Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0424911
Nº Convencional: JTRP00037376
Relator: DURVAL MORAIS
Descritores: COMPRA E VENDA
EMPREITADA
DEFEITO DA OBRA
DENÚNCIA
CADUCIDADE
PRAZO
Nº do Documento: RP200411160424911
Data do Acordão: 11/16/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Área Temática: .
Sumário: O prazo de caducidade do direito de accionar relativamente ao contrato de compra e venda previsto no artº 917º do Código Civil aplica-se não só à anulação fundada em erro, mas também às acções que visem obter a reparação ou substituição da coisa ou até mesmo o custo das reparações ou pedidos semelhantes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I- B................................ e mulher, C................................, intentaram a presente acção sob a forma ordinária, contra D...... - ...................., SA, com sede na Rua .................., n° .., ..., Lisboa, pedindo a condenação da Ré a realizar diversas obras de reparação dos defeitos existentes numa habitação que lhe comprou, sita em Leça da Palmeira, nesta comarca. Em alternativa, no caso de não proceder à eliminação desses defeitos, pede a sua condenação a suportar o custo correspondente ou, subsidiariamente, caso se apure a inviabilidade dessa eliminação relativamente a algum ou alguns defeitos, a ver reduzido o preço da habitação na medida da desvalorização daí resultante, a determinar por avaliação judicial.
Mais pediram a condenação da Ré a pagar-lhes uma indemnização de 500.000$00 por danos morais, a acrescer com juros a contar da citação, bem como a suportar os custos de alojamento do casal, em local condigno, enquanto durarem as obras necessárias.

A Ré contestou, além do mais, arguindo a caducidade do direito de acção dos autores quanto à reparação de alguns dos defeitos que descreveram.
Para além disso, e para o caso de a perda da acção lhe determinar prejuízos, requereu a intervenção da construtora E..... - .............., para contra ela poder exercer um eventual direito de regresso.
Concluiu pela procedência da caducidade invocada e pela improcedência da pretensão dos autores.

Os Autores replicaram, alegando que a arguição da caducidade da acção a respeito dos defeitos existentes na lareira constitui abuso de direito, bem como que o reconhecimento dos defeitos que a ré lhes expressou impediu a verificação da alegada caducidade, concluindo como na petição inicial.

Admitida a intervenção acessória da “E......”, veio esta contestar, alegando que a construção que realizou, e na qual se insere a fracção dos autores, não foi executada com defeitos, observando tudo o que lhe foi determinado pela Ré, dona da obra. Mais alegou que a ré encarregou outrem do fornecimento e montagem ou instalação de portas, rodapés, soalhos, blackouts, equipamentos de cozinha e fachadas do prédio. Conclui, dizendo que devem ser considerados não provados os factos alegados pelos Autores e atinentes com a sua intervenção.

A Ré sustentou a inadmissibilidade dos termos do articulado da “E.....”.

Foi proferido o saneador - que relegou para final o conhecimento da arguida caducidade - e foi elaborada a condensação, sem reclamação.

Procedeu-se a julgamento da matéria de facto, não tendo as respostas aos quesitos sido objecto de reclamação.

Finalmente, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, pelo que condenou a Ré a proceder às obras necessárias a garantir o isolamento acústico das paredes de meação em tijolo da sala e do quarto principal da fracção dos autores, por forma e em prazo a definir em sede de execução de sentença, a proceder à substituição da porta da cozinha e da taveira em madeira do hall de entrada, substituindo as duas tábuas de coloração diferente, à revisão, com inerente reparação dos blackouts e à realização das obras necessárias à reparação da deficiente tiragem do fogão de sala e à prevenção da entrada de fumos provenientes da activação de fogões de sala dos Vizinhos.
No mais, foi a acção julgada não provada e improcedente, absolvendo-se a Ré do restante pedido.

Inconformada, a Ré apelou, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões:
1ª- Atenta a factualidade constante das alíneas A) e B) dos factos assentes é pertinente in casu o regime jurídico estabelecido nos art.s 913° e ss. do Cód. Civil, e já não o disposto no art. 1225° do mesmo Código (cfr., neste sentido e entre outros, o recente Ac. deste Trib. da Relação do Porto de 14/10/2003, in http://wwwdgsi.pt/jtrp.nsf/, proc. nº 0323025, tendo por objecto uma Sentença proferida no Tribunal de Matosinhos e os Ac.s do Sup. Trib. Justiça de 3.12.91, in BMJ, 412, pág, 444 e de 8.12.79, in BMJ, 292, pág. 357 e RLJ, 113°, pag. 250, com anotação do Vaz Serra).
2ª - Atenta a factualidade constante da alínea D) da factualidade julgada assente e o disposto no art. 917° do Cód. Civil - aplicável in casu conforme o sustentado, entre outras, no referido Acórdão desta Relação de 14/10/2003 e nos Ac.s do Sup. Trib. Justiça de 29.11.88, in CJ, 1988, 3°, pág. 138, e de 12.1.94, CJ/STJ, 1994, 1°, pág. 34, e Ac.s Rel. Lisboa de 15.12.87, CJ, 1987, 5°, pág. 145 e de 19.1.89, BMJ, 383, 596 e conforme referem Professores Mota Pinto e Calvão da Silva, in O Direito, 12°-292 - tinham os Recorridos de ter interposto a acção até 12.07.2000 o que, contudo, apenas fizeram em Maio de 2001, quando já havia caducado o seu direito, pelo que deveria, na procedência da invocada excepção da caducidade, ter a acção sido julgada improcedente.
3ª - Aliás, admitindo apenas por hipótese de raciocínio a aplicabilidade do art. 1225° do Cód. Civil, ter-se-ia, também, verificado a invocada caducidade por a acção não ter sido intentada até 12.01.2001.
4ª - Aliás, verifica-se a invocada caducidade, também, no que respeita à denúncia dos defeitos (cfr. nºs 2 e 3 do art. 916° do Cód. Civil) uma vez que como resulta do fax de fls. 14 e 15 dos autos, a dita denúncia dos defeitos não foi “... especificada com a indicação de que, em concreto, viciam a obra, o que constitui condição de que depende o exercicio dos direitos correspondentes”. (Ac. deste Tribunal da Rel. do Porto de 07.05.1996 in http://www.dgsi.pt/itrp.nsf/ proc. n° 9520763).
5ª - Acrescendo que relativamente à dita “deficiente tiragem do fogão de sala e à prevenção da entrada de fumos provenientes da activação de fogões de sala dos vizinhos” absolutamente nenhuma referência é feita em tal comunicação - nem resulta dos autos que doutro modo ou noutra ocasião haja sido denunciada - que, por isso, não contém a denúncia de tal alegado feito, apenas dela constando a inconclusiva e inconsequente expressão “Ligação Lareira”.
6ª - Tendo o direito de acção caducado no dia 12.07.2000 a ter havido - e não houve -“reconhecimento do direito” pela Recorrente através do seu fax de fls. 19 dos autos datado de 01.02.2001 (cfr. al. F) dos factos assentes) - relativamente a alguns dos defeitos - e em Novembro e Dezembro de 2000 (cfr. resposta ao ponto 7 da base instrutória) - relativamente à tiragem dos fogões de sala - tal ter-se-ia verificado já depois de caducado o direito dos Recorridos pelo que esse reconhecimento sempre seria “irrelevante” (cfr. os Ac.s deste Tribunal da Rel. do Porto de 25.02.1999 e de 9.4.2002, in http://www.dgsi.pt/itrp.nsf/ proc.s nº 9930205 e 0220172).
7ª - Não se verifica in casu o “reconhecimento dos defeitos” a que alude o artº 331°, n° 2 do Cód. Civi1, susceptível de impedir a caducidade, o qual “não é a simples admissão genérica de um direito de crédito, mas um reconhecimento concreto, preciso, sem ambiguidades ou de natureza vaga ou genérica. Deve antes tratar-se de um reconhecimento que torne o direito certo e faça as vezes da sentença com valor, portanto, idêntico ao “acto impeditivo”, referido no nº 1, do mesmo artigo” (Ac. deste Trib. da Rel. Porto de 25.06.87, in CJ, 1987, 3º, pág. 212 e, no mesmo exacto sentido os, também acórdãos deste Tribunal de 9.4.2002, de 07/05/96 e de 27/4/99, todos in hhttp://wwwdgsi.pt/itrp.nsf/. proc.s nºs, respectivamente, 0220172, 9520763 e 9621330 e, também, o Ac. do S.TJ. de 28.04.1988, in BMJ, 376, pág. 606 e de 28/03/l995, in http://www.dgsi.pt/isti.nsf/. proc. nº 085690).
8ª - Assim, a factualidade provada em consequência da resposta dada ao ponto 7º da base instrutória não configura qualquer reconhecimento de que era deficiente a tiragem, em concreto, do fogão de sala dos Recorridos e/ou que, em concreto, que na fracção dos Recorridos entrasse fumo proveniente da activação de fogões de sala vizinhos - sendo este último facto, aliás, absolutamente omisso nos referidos avisos.
9ª - Também no que ao “isolamento acústico”, à “Substituição da porta da cozinha e da taveira em madeira do hall de entrada” e “revisão dos blackouts”, o fax junto a fls. 19 dos autos não constitui reconhecimento do direito nos termos apontados nos doutos identificados arestos;
10ª - Tanto não houve reconhecimento do direito que, em resposta ao ponto 13° da base instrutória, foi julgado provado que os trabalhos que a Ré aceitou realizar relativos ao isolamento acústico deveram-se “... às ininterruptas insistências dos AA. e com vista a estes ficassem satisfeitos e, assim, preservar o seu bom nome comercial”, não constituindo isso, obviamente, o reconhecimento do alegado defeito mas, apenas, uma prática comercial.
11ª - Aliás, sempre procederia a invocada caducidade mesmo que se admitisse que se verificou reconhecimento do direito antes do termo da caducidade, pois tal reconhecimento consubstanciado numa proposta da Recorrente para efectuar determinados trabalhos não reconhecendo, contudo, qualquer direito dos Recorridos a serem indemnizados nos autos - indemnização que, de resto, foi peticionada nos autos - não alterou o prazo de caducidade da acção (cfr. Ac. S.T.J. de 20/09/88, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/. Proc. nº 076154).

12ª - De todo o modo, não podia a Recorrente ter sido condenada a “proceder ás obras necessárias a garantir o isolamento acústico das paredes de meação em tijolo da sala e do quarto principal da fracção dos autores, por forma e em prazo a definir em sede de execução de sentença”, por diversas outras razões:
13ª - Em primeiro lugar, relevam as respostas aos pontos 3º, 12°, l5º e 16º da base instrutória, os factos constantes das al.s F) e G) da factualidade assente e, bem assim, como é referido da fundamentação do douto julgamento da matéria de facto “ ... a solução das paredes duplas com caixa de ar permitia não ultrapassar os níveis de propagação de som de umas habitações para outras previstas na lei, ...”
14ª - Donde decorre inexistir defeito, pois que a coisa não tem vício que a desvalorize ou que impeça a realização do fim para que é destinada, nem é desconforme com o acordado (cfr. art. 913º do Cód. Civil Pedro Romano Martinez, in Contratos Em Especial, pág. 125), o que aliás, não foi sequer alegado - nem, como é evidente, provado - inexistindo factualidade subsumível à hipótese legal, ao conceito jurídico, previsto naquele preceito.
15ª - Tão pouco os Recorridos alegaram qual fosse, in casu, o nível de insonorização que se verifica e/ou qual o que se deveria verificar, fosse nos termos da Lei (previstos no Regulamento Geral de Edificações Urbanas), fosse no seu próprio entendimento;
16ª - Sendo que era sobre os Recorridos que impedia tal ónus de alegarem factualidade, constitutiva do seu direito, adequada e suficiente que servia de fundamento ao efeito jurídico pretendido (Prof. A. Varela in Manual de Proc. Civil, Coimbra Ed., 2ª ed., págs. 345 ss., Ac. desta Rel. de 19.07.74, in Bol., 239º, pág. 259 e Prof. Baptista Machado in Int. ao Direito, Almedina, 1985, pág. 82) de acordo com a regras do ónus da prova (cfr. artº 342º do Cód. Civil; Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 201 e Alberto dos Reis, in Cód. Proc. Civil Anotado, 4ª ed., pág. 279 e ss.) por forma a possibilitar o “silogismo judiciário” (A. Varela, ob. cit, pág. 671 e Prof. Baptista Machado, in ob. cit., pág. 80).
17ª - Em segundo lugar, atenta a supra referida (em 12) destas conclusões) é manifesto que a Recorrente agiu de boa fé no cumprimento do contrato - conforme consta da fundamentação do julgamento da matéria de facto “a ré sempre se preocupou por resolver os problemas existentes...” - e, pelo contrário, agiram os Recorridos de manifesta má-fé ao não aceitarem a solução proposta - todo nos termos do disposto no artº 762º do Cód. Civil pretendendo, além de outras condições, impor intervenções que sempre seriam manifesta e excessivamente onerosa e injustificada.
18ª - Donde se conclui pela inexigibilidade da dita obrigação, configurando o pretendido exercício do pretenso direito pelos Recorridos na presente lide, atento aquele seu comportamento, a prática de abuso de direito - cfr. artº 334º do Cód Civil - que, de resto, é de conhecimento oficioso e que expressamente se invoca.
19ª - Em terceiro lugar, não tem sustentação legal a condenação da Recorrente “(...) por forma e em prazo a definir em sede de execução de sentença” pois que, como refere Manuel Júlio Gonçalves Salvador (in Revista dos Tribunais, ano 88, 53) “... só é de remeter para liquidação em execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade - entendida esta falta de elementos não como consequência do fracasso da prova na acção declarativa, mas sim como a consequência de ainda não existirem tais elementos na data em que é proferida a sentença (....)” (cfr., no mesmos sentido, o Ac. do S.T.J de 17.01.95, publicado na Revista Novos Estilos/ sub Judice, I, pág. 19).
20ª - Nem os Recorridos alegam, nem se verifica, que à data da propositura da acção não houvessem elementos para fixar o objecto ou a quantidade do peticionado designadamente no que respeita à “forma” e ao “prazo” das obras em causa, pelo que sempre deverá ser revogada a douta Sentença recorrida na parte em que condenou a Recorrente a “proceder ás obras necessárias a garantir o isolamento acústico das paredes de meação em tijolo da sala e do quarto principal da fracção dos autores, por forma e em prazo a definir em sede de execução de sentença.”
21ª - A recorrente também não se conforma com a sua condenação a “proceder à substituição (...) da Taveira em madeira do hall de entrada, substituindo as duas tábuas de coloração diferente” desde logo pelas exactas razões supra vertidas supra nas conclusões 14), 15) e 16), que aqui se dão por reproduzidas;
22ª - Acresce que como resulta da, aliás douta, fundamentação do julgamento da matéria de facto, “... substituíram as duas tábuas no soalho da entrada e que as aplicadas resultaram num tom diferente da madeira anteriormente aplicada,sem prejuízo da dificuldade mas não impossibilidade - de se aplicar madeira do soalho, no que afirmaram se esforçaram conseguindo um resultado apenas próximo do ideal”, o que sempre seria é suficiente para o cumprimento das obrigações que se entenda impenderem sob a Recorrente à luz do artº 762º do Cód. Civil.
23ª - Sendo, aliás, facto notório - da vida e do conhecimento da generalidade das pessoas - que a madeira é um produto natural contendo sempre diferenças entre as diferentes peças, ainda que da mesma qualidade e mesmo que provenientes da mesma “fonte”, sendo absolutamente normal e corrente diferentes tonalidades; donde se conclui pela inexigibilidade da pretensa obrigação da Recorrente, configurando o pretendido exercício do, pretenso, direito pelos Recorrentes na presente lide a prática de abuso de direito - cfr. artº. 334º do Cód. Civil - que, de resto, é de conhecimento oficioso e que expressamente se invoca, determinado a improcedência, também nesta acção.
24ª - No que respeita “à revisão, com inerente reparação dos blackouts” os Recorridos haviam alegado que “as caixilharias da fracção, quando fechadas permitem a entrada de correntes de ar, (...)” o que o Tribunal não julgou provado como resulta da resposta, explicativa dada ao ponto 1º da base instrutória.
25ª - Não se tendo provado que “as caixilharias da fracção, quando fechadas permitem a entrada de correntes de ar, (...)” não podia a Recorrente ter sido condenada “à revisão, com inerente reparação dos blackouts, porque, perdoe-se a repetição, não se provou que houvesse inconveniente vedação, pelo que também nesta parte tinha, salvo o devido respeito, de ter improcedido a acção.
26ª - Aliás, e salvo o devido respeito, a condenação da Recorrente à “inerente reparação” sempre constituiria nulidade - que expressamente se invoca - nos termos do disposto da alínea e) do nº 1 do artº 668º do Cód. Proc. Civil, uma vez que tal não foi peticionado pelos Recorridos (que se limitaram a peticionar a “revisão” dos Blackouts).
27ª - Também, e por outro lado, pelas exactas razões supra vertidas nas conclusões 14, l5 e 16 da presente alegação, que aqui se dão por reproduzidas, deveria ter improcedido a acção, tanto mais que das respostas aos pontos 19º e 20º da base instrutória resulta que os Recorridos deram causa aos problemas que invocam com a utilização que fazem dos blackouts.
28ª - Em conclusão, e sempre com o respeito devido, entende a Recorrentes que a douta Sentença recorrida violou os citados preceitos legais devendo, em consequência, ser revogada.

II - Na 1ª instância foram considerados assentes os seguintes factos:
A) A sociedade R. dedica-se à compra e venda de imóveis tendo, no exercício de tal actividade, por escritura pública outorgada no 2º Cartório Notarial do Porto, no dia 26/10/99, exarada a fls. 65 a 67 verso do Livro 26-H de Escrituras diversas, vendido aos AA a fracção BF, destinada a habitação, nº 2º andar direito centro sul, com entrada pelo nº ... (entrada 4) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na R. ................., da freguesia de Leça da Palmeira, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 0124.
B) O prédio em que se insere a fracção dos AA foi construido pela E...... – ......................, S.A., sendo a R. quem, por si ou através de outrém, que não a interveniente, forneceu os mármores e granitos aplicados no prédio, forneceu e instalou as portas, rodapés, soalhos, “blackouts” e fachadas do prédio, bem como o equipamento de mobiliário das cozinhas das fracções que integram o prédio.
C) Aquando da compra da fracção pelos AA, a mesma não apresentava vestígios visíveis de qualquer deficiência ou anomalia.
D) Em 11/1/2000 o A. marido enviou à A o fax cuja cópia se encontra junta a fls. 14 e 15 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, solicitando, reparação das anomalias aí descriminadas.
E) A R. declarou assumir a responsabilidade pela reparação das mesmas, com excepção da calha da sala, por esta não estar prevista na memória descritiva dos acabamentos.
F) Em 19/2/2001 a R. enviou aos AA o fax junto a fls. 19 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, declarando-se disponível para, no prazo de 3 semanas levar a efeito as obras aí descriminadas.
G) Os AA declararam aceitar a realização das reparações no prazo limite referido, desde que a R. providenciasse pelo alojamento do casal no decurso dos trabalhos de reparação, não aceitando a solução proposta para a insonorização, tudo nos termos constantes do documento junto a fls. 20 e 21 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.
H) A fracção referida em A) apresentava diferentes tonalidades da taveira em madeira de afizélia aplicada no hall de entrada.
I) A fracção referida em A) apresenta as seguintes deficiências:
- através das paredes da sala e do quarto principal, de meação com andares vizinhos, os AA. conseguem ouvir e entender nitidamente as conversas destes, mantidas num tom de voz normal, bem como o televisor e a aparelhagem de som, quando estes se encontram a funcionar em níveis de emissão normais bem como ouvir nitidamente o despertador.
- a porta da cozinha escanada;
- as caixilharias da fracção, em que estão aplicados blackouts bem como a natureza destes dão azo a que os mesmos se soltem das respectivas calhas, ficando danificados, designadamente quando ocorrem correntes de ar no interior das divisões, provenientes de abertura das janelas ou do próprio movimento do ar dentro das divisões, ocasionado pela abertura das respectivas portas interiores;

J) A planta fornecida aos AA aquando da outorga do contrato promessa de compra e venda da fracção em causa previa a existência de uma calha tri-rail na sala.
I) A R. propôs-se substituir as paredes de meação da sala e do quarto principal, feitas em tijolo rebocado e pintadas, por outras, compostas por painéis Fermacell, compostas por fibra e gesso.
M) O fogão de sala da fracção quando é ligado não aspira convenientemente o fumo que se concentra no interior da habitação.
N) Quando outros moradores do edifício ligam os seus fogões de sala o fumo penetra pelo fogão dos AA no interior da casa destes.
O) Em ambas as situações, o fumo é causa de cheiro desagradável, tomando irrespirável o ar no interior da Sala.
P) Na sequência de inúmeras reclamações apresentadas por diversos condóminos, incluindo os AA, a R., entre os meses de Novembro e Dezembro de 2000 afixou no hall e nos elevadores do edifício avisos que davam conta da deficiente tiragem dos fogões de sala e nos quais se solicitava a não utilização dos mesmos até que se mostrassem concluídos os estudos e as subsequentes obras de rectificação desse problema.
Q) Em conformidade, a R. procedeu a pequenos arranjos ao nível das chaminés do edifício, que não surtiram qualquer efeito, pelo menos em relação à fracção dos AA.
R) Os Autores estão impedidos de fazer uso do fogão de sala, na qual não podem permanecer se qualquer dos outros residentes da mesma entrada do imóvel ligarem os respectivos fogões, o que só aconteceu episodicamente.
S) As paredes de meação da fracção são de parede dupla com caixa de ar interposta.
T) A R. Aceitou proceder à aplicação de uma placa de Fermecell (gesso com fibra de vidro) por forma a melhorar as condições de isolamento acústico na Sala e quarto principal das fracção, face às ininterruptas insistências dos AA e com vista a que estes ficassem satisfeitos e, assim, preservar o seu bom nome comercial.
U) A insonorização obtida com a obra proposta pela R. seria de cerca de 52 decíbeis.
V) OS painéis em Fermacell poderiam ser colocados por forma a não ocuparem qualquer parcela da área útil das divisões onde seriam aplicados;
X) A ré aceitou substituir as duas peças de madeira com 111 cm, referidas em H).
Z) Os blackouts não devem estar semi-corridos quando as janelas se encontram abertas, pois que as correntes de ar que se geram levam à sua deslocação podendo os mesmos soltarem-se das calhas.
Z-1) Ocorreram situações em que os autores mantiveram as janelas abertas com os blackouts scmi-abertos.
Z-2) O projecto de execução da obra aprovado pela C.M.M. não previu a instalação de uma calha tri-rail.
Consideramos ainda provado por documento que:
Z-1)- As anomalias descriminadas no FAX referido em D) são as seguintes:
- lnsonorização das paredes de meação com o apartamento vizinho
- Entrada de ar pelas caixilharias, que faz com que oBlackout saia da calha
- Soalho levantado no hall de entrada
- Pedras de granito a substituirem no hall de entrada
- Calha Tri-rail na caixilharia exterior da sala (já colocada no vizinho de cima)
- Reparação de Verniz a entrada da casa de banho
- Substituição da folha interior da porta Fichet
- Substituição de vidro partido na caixilharia da suite
- Substituição de taveira em madeira de afizélia na porta de entrada para a Sala
- Eliminação do barulho do exaustor (isolamento da conduta e borboleta), nas velocidades de exaustão mais altas
- Mau cheiro proveniente do sifão da casa de banho da suite
- Humidade nos armários roupeiros dos quartos
- Inverter posição do Comutador dos Blackouts
Z-3) A presente acção deu entrada em Juízo em 10/5/2001.

III - O DIREITO
Como se sabe, são as conclusões da alegação dos recorrentes que delimitam o objecto do recurso e este Tribunal, exceptuadas as de conhecimento oficioso, só pode conhecer e resolver as questões por eles suscitadas (art.s 614°, nº 3 e 690º, n° 1 do Cód. Proc. Civil), não também as razões ou argumentos que expendem em defesa dos seus pontos de vista. Isto é, são essas conclusões que definem as questões a resolver por este Tribunal de recurso.
Importa, pois, analisar tais questões.

I. A primeira questão a debater consiste em determinar qual o prazo de caducidade do direito de accionar, no caso presente.
Segundo a sentença em crise, tal prazo é o previsto no artº 1225º, n.º 2 do Cód. Civil (a que se referem os demais mencionados sem expressa menção de origem), enquanto que, na opinião da Ré/recorrente será antes o assinalado no art. 917º.
Que dizer?
Começaremos por afirmar que o normativo do artº 1225º referido, respeita, não a um contrato de compra e venda, mas antes ao contrato de empreitada.
Ora, dos autos não resulta que entre as partes foi celebrado um contrato deste tipo.
Na verdade, para além de um contrato de compra e venda de fracção de imóvel, referido em A) do elenco de factos provados, nenhum outro foi celebrado entre as partes.
Nem o entendimento entre as parte sobre a natureza do contrato é no sentido de que estamos perante um contrato de empreitada.

Por isso é que entendemos que o prazo de caducidade do direito de accionar, no caso sujeito, é antes o previsto no artº 917º, que dispõe:
A acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, se prejuízo neste último caso do disposto no nº 2 do artº 287º (caso de o negócio não estar cumprido, aqui inaplicável).

É certo que não estamos aqui perante uma anulação de compra de imóvel, fundada em mero erro mas de condenação a reparar os defeitos do imóvel adquirido ou, subsidiariamente, a suportar o custo correspondente.
Também é certo que o artº 917º citado refere-se expressamente à anulação do negócio por simples erro.
Porém, a jurisprudência dominante é no sentido de que, embora se refira expressamente apenas à caducidade do direito de acção de anulação por simples erro, ele se aplica também às acções que visem obter a reparação ou substituição da coisa ou, até mesmo o custo das reparações ou pedidos semelhantes.
E isto, não só por nos parecer ter sido essa a intenção do legislador, como também por não se justificar que fique dependente de um longo prazo a extinção daquele direito, em caso de erro simples.
Já o Prof. Batista Machado, no seu estudo “Acordo Negocial e Erro na Venda de Coisas Defeituosas”, publicado no B.M.J. nº 215, págs. 5 e segs., refere logo no início que, na exposição de motivos do Projecto de Galvão Telles, se entendia que os vícios da coisa se integravam nos institutos jurídicos do erro e do dolo.
Portanto, deve ter estado subjacente no espírito do autor do dito Projecto, a aplicabilidade do citado artigo 917º à caducidade da acção para reparação da coisa.

A este respeito, escreveram P. de Lima e A. Varela (in Cód. Civil Anotado, vol. II, 2. ed., Pág.193:
Será, porém, aplicável este prazo de seis meses, por interpretação extensiva do artigo 917º, às acções que visem obter a reparação ou a substituição da coisa?
Parece que foi essa a intenção do legislador.
Além de se não justificar que fique dependente do prazo longo de vinte anos a extinção daqueles direitos em caso de simples erro, seria incompreensível a desarmonia com o disposto no nº 4 do artº 921.

Assim, por exemplo, escreveu-se, com muito acerto, no Acórdão do S.T.J. de 8/12/1979:
“No caso de um imóvel vendido já construído, não tendo havido qualquer contrato de empreitada entre os interessados, aos defeitos da coisa vendida não pode alegar-se o regime dos defeitos de coisa construída por empreitada, só podendo ser aplicado o regime do artº 916º do Cód. Civil”.
Vejam-se, no mesmo sentido, designadamente, os Acºs do S.T.J. de 18/12/1979, BMJ, 292-357, de 29/11/1988, BMJ, 381-690, de 3/12/1991, BMJ, 412-444, e de 12/1/1994, Col. Jur. (STJ), 94, I, pág. 34 e da Rel. Lisboa, de 15/12/1987, Col. Jur., 1987, V, pág. 145 e de 19/1/1989, BMJ, 383-596.

Qualquer das acções a que seja aplicável o art. 917º caduca se o comprador, tendo denunciado os defeitos da coisa, demorar mais de 6 meses, após a denúncia a propô-la: Vaz Serra, «Rev. Leg. Jur.» 104, pág. 263; P. Lima e A. Varela, obra e volume indicados, pág. 193 e, para além do já mencionados, o Ac. do S.T.J. de 31 de Janeiro de 1980 (B.M.J. 293, pág. 254).
Só se o contrato não tiver sido cumprido, poderá o comprador arguir a nulidade (ou o correspondente pedido, se a acção não for de anulação) sem dependência de prazo (final do art. 917º).
Ora, aqui o contrato entre as partes fora já cumprido e a denúncia vem reportada a 11 de Janeiro de 2000 pelo próprio Autor marido (al. D) dos factos provados).
Porém, a acção deu entrada em Juízo em 10/5/2001.
O que tudo nos mostra ser flagrante a caducidade do direito de acção.

Temos, pois, que julgada procedente a alegada excepção de caducidade, se impõe a absolvição pura e simples da Ré, tornando-se inútil o conhecimento das restantes questões.
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IV-DECISÃO:
Nestes termos se decide julgar inteiramente procedente a apelação, revogando-se a sentença dos autos na parte impugnada, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos contra si formulados.
Custas pelos Autores.
PORTO, 16 de Novembro de 2004
Durval dos Anjos Morais
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho