Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1499/14.3TMLSB-J.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PARTILHA
BENS
AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Tendo a requerente, livre e voluntariamente, aberto mão do pedido de anulação da partilha e optado pela partilha adicional de bens, a decisão judicial, transitada em julgado, que indeferiu esta última pretensão, tornou plenamente válida e relevante a cláusula inserta no processo de inventário onde os celebrantes deram todas as contas por regularizadas, nada mais havendo a exigir entre os ex-cônjuges.

II – Pelo que não faz sentido, contrariando tal cláusula, permitir o prosseguimento da acção de prestação de contas que foi expressamente objecto de renúncia pelas partes.

III - De resto, conforme o elenco apresentado pela requerente aquando do seu pedido de prestação de contas, o que está em causa é a omissão de bens pelo cabeça de casal que deveria ser objecto de partilha e não foram, e não qualquer tipo de administração de rendimentos provenientes de bens comuns do casal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção).
I – RELATÓRIO
 A autora AM… veio formular o pedido de prestação de contas contra o réu PM…, quanto ao destino que este deu:
a) Ao produto resultante da totalidade do resgate do Fundo AF CURTO PRAZO que se encontrava à guarda da Conta de Títulos n.º …;
b) A parte da indemnização que recebeu na constância do matrimónio de ambos, do BB…, a título de cessão de funções, no valor de €92.299,98;
c) Dos saldos e movimentos que fez em contas por si tituladas, antes e depois de 4 de Julho de 2001 (data da entrada do requerimento de separação de pessoas e bens), designadamente das contas  n.ºs ... …, … e …, do BA…, e na conta n.º … do BN…);
d) Das apólices que subscreveu, na pendência da vida em comum, referentes a diversos seguros de vida;
e) Dos levantamentos de € 5.000,00 e de € 20.000,00 que fez na conta solidária do AB…, n.º …;
f) Dos saldos e movimentos nas contas solidárias no BB…, atual B….
g) Dos saldos e movimentos nas contas bancárias n.º … do então BM…, n.º … e …, cujas instituições bancárias desconhece, na conta poupança habitação n.º … da U…, atual BC…;
h) Do seguro de vida V…;
i) Das 17.500 acções do M… BP….
Alegou essencialmente a A.:
Pretende requerer uma Partilha Adicional, por os fundos terem sido omitidos da Partilha ou então uma emenda à mesma, sendo que o Réu, por ter sido o cabeça de casal, tem a obrigação de prestar contas dos bens cuja administração efetivamente exerceu, de todos os bens comuns do dissolvido casal, defendendo que os bens supra elecandos ficaram omissos na relação de bens e por isso não foram partilhados, não tendo o Réu prestado contas do destino dado à indemnização que recebeu do BB…, a título de cessação de funções; das operações que realizou nas contas bancárias, na pendência da vida em comum e até à efetivação da partilha, bem sabendo que a isso estava obrigado. Que o Réu também não inseriu na Relação de Bens, como verbas do ativo, os diversos seguros de vida que subscreveu até à data da separação, pretendendo que essas apólices constem da Partilha Adicional.
A A. circunscreve a delimitação temporal do seu pedido de prestação de contas por parte do requerido ao período compreendido entre a data da entrada em Tribunal do requerimento de separação de pessoas e bens, em 4 de Julho de 2001, e a data de trânsito em julgado da sentença que homologou as partilhas, em 1 de Março de 2007.
Subsidiariamente pretende que o Réu preste contas de todas as contas bancárias solidárias que tinha com  a Autora.
O Réu contestou a obrigação de prestação de contas, no que respeita à administração dos bens comuns alegando, essencialmente:
Importa esclarecer, antes de mais, em que momento é que a A. teve  conhecimento da existência dos alegados bens comuns, invocando que houve violação do direito à privacidade do R. e do direito ao sigilo bancário;
Aquando da realização da partilha constam quais os bens comuns do casal e não são nenhum destes que agora a A. quer que o R. deles preste contas;
Já existiu um julgamento e uma transação em Tribunal sobre os bens comuns do casal e não é possível repor a situação pré-acordo, tendo sido proferida decisão judicial transitada em julgado no processo n.º …-F, na qual as partes declararam que “dão todas as contas por regularizadas, nada mais tendo a reclamar ou exigir um ao outro”.
Mais defende, no último articulado dirigido aos autos, que relativamente ao pedido de prestação forçada de contas ocorre a exceção do caso julgado porquanto já ficou decidido que não pode haver lugar a qualquer partilha adicional, quer seja pela via direta, quer seja pela via enviesada da prestação de contas, o que requer seja reconhecido e declarado.
Foi proferida decisão que declarou não existir a obrigação de prestação de contas por parte do Réu PM… à aqui Autora AM… (cfr. fls. 1879 a 1892).
Fundou-se o juiz a quo nas seguintes razões:
“O presente processo especial de prestação de contas que a A. propôs contra o R. encontra-se previsto no artigo 1014º do Código de Processo Civil, atual artigo 941º, que estipula que “pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”. 
O direito que a A. tem de exigir a prestação de contas ao aqui R. está directamente relacionado com a qualidade de administrador em que este se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem. 
A acção com processo especial de prestação de contas pode ser proposta por quem tem direito a exigir a prestação de contas (prestação forçada), ou por quem tem o dever de prestá-las (prestação espontânea).
O processo de prestação forçada de contas comporta duas fases distintas: uma fase inicial, na qual se decide, antes de mais e tão só, se o réu deve prestar contas. Na fase seguinte, se a decisão for afirmativa, haverá lugar à prestação de contas, definindo-se os termos em que a mesma se deve processar.
Está em causa precisamente a primeira das identificadas fases.
A regra é a de quem está encarregado de gerir, ou administrar, interesses alheios – ainda que simultaneamente próprios – está obrigado a prestar contas perante o titular desses interesses. Assim é com o cabeça-de-casal (artigo 2093.º do Código Civil).
O artigo 1019º do Código de  Processo Civil, atual art.º 947º,preceitua o seguinte, sob o título “Prestação de contas por dependência de outra causa”:
“ As contas a prestar por representantes legais de incapazes, pelo cabeça-de- casal e por administrador ou depositário judicialmente nomeados são prestadas por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita”.
Havendo inventário, como é o caso dos autos, a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal, o aqui Réu PV…– Código Civil artigo 2079º.
O cabeça-de-casal é quem deve prestar contas, não sendo o cargo transmissível em vida nem por morte – Código Civil artigo 2093º nº 1 e 2095º.
Como refere VAZ SERRA, Scientia Iuridica, vol. XVIII, 115, a obrigação de prestar contas «tem lugar todas as vezes que alguém trate de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios. Umas vezes, é a própria lei que impõe expressamente tal obrigação; noutras, o dever de apresentar contas resulta de negócio jurídico ou do princípio geral da boa fé. Por consequência, a fonte da administração que gera a obrigação de prestar contas não releva; o que importa é o facto da administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte».
Também já salientava ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, II, 303, que a obrigação de prestação de contas pressupõe que alguém administrou ou está a administrar bens ou interesses alheios e, por isso, deve prestar contas dessa administração, mesmo que se trate de mera administração de facto, sem que ao administrador assistam poderes legais ou convencionais para estar a administrar os bens ou interesses em causa, mas a que a lei faz corresponder a fonte dessa obrigação. 
Impõe a lei, como princípio, que as contas que hajam de ser prestadas por pessoa que desempenhe funções de cabeça de casal num determinado processo e que sejam prestadas por dependência do mesmo, se refiram ao período de tempo subsequente ao início dessas funções, uma vez que as mesmas pressupõem uma actividade de administração dos bens, nos termos do normativo inserto no artigo 2087º, nº1 do Código Civil.
Assim, as contas a prestar pelo cabeça de casal, por apenso ao processo de inventário, apenas podem respeitar ao período de tempo em que, após a nomeação nesse inventário, o cabeça de casal administrou os bens da herança.
Neste sentido vd. Ac. Relação de Lisboa, de 03-02-2011, processo n.º 1076/09.0TBOER-A.L1-2, disponível para consulta em www.dgsi.pt: “As contas a prestar pelo cabeça de casal, por apenso ao processo de inventário, apenas podem respeitar ao período de tempo em que, após a nomeação nesse inventário, o cabeça de casal administrou os bens da herança.”
A A. também alega que o R. estaria obrigado a prestar contas da administração dos bens comuns, ainda durante o período de vida em comum e até à efetiva partilha. Porém, como resulta expressamente do art.º 1681º do Código Civil, sob a epígrafe, o exercício da administração “o cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nas alíneas a) a f) do n.º 2 do art.º 1678º, não é obrigado a prestar contas da sua administração…”.
Estará assim apenas em causa a obrigação de prestar contas a partir da data da investidura no cargo de cabeça de casal e até à data da partilha.
Ora, , em face da decisão proferida nos autos de inventário que julgou não haver lugar a qualquer partilha adicional e ancorando-se o presente pedido de prestação de contas nos alegados bens que o ex-marido teria ficado a administrar e cuja partilha adicional a A. vinha requerer, impõe-se decidir que não há qualquer fundamento para o pedido de prestação de contas.
Impõe-se, pois, decidir, nos termos do art.º 1014º-A, nº 4 do Código de Processo Civil, atual art.º 942º/4, que relativamente ao R. não existe a obrigação legal de prestar contas referentes ao exercício do cargo de cabeça de casal”.
Apresentou a requerente Autor recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 1896).
Juntas as competentes alegações, a fls. 1883 a 1889, formulou a apelante as seguintes conclusões:
1. A Sentença recorrida padece de dois vícios de julgamento: erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito.  
2. Relativamente aos factos, não é correcto que os Interessados tenham, ao subscrever a Cláusula VII do Acordo do Processo de Inventário, renunciado a qualquer partilha adicional, como entendimento e decisão no Processo de Partilha Adicional que correu termos sob o n.º …/…-F na ….ª Secção de Família e Menores – J… do Tribunal da Comarca de Lisboa, em virtude de se verificar a existência de um erro e um vício da declaração de vontade da ora Recorrente.
3. E esse vício da declaração de vontade da ora Recorrente decorreu do facto de a mesma ter vindo posteriormente a apurar, já depois de transitada em julgado a Sentença homologatória do Acordo celebrado em sede do Processo de Inventário, da existência de outros bens, não relacionados, em virtude do agora Recorrido, ali Cabeça-de-Casal, haver prestado erradas informações e omitido bens que continuava a administrar, conforme, aliás, informação fornecida aos autos pela ora Recorrente, com a indicação desses bens, por via do seu requerimento inicial, bem como requerimentos supervenientes apresentados a 13/11/2012, 07/05/2013 e 31/03/2014.
4. Sendo obrigação do Cabeça-de-Casal a relacionação de todos os bens que se encontram na sua administração, com vista à subsequente partilha, a verificação da existência de um facto negativo (omissão de uma declaração), cumulada com um facto jurídico de carácter positivo (o dever de declarar por parte do omitente, o Cabeça-de-Casal), como se verificou no caso, determina que existisse, manifestamente um erro e um vício da declaração de vontade da Recorrente, ao celelbrar o Acordo de Partilhas.
5. É factor essencial para que qualquer declaração opere em pleno que, essa declaração de vontade se mostre livre e esclarecida, sob pena de, se assim se não verificar, a expressão dessa mesma vontade ficar viciada.
6. Pelo que, tendo aquele Tribunal conhecimento desse vício da declaração de vontade da ora Recorrente, por não livre e esclarecida, errado foi o entendimento da Mma. Juiz de que os interessados haviam renunciado a qualquer partilha adicional e, nessa conformidade, ter decidido que não havia lugar a qualquer partilha adicional.
7. Verificando-se, assim, a “conditio sine qua none” para que, ao invés do decidido nesse processo, tivesse sido admitida essa partilha adicional.
8. Acresce que, no âmbito do requerimento inicial apresentado no processo de Partilha Adicional, face à relevância e imperiosidade da relacionação de todos os bens a serem objecto de partilha, a Recorrente afirmou que, em simultâneo, propôs uma ação de Prestação de Contas, a ora em apreço.
9. Sustentando-se a Sentença recorrida nessa mesma Cláusula e acompanhando a decisão proferida no atrás referido processo, o Tribunal a quo incorreu num vício de julgamento por erro de facto, devendo a Sentença recorrida ser consequentemente revogada.
10. Relativamente ao direito, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação das normas legais constantes nos artigos 941.º e seguintes do Código de Processo Civil.
11. A ação de Prestação de Contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las, ou por quem tenha o dever de prestá-las, tendo por objecto o apuramento e a aprovação de receitas obtidas e realizadas, por quem administra bens alheios.
12. Resulta destes preceitos legais que o direito de exigir a Prestação de Contas está directamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem ou que não lhe pertencem exclusivamente.
13. Como refere Vaz Serra, Scientia Iuridica, vol. XVIII, 115 (citado na Sentença sob recurso), a prestação de contas “tem lugar todas as vezes que alguém trate de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios (…)”, e que, por consequência, “a fonte da administração que gera a obrigação de prestar contas não releva; o que importa é o facto da administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte” (sublinhado nosso).
14. Em conformidade com o entendimento de Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. I, pag. 303 Coimbra, 1956, “a obrigação de prestação de contas pressupõe que alguém administrou ou está a administrar bens ou interesses alheios e, por isso, deve prestar contas dessa administração, mesmo que se trate de mera administração de facto, sem que ao administrador assistam poderes legais ou convencionais para estar a administrar os bens ou interesses em causa, mas a que a lei faz corresponder a fonte dessa obrigação” (sublinhado nosso).
15. Verificando-se no caso que, após a conclusão do processo de Inventário, nem todos os bens próprios e comuns foram relacionados e, que esses bens apenas foram passíveis de apuramento posterior, existe fundamento legal para sustentar e admitir o pedido de partilha adicional e/ou a prestação de contas, pelo facto de, por um lado, persistirem bens próprios e comuns que não foram relacionados e consequentemente não foram objecto de partilha e, por outro, que esses bens também não foram alvo de apuramento do saldo resultante da receita e da despesa. 
16. A ação da prestação de contas, a par com a partilha adicional, é o meio próprio e adequado, para a prestação de contas por parte do Cabeça-deCasal, ora Recorrido. 
17. Assim, o Tribunal a quo, ao julgar e decidir, ancorando-se na fundamentação da atrás decisão proferida no Processo n.º …/…-F que, não havendo lugar a partilha adicional, consequentemente, não há lugar a prestação de contas, o Tribunal a quo incorreu num vício de julgamento por erro de direito, devendo a Sentença recorrida ser consequentemente revogada.
18. Mais fez ainda o Tribunal a quo uma errada interpretação das normas legais constantes nos artigos 1.688.º,1.789.º e 1.795.º-A” do Código Civil, ao julgar e decidir que a obrigação de prestar contas pelo Cabeça-deCasal, ora Recorrido, seria apenas a partir da data da investidura no cargo de cabeça-de-casal e até à data da partilha, incorrendo consequentemente em vício de julgamento, por erro de julgamento de direito.
19. Como adverte Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3.ª ed., III, 56, “não é verdade que a "entidade" Cabeça-de-Casal só tenha existência dentro do processo de inventário depois de aí reconhecida por despacho transitado, antes se devendo considerar que o Cabeça-de-Casal deve entrar de facto no exercício das funções de administração que lhe competem logo que ocorra o divórcio ou a separação judicial de bens”.
20. Pelo que, após a separação judicial de pessoas e bens ou do divórcio, tendo ficado apenas um dos “ex-cônjuges” a deter a posse e a administração de bens próprios, comuns e alheios, deve aquele prestar contas ao outro, desde a data da propositura da separação judicial de pessoas e bens ou da data da ação de divórcio, uma vez que é, precisamente nessas datas, que a Lei dá por findas as relações patrimoniais dos ex-cônjuges.
21. No caso em apreço, tendo a data da propositura da ação de separação de pessoas e bens ocorrido em 4/07/2001, isto é, em data anterior a interposição da ação do divórcio, a partir daquela data até à celebração do Acordo, em sede do Processo de Inventário, que se verificou em 1/03/2007, apenas o ora Recorrido ficou (continuou) a deter a posse e a administração de bens comuns e alheios, devendo assim e consequentemente, prestar contas ao outro, isto é à ora Recorrente.
22. Pelo que, o Tribunal a quo, ao julgar e decidir que a obrigação de prestar contas pelo Cabeça-de-Casal, ora Recorrido, seria apenas a partir da data da investidura no cargo de cabeça-de-casal e até à data da partilha, fez uma interpretação errada da Lei, das normas aplicadas ao caso, e incorreu em vício de julgamento, por erro de julgamento de direito, devendo a Sentença recorrida ser consequentemente revogada.
23. Deve pois a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que decida que o Recorrido tem obrigação de prestar contas à Recorrente, dos bens por si indicados, e de que o mesmo tem vindo a administrar, como Cabeça-de Casal, desde a data da propositura da ação de Separação de Pessoas e Bens (4/07/2001) até à data do Acordo celebrado no Processo de Inventário (1/03/2007).
Deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo a revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que, admitindo a prestação de contas peticionada, determine que o Recorrido, PM… tem obrigação de prestar contas à Recorrente, dos bens por si indicados, e de que o mesmo tem vindo a administrar, como Cabeça-de Casal, desde a data da propositura da ação de Separação de Pessoas e Bens (4/07/2001) até à data do Acordo celebrado no Processo de Inventário (1/03/2007).
Contra-alegou o requerido pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Apresentou as seguintes conclusões:
1. A Sentença sob recurso não poderia ser mais clara e cristalina quando à fundamentação de facto e Direito, sendo inquestionável o acerto da Decisão.
2. À Recorrente falece totalmente qualquer tipo de fundamento para impetrar a Sentença recorrida. Se de alguma coisa se pode queixar é a do trânsito em julgado da Sentença proferida no Apenso F (Partilha Adicional), para o qual contribuiu ao não recorrer da mesma (apenas antecipando o momento, diremos nós, já que nenhuma razão lhe assistia quanto à substância).
3. O Recorrido louva-se in toto nos fundamentos feitos consignar na Sentença recorrida.
4. Note-se que foi a Recorrente (conforme consta da Sentença) que, chamada a optar, no Apenso F, pelo pedido de anulação (do acordo) da partilha homologada judicialmente ou pela partilha adicional, veio optar por este último.
5. Ao vir agora, neste recurso sob resposta, fazer assentar a sua apelação num suposto vício da vontade quando da “celebração” do Acordo no processo de inventário, mais não faz do que um exercício de má fé, pois que, se assim era, se assim considerava, não devia ter desistido da anulação da partilha.
6. A Recorrente tem que ser consequente com as decisões que toma, e não pode querer uma coisa e depois o seu contrário, como se nada fora ...
7. Note-se a argumentação da Recorrente quanto ao suposto erro de julgamento de facto: 
a. começa por criticar o Tribunal no apenso F ao indeferir o pedido de partilha adicional, mas, como se sabe, nada fez quanto a isso.
b. Segue dizendo que ao subscrever o Acordo no processo de inventário, existia “manifestamente, um erro e um vício da sua declaração de vontade” (desenvolvendo depois este tema).
c. Conclui, para fundamentar a sua tese de erro de julgamento de facto, que o Tribunal errou ao considerar que, face à existência de acordo homologado no processo de inventário, os interessados havia renunciado a qualquer partilha adicional e, como tal decidiu não haver lugar a qualquer partilha adicional.
8. Com o devido respeito, este arrazoado é incompreensível ou, no mínimo, eivado de petições de princípio.
9. O Tribunal a quo não errou no seu julgamento, apenas se limitou a ser consequente com as decisões transitadas em julgado, que adquiriram autoridade de caso julgado e, como tal, ainda que o pretendesse, nada poderia fazer para as contrariar.
10. O Acordo no processo de inventário foi homologado por decisão judicial, que transitou em julgado. Para que a mesma perdesse o seu carácter vinculativo deveria a ora Recorrente ter, em algum momento, “destruído” a eficácia daquela decisão transitada, mormente através do pedido da sua anulação, com fundamento em vício da vontade. Não o fez. 
11. Pior: ensaiou fazê-lo mas desistiu, pois instaurou acção em que formulou tal pedido e outro, optando por este último e deixando “cair” aquele.
12. Assim, mantém-se na Ordem Jurídica a situação resultante do Acordo homologado – nada mais há a repartir entre os ex-cônjuges, seja em que momento for.
13. Ora, se nada mais há a repartir, se não há mais bens comuns a partilhar, que contas é que a Recorrente pretende lhe sejam prestadas se inexiste qualquer bem comum que o Recorrido pudesse ter administrado ou continuado a administrar?
14. Alega a Recorrente que o Tribunal errou também no julgamento de direito, pois que entre a separação e a nomeação do Recorrido como cabeça-de-casal no processo de inventário administrou bens comuns e tem que prestar contas desse período.
15. Antes de mais, na Sentença recorrida essa questão foi enquadrada, fundamentadamente apreciada e decidida. E bem decidida, pois não importa o período que antecedeu a nomeação do Recorrido como cabeça-de-casal (art. 1678º, nº 2, als. a) a f), do CC).
16. Mas, ainda que assim não fosse, ao acordar, no processo de inventário, que os cônjuges nada mais tinham a reclamar um do outro, tal acordo abrangeu necessariamente o período que mediou a nomeação como cabeça-de-casal e o dito acordo mas, inevitavelmente, abrangeu todo tempo em que se verificou suposta administração dos supostos bens comuns, ou seja, também o período entre a separação judicial de pessoas e bens e o acordo no inventário.  
17. Todo o discurso da Recorrente é contraditório pois se, por um lado, invoca doutrina e jurisprudência sobre a prestação e contas, e sobre partilha adicional, por outro lado, tal doutrina e jurisprudência apenas vêm reforçar a falta de razão da Recorrente quando nos atemos ao caso concreto.
18. E, no caso concreto, temos, como já referido mas nunca é demais frisar:
a. Um processo de inventário que findou com um acordo judicialmente homologado em que os ex-cônjuges declararam nada mais haver a partilhar e nada terem a haver um do outro, o que possui autoridade de caso julgado, não destruído e, portanto, firmado na Ordem Jurídica;
b. Um processo instaurado pela Recorrente contra o Recorrido, em que pedia simultaneamente a anulação da partilha e a partilha adicional, tendo optado por este último pedido em detrimento daquele; pedido esse que foi julgado improcedente, por não haver lugar a qualquer partilha adicional, tendo transitado em julgado (sem que a aqui A. e Recorrente tivesse ali, como A., interposto recurso de tal decisão, assim se conformando juridicamente com ela, apesar do que vem agora afirmar acerca da sua discordância), a qual passou a possuir autoridade de caso julgado;
c. Face às duas situações jurídicas anteriormente expostas, é juridicamente incompreensível que venha a Recorrente instaurar a presente acção de prestação de contas, posto que nenhuns bens comuns existem que possam ter sido administrados pelo Recorrido de cuja administração deva prestar contas à Recorrente.
Não há outros bens comuns, nem juridicamente nem materialmente, como, aliás, o Recorrido fez questão de demonstrar ao longo deste longo processo ...  
19. Recorde-se o que a própria Recorrente afirma quando cita o art. 941º do CPC, de que a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigilas tendo por objecto o apuramento e a aprovação de receitas obtidas e realizadas por quem administra bens alheios. 
20. Mais elucidativo não poderia ser de que não há lugar, no caso, a quaisquer prestações de contas.
21. E cita ainda a Recorrente o Professor Alberto dos Reis, afirmando que o pedido de prestação de contas visa estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas de modo a obter-se a definição de um saldo e de determinar a situação do réu – de devedor ou de credor - perante o titular dos interesses geridos. 
22. Mais uma vez, é exactamente o que se não passa no caso concreto: não há receitas cobradas ou despesas efectuadas, não há interesses da Recorrente geridos pelo Recorrido, se foram, que não tenham sido abrangidos pela decisão do processo de inventário e pela decisão do processo de partilha adicional.
23. Se não há bens comuns DEPOIS DA PARTILHA TRANSITADA EM JULGADO não há administração de bens comuns .... logo, não há contas a prestar ....
24. A argumentação da Recorrente é toda ela um sofisma, enredada em incongruências face à própria actuação nos dois outros processos.
25. Em suma - e porque esta é a única matéria em causa no presente Recurso, posto que, como resulta dos presentes autos e dos que correram como Apenso F (partilha adicional), o Recorrido em momento algum aceitou que houvesse quaisquer bens comuns além dos que foram considerados no processo de inventário -, a sentença recorrida é juridicamente inatacável, não enfermando de qualquer erro de julgamento seja de facto seja de direito.

II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado em 1ª instância: .
No âmbito do processo n.º .../... que correu termos no …º Juízo, …ª seção deste Tribunal, que deu entrada em juízo a 4 de Julho de 2001, foi decretada a separação judicial de pessoas e bens por sentença proferida a 9 de janeiro de 2002, transitada em julgado a 21 de Janeiro de 2002.
A A. e a R. requereram a convolação da separação judicial de pessoas e bens em divórcio na 9ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa que culminou com a decisão que decretou o divórcio, transitada em julgado a 29 de Março de 2004.
Correu termos entre as partes processo de inventário com o número ...-F/..., atual …/…-F, do qual os presentes autos são dependentes, no âmbito do qual, a 1 de Março de 2007, os interessados decidem por termo ao inventário, acordando quanto à partilha dos bens do ativo e assunção de dívidas, acordando ainda por termo a diversas ações judiciais então pendentes, mais declarando, na cláusula VII “Relativamente ao presente inventário, o Cabeça de Casal e a Interessada dão todas as contas por regularizadas, nada mais tendo a exigir ou a reclamar um do outro”.
A interessada veio, por articulado junto a 15 de Julho de 2011, dirigir aos autos de inventário, pedido de partilha adicional, em simultâneo com o presente pedido de prestação de contas, invocando que não foram descritos e partilhados diversos bens comuns, incluindo os bens descritos na presente ação de prestação de contas.
A interessada veio, por articulado junto a 18 de Dezembro de 2013, dirigir aos autos de inventário pedido de anulação da partilha judicial, dizendo que traz novos factos que corroboram e ampliam o pedido inicial, retificando-o para pedido de anulação da partilha.
A 21 de Março de 2014 foi proferido despacho naqueles autos julgando os pedidos incompatíveis e convidando a interessada a esclarecer se pretende desistir do pedido inicial de partilha adicional, ao qual a mesma veio responder desistindo do pedido de anulação de partilha e afirmando que pretende o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido de partilha adicional.
A 18 de Abril de 2016 foi proferido despacho naqueles autos, fls. 1844, que decidiu que “tendo os autos de inventário findado por acordo, o qual pôs termo não só ao inventário mas a um conjunto de ações judiciais que se encontravam pendentes, que se entende que os interessados renunciaram a qualquer partilha adicional, como aliás melhor resulta da Cláusula VII do mencionado Acordo/Transação, que se subscreve e sublinha: Relativamente ao presente inventário, o Cabeça de Casal e a Interessada dão todas as contas por regularizadas, nada mais tendo a exigir ou a reclamar um do outro”. Nesta conformidade, indefere-se o requerido na medida em que não há lugar a qualquer partilha adicional”.
De tal decisão não foi interposto recurso, tendo transitado em julgado.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1 - Alegado erro de julgamento de facto.
2 – Alegado erro de julgamento de direito. Prestação de contas. Período abrangido pela administração desenvolvida pelo ex-cônjuge em relação aos bens comuns do casal. Indeferimento de partilha adicional, através de decisão judicial transitada em julgado. Prestação de contas requerida precisamente com o mesmo objectivo prático antes rejeitado.
Passemos à sua análise:
1 - Alegado erro de julgamento de facto.
Embora a apelante não o diga expressamente, esta pretensa impugnação de facto está relacionada, conforme resulta da leitura das alegações/conclusões de recurso, com a seguinte factualidade que foi dada como assente na decisão recorrida:
“Correu termos entre as partes processo de inventário com o número …-F/…, atual …/…-F, do qual os presentes autos são dependentes, no âmbito do qual, a 1 de Março de 2007, os interessados decidem por termo ao inventário, acordando quanto à partilha dos bens do ativo e assunção de dívidas, acordando ainda por termo a diversas ações judiciais então pendentes, mais declarando, na cláusula VII “Relativamente ao presente inventário, o Cabeça de Casal e a Interessada dão todas as contas por regularizadas, nada mais tendo a exigir ou a reclamar um do outro”.
Ora, a existência factual desta cláusula, com o seu exacto teor e sentido, pertinente formalmente ao acordo quanto à partilha dos bens do activo e assunção de dívidas em processo de inventário, constitui uma realidade objectiva, absolutamente verdadeira e indiscutível.
Independentemente da possibilidade de verificação, ou não, de quaisquer vícios de vontade dos celebrantes ao fazê-la consignar no processo de inventário, a apreciar autonomamente e noutra sede, constitui uma absoluta evidência que tal cláusula foi aceite nos termos concretos em que consta dos factos dados como provados.
E é apenas essa materialidade que é abrangida pelo dito ponto de facto que a ora apelante parece tentar – erroneamente - colocar em crise.
É assim óbvia a falta de razão para a alteração deste ponto de facto.
Improcede a apelação neste particular.
2 – Alegado erro de julgamento de direito. Prestação de contas. Período abrangido pela administração desenvolvida pelo ex-cônjuge em relação aos bens comuns do casal. Indeferimento de partilha adicional, através de decisão judicial transitada em julgado. Prestação de contas requerida precisamente com o mesmo objectivo prático.
A apreciação jurídica da presente apelação desdobra-se em duas questões distintas, a saber:
1 - Se a obrigação de prestação de contas que incumbe sobre o cabeça de casal abrange, ou não, o período compreendido entre a entrada em juízo do requerimento inicial do processo judicial para a separação de pessoas e bens entre os cônjuges e a investidura do A., ex-cônjuge marido, na qualidade de cabeça de casal no processo de inventário respectivo.
2- Se a decisão proferida em 18 de Abril de 2016 (cfr. fls. 1844), e transitada em julgado, no sentido de que “tendo os autos de inventário findado por acordo, o qual pôs termo não só ao inventário mas a um conjunto de ações judiciais que se encontravam pendentes, que se entende que os interessados renunciaram a qualquer partilha adicional, como aliás melhor resulta da Cláusula VII do mencionado Acordo/Transação, que se subscreve e sublinha: Relativamente ao presente inventário, o Cabeça de Casal e a Interessada dão todas as contas por regularizadas, nada mais tendo a exigir ou a reclamar um do outro” (...) indefere-se o requerido na medida em que não há lugar a qualquer partilha adicional”, constitui fundamento jurídico válido para a rejeição do concreto pedido da prestação de contas solicitado pela requerente relativamente ao requerido.
Apreciando:
1 - Relativamente ao período durante o qual o cabeça de casal está obrigado a prestar contas da sua administração dos bens comuns, cumpre referir:
Nos termos do artigo 1681º do Código Civil: “o cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nas alíneas a) a f) do n.º 2 do art.º 1678º, não é obrigado a prestar contas da sua administração…”.
A obrigação de de prestação de contas pelo ex-cônjuge que administrou bens comuns do casal não abrange o período da vida em comum do casal.
Todavia, nascendo tal obrigação de prestação de contas partir do decretamento do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, a mesma retroage os seus efeitos à data da entrada em juízo do requerimento apresentado nesse mesmo processo, conforme resulta do disposto no artigo 1795º-A do Código Civil, que remete para o artigo 1789º, nº 1, do mesmo diploma legal.
Na situação sub judice, e em conformidade com a solução legal indicada, a haver lugar à prestação de contas por parte do requerido em relação à administração de bens comuns do casal, a mesma abrangeria o período compreendido entre a data de entrada do requerimento inicial na acção de separação de pessoas e bens e a data da investidura do A. como cabeça de casal, conforme o pretendido pela apelante.
Quanto à segunda questão:
Relembrando os factos dados como assentes:
A interessada, ora requerente/apelante, veio, por articulado junto a 15 de Julho de 2011, dirigido aos autos de inventário, deduzir pedido de partilha adicional, em simultâneo com o presente pedido de prestação de contas, invocando que não foram descritos e partilhados diversos bens comuns, incluindo os bens descritos na presente acção de prestação de contas.
Através de articulado junto a 18 de Dezembro de 2013, dirigiu aos autos de inventário pedido de anulação da partilha judicial, dizendo trazer novos factos que corroboram e ampliam o pedido inicial, rectificando-o para pedido de anulação da partilha.
A 21 de Março de 2014 foi proferido despacho naqueles autos julgando os pedidos incompatíveis e convidando a interessada a esclarecer se pretende desistir do pedido inicial de partilha adicional, ao qual a mesma veio responder desistindo do pedido de anulação de partilha e afirmando que pretende o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido de partilha adicional.
A 18 de Abril de 2016 foi proferido despacho naqueles autos, fls. 1844, que decidiu que “tendo os autos de inventário findado por acordo, o qual pôs termo não só ao inventário mas a um conjunto de ações judiciais que se encontravam pendentes, que se entende que os interessados renunciaram a qualquer partilha adicional, como aliás melhor resulta da Cláusula VII do mencionado Acordo/Transação, que se subscreve e sublinha: Relativamente ao presente inventário, o Cabeça de Casal e a Interessada dão todas as contas por regularizadas, nada mais tendo a exigir ou a reclamar um do outro”. Nesta conformidade, indefere-se o requerido na medida em que não há lugar a qualquer partilha adicional”.
Vejamos:
- Na Cláusula VII do Acordo/Transação firmado entre as parte no processo de inventário, ficou expressamente estabelecido queRelativamente ao presente inventário, o Cabeça de Casal e a Interessada dão todas as contas por regularizadas, nada mais tendo a exigir ou a reclamar um do outro”.
- Este acordo foi judicialmente homologado e transitou em julgado, vinculando assim, nesses precisos termos, a requerente e o requerido que o celebraram.
- O que significa que os ex-cônjuges terminaram definitivamente, por essa via, todas as questões relativas ao apuramento de todo o tipo de matérias relacionadas com o inventário, incluindo a prestação de quaisquer contas respeitantes à administração de bens comuns do casal.
- Foi, por assim dizer, um ponto final em todos os litígios que tão intensamente envolveram as partes ao longo de anos.
- O que se verificou, posteriormente à celebração deste acordo final, foi que a ora requerente diz ter tomado conhecimento da existência de bens e direitos que nunca foram avocados pelo cabeça de casal para o processo de inventário, como deveriam ter sido.
- Nesse sentido e pressuposto, se a requerente tivesse deles tido atempado conhecimento, nunca se teria comprometido a subscrever a declaração conciliatória constante desse ponto VII da Transacção.
- Pelo que solicitou, lógica e compreensivelmente, a anulação da partilha acordada, com fundamento em erro essencial que determinou, viciando, a sua vontade em transigir (da forma como formalmente fez).
- Acontece que, estranhamente, cumulou esse natural pedido de anulação da partilha, por erro, com o pedido de partilha adicional, a qual, a ter lugar, pressuporia necessariamente a validade da partilha anteriormente consumada.
- Face à evidente contradição lógica que tornava incompatível a cumulação destes dois pedidos, o juiz notificou a requerente para esclarecer qual das vias processuais escolhia em detrimento da outra, que assim considerava prejudicada.
- E aí, a ora requerente tomou uma posição inequívoca, em termos da sua estratégia processual: optou pelo pedido de partilha adicional, deixando cair o pedido de anulação da partilha realizada, por erro.
- O que significa, lógica e inevitavelmente, que aceitou a validade da partilha em que foi pessoalmente interveniente e, em especial, a validade da cláusula VII, com o seguinte teor: “Relativamente ao presente inventário, o Cabeça de Casal e a Interessada dão todas as contas por regularizadas, nada mais tendo a exigir ou a reclamar um do outro”.
- Acontece que o pedido de partilha adicional veio a ser indeferido por decisão judicial proferida no processo de inventário.
- A requerente, notificada dessa decisão que lhe foi desfavorável, com ela se conformou, não apresentando contra a mesma o competente recurso.
- Face ao trânsito em julgado dessa decisão, impõe-se concluir que a situação da presente partilha encontra-se definitivamente consolidada, decidida e arrumada.
- Logo, não há o menor cabimento legal para a pretendida prestação de contas que mais não constitui do que um enviesado expediente prático de tentar contornar os efeitos jurídicos associados à decisão de rejeição da partilha adicional, que transitou em julgado e que, por esse motivo, não poderá ser reaberta.
- Tendo a requerente, livre e voluntariamente, aberto mão do pedido de anulação da partilha e optado pela partilha adicional de bens, a decisão judicial, transitada em julgado, que indeferiu esta última pretensão, tornou plenamente válida e relevante a cláusula inserta no processo de inventário que deu todas as contas por regularizadas, nada mais havendo a exigir entre os ex-cônjuges.
- Pelo que não faz sentido, contrariando tal cláusula, permitir o prosseguimento da acção de prestação de contas que foi expressamente objecto de renúncia pelas partes.
- De resto, conforme o elenco apresentado pela requerente aquando do seu pedido de prestação de contas, o que está em causa é a omissão de bens pelo cabeça de casal que deveriam ter sido objecto de partilha e não foram.
Não qualquer tipo de administração de rendimentos provenientes de bens comuns do casal.
Veja-se a este propósito que a requerente alude concretamente a
j) Ao produto resultante da totalidade do resgate do Fundo AF CURTO PRAZO que se encontrava à guarda da Conta de Títulos n.º …;
k) A parte da indemnização que recebeu na constância do matrimónio de ambos, do BB…, a título de cessão de funções, no valor de €92.299,98;
l) Dos saldos e movimentos que fez em contas por si tituladas, antes e depois de 4 de Julho de 2001 (data da entrada do requerimento de separação de pessoas e bens), designadamente das contas  n.ºs … …, … e …, do BA…, e na conta n.º … do BN…);
m) Das apólices que subscreveu, na pendência da vida em comum, referentes a diversos seguros de vida;
n) Dos levantamentos de € 5.000,00 e de € 20.000,00 que fez na conta solidária do AB…, n.º …;
o) Dos saldos e movimentos nas contas solidárias no BB…, atual B….
p) Dos saldos e movimentos nas contas bancárias n.º … do então BM…, n.º … e …, cujas instituições bancárias desconhece, na conta poupança habitação n.º … da U…, atual BC…;
q) Do seguro de vida V…;
r) Das 17.500 acções do M… BP….
Ou seja, estão em causa bens e direitos objecto da normal e devida inclusão na relação de bens, não se reportando a qualquer actividade de gestão de proventos ou frutos a cargo do ex-cônjuge, ora requerido.
Pelo que improcede a presente apelação.  
O que se decide sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.

IV - DECISÃO: 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela A. apelante.

Lisboa, 12 de Março de 2019.

(Luís Espírito Santo).