentos Mário Júlio de Almeida Costa in Direito das Obrigações, 12.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, 2016, pág. 884 e ss. e Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, 2011, pág. 73 e ss.
[4] Marco Carvalho Gonçalves in Lições de Processo Civil Executivo, 3.ª Edição, 2019, Almedina, pág. 274.
[5] Doravante apenas designado por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[6] In Código Civil Anotado, com coordenação de Ana Prata, Volume I, 2017, Almedina, pág. 807.
[7] Designadamente Amâncio Ferreira in Curso de Processo de Execução, 11.ª Edição, Almedina, pág. 201, Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, Almedina, pág. 543, Acórdão da Relação do Porto de 31/10/2013, tendo como Relator Pinto de Almeida, proferido no Processo n.º 5025/12.0YYPRT-B.P1 e Acórdão da Relação de Lisboa de 28/02/2012, tendo como Relator Roque Nogueira, proferido no Processo n.º 17790/10.5YYLSB-B.L1-7, ambos disponíveis em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão. À luz do regime actual, e defendendo a mesma posição, somente encontramos o Acórdão da Relação de Évora de 06/11/2014, tendo como Relator Mata Ribeiro, proferido no Processo n.º 53/14.4TBFAL-B.E1, disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[8] In A acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição, 2017, Gestlegal, pág. 227 e ss.