Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1792/23.4YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: DECISÃO-SURPRESA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Nº do Documento: RP202403041792/23.4YLPRT.P1
Data do Acordão: 03/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ocorre decisão-surpresa, no sentido próprio do termo – i.é, de decisão inopinada, inesperada, sem audição prévia – quando a sentença decide assuntos não debatidos previamente pelas partes nos respetivos articulados e requerimentos.
II - Não sucede assim quando a ação é conhecida no saneador-sentença tendo anteriormente as partes discutido de forma suficiente o respetivo objeto (factual e jurídico), objeto este que vem a ser decidido na sentença que se limita a aplicar o direito aos factos não controvertidos.
III - Da aplicação da norma do n.º 4 do art. 1110.º do Código Civil decorre que o contrato para arrendamento não habitacional tem uma duração mínima de cinco anos.
IV - Tal normativo deve ser interpretado no sentido de que a produção dos efeitos do exercício do direito de oposição à renovação do contrato se difere para o fim do quinto ano de duração do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1792/23.4YLPRT.P1

Sumário do acórdão proferido elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

Relatório
AUTORA: A HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE AA, representada pela cabeça-de-casal BB, residente na Rua ..., n.º ..., 2.º andar, ..., ....
RÉ: CC, com domicílio na Avenida ..., n.º ..., 1.º andar, sala da frente, Matosinhos.
A A. apresentou requerimento para procedimento especial de despejo peticionando o despejo e a desocupação do imóvel locado, sito na Avenida ..., n.º ..., 1.º andar, sala da frente, Matosinhos.
Alegou como fundamento do despejo peticionado a denúncia do contrato pelo senhorio, anexando, além do mais, o contrato de arrendamento não habitacional celebrado entre as partes e, ainda, a comunicação da denúncia do contrato por iniciativa do senhorio.

Opôs-se a Ré, afirmando que, tratando-se de arrendamento não habitacional, o senhorio apenas poderá denunciá-lo com uma antecedência não inferior a cinco anos, nos termos dos arts. 1110.º-A e 1101 al. c) do Código Civil (CC).

Distribuídos os autos, veio a ser dada à A. oportunidade para se pronunciar quanto à defesa motivada, tendo esta apresentado articulado no qual apela à regra do art. 1110.º, n.º 1 do CC, segundo o qual as partes podem fixar no contrato as regras relativas à denúncia, o que aqui sucedeu, excluindo-se aqueles cinco anos, na cláusula terceira, n.º 3 do contrato de arrendamento.

Veio a ser proferido saneador-sentença, datado de 25.12.2013, julgando a ação procedente e decretando o despejo do locado.

Contra o assim decidido insurge-se a Ré, visando, em primeira linha, a anulação da sentença e, subsidiariamente, a sua revogação, com base nos argumentos que assim conclui:
DA NULIDADE DA SENTENÇA:
A) A Douta Sentença ora recorrida preteriu o disposto no artigo 3.º n.º 3 do CPC ou seja, o princípio do contraditório, pelo que estamos perante uma “decisão-surpresa”.
B) Foi dada uma solução jurídica sem que às partes tenha sido facultada a possibilidade de tomar posição sobre a concreta questão.
C) Existia o dever de audição prévia, pois que estão em causa factos e questões de direito que integraram a base de decisão.
D) A não observância do contraditório, quando é certo que tal poderia influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195º do CPC.
E) Tendo esta decisão surpresa sido prolatada no âmbito de uma sentença, deve a mesma ser invocada em sede de recurso, o que a Recorrente faz.
F) Deve proceder a presente apelação por violação do predito princípio do contraditório, não podendo assim a Douta Sentença ora recorrida manter-se na Ordem Jurídica.
SEM PRESCINDIR E UNICAMENTE POR MERA CAUTELA:
G) Relativamente à denúncia operada ao contrato de arrendamento em causa nestes autos, tem plena aplicabilidade a Lei n.º 13/2019.
H) Conforme resulta do seu introito “A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade…”
I)Face ao exposto, não pode a Recorrente aceitar a interpretação da Douta Sentença que perfilha o entendimento de que a nova regulamentação no que diz respeito à denúncia do contrato de arrendamento não habitacional, não possui a imperatividade prevista no artigo 1080.º do Código Civil.
J) A Lei nº 13/2019 pretendeu impor-se aos contratos de arrendamento vigentes impondo-lhes regras que levem a “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano”.
K) Reiterando o já invocado em sede de oposição, sendo certo que estamos “in casu” perante um arrendamento não habitacional, a carta de denúncia junta a estes autos, atribuindo uma antecedência de 120 dias para a cessão de efeitos do contrato, viola frontalmente o disposto em preceitos legais imperativos.
L) Viola, mormente, o disposto no artigo 1110.º A n.º 1 do Código Civil, o qual dispõe que “Nos contratos de arrendamento não habitacional, o senhorio apenas pode denunciar o contrato nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 1101.º”.
M) E, não estando em causa o disposto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, a alínea c) respetiva refere que o senhorio só pode denunciar o contrato: “Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação.”
N) Sendo certo que a Recorrida não cumpriu com a antecedência mínima legalmente prevista, o peticionado despejo carece assim de total fundamento jurídico, pelo que tem tal pretensão, necessariamente, de soçobrar.
O) A Douta Sentença ora recorrida ao entender como não imperativos os preditos preceitos legais vai frontalmente contra o entendimento subjacente ao Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/11/2021 relativo ao processo nº 19/20.5YLPRT.L1.S1 e pesquisável em www.dgsi.pt, o qual dispõe que “A Lei n.º 13/2019, ao abrigo do art.12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, na medida em que as suas disposições se revistam de natureza imperativa, aplica-se às relações jurídico-arrendatícias que subsistam à data do seu início de vigência, porquanto dispõe sobre o seu conteúdo e o conforma abstraindo do facto que lhes deu origem.”
P) O decurso global do prazo de antecedência da comunicação de denúncia não tem o valor de um facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, pois este já se encontra verificado aquando do início de vigência da lei nova (art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019).
Q) Face ao exposto, não podendo substituir qualquer dúvida quanto à imperatividade das atuais versões dos artigos 1110º A e 1101º al. c) do Código Civil, imperatividade esta que resulta expressamente do próprio artigo 1080.º do mesmo Código, as quais prevalecem sobre quaisquer disposições previamente contratualizadas tem, pois, o entendimento proferido pelo Tribunal recorrido, de ser revogado.
R) A Douta Sentença ora recorrida violou do disposto nos artigos 3.º n.º 3 do CPC, bem como os artigos 1080.º, 1110.º A e 1101.º al. c) do Código Civil.

A A. contra-alegou, opondo-se à procedência do recurso, concluindo deste jeito:
1.ª A Sentença em crise não padece de qualquer vicio ou nulidade, como apontados pela Recorrente, não consubstanciando qualquer “decisão surpresa”.
2.ª O Tribunal “a quo” decidiu em função da matéria de facto e de direito alegada e discutida previamente pelas partes nos autos, não tendo excedido ou promovido uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever;
3.ª Aos contratos de arrendamento urbano com fins não habitacionais, no que à denúncia desses contratos respeita, a lei e jurisprudência determinam que são aplicáveis: (i) em primeiro lugar, as regras livremente estabelecidas pelas partes; (ii) em segundo lugar, na ausência de previsão contratual, as normas legais previstas especificamente para a denúncia dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, mormente, o estatuído nos citados artigos 1110.º e 1110.º-A do Código Civil; (iii) em terceiro lugar, no que não se encontrar especificamente regulado no regime legal daquele arrendamento urbano não habitacional, as disposições referentes ao arrendamento para habitação.
4.ª Apenas no caso de no contrato de arrendamento não terem sido previstas as regras relativas à denúncia do mesmo é que terão aplicação as disposições previstas no artigo 1110.º-A do Código Civil e as relativas ao arrendamento para habitação.
5.ª A soberania da vontade das partes em matéria de arrendamento não habitacional, não é afectada nem restringida por considerações de directa relevância dos preceitos constitucionais, desde logo do direito à habitação, é, pois total, e já o era ao abrigo da Lei 31/2012 de 14 de Agosto, e já o era ao abrigo da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro.
6.ª Foi livremente estipulado no contrato de arrendamento em causa, para fins não habitacionais, que “As partes poderão exercer ainda a opção de denúncia do contrato, desde que decorrido metade do prazo de vigência do Contrato de Arrendamento, mediante notificação prévia à outra parte, a enviar por carta registada com aviso de recepção, com 120 (cento e vinte) dias de antecedência em relação à data em que se pretende fazer cessar a vigência do contrato.”.
7.ª A Autora respeitou a forma e o aviso prévio contratualmente estabelecido, como provado nos autos.
8.ª A denúncia contratual operada pela Recorrida é legal, válida e eficaz.
9.ª A sentença em crise não padece de qualquer erro de julgamento quanto ao direito aplicável, devendo manter-se integralmente.

Objeto do recurso:
- da violação do disposto no art. 3.º, n.º 3, e da decisão-surpresa;
- do prazo para oposição à renovação do contrato de arrendamento não habitacional.

FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
1. A 1 de Novembro de 2018, a autora, na qualidade de primeira contraente, e a ré, na qualidade de segunda contraente, celebraram um acordo que denominaram de “contrato de arrendamento não habitacional”, com o seguinte teor:
«(…) CLÁUSULA PRIMEIRA
(Imóvel)
1. A Senhoria é dona e legítima proprietária do imóvel sito na Av. ..., n.º ..., 1.º andar, Sala da frente no prédio urbano da freguesia ..., registado sobre o artigo matricial urbano n.º ..., Matosinhos.
CLÁUSULA SEGUNDA
(Objecto)
1. Pelo presente contrato a Senhoria dá de arrendamento à arrendatária e esta aceita, o imóvel identificado na cláusula anterior.
2. O aludido imóvel tem como finalidade a actividade de uma escola de música e bailado.
CLÁUSULA TERCEIRA
(Vigência)
1. O arrendatário terá uma duração inicial de 5 anos, prazo este que terá o seu início em 1 de Novembro de 2018.
2. O presente Contrato de Arrendamento não será objecto de renovação, salvo se as Partes acordarem num novo contrato, funda a vigência do presente.
3. As partes poderão exercer ainda a opção de denúncia do contato, desde que decorrido metade do prazo de vigência do Contrato de Arrendamento, mediante notificação prévia à outra parte, a enviar por carta registada com aviso de recepção, com 120 (cento e vinte) dias de antecedência em relação à data em que se pretenda fazer cessar a vigência do contrato.
(…)
5. No termo do arrendamento ou aquando da rescisão ou revogação do presente Contrato de Arrendamento, a Arrendatária fica obrigada a entregar as todas as chaves do local arrendado à Senhoria, a fim desta ou o seu representante possam inspeccionar o estado de conservação do equipamento e instalações aí existentes, sendo certo que, enquanto os locais arrendados não forem colocados em estado de imediata ocupação, a Arrendatária responderá pelo cumprimento de todas as obrigações decorrentes do referido contrato, sem prejuízo da obrigação de ressarcir danos emergentes, lucros cessantes ou prejuízos de qualquer outra natureza a que o seu procedimento der causa.
(…)».
2. A 4 de Novembro de 2022, a ré recebeu uma carta registada com aviso de receção remetida pela autora, com o seguinte teor:
«(…) Assunto: Denúncia Contrato de Arrendamento não Habitacional celebrado em 1 de Novembro de 2018 do prédio sito na Av. ..., n.º ..., 1.º andar (sala da frente), Matosinhos;
Exma. Senhora,
Na qualidade de legal representante da herança aberta por óbito de AA, Senhoria do prédio sito na Av. ..., n.º ... – 1.º andar (sala da frente), Matosinhos e, nos termos do disposto no n.º 3 da Cláusula Terceira do Contrato de Arrendamento para fins não habitacionais celebrado em 1 de Novembro de 2018, vimos comunicar a V. Exa. a denúncia do contrato de arrendamento, devendo a cessação do mesmo produzir todos os seus legais efeitos decorrido o período de 120 dias de aviso prévio.
Fico a aguardar que me informe como pretende proceder relativamente à entrega do imóvel livre de pessoas e bens, bem como de todas as chaves, que deverá ocorrer no termo do período do aviso prévio exigido, isto é, em 04/03/2023. Salientamos que a ausência do cumprimento da obrigação de restituição do arrendado, na data em que o mesmo deverá ser entregue, constitui V/ Exa. na cominação prevista no n.º 5 da referida cláusula contratual, bem como na Cláusula Décima Segunda do contrato.
(…)».

Fundamentos de direito
Da inexistência de decisão-surpresa:
Pugna a Ré pela verificação de uma nulidade processual, invocando o disposto nos arts. 195.º e 3.º, n.º 3 CPC.
Tal alegação mostra-se, contudo, desprovida de qualquer fundamento.
A violação do princípio da audição e do contraditório, com a consequente prolação de decisão-surpresa, sucede quando o tribunal conhece questão sem que as partes sobre a mesma não tenham tido oportunidade de se pronunciar e não pudessem razoavelmente com ela contar, nomeadamente por nunca haver sido debatida nos articulados.
Será, assim, surpresa, no sentido próprio do termo – i.é, de decisão inopinada, inesperada, sem audição prévia – a sentença que decide assuntos não debatidos previamente pelas partes ou que, face ao requerimento de uma delas, não ausculta a contraparte sobre o mesmo.
Não sucede assim quando a ação é conhecida no saneador-sentença tendo anteriormente as partes debatido de forma suficientemente o tema da ação.
Foi o que aqui e sucedeu quando, na contestação, a Ré se defendeu por impugnação de direito ou impugnação motivada, afirmando que a ação não poderia proceder porque as normas aplicáveis o não permitiam, e à A. foi dada oportunidade de se pronunciar quanto ao mesmo enquadramento jurídico.
Não sendo de debater a matéria de facto que importava para a decisão, a solução jurídica alcançada na decisão recorrida – opção por uma das interpretações possíveis do regime jurídico convocável – corresponde ao já debatido pelas partes, não sendo, assim, inopinada ou sem preparação prévia.
É, pois, improcedente esta argumentação recursiva.
Quanto à não oposição à renovação do contrato (que as partes apelidaram de denúncia) operada por carta de novembro de 2022 com efeitos para março de 2023, afigura-se-nos já assistir razão à recorrente embora se nos afigure que, cinco anos após o seu início – começou a vigorar a 1.11.2018 – o contrato esteja nesta altura extinto por decurso do prazo, uma vez que que foi estabelecido o seu termo para cinco anos após, tendo ainda sido contratado que o mesmo não seria objeto de renovação. Não é esse, contudo, o objeto da ação, mas sim a putativa extinção do negócio em março de 2023.
Sobre o tema da oposição à renovação e da duração dos contratos de arrendamento não habitacionais seguimos a doutrina do acórdão do STJ, de 11.1.2024, proferido em ação conhecida nesta Relação e secção cuja decisão aquele tribunal superior confirmou, no processo 1085/22.4YLPRT.P1.S1. Tal aresto acha-se profusa e claramente fundamentado relativamente ao objeto da presente ação, o que justifica que aqui se reproduza parcialmente.
Explicita-se, aí, com interesse integral para a decisão destes autos, o seguinte:
«Na verdade, e ainda que, nos presentes autos, esteja em causa a aplicação do regime do arrendamento para fim não habitacional, a doutrina especializada e a jurisprudência vêm chamando a atenção para o paralelismo entre as alterações introduzidas num e noutro regime.
7.1. Para o que ora importa, as modificações legais referidas no ponto anterior suscitam essencialmente as seguintes dúvidas interpretativas (comuns ao regime do arrendamento para fins habitacionais e ao regime do arrendamento para fins não habitacionais): (i) qual o prazo mínimo de vigência e de renovação do contrato de arrendamento; (ii) como opera a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento.
No que respeita ao arrendamento para fins habitacionais, há quem entenda que, da conjugação da previsão da duração mínima do contrato por um ano (art. 1095.º, n.º 2, do CC) com a determinação da renovação automática do contrato pelo período de três anos (art. 1096.º, n.º 1, do CC), resultaria que, se as partes não afastarem a renovação, o arrendatário tem direito a um período mínimo de duração contratual de quatro anos (ver, neste sentido, Rui Mascarenhas Ataíde/António Barroso Ramalho, «Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano», in Revista de Direito Civil, n.º 2, 2019, págs. 303-304; Maria Olinda Garcia, «Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019», in Julgar on line, n.º 25, Março 2019, pág. 12; Edgar Valente, Arrendamento Urbano. Comentário às alterações introduzidas no regime vigente, Almedina, Coimbra, 2019, pág. 34).
Diversamente, há quem considere que, «quando a renovação não tiver sido afastada ao abrigo do n.º 1 do artigo 1096.º, o artigo 1097.º/3 cc concede ao arrendatário uma duração contratual mínima de três anos, ainda que as partes tenham estabelecido um prazo inicial inferior. Cristalino é que o art. 1097.º/3 não terá relevância prática quando o prazo inicial do contrato for igual ou superior a três anos» (David Magalhães, «Algumas alterações ao regime jurídico do Arrendamento Urbano», in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. XCV, Tomo I, 2019, pág. 569). Ver também André Mena Hüsgen, «As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano», in Estudos de Arrendamento Urbano, Vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, pág. 85 e págs. 87-88; e Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 11ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, págs. 179-180.
Quanto à forma de operar a não renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais, existe consenso no entendimento de que o regime do n.º 3 do art. 1097.º determina que a declaração ou comunicação de oposição à renovação do contrato terá de ser feita antes da data da renovação do contrato (com a antecedência mínima prevista no n.º 1 do mesmo artigo) para produzir efeitos na data em que a renovação ocorreria. De acordo com Elsa Sequeira Santos (anotação ao artigo 1097.º, in Código Civil Anotado, coord.: Ana Prata, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 1392), «[a] ‘ratio’ desta alteração é a de garantir ao arrendatário a duração efetiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, ao não permitir ao senhorio provocar a caducidade do contrato nesse período, por via da oposição à renovação. O senhorio, nos primeiros três anos do contrato, pode opor-se à renovação do mesmo, mas a [oposição à] renovação só produz efeitos decorridos que sejam os três anos iniciais.».
7.2. No que se refere ao arrendamento para fins não habitacionais, há quem defenda (Rui Mascarenhas Ataíde/António Barroso Ramalho, ob. cit., pág. 304; Menezes Leitão, ob. cit., págs. 181-182; José António de França Pitão/Gustavo França Pitão, Arrendamento Urbano Anotado, 2ª ed., Quid iuris?, Lisboa, 2019, pág. 434) que, devido à remissão genérica para o regime do arrendamento para fins habitacionais (art. 1110.º, n.º 1, do CC), se aplicaria também aqui o prazo mínimo de vigência do contrato de um ano previsto no art. 1095.º, n.º 2, do CC.
Esta posição, quando conjugada com o novo regime do n.º 4 do art. 1110.º, introduzido pela Lei n.º 13/2019 («Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação»), teria como consequência, para alguns autores (cfr. J.A. França Pitão / G. França Pitão, ob. cit., pág. 434), que o prazo mínimo de vigência do contrato seria de seis anos.
Diversamente, afigura-se de acompanhar a posição que advoga que «a norma do artigo 1110.º(1), que diz respeito aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, é clara no sentido de consagrar a mera supletividade do regime habitacional em matéria de duração do arrendamento. Logo, o regime habitacional só será aplicável na falta de estipulação das partes, não sendo as normas imperativas daquele regime, em princípio, aplicáveis ao regime não habitacional» (André Mena Hüsgen, ob. cit., págs. 93-94).
Consequentemente, da aplicação da norma do n.º 4 do art. 1110.º decorrerá que «[e]stes contratos passam agora a ter uma duração mínima de 5 anos» (Maria Olinda Garcia, ob. cit., pág. 14). No mesmo sentido, ver David Magalhães (ob. cit., pág. 573) e Menezes Leitão (ob. cit., pág. 182, sendo que este autor, porém, considera que esta regra não reveste carácter imperativo, o que contradiz aquele que parece ser o entendimento maioritário).
Aqui chegados, importa enfrentar o problema interpretativo cuja resposta se mostra essencial para a resolução da questão objecto do presente recurso e que consiste em apurar de que forma opera a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins não habitacionais.
A dúvida pode assim ser enunciada:
«[N]ão se compreende se o direito de oposição só “nasce” findos os cinco anos, como parece resultar da letra do n.º 4 do art.º 1110.º, ou se, pelo contrário, o legislador se limitou a deferir a produção dos efeitos do exercício do direito de oposição à renovação do contrato, quando deduzida pelo senhorio, para o fim do quinto ano de duração do contrato (...)» (Jéssica Rodrigues Ferreira, «Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais», in Revista Electrónica de Direito, Fevereiro 2020, n.º 1, vol. 21, pág. 84).
A primeira orientação foi a adoptada pelos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.09.2022 (proc. n.º 1006/21.1T8CSC.L1-2) e de 27.10.2022 (proc. n.º 12613/21.2T8LSB.L1-6), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Nas palavras do sumário deste último acórdão:
«I - A norma contida no nº 4 do artigo 1110º do Código Civil não autoriza a interpretação de que, num contrato de arrendamento para fins não habitacionais livremente celebrado por cinco anos, o senhorio pode comunicar ao arrendatário a sua oposição à renovação do contrato para ter efeitos findo o prazo inicial do mesmo.
II – Tal norma deve ser interpretada no sentido que dela consta (com respeito aliás pela correspondência mínima com o texto) qual seja o de que qualquer que seja a duração do contrato, nos primeiros cinco anos contados do início da vinculação entre as partes, o senhorio não pode opor-se à renovação.
(...)».
Tal orientação, conforme expressamente afirmado no acórdão de 29.09.2022, assenta na posição defendida por David Magalhães (ob. cit., pág. 575) segundo o qual «durante cinco anos em nenhum caso pode o arrendatário ser despejado por mera vontade do senhorio; se nada se convencionar sobre a renovação, a extinção ‘ad nutum’ só será alcançada mediante oposição à segunda renovação que pudesse ocorrer após o primeiro lustro contratual, garantindo-se ao arrendatário o mínimo de dez anos de duração contratual».
A posição alternativa – considerar que o n.º 4 do art. 1110.º do CC deve ser interpretado no sentido de que a produção dos efeitos do exercício do direito de oposição à renovação do contrato se difere para o fim do quinto ano de duração do contrato – foi seguida pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrido, em termos assim sumariados:
«I - Nos termos do disposto no artigo 1110, n.º 4 do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, o senhorio não pode opor-se à renovação do contrato nos primeiros cinco anos de vigência do mesmo.
II - Porém, essa imposição não altera os prazos mínimos de comunicação da intenção de oposição que, num contrato com a duração de cinco anos, são necessariamente anteriores ao seu termo.
III – O que o citado preceito veio consagrar é, apenas, que o senhorio não pode pôr termo ao contrato, opondo-se à renovação, com efeitos a data anterior à correspondente ao decurso dos primeiros cinco anos.».
Em última análise, nesta linha de pensamento, advoga-se que o regime do n.º 4 do art. 1110.º do CC deve ser interpretado em sentido equivalente ao disposto no n.º 3 do art. 1097.º do mesmo Código a respeito do arrendamento para fins habitacionais; isto é, no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento não habitacional para produzir efeitos na data em que, sem a declaração de oposição, o contrato se renovaria.
A diferença de redacção entre uma e outra norma tem, contudo, servido de base à defesa da posição oposta (cfr. David Magalhães, ob. cit., pág. 568, nota 10), seguida, como se referiu, pelos referidos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.09.2022 e de 27.10.2022.
Quid iuris?
7.3. Tal como vem sendo assinalado (cfr., por todos, Maria Olinda Garcia, ob. cit., pág. 25), a reforma do regime do arrendamento urbano realizada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, não prima pela clareza, suscitando múltiplas dúvidas interpretativas, das quais nos limitámos a salientar aquelas que se afiguram relevantes para a melhor compreensão da questão em discussão no presente recurso.
Assim, se, em tese geral, seria de atribuir relevância à diferença entre a redacção do n.º 4 do art. 1110.º («Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação») e a do n.º 3 do art. 1097.º («A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (...)»), o resultado, a nosso ver ilógico, resultante da atribuição de relevância a tal diferença de redacção – transformando um prazo de vigência contratual de cinco anos, acordado entre as partes e correspondente ao prazo de renovação supletivo mínimo previsto no n.º 3 do art. 1110.º, num prazo mínimo de vigência (para o senhorio) de dez anos –, leva-nos a ser favoráveis a que ambas as normas sejam interpretadas em sentido equivalente.
Com efeito, «ainda que o intérprete deva, na fixação do sentido da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, cremos que o objetivo do legislador terá sido tão-só o de garantir um prazo de duração efetiva de cinco anos. Por isso, atendendo à ‘ratio’ da norma, admitimos que ao senhorio deve ser permitido opor-se à renovação de um contrato celebrado pelo prazo inicial de cinco anos. De outro modo, dar-se-ia o resultado absurdo de o senhorio só poder terminar o contrato no seu décimo ano de duração» (André Mena Hüsgen, ob. cit., pág. 97).
Por outras palavas, entende-se que «o que se pretende é deferir a produção de efeitos da primeira oposição à renovação deduzida pelo senhorio, de forma a garantir que o contrato de arrendamento habitacional dure pelo menos três/cinco anos, consoante seja habitacional ou não habitacional (salvo se o arrendatário pretender antes disso opor-se à sua renovação ou denunciá-lo) e não impedir que, durante esses três/cinco anos, o senhorio possa exercer o seu direito de oposição à renovação, coartação essa da qual poderia, na prática, resultar uma duração mínima do contrato de arrendamento bastante superior àquela que o legislador quis acautelar e que se reflete, também, nos novos prazos supletivos [de três e cinco anos, respectivamente] de duração dos períodos de renovação dos contratos» (Jéssica Rodrigues Ferreira (ob. cit., pág. 85).»
Assim, no caso dos autos, a oposição à renovação (em sentido impróprio posto que o contrato dos autos foi estabelecido sem possibilidade de renovação) nunca poderia ocorrer antes do termo do prazo mínimo de cinco anos após o início do contrato (1.11.2023), não sendo válida, por afrontar a norma imperativa do art. 1110.º, n.º 4, CC, a tentativa de lhe colocar termo antes do fim daquele período mínimo, sendo de diferir para o termo dos cinco anos o seu efeito.
O recurso é, pois, procedente, uma vez que a denúncia efetuada para março de 2023 não foi válida e o despejo pretendido com essa base afronta o regime jurídico aplicável.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso procedente, revogando a sentença recorrida e, assim, julgar a ação improcedente e absolver a Ré do pedido.
Custas pela A.

Porto, 4.3.2024
Fernanda Almeida
Jorge Martins Ribeiro
José Eusébio Almeida