Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1119/13.3TTPRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: TRÂNSITOS EM JULGADOS CONTRADITÓRIOS
SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA
MEIOS DE PROVA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FUNCIONÁRIO BANCÁRIO
HONESTIDADE
Nº do Documento: RP201803051119/13.3TTPRT.P2
Data do Acordão: 03/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTO Nº 271, FLS 177-193)
Área Temática: .
Sumário: I - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, mesmo que a contradição diga respeito a duas decisões proferidas no mesmo processo sobre a mesma questão concreta da relação processual (art.º 625.º do CPC), não podendo neste caso a questão voltar a ser debatida no decurso do processo, devido ao caso julgado formal que sobre ela se formou.
II - A admissão de meios de prova decorrentes da visualização da gravação do sistema de videovigilância, por se reputar ilícita, deve ser questionada através de recurso autónomo, interposto no prazo de dez dias a contar da notificação da decisão, sob pena de deixar de poder exercer o direito à sua impugnação, por a inerente decisão se tornar insusceptível de recurso, sendo deste modo extemporânea a sua suscitação no recurso interposto da sentença final.
III - São de admitir as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente ação judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, assim de despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a protecção de dados e se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
IV - É de afirmar a justa causa para o despedimento – atenta a violação do dever de lealdade, que tem subjacente o valor absoluto da honestidade – quando está demonstrado que o trabalhador de uma instituição bancária se apropriou de um montante em dinheiro que lhe havia sido entregue por uma cliente dessa instituição para que o trocasse por notas de determinado valor.
V - O comportamento do trabalhador é doloso e grave, independentemente do valor do prejuízo para o seu empregador não ser muito elevado, por não ser exigível a este que mantenha a relação laboral quando a conduta do trabalhador quebrou a confiança que nele pudesse ter.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 1119/13.3TTPRT.P2
Autora: B...
: C..., S.A.
_______
Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. B... apresentou formulário de oposição ao despedimento promovido por C..., S.A., ao abrigo do disposto no artigo 387.º do Código do Trabalho e de acordo com o previsto no artigo 98.º-C do Código do Processo de Trabalho.

1.1. Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento, no qual alegou os factos que estiveram na base de tal decisão, designadamente o facto de a Autora, enquanto exercia as suas funções de empregada de balcão bancário da Ré, se ter apropriado ilicitamente do valor em numerário de €1.460,00, de um total de €3.000,00, em notas de €10,00 e €20,00, que recebeu das mãos de uma cliente que essas pretendia trocar por notas de €500,00, violando assim os deveres jurídicos que lhe eram impostos pelos artigos 128.º, n.º 1, al. s a), c), e), f) e h) do Código do Trabalho, assim como os constantes das alíneas b), d) e g) do n.º 1 da cláusula 34.º do ACT em vigor para o setor bancário, o que justificaria o seu despedimento com junta causa, nos termos do disposto no art.º 351.º, n.º 1, n.º 2, al.s d) e e), e n.º 3, do Código do Trabalho (CT), quebrando a relação de confiança subjacente à relação laboral, de modo grave e apto a tornar impossível a subsistência do vínculo laboral.
Concluiu, pedindo que seja declarada lícita e regular a sanção de despedimento aplicada à Autora.

1.2 A Trabalhadora apresentou contestação, impugnando a factualidade trazida pela Entidade empregadora, negando, em suma, a prática da conduta que lhe vem atribuída por aquela, refutando ainda o uso como prova das imagens colhidas através do sistema de videovigilância, que teria sustentado a decisão em crise, invocando o disposto no art.º 20.º do CT, a necessidade de salvaguarda do sigilo bancário e a inexistência de autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados para o uso das imagens recolhidas para o fim aqui em causa: a prossecução de responsabilização disciplinar em sede laboral, acrescentando ainda que não tinha ela conhecimento dessa recolha de imagens. Mais, invocou a idoneidade do seu percurso profissional nos serviços da Ré, a sua dedicação e zelo, e a inadequação da sanção aplicada à gravidade do facto em causa para, a final, pugnando pela declaração de nulidade do visionamento e utilização das imagens, com apreciação da inconstitucionalidade das normas cuja interpretação permitiria o uso dessas imagens como veículo probatório.
Por fim, afirmando ainda a sua pretensão de reintegrar o seu posto de trabalho, tal pede em reconvenção, pedindo ainda, na hipótese de negação dessa possibilidade, a condenação da Entidade empregadora ao pagamento de uma indemnização pelo despedimento ilícito, considerando a sua antiguidade, de 45 dias de retribuição por cada ano completo ou fração.

1.3 Respondeu a Entidade empregadora, alegando em síntese a licitude da utilização das imagens, impugnando depois a versão factual apresentada e os montantes pedidos a título indemnizatório.

1.4 Foi proferido despacho saneador, no qual, para além do mais, se consignou o seguinte: “Não existem nulidades ou excepções, que cumpra por ora conhecer, ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa (sendo certo que se relega o conhecimento da matéria vertida nos art.s 7º da contestação da autora e 9º da resposta da ré, para momento próprio, em sede de sentença, com todas as implicações legais daí decorrentes).”
Depois de selecionada a matéria assente e aquela a apurar em sede de julgamento, foi ainda proferido despacho, notificado no ato às partes, com o teor seguinte:
“Admito os róis de testemunhas apresentados por ambas as partes.
Admito a prova documental apresentada pelas partes, bem como o visionamento das imagens de videovigilância indicadas no ponto b) de fls. 89. (…)”

1.5 Designada data para a realização da audiência de julgamento, da ata da sessão de 15 de Fevereiro de 2017, consta designadamente o seguinte:
“(…) Nesta altura, pelo Mm.º Juiz foi proferido o DESPACHO que se encontra registado digitalmente, no qual em súmula: --
(…) b) Dado prever-se não ser possível a inquirição de todos os presentes no dia de hoje e, a fim de evitar estarem presentes por muitas horas e não serem ouvidas, o Mm.º Juiz determinou ainda que, no dia de hoje sejam apenas visualizadas as imagens juntas pelo Empregador e ouvidas as testemunhas D... e E..., ambas arroladas pelo Empregador; (…)”
Nesta altura, pelos meio existentes no Tribunal, foi tentada a visualização das imagens captadas pelas câmaras de vídeo vigilância juntas aos autos, mas tal não se revelou possível, tendo sido então tentada a visualização no computador do Ilustre Mandatário da Trabalhadora, não tendo sido igualmente possível a sua visualização, tendo então sido determinado que procederá à sua visualização após a obtenção dos meio necessários e na data anteriormente designada.”

1.6 Por sua vez, da ata da sessão se julgamento ocorrida em 10 de Maio de 2017 consta designadamente o seguinte:
“(…) Aberta a audiência, pelas 09:30 horas, o Mmo Juiz ordenou que fossem disponibilizadas as condições para a visualização as imagens da câmara de videovigilância, o que foi feito do seguinte modo:
Do CD nº 1 foram visualizados os trechos correspondentes às filmagens compreendidas entre as 11:22h e 11:39h; 11:45h e 11:48h; 14:02h e 14:05h e do CD nº 2 as compreendidas entre as 14:07h e 14:08h; 14:18h e 14:19h e 14:23h e 14:25h.
*
De seguida, pelo ilustre mandatário da Autora foi pedida a palavra e, tendo-lhe esta sido concedida, no seu uso, disse:
Destarte a visualização das imagens de videovigilância e não pretendendo manifestar-se quanto ao conteúdo dessas mesmas imagens que foram agora visualizadas neste Tribunal, vem a Autora esclarecer e deixar assente que considera nula a prova produzida, por violação quer da Lei Geral do Trabalho, quer do artº 35 da Constituição, sendo portanto uma prova que constitui uma inconstitucionalidade. (…)”

1.7 Foi, por fim, proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelos fundamentos expostos, declara-se lícito o despedimento da autora B... pela entidade empregadora C..., S.A., e decide-se julgar o pedido reconvencional integralmente improcedente e, em consequência, dele absolver a empregadora:
Fixo o valor da ação conforme previsto no art.º 98.º-P, n.º 1, do CPT.
Custas pela autora.
Notifique e registe.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso e arguindo ainda a nulidade da sentença, que justifica seguidamente, apresentando depois as suas alegações, nas quais formula a final as conclusões seguintes (transcrição):
“1. É nula a sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.
2. É nula porquanto a douta sentença: i) fundamenta a decisão com base em Acórdãos vários que consideram ilícita a utilização de videovigilância em processos de natureza laboral (cf. v.g. Acórdãos citados i), iii), v), que acima se transcrevem e aqui se deixam reproduzidos para os devidos efeitos legais); e ii) fundamenta a decisão com base em jurisprudência que admite a utilização da videovigilância desde que exista e seja cumprida a autorização da CNPD, o que manifestamente não ocorre, como se verifica pelo facto provado 18, do qual decorre a legalidade da utilização das imagens de videovigilância unicamente “nos termos da lei penal”, o que, claramente, não sucede.
3. E do exposto resulta claro que nunca poderia ter o Mmo. Juiz a quo decidido como fez, e que foi com base e alicerçado em fundamentação que em tudo se conclui pela procedência da impugnação do despedimento; bem como assentando-se como provado que a CNPD autorizou a videovigilância “nos termos da lei penal”, quando ao contrário admite tal prova em sede de processo laboral.
4. Ou seja, o despedimento deveria, por maioria de razão, ter sido considerado ilícito com as demais consequências legais.
5. Foi também ilícito o despedimento promovido à Recorrente pelos motivos que adiante se aduzem.
6. Dão-se aqui como integralmente reproduzidos todos os factos que foram incorrectamente julgados, e que se transcreveram em A das alegações, para cujo conteúdo expressamente se remete.
7. Todos os factos provados e erradamente julgados (24, 27, 40 a 54, 56 a 77, 85 e 93) teriam que ter sido elencados como não provados (como se observa supra em B), pelos motivos amplamente abordados ao longo das alegações, para cujo conteúdo se remete.
8. O Tribunal a quo deu como provados os factos enunciados em 7, tendo por base, na sua essencialidade, as imagens recolhidas pela videovigilância.
9. A videovigilância como meio de obtenção de prova em processo laboral é ilícita, atenta também a autorização da CNPD.
10. A autorização da CNPD para a recolha de imagens por meio de videovigilância no balcão onde prestava serviço a Recorrente “não pode ser utilizado para o controle dos trabalhadores”, sendo que “os dados só podem ser utilizados nos termos da lei penal” (vd. Facto provado 18).
11. É ilícito o uso pelo Tribunal a quo das imagens referidas, em sede de fundamentação da decisão, já que as mesmas surgem num contexto jus-laboral de controlo da actividade do trabalhador, e fora do raio de incidência da lei penal – o que levaria como consequência imediata a que os factos provados 24, 27, 40 a 54, 56 a 77, 85 e 93 tivessem sido, isso sim, considerados como não provados.
12. E isso mesmo resulta de jurisprudência trazida à colação pela sentença, para fundamentação da decisão.
13. A convicção formada pelo Tribunal do testemunho de D... nunca pode ser suficiente para considerar como provados os factos da sentença 24, 27, 40 a 54, 56 a 77 e 85, uma vez que esta testemunha nunca enunciou com o rigor plasmado em tais quesitos, a hora, minutos e segundos das alegadas ocorrências – e, em bom rigor, esta testemunha só foi apontada a responder à matéria constante dos art. 1 a 21, 31 e 63 da Base Instrutória (vd. acta de fls. da audiência de discussão e julgamento de 15/02/2017, de ref. 378736483), o que se traduz, no que aos factos provados diz respeito, uma ausência de qualquer testemunho aos factos provados da sentença 43 a 54, 56 a 77 e 85.
14. Assim, deveriam ter sido os factos provados 24, 27, 40 a 54, 56 a 77 e 85 considerados como não provados, o que por maioria de razão obriga a que seja considerado ilícito o despedimento, o que se alega e se espera.
Ademais,
15. Resulta claro de todo o acervo probatório que, com rigor, não foi possível apurar o que de facto aconteceu naquele dia 26/02/2013.
16. Inexiste qualquer meio probatório que infirme a tese da Recorrida, já que nenhuma testemunha confirma ou relata com rigor, alicerçado em qualquer outro meio de prova por forma a que o Tribunal pudesse chegar à conclusão, sem quaisquer dúvidas, que a Recorrente praticou algum ilícito disciplinar.
17. E isso mesmo resulta da clara contradição entre os factos provados 27, 47 a 49 e 54 (e para os quais expressamente se remete para os devidos efeitos legais), uma vez que a quantidade de notas de €10,00 presentes no circuito cliente/Recorrente não é concretamente apurado (vd. v.g. factos 27 e 54),
18. e a soma das notas de €20,00 também é diversa consoante o número facto provado.
19. Resulta da sentença (facto 27) que existiriam 3 maços de notas, de €1.000,00 cada, sendo dois maços de notas de €20,00 e o terceiro maço composto por 12 notas de €10,00 e 44 notas de € 20,00, ou seja, e somando a totalidade das notas: 144 notas de €20,00 (€2.000,00 / 20 = 100 + 44) + 12 notas de €10,00 = €3.000,00.
20. Contudo, resulta dos factos 47 a 49 que o número de notas entregues e contadas pelo reciclador seriam:
21. 61 notas de €20,00 (facto 47) + 5 notas de €20,00 (facto 48) + 73 notas de €20,00.
22. Ou seja (61 + 5 + 73), 139 notas de €20,00, o que não confere com as 144 notas de €20,00 consideradas no facto provado 27.
23. Igualmente resulta discrepante o número de notas de €10,00:
24. 12 notas de €10,00 (facto 47) + 20 notas de €10,00 (facto 48).
25. Ou seja, (12 + 10), 22 notas de €10,00, o que não confere com as 12 notas de €10,00 consideradas no facto 27.
26. Em que é que ficamos? A cliente queixosa entregou 12 notas de €10,00? Ou entregou 22 notas de €10,00?
27. E com relação às notas de €20,00? A cliente queixosa entregou 144 notas de €20,00, como se declara provado no facto 27? Ou entregou 139 notas de €20,00, como resulta da soma das notas de €20,00 descritas nos factos 47 a 49?
28. Esta incongruência e contradição não podem deixar de ter a seguinte conclusão: não resultou dos autos nem ficou sequer provado qual o montante que alegadamente foi entregue à Recorrente, nem sequer quantas notas de €20,00 e €10,00 estariam a girar entre a cliente e o balcão.
29. Assim sendo, e em jeito de conclusão, deveria a sentença ter considerado os factos 24, 27, 40 a 54, 56 a 77, 85 e 93 como não provados, atento tudo o que ficou dito, e em consequência declarado ilícito o despedimento com as demais consequências legais.
Sem conceder,
30. A cessação do vínculo contratual através de despedimento por justa causa é a sanção disciplinar que apenas deve ser aplicada a situações de extrema gravidade e elevado grau de culpabilidade do trabalhador, cotejados estes elementos com o passado do trabalhador ao serviço da entidade empregadora.
31. Se, por mero dever de patrocínio, resultasse provado (o que, repita-se, não acontece) que a Recorrente haveria de facto urdido um plano que consistiria em locupletar-se da cliente de quantias monetárias, seria isso o suficiente para aplicar a sanção disciplinar mais gravosa?
32. A pergunta é feita com base naquilo que é o passado da Recorrente ao serviço da Recorrida: uma trabalhadora proba e dedicada, com mais de 30 anos de dedicação ao Banco (vd. facto provado 1), reconhecida pelo seu relacionamento de trabalho com quem lidava (facto 90), que sacrificou as suas folgas ao Sábado em favor do crescimento do Banco (facto 87), e que fruto da qualidade do seu trabalho gozou de promoções por mérito e pela atribuição de prémios ao criar valor para a Recorrida (facto 89), deverá ver imediatamente ser cessado o seu vínculo laboral, focando-se a entidade patronal unicamente num comportamento desviante residual e localizado, desmerecendo na completude um passado de entrega e abnegação?
33. Pergunta-se também: existe proporcionalidade na aplicação da decisão de despedimento com justa causa se for pesado, num lado o alegado ilícito disciplinar em causa, e no outro a antiguidade, dedicação, probidade, criação de valor e sucessivos reconhecimentos por mérito da actuação ao serviço do Banco? Um ilícito da natureza do que defendeu a Recorrida nestes autos apaga imediatamente 30 anos de dedicação imaculada a uma entidade patronal?
34. Por tais motivos considera a Recorrente que, a considerarem-se provados os factos que fundamentaram o procedimento disciplinar e articulado de motivação de despedimento, mas por atenção ao passado daquela com o Banco, que sempre seria injusta e desproporcional a sanção aplicada.
Termos em que, e nos que vossas excelências superiormente quiserem suprir, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida condenando-se a R. no pedido como se expôs e com todas as consequências legais, em preito à justiça!”

2.1 Contra-alegou a Ré, sustentando no essencial: que a Recorrente não reagiu (o que deveria ter feito) no momento próprio quanto ao visionamento das imagens de videovigilância, sendo assim intempestiva a sua invocação apenas neste recurso; a inexistência da nulidade da sentença invocada; a improcedência do recurso quer quanto à alteração da matéria de facto quer quanto ao direito, devendo manter-se a sentença recorrida.

2.2 O recurso foi admitido nos termos do seguinte despacho:
“Por legalmente admissível, tempestivo, interposto por quem tem legitimidade, admito o recurso da Autora o qual é de Apelação com subida imediata e nos próprios autos.
Notifique.
Oportunamente, remeta os autos ao Tribunal da Relação do Porto.”

3. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer (fls. 412 a 415), sustenta que, não ocorrendo a nulidade da sentença invocada, deve o recurso ser rejeitado sobre a matéria de facto, por falta de cumprimento do disposto no artigo 640.º do CPC, e improceder quanto ao mais.

4. Por despacho do ora relator foi determinado que os autos baixassem à 1.ª Instância, a fim de que aí fosse fixado o valor da causa.

4.1. Baixando os autos, depois de ter sido proferido despacho fixando o valor da causa em €54.405,00, os autos foram de novo remetidos a esta Relação.
***
Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) Nulidade da sentença; (2) Recurso sobre a questão referente ao visionamento das imagens de videovigilância; (3) Recurso sobre a matéria de facto; (4) Juízo sobre o mérito no que se refere aos pressupostos do despedimento.
***
III – Fundamentação
A) De facto
O Tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos (transcrição):
1. A Requerente, foi admitida no Requerido, em 03 de Janeiro de 1983 para trabalhar sob as ordens e direção deste, com a categoria profissional de empregada de carteira e nível 3.
2. A A. à data dos factos, detinha o nível 9, estando colocada no Balcão Porto/..., como assistente.
3. Como contrapartida do exercício de tais funções, a A. auferia, pelo menos, mensalmente, à data do despedimento, a retribuição base de € 1.210,10, diuturnidades de € 244,80 e complemento de € 10,00.
4. A A. era, enquanto trabalhadora bancária e à data dos factos, associada do Sindicato dos Bancários do Norte, pelo que se lhe aplica o ACTV em vigor para o Sector.
5. O Banco R. apresentou queixa-crime contra a A. junto da Procuradoria da República do DIAP do Porto em 26.3.2013, o qual assume o nº 4745/13.7TDPRT.
6. D... (..........) tem 59 anos de idade e é cliente do C... desde 04.02.2013.
7. Esta Cliente Intervém como segunda titular na conta à ordem nº. ................., solidária, com a cliente E... (..........), sua filha, e primeira titular, conta esta aberta em 10.11.2008.
8. Em 10.03.2012, a primeira titular da conta, E..., registava a seguinte posição:
TIPO VALOR
RECURSOS 40.047,00
APLICAÇÕES 0,00
RESPONSABILIDADE 0,00
9. A Cliente D... ao entregar as notas à A., que se encontrava na caixa, retirou as cintas dos 3 maços e colocou todas as notas num único lote, o qual, de imediato, entregou à A. e após lhe entregar todas as notas viu que esta as separou em dois lotes.
10. Cerca das 15:00 horas, a Subdirectora do Balcão, após falar com a Cliente D..., foi verificar o posto de caixa, onde a A. prestava trabalho, tendo informado a Cliente de que nada de anormal tinha sido detectado e que o numerário em falta não estava ali.
11. No final do dia, a Subdirectora do Balcão, telefonou à Cliente D... a informar que nada de anormal tinha sido detectado e que o numerário em causa não tinha sido localizado.
12. Ás H 14:25 a subdirectora de Balcão volta ao posto de caixa e inicia a retirada e contagem do numerário existente no reciclador de Notas.
13. Quer nesta conferência, quer no fecho do Balcão no final do dia, não foi detectada qualquer diferença de numerário.
14. No dia 06.03.2013 foi efectuada, na presença do elemento do Gabinete de Inspecção, a conferência de todo o numerário afecto ao Balcão, não tendo também nesta conferência sido detectada qualquer falta.
15. Em depoimento prestado ao Banco R. no proc. Disciplinar, no dia 07.01.2013, a autora refere que “No que respeita às situações evidenciadas pelas imagens não consigo encontrar explicação para as mesmas, nem o que terá sucedido ao numerário que, às 11:30 horas retirei do Reciclador”.
16. E declara ainda nesse seu depoimento “Também não sei o que fui fazer à gaveta do meu posto às 11:47 e às 14:23 horas.”
17. A ré apresentou queixa crime contra a autora que corre termos sob o nº 4475/13.7PDPRT.
18. Foi emitida determinação pela CNPD a que corresponde a autorização 144/2002 de que se destacam os seguintes segmentos:
a. A CNPD foi notificada “da recolha de imagens com vista à segurança das instalações, controlo de entradas, saídas e movimentação de pessoas dentro do espaço abrangido, no âmbito da ‘segurança privada’ a que se encontra legalmente vinculado”;
b. na sua solicitação, o Banco ora Réu, referiu que “os sistemas de protecção são admissíveis, sendo proibida a utilização destes meios em acções que contribuam para ‘inibir’ ou restringir o exercício de direitos, liberdades e garantias”;
c. a solicitação fundamentava-se na obrigatoriedade de “adoptar um sistema de segurança privada”, nos termos previstos no art. 5-1 do DL 231/98, de 22.07;
d. “o sistema agora notificado não pode ser utilizado para finalidades diversas das previstas no DL 231/98, em particular para o ‘controlo da liberdade de movimentos de pessoas no interior das instalações’, ‘controle dos trabalhadores’ ou outras finalidades não especificadas ou concretizadas no pedido”.
e. “Assim, em razão do que antecede, não se vislumbra que haja razões objectivas para estabelecer um prazo de conservação superior ao legalmente previsto: 30 dias (cf. art. 12, n.2 do DL 231/98)”;
f. “A recolha e tratamento de dados faz-se nos termos da lei (DL 231/98, de 22 de Julho).
g. “A CNPD autoriza o tratamento (cf. art. 4, n. 4, 27-1, 28-1, al. A) e 29 da Lei 67/98, de 26 de Outubro), consignando-se o seguinte: (…) 3.
Finalidade:
h. Segurança das instalações e protecção de pessoas e bens”. 4. Entidades a quem podem ser transmitidos: Não há transmissão de dados. ‘Os dados só podem ser utilizados nos termos da lei penal’. (…) 6. Eventuais interconexões: Não há. (…) 8. Prazo de conservação: 30 dias”.
19. A Autora trabalhou para a Ré nos seus Balcões ... e outros como ..., ..., ..., ... (neste caso a partir da sua abertura ao público), ..., ..., ... e, por último, ....
20. Exerceu funções de “secretária do director do balcão” e fez de “assistente administrativa de quatro gerentes de crédito” durante cerca de 12 anos, passando depois a exercer as funções de “caixa”.
21. Tendo sido admitida em 1983 e colocada então no nível 3 da tabela salarial, foi promovida ao nível 4 em 1984, ao nível 5 em 1989, ao nível 6 em 1991, ao nível 7 em 1994, ao nível 8 em 2001 e ao nível 9 em 2008.
22. A Autora, ao serviço da Ré durante mais de 30 anos, não foi objecto de qualquer processo ou sanção disciplinar, até ao presente processo e teve notações meritórias e prémios.
23. A pedido do Sr. Dr. F..., responsável pela Direcção Comercial de Particulares e Negócios Norte 1, foi solicitada a intervenção do Gabinete de Inspecção, para apurar a falta de € 1.460,00, em numerário, montante reclamado por uma cliente do Balcão .... Porto – ....
24. Tal quantia em numerário, reclamada pela Cliente, fazia parte do montante global de € 3.000,00, em notas que essa cliente D... (..........) terá entregado, em 26.02.2013, no referido Balcão, para trocar por notas de € 500,00.
25. Em 06.03.2013, decorreu uma reunião com a cliente D... e com a sua filha, E..., ocorrida no Balcão Porto – ..., com objectivo de esclarecer a alegada falta do montante de € 1.460,00.
26. No decurso de tal reunião, a cliente D... referiu que no dia 26.02.2013, cerca das 11:30 horas, entregara, no posto de caixa do Balcão .... Porto – ..., à A., € 3.000,00, em notas de € 20,00 e de € 10,00.
27. E adiantou que essas notas faziam parte de 3 maços, de € 1.000,00, cada, sendo dois maços de notas de € 20,00 e o terceiro maço composto por 12 notas de € 10,00 e 44 notas de € 20,00.
28. E referiu igualmente que o objectivo desta entrega de notas foi a troca por notas de € 500,00, troca essa que efectuava com alguma frequência.
29. Entretanto, a A., que se encontrava no posto de caixa, atendeu uma outra cliente, tendo-se, posteriormente, ausentado do seu posto de trabalho por alguns momentos.
30. Após atender a outra cliente, a A. entregou à Cliente queixosa 3 notas de € 500,00 e 2 notas de € 20,00, alegando a A. que as notas entregues para troca perfaziam € 1.540,00.
31. De imediato a Cliente D... referiu à A. que lhe entregara € 3.000,00 e não € 1.540,00, razão por que não aceitava as referidas 3 notas de € 500,00.
32. E disse ainda a Cliente D... para a A. que estranhava os alegados € 40,00 a mais, dado ter conferido todo o numerário antes de o entregar no Balcão.
33. A Cliente solicitou à A. a devolução dos € 3.000,00, tendo esta unicamente lhe devolvido 71 notas de € 20,00 e 12 notas de € 10,00, ou seja, o montante global de € 1.540,00, ao que a Cliente informou de imediato a A. que não aceitava aquele montante e que pretendia os € 3.000,00 que lhe havia entregado.
34. A A. procurou “despachar” a cliente a todo o custo, sendo que a situação enervou esta, que saiu do Balcão.
35. Contudo, poucos minutos depois, a cliente D... voltou a entrar e de imediato informou a A. que não sairia dali enquanto não lhe desse os € 1.460,00 em falta.
36. Após a Cliente ter solicitado à A. para falar com alguém da Gerência esta informou aquela que a Subdirectora de Balcão tinha ido almoçar.
37. Pelo que a Cliente informou a A. que aguardaria então pelo regresso da Subdirectora do Balcão, como aconteceu.
38. A Cliente respondeu à Subdirectora do Balcão que teria de estar ali o segundo lote de notas, uma vez que só ouvira a máquina a contar o primeiro lote.
39. A Cliente, declarou ainda pretender que o C... lhe devolvesse os € 1.460,00 em falta, dado ter a certeza de que entregara à A. a quantia de € 3.000,00.
40. Nessa ocasião, às 11:25 a A. inicia o atendimento da cliente D....
41. Às 11:26 a cliente coloca 3 maços de notas em cima do balcão do posto de caixa e tendo em conta a cor das notas, trata-se de notas de € 20,00 e de € 10,00.
42. De imediato, a cliente começa a retirar as cintas de cada um dos 3 maços e junta todas as notas num único lote o qual coloca em cima do balcão.
43. Entretanto, a A. sai do seu posto e quando volta, traz notas de € 500,00, identificadas pela sua cor.
44. À data o Balcão só tinha 4 notas de € 500,00, ou seja € 2.000,00.
45. Às 11:27 a A. pega nas notas entregues pela cliente e separa-as em lotes e, posteriormente, coloca um primeiro lote na boca superior do Reciclador de Notas e a seguir um segundo lote, tendo o Reciclador de Notas recepcionado / contado os dois lotes.
46. E de acordo com os registos do Reciclador de Notas, os montantes destes dois lotes acendiam a:
47. • € 1.340,00 (12 notas de € 10,00 e 61 notas de € 20,00), recepcionado às 11:27:16 horas e a
48. • € 200,00 (10 notas de € 10,00 e 5 notas de € 20,00), recepcionado às 11:28:21 horas, respetivamente.
49. Às 11:28 a A. coloca o terceiro lote na boca superior do Reciclador de Notas, tendo aquele ali ficado, pelo que tendo em conta o referido pela cliente queixosa, este lote era constituído por 73 notas de € 20,00.
50. Em simultâneo a A. cancela o recebimento dos € 1 540,00 atrás referidos entrados no Reciclador de Notas, sendo visível as notas a saírem na boca frontal do Reciclador de Notas.
51. De acordo com os registos do Reciclador de Notas, este cancelamento terminou às 11:30:23 horas
52. Às H11:29 A A. sai do seu posto de trabalho, a caixa.
53. Às H11:30 A A. regressa ao seu posto de trabalho.
54. Às H11:30 a A. retira as notas do bocal frontal do Reciclador de Notas e, de imediato, entrega parte destas notas à cliente (2 notas de € 20,00), ficando com as restantes, indiciariamente no montante global de € 1.500,00 (64 notas de € 20,00 e 22 notas de € 10,00).
55. A autora disse à cliente que aqueles € 40,00 estavam a mais.
56. Às H11:30 a A. retira as notas que tinha colocado na boca do superior do Reciclador de Notas e que este não havia contado e, acto contínuo, coloca as mesmas dentro de uma gaveta situada do seu lado esquerdo, mais precisamente encostadas à face interior da gaveta.
57. A situação acima descrita ocorre enquanto a cliente se vira para cumprimentar o colaborador G..., o qual se dirigiu ao posto de caixa onde a cliente se encontra.
58. Às H11:30 a A. coloca um lote de notas, no montante global de € 1.500,00, na boca superior do Reciclador de Notas, sendo que de acordo com os registos do Reciclador de Notas, este lote é constituído por 64 notas de € 20,00 e 22 notas de € 10,00.
59. Estas são as notas atrás referidas que a A. retirou do Reciclador e das quais entregou 2, de € 20,00, cada, à cliente.
60. Às H11:30 a A. entrega à Cliente as notas de € 500,00 em número de 3.
61. Às H11:32 a A. retira da boca frontal do Reciclador de Notas os € 1.500,00 que ali haviam entrado às 11:30 horas e de acordo com os registos do Reciclador de Notas, o cancelamento do recebimento dos referidos € 1 500,00 (64 notas de € 20,00 e 22 notas de € 10,00) terminou às 11:32:53 horas.
62. Às H11:34 verifica-se que a cliente devolve as notas de € 500,00 à A. e esta entrega-lhe um conjunto de notas (€ 1.500,00).
63. Tendo em conta que a cliente já tinha em seu poder € 40,00 (2 notas de € 20,00) que a A. lhe havia entregue às 11:30 horas, a A. devolveu à cliente numerário no montante global de € 1 540,00 (66 notas de € 20,00 e 22 notas de € 10,00).
64. Após aquela entrega de numerário pela A. à cliente, esta sai do Balcão às 11:35:50 horas.
65. Às H 11:45 a cliente volta a entrar no Balcão, colocando-se na fila do posto de caixa onde se encontrava a A.
66. Às H11:47 a A., no decurso de um atendimento a um outro cliente, abre a gaveta e para além de mexer nas moedas do moedeiro, levanta o mesmo, para colocar debaixo deste as supra citadas notas que anteriormente tinha encostado à face interior da gaveta.
67. A A. tenta ocultar, com o corpo, a gaveta para evitar que a câmara de segurança filmasse o que estava a fazer.
68. Nas restantes idas ao moedeiro, a A. não oculta o mesmo com o seu corpo.
69. As notas de € 20,00 (5 no total) e, ainda, 1 nota de € 50,00, que estaria por debaixo daquelas, que se vêem em cima do moedeiro, foram, segundo o referido pela Subdirectora de Balcão, I..., entregues anteriormente por duas clientes, para troca por moedas.
70. A entrega destas notas por parte das clientes e a colocação das mesmas por cima do moedeiro situado na gaveta do posto da autora ocorrem, às 11:11:15, 11:14:22 e 11:45:48 horas, respectivamente.
71. Aquelas 6 notas foram, de acordo com a Subdirectora de Balcão, posteriormente colocadas pela A., no Reciclador de Notas.
72. A situação acima descrita ocorreu às 11:50:45 horas e, de acordo com o registo do Reciclador de Notas, entre as 11:51:40 e as 11:55:21 horas?
73. Às H14:02 a trabalhadora do C... I..., Subdirectora do Balcão, chega ao Balcão, vinda de uma reunião de Subdirectores.
74. E às H 14:05 a Subdirectora de Balcão vai para o posto de caixa e colocou-se ao lado da A. e às H14:07 aquela senta-se no posto de caixa a atender clientes, enquanto a A. fazia um pagamento.
75. Verifica-se então, pelas H 14:18, que a cliente D... vai ao posto de Caixa, pela porta lateral, e fala com a Subdirectora de Balcão.
76. E às H14:19 a Subdirectora de Balcão saí do posto de caixa dirigindo-se para o seu posto de trabalho.
77. E às H14:23 a A. abre a gaveta do posto de caixa onde estava a trabalhar, gaveta essa situada no seu lado esquerdo, levanta o moedeiro e retira debaixo deste um papel branco, dobrado em dois, com algo lá dentro, tendo, de imediato, se dirigido para a porta situada atrás de si.
78. À data de 11.03.2013, a A. registava a seguinte posição na Banca:
TIPO C...
Recursos 0,00
Aplicações 0,00
Responsabilidades 126.480,00 34.459,00
TOTAL 160.939,00
79. A A. suporta o pagamento de prestações mensais no montante global de € 927,00, para um vencimento líquido na ordem dos € 1 300,00.
80. Desde 25.02.2013, a A. está classificada, internamente, com VE09 – Impedir Crédito, resultando esta classificação do facto de registar mora, no montante de € 69,00, em Outras Instituições de Credito (O.I.C.), desde 31.01.2013
81. No que respeita à movimentação da Super Conta Colaborador nº. ..............., verifica-se que tem, praticamente sempre, o limite de descoberto autorizado (€ 1.745,79) totalmente tomado.
82. No dia 26.02.2013, a conta da A. registava um descoberto de € 1.696,17, ou seja, só tinha disponível € 49,62.
83. No dia 27.02.2013, dia seguinte ao do alegado desaparecimento dos € 1460,00, a A. depositou naquela mesma sua conta € 350,00 em numerário, constituído por 17 notas de € 20,00 e uma de € 10,00.
84. O referido depósito de € 350,00, teve como finalidade permitir o pagamento/amortização de € 355,00, realizado na mesma altura, de responsabilidade associada a um cartão de crédito do Banco H....
85. A A. retirou o numerário da gaveta tendo-o levado para local não apurado, de forma a que I... aquando da conferência de caixa, não detectasse aquelas notas.
86. O R. entregou já à Cliente a quantia de € 1460,00, que não foram pagos pela autora até à presente data.
87. A autora trabalhou no balcão no ... com sacrifício das suas habituais folgas ao sábado.
88. Ao serviço da Ré, foi vítima da situação de sofrimento provocada por um assalto à mão armada quando exercia funções no balcão de ..., em que um dos assaltantes a manteve imobilizada com a arma apontada à cabeça dela?
89. Autora, no desempenho das suas funções, a autora gozou de promoções por mérito e pela atribuição de prémios por atingir objectivos propostos.
90. A Autora manteve sempre um bom relacionamento com os colegas de trabalho e com os superiores hierárquicos.
91. A A. sabia da existência do registo de imagens em vídeo vigilância, como todos os demais colegas do Balcão.
92. A autora nunca se opôs à gravação de imagens que também incidiam sobre o posto de caixa.
93. A gravação de imagens não tinha em vista a A., o seu desempenho, mas sim o posto de caixa onde esta ou outra qualquer colega estivesse a exercer as funções.
94. O único complemento mensal que a A. recebia era de € 10,00.
95. A A, recebia os 87,29 € a titulo de “prémio de produtividade e mérito.
96. Trata-se de um prémio que poder ser atribuído ou não em função da avaliação do empregado e do seu mérito, ficando a atribuição dependente da avaliação casuística da situação de cada trabalhador.
97. Não tem carácter fixo, tem valores variáveis e pode ser pago de uma só vez ou em prestações em função da opção do trabalhador e, neste caso, da A..
98. E esse “prémio” pode ser retirado em qualquer altura.”

Por sua vez, não se considerou provado o seguinte:
“A. Que à retribuição mensal da A. acrescia um complemento mensal no valor de 87,29€.
B. Que a Ré nunca informou a Autora da existência de gravações electrónicas de imagem com a finalidade de controlar o seu desempenho profissional e possibilidade de uso para fins disciplinares.
C. Que a autora trabalhou frequentes vezes para além do horário normal de trabalho, sem a correspondente retribuição de trabalho suplementar.
D. Que o Banco não impôs nem solicitou à A. que trabalhasse fora do seu horário.
E. Que a autora nunca preencheu o livro de registo do trabalho suplementar que a ré tem no balcão.”
***
B) Discussão

1. Nulidade da sentença
A Recorrente começa por invocar que a sentença é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão, porquanto, diz, essa é fundamenta com base em Acórdãos vários que consideram ilícita a utilização de videovigilância em processos de natureza laboral e com base em jurisprudência que admite a utilização da videovigilância, desde que exista e seja cumprida a autorização da CNPD, o que manifestamente não ocorre, como se verifica pelo facto provado 18, do qual decorre a legalidade da utilização das imagens de videovigilância unicamente “nos termos da lei penal”, o que, claramente, não sucede. Mais refere que não se poderia ter decidido como se decidiu, com base e alicerçado em fundamentação da qual em tudo se conclui pela procedência da impugnação do despedimento, bem como assentando-se como provado que a CNPD autorizou a videovigilância “nos termos da lei penal”, quando ao contrário admite tal prova em sede de processo laboral.
Em sentido contrário se pronuncia a Apelada, no que é acompanhada pelo Ministério Público junto desta Relação, no douto parecer elaborado.
Apreciando:
Desde logo, mandando o n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho (CPT) que a arguição das nulidades da decisão seja feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso – sendo tal exigência ditada, como é consabido, por razões de celeridade e economia processuais e destinando-se a permitir ao Tribunal recorrido que detete, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento –, no caso pode concluir-se que a Autora cumpriu tal procedimento, nada obstando pois, salvo se outra razão ocorrer, ao conhecimento.
A propósito da nulidade da sentença se trata, dispõe-se no artigo 615.º do CPC:
É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direitos que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Numa breve abordagem às razões que poderão estar na base da necessidade sentida pelo legislador de estatuição expressa dos vícios que acarretam a nulidade da sentença, com relativa facilidade esta se compreende pois que, afinal, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, é precisamente através da sentença que o juiz dita o direito para o caso concreto. Ou seja, como há muito Anselmo de Castro acentuava, a sentença representa “conceitual e historicamente o ato jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da jurisdictio: o ato de julgar.”[1]
Sendo assim esse o objetivo perseguido pela sentença, pode no entanto essa estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito, assim por um lado nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do supra citado artigo 615.º do CPC. No fundo, trata-se do sancionamento das normas prescritivas que disciplinam no mesmo Código o ato de elaboração da sentença, assim nos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e, ainda, no caso do n.º 2 do artigo 608.º, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia, atentos o objeto do litígio e o princípio do dispositivo.
Importa no entanto não confundir os casos de nulidade da sentença com as nulidades processuais, enquanto desvios entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido no processo – vício formal que pode consistir: a) na prática de um ato proibido; b) na omissão de um ato prescrito na lei; c) na realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas[2] –, sendo que destas, em princípio, como é consabido, cabe reclamação e não recurso, reclamação essa também em princípio dirigida ao tribunal em que foi cometida a nulidade, sendo que só assim não ocorrerá quando essa estiver a coberto de uma decisão judicial, pois que nesta situação o meio de impugnação será o recurso e não aquela reclamação. Assim o afirmava já o saudoso Professor Alberto dos Reis[3], com a autoridade que reconhecidamente por todos lhe é reconhecida, cujos ensinamentos neste âmbito se têm por atuais, ao referir o seguinte: “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677º) e não por meio de arguição de nulidade do processo.”[4]
No caso que se aprecia, fazendo a Apelante apelo à previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, numa breve abordagem ao referido vício, poderemos dizer, socorrendo-nos mais uma vez dos ensinamentos do Professor Alberto dos Reis[5], que esse vício acontece quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete. Ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto.
Na análise da questão, uma nota prévia se deixa a respeito do modo como a Apelante configura a questão, assim por um lado invocando a existência de nulidade da sentença e, por outro, pretendendo atacar a própria utilização das imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância, por entender que estamos perante meio ilícito de obtenção de prova e, nessa medida, sendo proibida a prova obtida. Do que se disse resulta pois a necessidade de esclarecermos que neste momento apenas trataremos da primeira questão, assim da verificação da eventual existência de nulidade da sentença, sendo a segunda questão, porque já fora dessa análise, apenas apreciada mais tarde, se razão não ocorrer que impeça esse conhecimento – em termos que melhor apreciaremos infra.
Cumprindo avançar quanto à questão agora em análise, adianta-se desde já que só com dificuldade se percebe a razão de ser/fundamento que se invoca para sustentar a nulidade da sentença recorrida pois que, como dessa resulta expressamente, dentro da apreciação que se fez sobre a legalidade ou não da utilização das imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância, o Tribunal a quo tomou posição expressa e sem dúvidas inequívoca sobre a posição que assumia dentro dessa problemática, assim que acompanhava a posição jurisprudencial que sobre este tema constava do Acórdão desta Relação de 26 de junho de 2017[6], sendo que as posições jurisprudenciais a que a Apelante faz referência como sendo (para si, entenda-se) contraditórias com o sentido seguido pela decisão, para além de terem sido afinal retiradas por citação expressa deste mesmo Acórdão, dão plena sustentação, como nesse deram claramente, à posição que foi tomada, no sentido inequívoco de que, no caso, era legal a utilização dessas imagens como meio de prova.
De todo e exposto se conclui, pois, pela absoluta falta de fundamento da invocada nulidade da sentença, que assim não obtém provimento.

2. Da admissibilidade da prova consistente na visualização das imagens recolhidas por sistema de videovigilância
Em particular nas suas conclusões 9.ª a 12.ª a Apelante sustenta, muito embora tendo como objetivo sustentar a impugnação da matéria de facto que faz em sede de recurso, que a utilização da videovigilância como meio de obtenção de prova em processo laboral é ilícita, fazendo ainda apelo à autorização da CNPD (assim, facto provado 18, que “os dados só podem ser utilizados nos termos da lei penal”, daí concluindo que é ilícito o uso pelo Tribunal a quo dessas imagens referidas, em sede de fundamentação da decisão, já que as mesmas surgem num contexto jus-laboral de controlo da atividade do trabalhador, e fora do raio de incidência da lei penal.
Pronunciando-se nas contra-alegações sobre essa questão, a Apelada invoca a extemporaneidade dessa invocação apenas em sede de recurso.
Ora, como resulta dos autos – e se fez constar do relatório deste acórdão –, constata-se que, efetivamente, a questão da validade ou não das imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância foi logo levantada pela Apelante na resposta que apresentou ao articulado motivador do despedimento, pugnando então pela declaração de nulidade do visionamento e utilização dessas imagens, sendo que a Apelada, em resposta, defendeu a licitude da respetiva utilização. Constata-se ainda que, aquando do saneador, apesar de fazer constar que relegava “o conhecimento da matéria vertida nos art.s 7º da contestação da autora e 9º da resposta da ré, para momento próprio, em sede de sentença, com todas as implicações legais daí decorrentes” – sendo evidente que se trocou, certamente por lapso, o número dos artigos, devendo ler-se 7º onde consta 9º e vice-versa –, o Tribunal a quo, pronunciando-se sobre a prova requerida, admitiu expressamente “o visionamento das imagens de videovigilância indicadas no ponto b) de fls. 89”. Depois, já em audiência de julgamento, assim na sessão de 10 de Maio de 2017, dando aplicação afinal ao anteriormente decidido, o mesmo Tribunal “ordenou que fossem disponibilizadas as condições para a visualização as imagens da câmara de videovigilância, o que foi feito do seguinte modo: Do CD nº 1 foram visualizados os trechos correspondentes às filmagens compreendidas entre as 11:22h e 11:39h; 11:45h e 11:48h; 14:02h e 14:05h e do CD nº 2 as compreendidas entre as 14:07h e 14:08h; 14:18h e 14:19h e 14:23h e 14:25h.” Por último, como da mesma ata consta, o Ilustre mandatário da Autora limitou-se então em pedir pedido a palavra e, tendo-lhe esta sido concedida, no seu uso, referir o seguinte: “Destarte a visualização das imagens de videovigilância e não pretendendo manifestar-se quanto ao conteúdo dessas mesmas imagens que foram agora visualizadas neste Tribunal, vem a Autora esclarecer e deixar assente que considera nula a prova produzida, por violação quer da Lei Geral do Trabalho, quer do artº 35 da Constituição, sendo portanto uma prova que constitui uma inconstitucionalidade.”
Pois bem, cumprindo verificar da tempestividade da invocação da analisada questão só em sede de recurso – na audiência de julgamento a Autora limitou-se a referir que considerava nula a prova produzida, por violação quer da Lei Geral do Trabalho, quer do artigo 35 da Constituição, sendo portanto uma prova que constitui uma inconstitucionalidade, sem que tenha reagido pelo meio processual adequado de reação previsto, assim a interposição de recurso, pois que estava a coberto de despacho proferido, nos termos melhor esclarecidos supra aquando da apreciação da nulidade invocada (ponto 1 do dispositivo) –, coloca-se a questão de saber se o despacho proferido sobre admissão desse meio de prova faz caso julgado que impeça, pela sua natureza, que essa possa ser levantada neste momento em sede de recurso.
Como sabemos, o caso julgado, que ocorre quando a decisão já não é suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628.º do CPC), visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 580.º, n.º 2, do CPC), salvaguardando-se deste modo, assim, a necessidade de certeza do direito e da segurança nas relações jurídicas e, consequentemente, a paz social, para além do próprio prestígio dos tribunais.
Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, mesmo que a contradição diga respeito a duas decisões proferidas no mesmo processo sobre a mesma questão concreta da relação processual (art.º 625.º do CPC), não podendo neste caso a questão voltar a ser debatida no decurso do processo, devido ao caso julgado formal que sobre ela se formou, pelo que, por decorrência da força obrigatória que detém dentro do processo, não pode ser invocada, no que ao caso importa, em eventual recurso ulterior.
Importa assim verificar se, à luz da lei adjetiva aplicável, por decorrência da falta de reação da Autora contra o despacho que admitiu nos autos o analisado meio de prova, transitando pois esse em julgado, pode essa matéria ser questionada no recurso de apelação que aquela interpôs da sentença final.
Dispõe o artigo 79.º-A do CPT o seguinte:
“1 - Da decisão do tribunal de 1.ª instância que ponha termo ao processo cabe recurso de apelação.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
(…)
i) Nos casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final. (…)”.
O preceito citado foi introduzido com as alterações operadas ao CPT pelo DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro, que visaram, como resulta do respetivo preâmbulo, adequar a lei adjetiva às alterações introduzidas com a revisão daquele Código pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, como ainda, conformar “várias normas de processo do trabalho aos princípios orientadores da reforma processual civil, nomeadamente em matéria de recursos)”, visando-se pois harmonizar o regime de recursos laboral com a reforma dos recursos processuais civis efetuada pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto. Porém, tendo sido tal versão revogada posteriormente com a entrada em vigor do novo CPC – aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho[7], que será aplicável subsidiariamente aos casos omissos no CPT, nos termos resultantes do artigo 1.º, n.º 2 –, pode colocar-se então a questão de saber se a remissão feita para o artigo 691.º do pretérito CPC deve efetuar-se, numa leitura atualizada, como realizada para o correspondente normativo do atual CPC, assim o seu artigo 644.º, que introduziu algumas alterações relativamente ao que se prescrevia naquele artigo 691.º (a dificuldade pode colocar-se, em particular, precisamente quanto à remissão constante da alínea i) do n.º 2 do artigo 79.º-A, por conter remissão expressa para os “casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei”, assim no sentido de poder ser considerado, face à entrada em vigor do novo CPC, que a remissão opera agora para o n.º 2 do artigo 644.º[8]).
Acontece porém que tal questão sequer se coloca no caso pois que a alínea d) do n.º 2 do atual artigo 644.º continua também a prever, à semelhança do que previa a alínea i) do n.º 2 do art.º 691.º, que é admissível recurso autónomo do despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova, daí decorrendo, por aplicação do n.º 2, alínea i), e 3, do artigo 79.º-A do CPT, que o prazo para impugnação daquela decisão era de dez dias, de acordo com o estabelecido no n.º 2 do seu artigo 80.º. Ou seja, no que ao caso importaria, por aplicação do indicado regime, porque ultrapassado há muito o aludido prazo, sempre seria extemporânea a impugnação dessa decisão apenas no presente recurso, interposto da decisão final.
Como se refere no Acórdão desta Relação e Secção de 22 de Setembro de 2014[9], com aplicação ao caso (citação), “(…) se a recorrente discordava do despacho que admitiu os meios de prova decorrentes da visualização da gravação do sistema de videovigilância, que reputa de ilícitos, deveria tê-lo questionado através de recurso autónomo interposto no prazo de dez dias a contar da notificação (…), sob pena de deixar de poder exercer o direito à sua impugnação por a inerente decisão se tornar insusceptível de recurso – cfr. os artigos 138.º, 139.º, n.º 3 e 628.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho”, sendo deste modo “extemporâneo que venha suscitar no recurso interposto da sentença final a questão da admissibilidade daquele meio de prova e dos que nele se basearam, quando sobre a matéria se havia formado já no processo caso julgado formal”. Mais se acrescenta,com relevância, que, “assim – e independentemente de o despacho de fls. 171 poder eventualmente considerar-se prematuramente proferido, ou não se mostrar fundamentado (o que apenas implicaria a sua nulidade, que teria que ser arguida no recurso próprio), de ter sido o mesmo ulteriormente reiterado, de ter sido a prova ali admitida ponderada para fundamentar o veredicto de facto, de ter sido julgada verificada a justa causa com base nos factos emergentes de tal veredicto e de a sentença voltar a abordar a questão já decidida da admissibilidade daquela prova na sua segunda parte, quando era já desnecessário o seu conhecimento por ter sido previamente admitida com trânsito em julgado a sua produção – a verdade é que a questão da admissibilidade da prova suscitada no presente recurso de apelação se mostrava já definitivamente decidida no âmbito dos presentes autos a partir do trânsito em julgado do despacho de fls. (…) e não pode agora ser objecto de reponderação por este tribunal de 2.ª instância. (…)”
Não obstante o que se disse anteriormente, não deixaremos, ainda assim, porém, de nos pronunciarmos sobre o objeto do recurso, pelas razões seguintes:
É que o Tribunal a quo, apesar de ter admitido expressamente a produção do aludido meio de prova, acabou por, afinal, aquando do saneamento, referir que relegava o conhecimento da invocada nulidade daquele meio para aquele que entendeu ser o momento próprio, assim “em sede de sentença, com todas as implicações legais daí decorrentes”. Dito de outro modo, o Tribunal admitiu o aludido meio de prova sem conhecer das questões que foram expressamente levantadas pela Autora a respeito da sua eventual ilegalidade, sendo que, apesar de tal se poder configurar como um caso de nulidade daquela decisão de admissão de prova, nos termos afirmados no Acórdão supra citado, a invocar pois apenas no recurso que deveria ter sido apresentado contra essa decisão – e não já agora –, não é menos verdade que se pode entender que a Autora, afinal, só não reagiu então contra a decisão de admissão do meio de prova precisamente por ter confiado que o Tribunal seria coerente com a sua posição anterior em que disse relegar o conhecimento para a sentença da questão que aquela havia levantado no seu articulado – assim precisamente o da invocada nulidade desse meio de prova –, como afinal o Tribunal acabou por fazer, na sentença proferida em 1 de setembro de 2017.
Conhecendo pois da questão, por apelo ao que a propósito se fez constar da própria sentença diga-se, como o que concordamos, não poderemos deixar de afirmar a falta de fundamento do recurso quanto a esta questão, fazendo também apelo, como naquela em que do mesmo Acórdão foi citada parte relevante, ao que se escreveu no Acórdão desta Relação de 26 de junho de 2017[10], cujo entendimento sufragamos também, tornando desnecessárias outras considerações, que se traduziriam afinal, no essencial, a mera repetição do que consta da sentença e citado Acórdão.
Na verdade, jeito de síntese conclusiva, entendemos que numa situação como a que resulta dos nos autos não está afinal em causa o controlo do desempenho profissional do trabalhador – n.º 1 do artigo 20 do Código do Trabalho –, e antes, como desde logo resulta também da autorização da CNPD, particulares exigências quanto à segurança das instalações e proteção de pessoas e bens, sendo que o que subjaz ao procedimento disciplinar são precisamente factos relacionados com a invocada apropriação de bens pertencentes a uma pessoa, isto é, factos que extravasam do estrito âmbito de atividade laboral do trabalhador, ainda que possam ter sido praticados pelo próprio trabalhador no local de trabalho e durante o horário de trabalho. Aliás, quanto à utilização das imagens em processo laboral, não podendo o sistema jurídico de ser harmonizado, não deixaria, uma vez mais com o devido respeito por diversa opinião, de ser mesmo incongruente e contraditório que tal meio de prova, podendo ser licitamente utilizado para sancionar infrações com dignidade penal já não o pudesse ser para sancionar, com base na mesma atuação do agente, esse comportamento em termos disciplinares, no âmbito laboral.
Daí que possamos também dizer, tal como se escreveu no sumário daquele mesmo Acórdão desta Relação, ser de “aceitar as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente acção judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a protecção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Num quadro circunstancial assim apurado, o trabalhador não merece – nem a lei lhe confere - maior protecção do que aquela que é conferida aos demais cidadãos e, logo, o meio de prova é lícito e admissível”.
Improcedem, pelas razões expostas, as conclusões da Apelante sobre a analisada questão.

3. Recurso sobre a matéria de facto
A Apelante, nas suas conclusões 7.ª a 29.ª, insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando que os factos 24, 27, 40 a 54, 56 a 77, 85 e 93 devem ser considerados não provados.

3.1 Juízo sobre admissibilidade
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, designadamente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos, deve porém o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[11]. Contudo, como também sublinha o mesmo Autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[12].
Tendo por base os citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[13] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[14].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016[15] “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. (…)”. Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[16] que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).” Ainda, por último, no mesmo sentido, conclui-se no Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de outubro de 2016[17] que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.”[18] Em conformidade com esse entendimento, aí se conclui, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto”.
Por referência ao afirmado regime, constata-se que no caso, desde logo, e em primeiro lugar, a Recorrente faz assentar a sua impugnação de modo determinante na questão da invalidade da prova referente às imagens do sistema de videovigilância – questão em relação à qual não obteve sucesso a sua pretensão, como vimos antes –, sendo que, partindo depois desse pressuposto, se limita por um lado a fazer um apelo genérico à prova – assim referindo, designadamente, que “na realidade, inexiste qualquer meio probatório que infirme a tese da Recorrida, já que nenhuma testemunha confirma ou relata com rigor, alicerçado em qualquer outro meio de prova por forma a que o Tribunal pudesse chegar à conclusão, sem dúvidas, que a Recorrente praticou algum ilícito disciplinar” –, sendo que, baseando-se afinal a Apelante também nas suas próprias declarações prestadas em audiência, assim para afirmar que inexiste prova que infirme a sua “tese”, a verdade é que não indica, ónus que se lhe impunha sob pena de rejeição do recurso nessa parte (alíneas b) do n.º 1 e a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC), “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Aliás, por outro lado, quanto ao único depoimento testemunhal que refere nas suas alegações, assim o prestado pela testemunha D... – em relação ao qual indica o início e fim do registo desse depoimento –, limita-se a referir que o mesmo fosse, por si só, suficiente “para considerar como provados os factos da sentença 24, 27, 40 a 54, 56 a 77 e 85, uma vez que, em todo o seu depoimento (sessão de 15.02.2017), faixa 1, minuto 00:00:01 a 00:24:54), esta testemunha nunca enunciou com o rigor plasmado em tais quesitos, a hora, minutos e segundos das alegadas ocorrências – e, em bom rigor, esta testemunha só foi apontada a responder à matéria constante dos art. 1 a 21, 31 e 63 da Base Instrutória (vd. acta de fls. da audiência de discussão e julgamento de 15/02/2017, de ref. 378736483), o que se traduz, no que aos factos provados diz respeito, uma ausência de qualquer prova aos factos provados da sentença 43 a 54, 56 a 77 e 85.”
Não obstante, sem prejuízo das consequências resultantes da falta de cumprimento do ónus de impugnação quanto a prova gravada, porque a Apelante acaba afinal por basear o recurso na afirmação de ausência de prova produzida que sustente que os factos que impugna possam ser considerados provados, no pressuposto que seja este o caso, não se imporia já aquele ónus, razão pela qual, sem prejuízo das consequências que decorrerão da falta de demonstração daquele aludido pressuposto, em termos que afirmaremos então, passaremos seguidamente à apreciação do recurso sobre a matéria de facto.

3.2 Reapreciação da matéria de facto
Desde logo, porque se consta que esse é afinal o argumento fundamental erigido pela Apelante, a propósito das suas conclusões 8.ª a 12.ª nos pronunciámos já, assim no ponto anterior, no sentido de que, diversamente do que sustenta, é lícito o recurso à prova resultante do visionamento, operado em audiência de julgamento, das imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância.
Daí que, diversamente do pressuposto de que parte em geral, sendo lícita tal prova, não se encontre razão, que sequer a Apelante indica expressamente, para afastar a convicção formada pelo Tribunal a quo quanto aos factos agora impugnados, pois que essa convicção, como expressamente refere esse Tribunal, tendo é certo resultado de forma relevante dessa prova, resultou ainda de outra prova, em particular testemunhal, neste caso também bem para além do depoimento da única testemunha que a Apelante refere, assim o de D....
Ora, da leitura da motivação constante da decisão sobre a matéria de facto resulta, de modo evidente, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo firmou a sua convicção num conjunto de provas, assim imagens captadas pelo sistema de videovigilância conjugadas ainda com prova documental e testemunhal, resultando ainda uma análise crítica de todo esse manancial de prova, muito para além daquela que a Apelante refere – assim, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas E..., J..., I..., K..., L... e M.... Ou seja, o que se pretende, não sendo manifestamente esse o âmbito de intervenção do tribunal de recurso na intervenção sobre a matéria de facto prevista no artigo 662.º do CPC, é que esta Relação, esquecendo prova produzida pelo Tribunal a quo em que baseou a sua convicção, prova essa que sequer a Recorrente questiona no recurso, crie uma nova convicção, assim a que a mesma pretende, o que não colhe fundamento na lei. Na verdade, diversamente do que está subjacente a essa sua intenção, como aliás referimos anteriormente, tendo por base os dispositivos legais aplicáveis, a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter é certo a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição –, não se tratando sequer de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão que foi dada em 1.ª instância, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, assim no caso a Apelante, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, de tal modo que se possa pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, como se disse também, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, como resulta do disposto no n.º 5 do artigo 607.º, do CPC.
Deste modo, carece de fundamento o recurso no que se refere à alteração pretendida, face à prova – toda essa, pois – produzida e que esteve na base da convicção firmada em 1.ª instância.
Por último, importando então verificar se ocorre a contradição, invocada pela Apelante nas suas conclusões 17.ª a 28.ª, entre factos dados como provados, assim, respetivamente, o que consta por uma lado do ponto 27 e por outro dos pontos 47 a 49 e 54, mais uma vez se conclui que não lhe assiste razão.
É que, face ao que consta como provado nos aludidos pontos, se o primeiro (o 27, mas relacionado também com os anteriores pontos) se refere apenas ao que, no decurso de uma reunião, foi dito pela cliente D..., assim que entregara, no posto de caixa do Balcão .... Porto – ..., à A., € 3 000,00, em notas de € 20,00 e de € 10,00, adiantando ainda que essas notas faziam parte de 3 maços, de € 1.000,00, cada, sendo dois maços de notas de € 20,00 e o terceiro maço composto por 12 notas de € 10,00 e 44 notas de € 20,00, já os pontos 47 a 49 e 54, por sua vez, indicam, diversamente, o que resultou dos registos de contagem do Reciclador de Notas (ponto 46), tratando-se pois de coisas diversas. De facto, admitindo-se que a boa técnica processual apontasse no sentido de que fossem dados como provados os puros factos enquanto realidade da vida e das coisas e não propriamente o que foi porventura dito pela referida cliente, tanto mais que o que foi ou não dito por essa pode (por variadas razões, assim uma perceção não coincidente com o efetivamente ocorrido) não corresponder à realidade das coisas – como se demonstra ser este o caso –, sendo que é esta, enquanto facto, que assume relevância no domínio factual. Ou seja, os aludidos pontos não se apresentam assim como contraditórios pois que, afinal, se referem a coisas distintas, muito embora sobre o tipo de notas, o primeiro ao que foi referido por alguém e o segundo, por sua vez, ao que resultou da contagem efetuada pelo Reciclador de Notas (ponto 46).
Do exposto resulta, em conformidade, não ocorrer a invocada contradição.
Porque assim é, concluindo, improcede o recurso sobre a matéria de facto, por claudicarem as respetivas conclusões, razão pela qual a factualidade a atender, no dizer do Direito, é a mesma que serviu de base ao Tribunal recorrido.

4. O Direito do caso:
Invoca a Autora/recorrente, fundamentando essa sua pretensão (que sintetiza nas conclusões 30.ª a 34.ª), que seja declarada a ilicitude do despedimento, sustentando que essa não é adequada e proporcional, pois que, devendo a sanção da cessação do vínculo contratual através de despedimento por justa apenas ser aplicada a situações de extrema gravidade e elevado grau de culpabilidade do trabalhador, cotejados estes elementos com o passado do trabalhador ao serviço da entidade empregadora, não este, no seu entendimento, o caso.
Em sentido contrário se pronuncia a Ré/recorrida, no que é acompanhada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, pugnando pela adequação do julgado.
Apreciando:
O contrato de trabalho pode cessar, para além de outras causas que agora não importam, por despedimento por iniciativa do empregador, por facto imputável ao trabalhador, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código de Trabalho –“constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Cumpre dizer que compete ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e à entidade patronal incumbe provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu.
A justa causa compreende, como sabemos, três elementos, ou seja, o comportamento culposo do trabalhador, que esse seja grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre este comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral face àquela gravidade – dito de outro modo, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa[19].
Não nos dando o legislador a exata definição sobre qual o comportamento do trabalhador que deve ser considerado como culposo para integração no conceito legal de justa causa, limitando-se a enunciar, de forma exemplificativa, alguns comportamentos do trabalhador que, a ocorrerem, constituem justa causa de despedimento – o que é a todos os títulos compreensível dada a complexidade e disparidade de comportamentos inerentes à realidade social, tornando assim necessária a utilização de conceitos indeterminados com elasticidade suficiente que permitam a integração de comportamentos que, pela sua gravidade, se reconduzam à noção de justa causa –, sempre será, porém, como resulta do preceito legal antes citado, de exigir, para o preenchimento do conceito, que o comportamento do trabalhador, para além de culposo, revista uma gravidade e consequências tais que, no caso, em função pois das circunstâncias concretas apuradas, tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – como resulta do n.º 3 do preceito, “na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
Assim o têm afirmado a doutrina e jurisprudência, como no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Setembro de 2016, no sentido de que, significando a referência legal à “impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho” que nas circunstâncias concretas aferidas a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador, “(…) haverá justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes – intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes –, se conclua pela premência da desvinculação”, “premência justificada, em nosso entender, quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador que seja susceptível de criar no espírito daquele a dúvida objectiva sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador no âmbito das relações laborais existentes e que decorrem do exercício da actividade profissional para que foi contratado”. Mais se afirma, com relevância mais uma vez, que “a quebra da confiança entre empregador e trabalhador não se afere pela existência de prejuízos, podendo existir sem estes”, bastando “que o comportamento do trabalhador seja suficientemente grave para que o empregador legitimamente duvide da conduta futura do trabalhador”.
Após estas considerações, cumprindo então verificar se a Ré/empregadora logrou provar, como lhe competia, os comportamentos que imputou à Autora/trabalhadora e se os mesmos integram ou não o conceito de justa causa a que se aludiu – dito de outro modo, se a Autora praticou factos culposos que pela sua gravidade e consequências tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho –, a resposta é, quanto às duas questões, sem dúvidas positiva, ou seja, no sentido afirmado pela sentença recorrida.
É que, como fator relevante, em qualquer relação laboral deve estar presente o dever de lealdade do trabalhador, bem como a confiança do empregador no trabalhador.
Ora, tendo o dever geral de lealdade uma faceta subjetiva, que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam), torna-se “necessário – quanto a este aspecto do dever de lealdade – que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele”[20] – “há violação do dever de lealdade, quando o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, afecta a relação de confiança estabelecida com o empregador, causando, ainda, que pontencialmente, uma violação dos interesses da empresa”[21]. Isso independentemente do comportamento anterior da trabalhadora, a que se faz apelo nas conclusões 32.ª e 33.ª, pois que, salvo o devido respeito, esse mesmo comportamento mais difícil torna compreender e assim aceitar a atuação que está aqui em análise.
Com o referido enquadramento, uma funcionária que, numa instituição bancária, se apropriou de forma ilegítima e culposa de parte do valor em dinheiro que lhe foi entregue por uma cliente com o intuito de o trocar por notas de determinado montante, viola sem dúvidas o dever de lealdade e de honestidade que sobre si impendia – dever este que não está sujeito a qualquer graduação nem depende de eventuais prejuízos concretos causados ao empregador[22]’[23] – com a gravidade necessária e adequada à afetação, de uma forma irremediável, da confiança da sua entidade patronal, no caso a Ré, até pela natureza da atividade que desenvolve, que pressupõe o manuseamento de valores em dinheiro. De facto, não é minimamente aceitável que se exija à empregadora que mantenha ao seu serviço uma trabalhadora que adotou o comportamento descrito, pois exerce funções que assentam numa confiança absoluta que foi quebrada.
O comportamento da Autora/trabalhadora supra descrito é doloso e grave, sendo irrelevante o facto de o valor do prejuízo para a sua empregadora não ter sido propriamente muito elevado, inviabilizando esse comportamento, definitivamente, a continuação da prestação do seu trabalho para a empregadora, na medida em que não é exigível a esta que mantenha a relação laboral quando a conduta da trabalhadora quebrou a confiança que nesta pudesse ter – como refere Monteiro Fernandes[24], “a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador”.
Deste modo, tratando-se de um comportamento doloso e grave da trabalhadora e que tornou impossível a subsistência da relação laboral (artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, a) e d), do C.T.), sem esquecermos que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (n.º 1, do artigo 330.º, do C.T.), entendemos que, no caso, a sanção de despedimento aplicada à trabalhadora, apesar das consequências que da mesma podem decorrer, se mostra proporcional à gravidade do seu comportamento.
Pelo exposto, existindo justa causa para o despedimento, não ocorre razão para não concluir, como na decisão recorrida, que o seu despedimento é lícito e regular, sufragando-se pois o julgado também neste segmento decisório.
Improcede, deste modo, também nesta parte o recurso.
Decaindo, a Autora é responsável pelas custas (artigo 527.º do CPC).
***
IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, não se verificando ainda a nulidade invocada, em julgar o recurso totalmente improcedente.
Custas pela Recorrente/autora.
Anexa-se sumário, da responsabilidade exclusiva do relator

Porto, 5 de Março de 2018
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
_________
[1] Cf. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 92/93
[2] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 387
[3] In Comentário ao Código de Processo Civil, II, pág. 507
[4] No mesmo sentido, com idêntica relevância, Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183) quando escreveu: “Mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.
Ainda:
- Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393), referindo que “Se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”;
- Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 134): “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (art.º 677.º, n.º 1), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional (art.º 666.º)”. Porém, depois de algumas reticências relativamente à aplicação do disposto no art.º 666.º a todas as decisões, acrescentou que aquela construção “não tem sequer sentido quanto àquelas nulidades de que o juiz não pode conhecer oficiosamente (todas as nulidades secundárias e as principais a partir do saneador”. Veja-se, o Ac. desta Relação e Secção de 10 de Outubro de 2016, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt.
[5] Código de Processo Civil Anotado, 5º, pág. 143.
[6] Proc. 6909/16.2T8PRT.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas e em que teve intervenção como 1º Adjunto o aqui relator, in www.dgsi.pt.
[7] Que entrou em vigor a 1 de Setembro de 2013 (art.º 8.º/Lei 41/2013)
[8] Sobre tal problemática se pronunciou o Acórdão desta Relação e Secção de 2 de Março de 2017, disponível em www.dgsi.pt, relatado pelo Desembargador Jerónimo Freitas e em que interveio o ora Relator como 1.º adjunto.
[9] Excluídas as notas desse constantes - Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Supra mencionado, em que, como se disse, teve intervenção como 1º Adjunto o aqui relator.
[11] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[12] Op. cit., p. 235/236
[13] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[14] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[15] www.dgsi.pt
[16] processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, disponível igualmente em www.dgsi.pt
[17] processo 110/08.6TTGDM.P2.S1 (mais uma vez em www.dgsi.pt) – proferido num caso em que a Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada.
[18] Constando do mesmo Acórdão, em apoio do decidido, a referência à posição também já afirmada nos Acórdãos STJ de 01/10/2015 (p.824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p. 157/12.8 TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1
[19] Neste sentido, de entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2010, 29-09-2010 e 15-09-2016, disponíveis em www.dgsi.pt.
[20] Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, pág. 236
[21] Cfr. Código do Trabalho Anotado, Paula Quintas e Hélder Quintas, 2.ª edição, Almedina, pág. 34
[22] Nesse sentido, cfr. os Ac. do STJ de 10.02.99 in ADSTA, ano XXXVIII, 454, pág. 274 e de 18/04/2007, disponível em www.dgsi.pt
[23] Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 2 de março de 2013: “É de afirmar a justa causa para o despedimento – atenta a violação do dever de lealdade por parte do trabalhador, dever que tem subjacente o valor absoluto da honestidade – quando está demonstrado que o trabalhador furtou duas garrafas de vinho do restaurante do seu empregador, onde prestava serviço, levando-as para casa, e aí as consumindo, não relevando, para o efeito, o seu valor pecuniário.”
[24] Direito do Trabalho, 13ª ed., Almedina, pág. 561