Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | FÁTIMA REIS SILVA | ||
Descritores: | REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO MAJORAÇÃO SATISFAÇÃO DOS CRÉDITOS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/04/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | A majoração de 5% prevista no nº 7 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial deve ser calculada sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o montante disponível para a satisfação dos créditos, e não sobre o montante destes. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório JM e MM, foram declarados insolventes por sentença de 20/03/2012, na qual foi nomeado como administrador da insolvência, o Sr. Dr. RDS. Realizou-se assembleia de apreciação do relatório, tendo sido determinado o prosseguimento dos autos para liquidação. Foram apreendidos e liquidados bens. Foram reclamados créditos. Foi proferida sentença final de verificação e graduação de créditos em 18/12/2012, tendo sido verificados créditos no montante global de €160.915,51. Foram prestadas contas da administração da massa insolvente, julgadas validamente prestadas por sentença de 21/07/2022, transitada em julgado. Por decisão de 20/02/2023, o tribunal fixou a remuneração variável devida ao Sr. Administrador da Insolvência nos seguintes termos: “Da remuneração variável devida ao Sr. Administrador de Insolvência Nos termos do art.º 60.º n.º 1 do CIRE, “O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.”. Por sua vez, em consonância com o estatuído no art.º 23.º n.º 4 do Estatuto do Administrador Judicial, além da remuneração fixa, o administrador de insolvência tem ainda direito a auferir uma remuneração variável em função do resultado obtido pela recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: “a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6”. Destarte, para efeitos de fixação da remuneração variável ao Sr. Administrador de Insolvência importa proceder aos seguintes cálculos aritméticos: Foi apurado o produto da liquidação do activo em 80.750,00€. Ao valor de 80.750,00 €, são deduzidas as dívidas da massa, que no caso concreto ascendem ao montante referente a custas do processo de insolvência e às despesas tanto da massa como do Administrador da Insolvência aprovadas na prestação de contas. O total das despesas a considerar para este efeito ascende, assim, a 3.107,88€. Assim, o resultado da liquidação a considerar, nos termos do n.º 6 do art.º 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, é de 77.642,12€. Deste modo, nos termos do art.º 23.º n.ºs 4 al. b) e 6 do Estatuto do Administrador Judicial o valor da remuneração variável corresponderá a 3.882,11, acrescido de IVA à taxa de 23%, o que perfaz o valor de 4.774,99€. Quanto à majoração prevista no n.º 7 do art.º 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, em primeiro lugar, há que calcular o grau de satisfação dos créditos, o que se alcança dividindo o saldo líquido da liquidação (produto da liquidação deduzido das despesas, custas, remuneração fixa e remuneração variável apurada nos termos do n.º 4 do art.º 23.º) pelos créditos reconhecidos e aprovados; em segundo lugar, ao valor percentual assim obtido, que corresponde ao grau de satisfação dos créditos, aplica-se ao valor líquido da remuneração, e ao valor assim obtido aplica-se a taxa de 5%. Por conseguinte, por aplicação da referida taxa de 5%, o valor a considerar a título de majoração é de 1.540,30€, acrescido de IVA à taxa de 23 %, o que perfaz o total de 1.894,57€. Procedendo à soma do valor da remuneração variável (já com IVA) supra apurado ao valor da majoração de 5% (também já com IVA), temos assim o montante de 6.669,56€. Nestes termos, fixa-se a remuneração variável devida ao Sr. Administrador da Insolvência em 6.669,56€, já com IVA incluído, a suportar pela massa insolvente. * Notifique, sendo o Sr. Administrador de Insolvência para o efeito de se fazer pagar, retirando da conta da massa o respectivo valor da variável supra fixado e juntar aos autos, no prazo de 5 dias, o correspondente recibo. Mais deverá o Sr. Administrador de Insolvência informar os autos do saldo actualizado da conta da massa. * Junta tal informação, notifique o Sr. Administrador de Insolvência nos termos e para os efeitos do art.º 182.º n.º 3 do CIRE. Prazo: 10 dias. * Decorrido o prazo para os credores reclamarem do mapa de rateio, abra conclusão.” Inconformada apelou o Sr. Administrador da Insolvência pedindo a revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que fixe a majoração a que alude o artigo 23º, nº 7 do EAJ na quantia de € 3.520,36, correspondente a 5% do valor dos créditos satisfeitos nos presentes autos (€70.407,13), por forma a que a remuneração variável a pagar ao recorrente seja fixada na quantia de €7.402,47 (€3.882,11 + €3.520,36), acrescida de IVA no valor de €1.702,57, perfazendo o montante global de €9.105,04., e formulando as seguintes conclusões: “I. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que fixou em €1.540,30 a majoração da remuneração variável a pagar ao recorrente, prevista no artigo 23º, nº 7 da Lei nº 22/2013 de 26 de Fevereiro na redação que lhe foi dada pela Lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro (EAJ). II. O cálculo da majoração a pagar ao recorrente efetuado pelo Tribunal “a quo” assentou no pressuposto de que, para calcular a majoração que acresce ao valor da remuneração fixa alcançada nos termos do disposto no artigo 23º, nº 4, al. b) da Lei nº 22/2013 de 26 de Fevereiro na redação que lhe foi dada pela lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro (EAJ), “em primeiro lugar, há que calcular o grau de satisfação dos créditos, o que se alcança dividindo o saldo líquido da liquidação (produto da liquidação deduzido das despesas, custas, remuneração fixa e remuneração variável apurada nos termos do nº 4 do art.º 23º) pelos créditos reconhecidos e aprovados; em segundo lugar, ao valor percentual assim obtido, que corresponde ao grau de satisfação dos créditos, aplica-se ao valor líquido da remuneração, e ao valor assim obtido aplica-se a taxa de 5%”. III. O Tribunal “a quo” remete o cálculo da majoração a que alude o nº 7 do artigo 23º do EAJ para um “valor percentual” que não refere, nem indica, ficando por se perceber a que percentagem se refere. IV. Tal omissão impede a sindicância do percurso intelectual perseguido pelo Tribunal “a quo” para a fixação da majoração prevista no normativo legal acima referenciado. V. Não obstante o cálculo efetuado pelo Tribunal recorrido – que fixa em € 1.540,30, acrescida de IVA, a majoração a pagar ao recorrente – resulta, salvo o devido respeito, de uma errada interpretação e aplicação do estatuído no artigo 23º do EAJ. VI. Decorre do artigo 23.º, n.º 4 do EAJ que os administradores judiciais auferem, para além da remuneração fixa fixada no n.º 1, da remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, o que corresponde a 5% do resultado da liquidação da massa insolvente por força da alínea b) e nos termos do n.º 6 do mesmo artigo. VII. Prescreve o artigo 23º, nº 7 do EAJ que “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles” (negrito e sublinhado nossos). VIII. Para determinar majoração prevista no nº 7 do artigo 23º do EAJ há que deduzir ao produto da liquidação o valor alcançado por aplicação do disposto na al. b) do nº 4 do artigo 23º do EAJ, pois será esse o montante disponível para pagamento aos credores. IX. Conforme resulta da lei, a majoração a que alude o artigo 23º, nº 7 do EAJ é alcançada em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, numa percentagem fixa aplicada ao montante dos créditos satisfeitos, isto é, calculada com a aplicação da taxa de 5% ao valor/montante/quantia dos créditos satisfeitos. X. No caso concreto, o montante dos créditos satisfeitos ascende à quantia de €70.407,13, donde a majoração prevista no artigo 23º, nº 7 do EAJ não pode deixar de corresponder a 5% desse valor – isto é a €3.520,36 (acrescido de IVA). XI. No despacho recorrido, o M. Juiz “a quo” alcança um valor de majoração totalmente diverso, porquanto aplicou ao montante dos créditos satisfeitos (€70.407,13) um “valor percentual” que, ademais, não indica, do qual determinou um resultado de €1.540,30 – valor que fixou como majoração da remuneração variável a pagar ao recorrente. XII. Não se surpreende na previsão legal a mínima aproximação à solução de cálculo apresentada pelo Tribunal “a quo”, a qual afasta em absoluto a aplicação dos 5% ao montante dos créditos satisfeitos. XIII. Tal como decorre do douto parecer jurídico da autoria do Professor Doutor Alexandre de Soveral Martins, nesta concreta matéria não se admite outra solução que não a da aplicação da lei na forma em que ela se encontra escrita uma vez que se presume que se o legislador pretendesse solução diferente da que plasmou no texto da lei teria tido o cuidado de o escrever - o que não acontece. XIV. A única forma de assegurar a equivalência material nos processos de recuperação de empresa e nos processos com liquidação de ativo previstas nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 23.º é a de que a majoração da remuneração variável a atribuir aos administradores judiciais em processos de insolvência com liquidação de ativo corresponda a 5% do valor dos créditos efetivamente pagos deduzidos das despesas de liquidação e da remuneração fixa previstas no n.º 1 do mesmo artigo. XV. Caso assim não fosse, teríamos a anulação material da majoração aqui em causa, como ocorre no cálculo objeto do presente recurso, em que assim se evidencia uma majoração de € 1.540,30 por não haver qualquer razão sistemática nem literal na lei que acuda à solução de cálculo da majoração da remuneração variável de que se recorre. XVI. O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação do disposto no nº 7 do artigo 23º do EAJ, considerando aplicar um “valor percentual” que nem sequer identifica sobre o montante dos créditos satisfeitos. XVII. O despacho recorrido viola o disposto no nº 7 do artigo 23º do EAJ, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro que fixe a majoração da remuneração variável a pagar ao recorrente em 5% do valor dos créditos satisfeitos (que, no caso concreto, ascende a €70.407,13). XVIII. Por força da aplicação do estatuído no artigo 23º, nº 7 EAJ, impõe-se que a majoração a pagar ao recorrente se fixe, no caso dos autos, em €3.520,36 e, em consequência, a sua remuneração variável seja fixada na quantia de €7.402,47 (€3.882,11 + €3.520,36), acrescida de IVA no valor de €1.702,57, perfazendo o montante global de €9.105,04.” Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido por despacho de 27/03/2023 (ref.ª 54947259). Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar. * 2. Objeto do recurso Como resulta do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma. Consideradas as conclusões acima transcritas a única questão a decidir é a forma de cálculo da parcela de majoração da remuneração do administrador da insolvência nos termos do art.º 23º do EAJ, na versão dada pela Lei nº 9/2022 de 11 de janeiro. * 3. Fundamentos de facto Os factos relevantes para a decisão do presente recurso constam do relatório que antecede. * 4. Fundamentos do recurso O processo de insolvência é um processo especial, regido pelas normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil, nos termos dos art.ºs 17º nº 1 do CIRE[1] e 549º do CPC. Nos termos do art.º 60º do CIRE: «1 - O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis. 2 - Quando eleito pela assembleia de credores, a remuneração do administrador da insolvência é a que for prevista na deliberação respectiva. 3 - O administrador da insolvência que não tenha dado previamente o seu acordo à remuneração fixada pela assembleia de credores pela actividade de elaboração de um plano de insolvência, de gestão da empresa após a assembleia de apreciação do relatório ou de fiscalização do plano de insolvência aprovado, pode renunciar ao exercício do cargo, desde que o faça na própria assembleia em que a deliberação seja tomada.» As regras relativas ao montante da remuneração do administrador da insolvência e à sua forma de cálculo constam do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013 de 26 de fevereiro, mais precisamente do seu artigo 23º, o qual foi alterado pela Lei nº 9/2022, de 11/01 e que entrou em vigor no dia 11 de abril de 2022. No caso concreto está em causa a fixação do valor da remuneração variável do administrador da insolvência, nomeado em processo em que ocorreu liquidação do ativo. O art.º 23º do EAJ, na sua versão original prescrevia, quanto a esta matéria: 1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia. 2 - O administrador judicial provisório ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior. 3 - Para efeito do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização ou em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria referida no n.º 1. 4 - Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 5 - O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.ºs 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1. 6 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções. A norma foi alterada em 2019[2] mas sem qualquer alteração do nº4, assinalando-se que a portaria prevista relativa à forma de cálculo das remunerações nunca veio a ser publicada. Havia, porém, sido publicada na vigência da Lei nº 32/2004 de 22 de julho, o estatuto do administrador da insolvência revogado pela Lei nº 22/2013, a Portaria 51/2005, de 20 de janeiro, que estabelecia, no seu nº3 e tabelas anexas, a forma de cálculo da remuneração variável do administrador da insolvência em processos de liquidação que, para este tipo de processos, continuou a ser utilizada, por ser a única forma de cálculo legalmente prevista e cuja formulação se adequava aos critérios previstos na Lei nº 22/2013. O artigo 23º do EAJ vem a ser alterado pela Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, cujo art.º 5º deu ao preceito a seguinte redação: «1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2.000 (euro). 2 - Caso o processo seja tramitado ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração referida no número anterior é reduzida para um quarto. 3 - Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º 4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. 5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano. 6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles. 8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções. 9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10 000 por cada um dos devedores do mesmo grupo. 10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 (euro). 11 - No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data.» Trata-se de regra imediatamente aplicável, pelo que a remuneração variável do administrador da insolvência foi, e bem, fixada ao abrigo da nova redação do art.º 23º do EAJ na sua nova redação. O recurso está limitado à parcela da remuneração relativa à majoração, pelo que a primeira operação e os elementos de facto que basearam a mesma estão estabelecidos e estabilizados pelo caso julgado[3]. Consta como apurado e não foi posto em causa[4], o valor total de receitas de €80.750,00. Deste valor deduzem-se as dívidas da massa insolvente, incluindo as despesas como tal como validadas em sede de prestação de contas e as custas, que no caso, de acordo com a parte não posta em causa do despacho recorrido, são de € 3.107,88, levando a um resultado da liquidação de €77.642,12. Tal levou, mais uma vez na parte não posta em causa, a uma remuneração variável de €3.882,11, que, acrescida de IVA, soma um total de €4.774,99. Passando ao cálculo da majoração prevista no nº7 do art.º 23º, deduzem-se do resultado da liquidação a remuneração fixa e a remuneração variável achada - €77.642,12 – (2.460,00 + 4.774,99) – achando-se o montante a distribuir pelos credores, ou seja, o que vai constituir o valor dos créditos satisfeitos, que é de €70.407,13. Neste ponto reside o thema decidendum. O tribunal a quo, embora sem quantificar os cálculos consignou que: “Quanto à majoração prevista no n.º 7 do art.º 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, em primeiro lugar, há que calcular o grau de satisfação dos créditos, o que se alcança dividindo o saldo líquido da liquidação (produto da liquidação deduzido das despesas, custas, remuneração fixa e remuneração variável apurada nos termos do n.º 4 do art.º 23.º) pelos créditos reconhecidos e aprovados; em segundo lugar, ao valor percentual assim obtido, que corresponde ao grau de satisfação dos créditos, aplica-se ao valor líquido da remuneração, e ao valor assim obtido aplica-se a taxa de 5%.” O recorrente argumenta que o tribunal remeteu o cálculo da majoração para um valor percentual que não refere nem indica, e que impede a sindicância do percurso intelectual seguido pelo Tribunal. Não obstante, imputa a esta parte do despacho errada interpretação e aplicação do art.º 23º do EAJ, já que nos termos do nº7 do referido preceito, a majoração deve ser calculada aplicando a taxa de 5% ao valor/montante/quantia dos créditos satisfeitos, correspondendo, assim, a €3.520,36 (5% de €70.407,13). Essa é a única solução que se coaduna com a letra da lei como resulta do parecer jurídico junto. Apreciando: Este tema deu origem a duas teses sobre a forma de cálculo da majoração: uma, largamente maioritária[5], defendendo que o os 5% devem ser calculados sobre a percentagem de satisfação dos créditos pelos credores – achada dividindo o saldo líquido da liquidação pelos créditos verificados e graduados – e outra entendendo dever ser calculada sobre o montante disponível para pagamento aos credores[6]. A aqui relatora assumiu, nos acórdãos que relatou nos processos 9849/14.6T8LSB-E.L1-1, 415/13.4TYLSB-E.L1-1 e 22770/19.2T8LSB-F.L1-L1 de 20/09/22 e de 20/12/22, todos disponíveis em www.dgsi.pt, a posição defendida pelo aqui recorrente, ou seja, de que a majoração prevista no nº 7 do art.º 23º do EAJ era calculada sobre o montante dos créditos satisfeitos, não encontrando na letra da lei a previsão da realização de uma operação intercalar de determinação da percentagem de créditos satisfeitos. Sucede que, entretanto, o Supremo Tribunal de justiça já se pronunciou sobre o tema, ponderando todos os argumentos em confronto, decidindo no sentido da jurisprudência maioritária, no seu Acórdão de 18/04/2023 (Olinda Garcia)[7], nos seguintes termos: "I- No cálculo da majoração da remuneração do administrador de insolvência, o valor de 5% referido no n. 7 do art.º 23º do EAJ, com a redação dada pela Lei n.º 9/2022, não tem como objeto o montante total apurado para satisfação dos créditos (ou seja, o apurado depois de extraída a parcela correspondente à percentagem da remuneração variável prevista nos números 4 e 6 do art.º 23º). II- Essa percentagem de 5% incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia destinada a apurar o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”." O nosso Supremo Tribunal ponderou que a tese aqui defendida pelo recorrente "implica desconsiderar um segmento literal do n.º 7 do art.º 23º; precisamente aquele onde se lê: «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos»." e que tal equivale a uma interpretação abrogante da norma, sem fundamento, dado que o segmento não conflitua com qualquer dos demais números do art.º 23º. Buscando um sentido normativamente útil para o segmento normativo em causa, o STJ analisou a evolução legislativa das disposições reguladoras da majoração da remuneração do administrador de insolvência, concluindo que a expressão tem um lastro legislativo que remonta à Lei n.º 32/2004, que com a Lei n.º 9/2022 o legislador não abandonou o critério normativo correspondente à expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos», e ainda que "Apesar de literalmente imperfeita, essa expressão [montante dos créditos satisfeitos] não é necessariamente contraditória com o segmento literal que a antecede. Na realidade, o montante a que se chega depois de aplicado o fator correspondente ao grau de satisfação dos créditos não deixa de ser um montante de créditos satisfeitos, ou seja, um montante destinado à satisfação de créditos." Feito este percurso e analisada a Diretiva transposta pela Lei n.º 9/2022, bem como a não alteração, por esta lei, da remuneração fixa, o nosso mais alto tribunal concluiu pelo acerto da posição que calcula a majoração por forma a que incida sobre a percentagem de satisfação dos créditos, dado que "Feito este percurso histórico, pode concluir-se que se o legislador da Lei n. 9/2022 tivesse pretendido alterar o critério normativo (que já vinha da Lei n.32/2004) dificilmente se compreenderia que não o tivesse feito de forma clara, abandonando a expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos». Porém, não se identifica qualquer argumento sólido para sustentar essa eventual mudança de orientação legislativa. É inequívoco que a Lei n. 9/2022 pretendeu favorecer o administrador, alterando a percentagem da majoração para 5%, em vez dos valores mais reduzidos que constavam da Portaria n. 51/2005. Mas não é possível concluir que o legislador o tivesse pretendido favorecer em mais do que isso." Na sequência desta douta decisão e também do Ac. STJ de 16/05/2023 (Maria Olinda Garcia) que foi, entretanto, tirado no mesmo sentido, e reponderando os argumentos em confronto, a aqui signatária subscreveu já o acórdão TRL de 02/05/2023, relatado por Isabel Fonseca no seguinte sentido: "1. A majoração a que alude o nº.7 do art.º 23º do EAJ, com a redação dada pela Lei nº 9/2022 de 11-01, processa-se nos seguintes moldes: 1.º Ao valor correspondente ao resultado da liquidação é deduzido o montante correspondente à remuneração fixa e ainda o montante correspondente à remuneração variável encontrado por aplicação dos números 4.º, alínea b) e número 6; o resultado assim alcançado corresponde ao montante dos créditos satisfeitos. 2.º O grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é encontrado dividindo o montante correspondente aos créditos satisfeitos pelo valor correspondente aos créditos admitidos e, a seguir, multiplica-se o grau/percentagem assim obtido pelo montante correspondente ao valor dos créditos satisfeitos. Ao resultado alcançado aplica-se a percentagem de 5% correspondente à majoração prevista no referido número 7 do art.º 23.º. 2. A remuneração variável do administrador corresponde à soma dos valores encontrados por aplicação (i) da alínea b) do número 4 e do número 6 do art.º 23.º com (ii) o valor alcançado por aplicação do número 7 do art.º 23.º, acrescida de IVA.", aí fazendo a seguinte declaração de voto conjunta com Amélia Sofia Rebelo: "Declaração de voto: consigno que concordo com a decisão e respetivos fundamentos, tendo alterado a posição assumida nos acórdãos relatados nos processos nº 9849/14.6T8LSB-E.L1, de 20/09/2022, 415/13.4TYLSB-E.L1 e 22770/19.2T8LSB-F.L1, ambos de 20/12/2022, na sequência da pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 18-04-2023, proferido no processo nº 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, referenciado no texto da decisão, no qual foram apreciados todos os argumentos a considerar para a solução a dar à questão controvertida." Os argumentos avançados em sede de recurso correspondem no essencial aos analisados e recusados pelo STJ a cujos fundamentos se adere, pelo bem fundado da análise e também porque em matéria de indiscutível relevância prática como a da forma de cálculo da remuneração dos administradores judiciais em processos de liquidação, é essencial a segurança jurídica que, inegavelmente, a unanimidade jurisprudencial traz, possibilitando aos utilizadores uma previsão muito apurada de uma das parcelas das dívidas da massa insolvente que são pagas antes das dívidas da insolvência – art.ºs 51º, nº 1, al. b) e 172º do CIRE. Em ponto prévio dir-se-á que, efetivamente, a decisão recorrida não espelhou as operações matemáticas de cálculo da percentagem. Mas tal, claramente, não foi óbice à sua compreensão e impugnação por parte do recorrente. O tribunal indicou as operações a efetuar, apenas não fez consignar os valores achados. O recorrente não arguiu a nulidade da decisão recorrida com este fundamento, e bem, já que das demais alegações se retira limpidamente que compreendeu a decisão e qual o cálculo concreto efetuado. Assim, sendo o valor do montante a distribuir aos credores de €70.407,13, como já acima se consignou e o próprio recorrente aponta, e tendo sido verificados e graduados por sentença créditos no montante global de € 160.915,51, a percentagem de satisfação de créditos é de 43.75%. Depois há que aplicar ao montante disponível para distribuição a percentagem de créditos satisfeitos e aplicar ao resultado desta operação os 5% previstos no nº7 do art.º 23º. Ou seja, e em concreto, 43,75% de €70.407,13 são €30.803,12, sendo 5% deste montante €1.540,15, sendo este, de acordo com a posição propugnada, o montante da majoração a somar à primeira parcela de remuneração variável (de €3.882,11). Em conta final, a remuneração seria, nestes termos, de €5.422,26, acrescido de IVA, num total de €6.669,37. Notamos, assim, uma diferença de 15 cêntimos entre o nosso cálculo e o cálculo do tribunal recorrido, que, por serem menos 15 cêntimos, não podemos considerar ou valorar, atenta a proibição de reformatio in peius constante do nº 5 do art.º 635º do CPC[8] que implica que o tribunal de recurso não pode deixar o recorrente em situação menos favorável do que se não tivesse interposto o recurso. Assim, na improcedência integral do recurso, confirma-se a decisão recorrida, sendo a majoração prevista no art.º 23º nº 7 do EAJ de €1540,30, acrescida de IVA, tudo somando, a final, €6.669,56 já com IVA incluído. * Não são devidas custas na presente instância recursiva, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, este não envolveu diligências geradoras de despesas e não há lugar a custas de parte por não ter sido apresentada resposta às alegações de recurso – art.ºs 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[9]. * 5. Decisão Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em, julgando integralmente improcedente a apelação, manter a decisão recorrida. Sem custas na presente instância recursiva. Notifique. Lisboa, 4 de julho de 2023 Fátima Reis Silva Paula Cardoso Isabel Fonseca _______________________________________________________ [1] Diploma ao qual respeitarão todas as normas doravante citadas sem outra indicação. [2] Decreto Lei nº 52/2019, de 17 de abril. [3] Art.º 535º nº5 do CPC. [4] Do apenso de prestação de contas – no qual se prestaram contas (validadas) quer da liquidação, quer da fidúcia – não consta esse valor, mas apenas a entrada, como receita, de 20% do valor do imóvel pago pelo credor hipotecário, que corresponde ao valor de receitas indicado no despacho [5] Entre muitos outros, os Acs. TRL de 02/05/2023 – Isabel Fonseca, TRE de 20/04/2023 – Anabela Luna de Carvalho, TRP de 18/04/2023 – João Ramos Lopes, TRE de 30/03/2023 – Tomé de Carvalho e TRC de 28/03/2023 – Francisco Emídio Santos, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [6] Defendida no parecer junto, subscrito pelo Professor Doutor Alexandre Soveral Martins e por Nuno Freitas Araújo em A renumeração do Administrador Judicial e a sua apreciação jurisdicional depois de abril de 2022, Data Venia, Ano 10, nº13, pgs. 67-110, disponível em https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao13/datavenia13_p067_110.pdf. [7] Também disponível, como todos os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt. [8]Cfr. Rui Pinto em Manual do Recurso Civil, vol I, AAFDL Editora, 2020, pgs. 366 e ss., Castro Mendes e Teixeira de Sousa em Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL Editora, 2022, pg. 137 e Abrantes Geraldes em Recursos em processo Civil, 7ª edição, Almedina, 2022, pgs. 136 a 139. [9] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/. |